O Estado de S. Paulo
Com líderes de Irã, Rússia e China no Rio, para a cúpula dos Brics, o risco é o Brasil se meter onde não deve
A Cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, dias 6
e 7 de julho, será um enorme desafio para o Itamaraty, ao reunir Irã, China e
Rússia nesses tempos preocupantes em que os Estados Unidos aderiram aos ataques
de Israel a usinas iranianas de enriquecimento de urânio. No início da noite de
ontem, Donald Trump anunciou um cessar-fogo em seis horas. O governo Lula,
porém, mantém o risco de, no Brics, assumir um lado numa disputa que extrapola
o Oriente Médio e divide as potências.
O Brics foi criado por Brasil, Rússia, Índia e China como resistência a um “mundo unipolar”, ou seja, à hegemonia norte-americana. A eles, se uniram a África do Sul e, em janeiro de 2024, mais cinco países, inclusive o Irã. A reunião do Rio nada tem oficialmente com o atual conflito, mas o Irã estará entre parceiros que se opõem aos ataques de EUA e Israel.
Putin declarou que a Rússia está pronta para
“ajudar” o Irã e recebia o chanceler iraniano em Moscou, antes de Trump
anunciar o cessar-fogo e enquanto os bombardeios continuavam dos dois lados.
Nesse ambiente, segundo experientes diplomatas brasileiros, o papel da China se
torna ainda mais relevante.
Se a Rússia deu um passo além, a China ficou
na retórica, ao acusar o ataque americano ao Irã de “violar gravemente os
propósitos e princípios da Carta da ONU” e pedir cessar-fogo “imediato e
incondicional”. Em nota, o Brasil foi na mesma linha, condenando “com
veemência” as ações de Israel e EUA como “violação da soberania do Irã e do
direito internacional” e alertando para o “grave risco de contaminação
radioativa e desastres ambientais de larga escala”.
Em entrevistas, o assessor internacional de
Lula, ex-chanceler Celso Amorim, admitiu o risco de “alastramento” do conflito
e até de uma nova guerra mundial, condenando o enfraquecimento dos organismos
internacionais e do próprio Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
(TNP).
Com Amorim chanceler, nos primeiros governos
Lula, o Brasil mediou um acordo com a Turquia para um programa nuclear do Irã
para fins pacíficos. EUA e França derrubaram, mas depois aprovaram na ONU uma
proposta não muito diferente. Brasil, Lula e Amorim já não têm estatura
diplomática para mediar um acordo dessa envergadura e o País, inclusive, está
sem embaixador em Israel desde o início de 2024.
Como anfitrião, cabe ao Brasil manter a pauta
original do Brics e a defesa de décadas do multilateralismo e da renovação da
ONU, mas sem sinalizar uma aproximação ainda maior com Irã, Rússia e China,
contra EUA e Israel. Não teria nada a ganhar e poderia perder um bocado.
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