terça-feira, 23 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Reconhecimento da Palestina é gesto relevante, mas inócuo

Por O Globo

Movimento mundial resulta de isolamento diplomático de Israel, porém não deverá ter efeito prático

Reino Unido, França, Canadá, Austrália, Bélgica e Portugal reconheceram nos últimos dias o Estado da Palestina — posição adotada pelo Brasil desde 2010. Com isso, passa de 150 o total de países que formalizaram o reconhecimento. No último dia 12, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por ampla maioria de 142 votos a favor e apenas 10 contrários (com 12 abstenções) uma resolução conclamando a comunidade internacional a dar “passos tangíveis” e “irreversíveis” para a implementação da solução de dois Estados, Israel e Palestina, convivendo lado a lado em paz, na região hoje palco de guerra brutal.

O movimento em prol do reconhecimento da Palestina é reflexo do isolamento diplomático inédito de Israel, de consequências ainda imprevisíveis. Resulta da campanha militar sangrenta promovida pelo governo Benjamin Netanyahu na Faixa de Gaza contra o grupo terrorista Hamas depois dos ataques bárbaros de 7 de outubro de 2023. Trata-se de gesto simbólico relevante, cuja intenção imediata é pressionar Netanyahu a recuar nos planos de ocupar Gaza e a aceitar um cessar-fogo no conflito que já matou dezenas de milhares de civis palestinos. Na prática, porém, tem tudo para ser inócuo.

Muito além da esquerda. Por Merval Pereira

O Globo

A blindagem dos parlamentares é um abuso tão grande que é plausível ver, na rejeição maciça, apoio do cidadão comum

Há muito tempo não se veem manifestações tão fortes quanto as de domingo em todas as capitais do país, especialmente no Rio e em São Paulo. Foi uma resposta muito clara da sociedade aos congressistas. Caracterizá-las como “da esquerda” é menosprezar que os temas objetos dos protestos, especialmente a PEC da Blindagem, ofendem a cidadania, seja de esquerda ou de direita. O debate sobre a anistia tem, sim, caráter político e, segundo as pesquisas, divide os eleitores, como tudo nesse tópico no momento. Mas a blindagem dos parlamentares é um abuso tão grande que é plausível ver na rejeição maciça um apoio do cidadão comum. É absurdo achar que a esquerda, hoje em dia, pode mobilizar uma multidão como aquela.

Os perigos do narcoestado. Por Fernando Gabeira

O Globo

Organização policial foi devastada pelos problemas da própria cúpula do governo. Governadores foram presos

Um ex-delegado-geral de São Paulo é assassinado pelo PCC em Praia Grande, São Paulo. Deputados votam a PEC da Blindagem para não ser presos ou processados sem a autorização dos pares. Barcos de guerra e submarino americanos navegam no Caribe, diante da Venezuela.

São três fatos que não parecem ter relação. Mas, na cabeça de um velho morador do Rio, eles se enlaçam harmoniosamente a ponto de despertar o alarme: o Brasil corre o risco de se transformar num narcoestado com profundas implicações para a segurança nacional.

O assassinato do delegado Ruy Ferraz Fontes acontece algumas semanas depois de a polícia detectar a infiltração financeira do PCC. Como lembra Raul Jungmann, já não se vive mais o tempo de segurança pública em que o alvo da polícia eram comunidades pobres. O crime estava enraizado na Faria Lima, coração do mercado financeiro.

O ‘big stick’ de Trump. Por Pedro Doria

O Globo

Empresário que o enfrentar internamente sofrerá. O que se curvar terá o arsenal americano trabalhando para seu negócio

Um jantar de Estado é coisa séria. Um jantar de Estado em que se sentam o rei britânico, o presidente americano, e todos vestem fraque com gravata branca é, possivelmente, o ponto alto da tradição diplomática. Na quarta-feira passada houve um jantar desses, no Castelo de Windsor, com o rei Charles e sua mulher, Camilla, Donald Trump e a primeira-dama Melania logo à direita dos anfitriões. Os dois casais, evidentemente, no centro da mesa. Sentaram-se, na longa mesa retangular, mais 150 pessoas. Coisa grande. À esquerda do rei estavam o premiê britânico, Keir Starmer, e senhora. Conte cinco cabeças depois de Starmer, e lá estava o CEO da Nvidia, Jensen Huang. Aí Sam Altman, CEO da OpenAI. E Tim Cook, da Apple. E Satya Nadella, da Microsoft. Em jantares assim, nada nunca é acidental. Muito menos a distância de cada convidado para o rei.

Manifestações de domingo foram resposta à impunidade e ao golpismo. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Desde o Natal, o ex-presidente da Câmara Arthur Lira articulava a aprovação da PEC da Blindagem, que ocorreu com folga de 45 votos, juntando parlamentares de todos os matizes

O vento mudou na política, agora favorece mais à esquerda do que à direita, porque a oposição entrou em confronto com o espírito democrático e patriótico da maioria da população. As manifestações de domingo contra a PEC da Blindagem e o PL da Anistia marcaram esse ponto de inflexão. A entropia, o fisiologismo e o patrimonialismo, anabolizados pelas emendas parlamentares, são protagonizados por políticos ligados a velhas oligarquias, cuja reeleição não depende da opinião pública nem de redes sociais, mas de tradicionais "currais eleitorais". Agora, a Câmara descobriu que ainda existe no Brasil uma sociedade civil organizada, capaz de se indignar. Eleito pelo voto majoritário, cabe ao Senado corrigir o rumo do Congresso.

Bolsonarismo dobra a aposta e levanta a bola para Lula. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Presidente mantém distância de qualquer acordo pela evidência de que é o maior, senão o único, a ganhar com essa arruaça na praça pedagiada do golpismo

A nova leva de sanções americanas não veio no dia seguinte ao julgamento e, sim, das manifestações que evidenciaram a perda do monopólio do bolsonarismo sobre as ruas. O Brasil de domingo não foi movido por um idílio democrático, mas pela indignação - que beira a raiva, basta ver o tom desaforado dos cartazes que povoaram avenidas - com o risco de a página virada deste julgamento vir a ser reaberta por acordo que permita ao crime organizado se refastelar no Congresso Nacional.

As novas sanções sucedem, portanto, ao fracasso deste acordo por meio do combo PEC da blindagem/anistia. Sucedem, ainda, ao isolamento do bolsonarismo, evidenciado pela briga em praça pública entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o presidente de seu partido, Valdemar Costa Neto. E não apenas, vide desespero de figuras do Centrão, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), mestre na arte de tirar leite da extrema-direita para alimentar suas próprias reses.

O Centro moderado está no cercadinho. Por Christopher Garman

Valor Econômico

A vantagem em 2026 será de quem conseguir surfar o desalento com mais habilidade

Desde quando o então presidente Jair Bolsonaro falava com seus apoiadores em frente do Palácio do Alvorada, entrou para o dicionário político a expressão “falar para o cercadinho”. O termo se aplica à situação em que uma liderança política fala somente para seus apoiadores fiéis, sem preocupação em atingir um público mais amplo, mais moderado ou de centro.

No governo Bolsonaro, os temas do cercadinho incluíam principalmente ataques à mídia e ao Judiciário e as pautas de costume, em falas dirigidas exclusivamente à sua base leal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva supostamente estabeleceu seu próprio “cercadinho” retórico: durante a campanha presidencial de 2022 e logo após eleito, focou seu discurso em aumentar gastos, levando a uma desvalorização do câmbio. Suas críticas aos ricos e empresários, usadas para justificar o gasto, foram vistas como um abandono do “centro”. Esse mesmo diagnóstico foi feito por comentaristas em maio deste ano, quando o governo justificou a taxação dos ricos como meio de beneficiar trabalhadores e a população de baixa renda.

Por que países do Ocidente precisam de guerra. Por Pedro Cafardo

Valor Econômico

Enquanto o presidente americano distribui suas tarifas, o Brics se organiza para reduzir ou eliminar os danos causados por Trump

A geopolítica está na moda. O termo foi criado no início do século XX pelo sociólogo sueco Rudolf Kiellén, que o definiu como a ciência que estuda os vínculos entre aspectos geográficos e os acontecimentos políticos dos Estados.

Obviamente, a discussão geopolítica decorre das medidas protecionistas e nacionalistas altamente agressivas da administração Donald Trump nos Estados Unidos. Nesse contexto, quando se realiza a 80ª Assembleia Geral da ONU, é oportuno resumir opiniões de dois grandes economistas americanos - Michael Hudson e Richard Wolff - expostas em live recente, depois da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), na China.

O lulista número 1. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

E Bolsonaro, quem diria?, empurrou as esquerdas de volta às ruas

Assim como Jair Bolsonaro empurrou altas patentes militares para uma tentativa de golpe e a cadeia, o bolsonarismo acaba de conseguir uma proeza que por décadas foi exclusividade do PT: botar as esquerdas nas ruas de todas as capitais do País, lotando a Avenida Paulista e a Praia de Copacabana, como havia muitos anos não se via. As manifestações da oposição encolhem, as de esquerda estão de volta.

A ilusão da paz. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

A reação do bolsonarismo eduardista ao acordão Valdemar-Temer pela anistia sem anistia – tudo em função do projeto Tarcísio presidente – era previsível e tem a agressividade derivada da leitura de que Jair Bolsonaro o aceitara. Faltava combinar com os russos...

Os russos, que impuseram a “anistia ampla, geral e irrestrita” como bandeira única da direita brasileira e que colhem a toxicidade da associação à PEC da Blindagem, consideram que o ex-presidente é vítima de chantagens ministradas por “até seus aliados mais próximos”. Traição light.

Paulinho da Dosimetria, outrora da Força, foi designado, indicado por Hugo Motta (cujo tutor é Ciro Nogueira, um dos “aliados mais próximos” de Jair), para materializar a superação a Bolsonaro – aos Bolsonaro: uma proposta, que teria aval do Supremo, para redução de penas, que beneficiaria marginalmente o ex-presidente, e que o manteria inelegível. A proposta se pode negociar, a revisão das punições para cada tipo penal; a inelegibilidade, não.

A dupla traição do bolsonarismo. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Para salvar Bolsonaro, o bolsonarismo se tornou apoiador incondicional da agenda de defesa da impunidade

Bancada bolsonarista parte para o tudo-ou-nada em defesa de seu líder máximo em um delírio suicida

Bolsonaro se elegeu em 2018 num tsunami conservador e antissistema. Dentre outras bandeiras, trazia o amor à pátria contra a ordem globalista que violava a soberania nacional e a rejeição à velha política brasileira, vista como corrupta. Brasil acima de tudo e Sergio Moro ministro da Justiça. Parece que foi um milênio atrás.

Em sua cruzada anti-institucional, Bolsonaro tentou minar a Justiça eleitoral. Atacou a democracia brasileira, mas foi vencido. Judiciário, Congresso, Forças Armadas, imprensa; todos tiveram seu papel em limitá-lo. Foi derrotado nas urnas que tanto tentou deslegitimar e depois investigado, julgado e condenado pela trama para negar esse resultado.

27 anos de prisão é muito ou é pouco? Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Discussões sobre o que configura uma pena justa sempre têm algo de metafísico

Efeitos dissuasórios de sanções penais deveriam ser inegociáveis, sob risco de inviabilizar vida em sociedade

Meu lado sádico se deleitaria em ver o ex-presidente passando uma longa temporada na Papuda, mas não creio que ele valha o sacrifício de minha coerência.

Sempre abracei o minimalismo penal e não vou mudar de posição agora só porque não tenho apreço pelo condenado. A discussão de penas tem algo de metafísico. O que é uma pena justa? Exceto pela lei de talião, o famoso "olho por olho" que consta da Bíblia, correspondências retributivas não são óbvias. Quantos anos de cadeia "pagam" um assassinato?

Execuções, blindagens, sigilos: um país nas mãos do crime organizado. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Infiltração de quadrilhas nas instituições impede diferenciar bandido de mocinho

Deputado preso no Rio mostra o estágio de simbiose entre Estado e delinquência

Ao eliminar adversários com disparos de fuzil no meio da rua, não importando a vítima, um ex-delegado-geral da Polícia Civil ou um empresário delator, o PCC manda um recado.

O crime —que ao longo dos anos vem estabelecendo uma relação de simbiose com as estruturas de Estado— está no poder. Não só em São Paulo, mas no país inteiro, a infiltração de quadrilhas organizadas nas instituições chegou a ponto de não se saber quem é bandido, quem é mocinho. Um dos espelhos da confusão é a Câmara em Brasília, que, ao promover a vergonhosa PEC da Blindagem, espalha a impunidade para as assembleias estaduais.

Justiça não é consultoria. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O Supremo se transformou numa espécie de muro de arrimo dos Poderes Legislativo e Executivo

Não é normal magistrados atuarem como consultores em questões a serem resolvidas na política

A baixa qualidade vigente no Parlamento e a falta de operadores políticos sêniores no entorno do presidente da República transformaram o Supremo Tribunal Federal numa espécie de muro de arrimo dos Poderes.

Nada mais se resolve no âmbito do Legislativo, nenhuma tratativa com o Executivo leva à solução de dissensos e, no cenário de impasses, o Judiciário é chamado a negociar, quando sua função é julgar o que está dentro ou fora da lei.

Um acordão em que ninguém ganha e o país perde. Por Vera Magalhães

O Globo

Resistência da extrema direita e revolta mostrada nas ruas por setores que vão do centro à esquerda demolem ideia de 'pacificar' o Brasil pela contemporização

A pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição Federal. E mais: significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado.

Ministros do STF deram aval a dosimetria. Por Malu Gaspar

O Globo

Os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes deram aval à articulação comandada pelos deputados Paulinho da Força (Solidariedade -SP) e Aécio Neves (PSDB) e pelo ex-presidente Michel Temer para reduzir as penas dos golpistas do 8 de janeiro. De acordo com o plano apresentado a eles na última semana, a versão final do projeto vai reduzir as penas para os crimes de abolição do estado democrático de direito e golpe de estado e ainda estabelecer que, quando houver os dois crimes na mesma situação, valerá apenas a pena de um deles.

Com essa mudança, todos os presos pelos ataques do 8 de janeiro deverão ser colocados em liberdade. A pena de Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão pela trama golpista, também será reduzida, assim como as dos outros condenados do chamado núcleo crucial, julgados no início de setembro.

Poesia | Não deixe o amor passar, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Chico Buarque - Sinhá