O Estado de S. Paulo
Os que defendem uma posição equidistante dos
radicalismos ideológicos da esquerda e da direita têm uma palavra a oferecer no
cenário político nacional
Apesar de indicadores positivos na economia (crescimento, inflação, desemprego, câmbio, reservas), o Brasil enfrenta uma situação interna de extrema complexidade sem uma liderança que expresse os anseios de todos por uma economia estável e um regime político funcional, que represente a maioria da população e que favoreça uma sociedade mais justa. O grau alarmante de corrupção e de violência, facilitadas pela interferência e ineficiência do Estado todo-poderoso, contamina a vida política e econômica do País e clama pelo fim da impunidade. Perdeu-se o sentido de autoridade e de garantia de segurança ao cidadão.
A ausência de liderança efetiva no Executivo,
no Legislativo e no Judiciário agrava o quadro nacional e exige de todos os que
se preocupam com o futuro do Brasil um esforço para promover um debate que
chame a atenção para as mudanças que a sociedade brasileira terá de enfrentar e
aceitar, e a necessidade de restaurar o crescimento e aumentar o emprego.
Os partidos políticos deixaram de representar
os interesses de grande parte da sociedade e não entenderam sua posição numa
sociedade dividida e radicalizada como a em que vivemos hoje. O Congresso
Nacional está mais preocupado em defender seus interesses políticos e
eleitorais do que discutir os reais problemas do País. O Judiciário, entre o
Executivo e o Legislativo, em algumas decisões, aumenta a insegurança jurídica.
Estudos técnicos mostram que, se não houver
uma mudança efetiva no tratamento da coisa pública, o Brasil enfrentará uma
crise financeira provocada pelo colapso fiscal, sem precedentes, com impacto na
ordem política e social. O País pode parar, com o choque entre o Executivo e o
Legislativo e a paralisia no processo decisório.
Chegou o momento de enfrentar os problemas
que, de fato, afetam a sociedade brasileira. Governo, empresários e
trabalhadores, como parceiros, junto com os agentes políticos, em momentos
cruciais no passado, souberam superar suas diferenças e atuar em conjunto em
favor do crescimento e do emprego. Não resta alternativa senão confrontar essa
ameaça para evitar uma crise mais profunda.
O cidadão comum tem de defender seus direitos
e participar de forma democrática na solução dos problemas que se acumulam e
que parecem sem solução. A população, anestesiada pela crise em todos os
níveis, tem de despertar e exercer seus direitos de cidadania.
O preço do imobilismo será maior do que o
custo das mudanças necessárias para restabelecer as condições de
governabilidade do País. Em meio a incertezas globais, é fundamental um Estado
eficiente, efetivo e comprometido com o interesse público e com menor grau de
interferência na vida de todos nós e das empresas.
Não é mais possível aceitar passivamente uma
situação insustentável. Sem participar da definição dos rumos do processo
político e mostrando o interesse na formação de uma frente ampla, moderada,
chegou a hora de todos os que preferem uma alternativa à polarização se
reunirem para buscar uma candidatura presidencial única, de centro, com uma
clara visão de como enfrentar os desafios internos e externos.
Recente pesquisa de opinião pública mostrou
que 65% dos que votaram em Lula e em Bolsonaro em 2022 preferem outros nomes na
próxima eleição presidencial. A independência dos extremos, com uma visão clara
dos problemas internos e do lugar do Brasil no mundo, deve ser buscada por
todos os que não se conformam com a atuação (ou a ausência de atuação) da
classe política nos dias de hoje.
Será importante a mobilização da sociedade,
que recusa a polarização em torno de uma agenda mínima que passe, de um lado,
por uma reforma política parcial, com a introdução do voto distrital com listas
partidárias para dar mais representatividade às Câmaras Municipais, Assembleias
Legislativas e Congresso Nacional, e por uma reforma administrativa que enxugue
a máquina pública e acabe com os privilégios e penduricalhos inaceitáveis. Além
disso, diante das grandes transformações que ocorrem no cenário global, deveria
começar uma discussão objetiva, e não ideológica ou partidária, sobre o lugar
do Brasil no mundo, como potência média regional, focado no desenvolvimento
econômico e social e na segurança nacional, com ênfase na defesa da soberania e
na dos cidadãos com o combate à violência e ao crime organizado e daquilo em
que o Brasil tem uma voz qualificada: segurança alimentar, transição energética
e mudança climática.
Pensando no Brasil em primeiro lugar, os que
defendem uma posição equidistante dos radicalismos ideológicos da esquerda e da
direita têm uma palavra a oferecer no cenário político nacional. Essa
manifestação deveria ser no contexto de um amplo movimento que, neste quadro de
incertezas e grandes riscos, faça a defesa do interesse nacional com a
discussão de uma agenda renovada que venha a examinar medidas difíceis, mas
realistas. Negligenciado até aqui, a sociedade civil deve dar início a esse
debate.
O cenário global e o Brasil mudaram, sem que
o governo entenda as transformações em curso e atue para melhor defender os
interesses do País. A tarefa é urgente. O Brasil não pode esperar. O mundo não
vai aguardar o Brasil superar a ausência de uma visão clara de seus objetivos e
de seus interesses.
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE), é membro da Academia Paulista de Letras
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