quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Reação à PEC mostra passo em falso de Hugo Motta. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Lula, Senado e STF reagem à investida da Câmara para blindar parlamentares

Os institutos que aferem a movimentação nas redes sociais amanheceram, nesta quarta, com um atestado inconteste de rejeição à PEC da blindagem. Do Senado, desde a véspera, já choviam reações negativas à proposta. Nada disso foi capaz de impedir que a Câmara dos Deputados, no início da tarde, ampliasse ainda mais a abrangência da PEC com o voto secreto às sessões destinadas a avalizar processos contra seus pares no Supremo Tribunal Federal.

Das razões desse desatino se depreendem muitas das motivações da caixa de ressonância e, principalmente, de dissonâncias, que está a ensurdecer a capital federal. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou ao gabinete do presidente da República, na segunda-feira, como portador de uma proposta para que o governo apoiasse a PEC da blindagem em troca de uma anistia restrita à redução de penas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não poderia interferir numa PEC do Congresso que nem por sua sanção passa e que, qualquer proposta de anistia teria que ser avalizada, antes, pelo STF. Lula nada mais disse porque a pauta de Motta tinha projetos como a tarifa social de energia, que acabaria sendo aprovada à tarde. Mal o presidente da Câmara havia deixado o gabinete, Lula espumou. Pela inexistência de qualquer garantia de cumprimento, não haveria acordo. Por trás da motivação enfurecida também estava a certeza, partilhada por alguns de seus ministros, de que uma PEC dessas, se aprovada, cairia em seu colo por obra e graça eficiente da extrema-direita nas redes. A resposta viria na noite desta quarta, quando se colocou, à BBC, contra ambas as propostas.

A ministros do STF, o Centrão havia feito chegar a ideia de que a PEC deveria ser recepcionada porque, se aprovada, os parlamentares não teriam mais por que se preocupar com processos na Corte e, por isso, a pauta do impeachment não prosseguiria. Além disso, com um acordo extensivo à anistia, poderia se entabular uma negociação com o bolsonarismo para que a Lei Magnitsky não se estendesse para toda a Corte.

Esta ponte tampouco se sustentou. O jornalista Paulo Figueiredo garante que não há nenhum acordo sobre Magnitsky. A chantagem colheu ainda uma resposta do ministro Gilmar Mendes, que, nesta quarta, deu andamento a duas ações que questionam a legislação sobre impeachment. Uma acolhe a tese de que o quórum do Senado é baixo para este fim e a outra, a de que apenas o procurador-geral da República, e não qualquer cidadão, poderia denunciar ministro da Corte.

E, por fim, o ministro Flávio Dino apertou ainda mais o torniquete com um prazo de 15 dias para que a AGU apresente o cronograma de julgamento dos relatórios de gestão das emendas Pix. O despacho foi a maneira que encontrou para dizer duas coisas. A primeira é a de que a esperteza de usar emenda para custeio e transferências para estados e municípios para as “obras” e, assim, trocar o TCU pelos TCEs, está com os dias contados.

A outra é que está chegando a hora de julgar o mérito das ações das quais é relator. Ou seja, vai partir pra julgar se a impositividade das emendas é constitucional tão logo o ministro Edson Fachin, que assume a Presidência do STF no dia 29, a paute. Pelos depoimentos colhidos na audiência pública sobre o tema não parece haver muita dúvida sobre o voto do relator.

O tamanho da reação dá a dimensão do passo em falso de um presidente da Câmara que se move premido ora pelo antecessor, o deputado Arthur Lira (PP-AL), que lhe impôs o novo relator da PEC da blindagem, Cláudio Cajado (PP-BA), ora pelo presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Pelo açodamento com o qual recolocou em pauta matéria vencida na véspera, o voto secreto para a deliberação sobre a licença ao STF, Motta mostrou a inspiração de outro mentor, o ex-deputado Eduardo Cunha, como mostrou Bernardo Mello Franco, em O Globo. Só vale o resultado que lhe apetece.

Premido por tanta inspiração, Motta descuidou de combinar com a Casa ao lado, onde impera o voto majoritário e, por isso, avesso à PEC. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), denominou de “desabafo” a pressão sobre anistia e impeachment de ministro do STF e as “agressões” do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) “contra meu país”. Detonou qualquer acordo do Centrão com o bolsonarismo.

Junto com Motta, tropeçaram muitos parlamentares. O PL de Nikolas Ferreira (MG) terá dificuldades de explicar a acachapante votação (83) em favor da blindagem. O PSB também se meteu em apuros para explicar mais votos (9) pela PEC, inclusive do líder, Pedro Campos (PE), do que contra (6). A votação escancarou a ascendência de Lira sobre o partido. A atitude inversa de Antonio Brito, líder do PSD, partido que deu 18 votos pela rejeição, exibiu a distância entre o presidente da legenda, Gilberto Kassab (SP), e o do PP, um dos principais interessados pela PEC. E, finalmente, o PT cuja rejeição à proposta ficou aquém dos 80%, mostrou que o partido incrustou seu próprio “centrão”.

Dos argumentos publicáveis em defesa da PEC, aquele que mais exibe a distância do Congresso dos eleitores que deveria representar está o de que a PEC resgata a Constituição de 1988. É verdade que aquele texto, promulgado antes do nascimento de Motta, previa a autorização para processo contra parlamentar, mas o PCC só seria criado cinco anos depois.

 

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