terça-feira, 21 de abril de 2015

Doença e morte fizeram de Tancredo um líder popular no fim da ditadura - Clóvis Rossi

• Presidente morto antes da posse adotaria política econômica mais conservadora que Sarney

- Folha de S. Paulo

Só um gênio do realismo mágico, como o escritor Gabriel Garcia Márquez, seria capaz de contar a história da presidência de Tancredo Neves, a que não houve.

Parece pura ficção o fato de que Tancredo, que se gabava de nunca ter tido nem um miserável resfriado, fosse obrigado a baixar ao hospital horas antes de sua posse, para dele sair para outro hospital e, deste, para o cemitério, faz hoje exatos 30 anos.

Aliás, a primeira cirurgia do presidente eleito foi em um cenário de Macondo, a cidade-símbolo do realismo mágico de Garcia Márquez: o hospital ficou lotado, inclusive a sala de cirurgia, de políticos que não deveriam estar presentes.

E os médicos mentiram na primeira nota oficial, ao informar que Tancredo sofrera uma crise de diverticulite, quando, conforme "furo" desta Folha, o presidente tinha um leiomioma, um tumor.

Terminava assim a história do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura. E, como se fosse pouco, Tancredo foi substituído por José Sarney, que, até meses antes, presidia o partido (a Arena) que dera sustentação ao regime militar, aquele que Tancredo deveria sepultar.

Para dar cores ainda mais fortes de realismo mágico, há o fato de que Sarney acabou adotando, em um certo momento, políticas mais à esquerda do que as que o próprio Tancredo faria.

O presidente eleito era um conservador, do que dá prova não só a sua biografia, mas o fato de ter escolhido Francisco Domelles para comandar a economia.

Se já fosse corrente à época, Domelles seria chamado de neoliberal, por ser mais preocupado com o saneamento das contas públicas e com a inflação do que com a questão social.

Não tinha o perfil mais à esquerda dos economistas do PMDB de Tancredo.

Foi a estes, no entanto, que Sarney, ex-Arena, acabou recorrendo, depois de indicar o empresário Dilson Funaro para substituir Domelles.

Rompia, com isso, de uma vez por todas, com o esquema de Tancredo, depois de ter mantido todos os ministros indicados pelo que deveria ter sido presidente.

Nem Tancredo nem Sarney eram políticos de grande popularidade.

Foi a doença, em circunstâncias tão extraordinárias, que fez do presidente eleito mas não empossado um ícone popular.

Sua agonia e seu enterro foram momentos de uma comoção nacional como só se havia visto, antes, no enterro de Juscelino Kubitschek, mineiro como Tancredo, do antigo PSD como Tancredo, mas de uma ousadia muito maior.

Já Sarney ganhou uma aura —de curta duração, é verdade— de herói popular por ter promovido o Plano Cruzado, congelamento de preços que derrubou instantaneamente a inflação, o persistente dragão que carbonizou o prestígio do regime militar.

Por tudo o que se sabe dos planos de Tancredo, ele jamais ousaria adotar um plano tão heterodoxo.
Há até dúvidas se teria de fato convocado uma Assembléia Constituinte, bandeira de seu PMDB e dos outros partidos de oposição ao regime militar.

Mas é inquestionável que Tancredo de Almeida Neves conduziu com notável habilidade, paciência e capacidade de articulação política, a transição para o regime democrático. Pena que não pôde estar presente ao momento histórico que a cristalizaria e que seria a sua posse, a que não houve.

O fato igualmente inquestionável é que se abriu, naquele ano de 1985, o mais longo período de plena e total vigência das liberdades públicas na história do Brasil.

Falar de impeachment é 'impensável', diz Temer

Impeachment é ‘impensável’ e afetaria ‘tranquilidade institucional’, diz Temer

• Em Portugal, vice-presidente afirmou ainda que relações com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são 'as melhores possíveis'

Rebeca Kritsch – O Estado de S. Paulo

LISBOA - O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), disse nesta segunda-feira, 20, em Lisboa que é "impensável" discutir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Eu acho impensável, porque nós temos que ter tranquilidade institucional no nosso País", disse o peemedebista. "Não podemos abalar as nossas instituições democráticas falando desse assunto. Volto a dizer: é matéria impensável."

Temer fez as declarações após encerrar o Seminário Empresarial Brasil-Portugal, em que participaram empresários dos dois países. A fala do vice-presidente ocorre em meio à articulação dos partidos da oposição, que se uniram em torno do movimento de impeachment da presidente Dilma, buscando justificativas jurídicas para viabilizar o processo na Câmara dos Deputados.

O vice-presidente disse ainda que suas relações com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são "as melhores possíveis" e que o correligionário fez uma declaração "extremamente útil" quando disse não cabe a hipótese de impedimento da presidenta da República.

No domingo, ao participar do 14º Fórum de Comandatuba (BA), maior evento empresarial do País, Cunha afirmou que não aceitaria pedido de abertura de processo de impeachment com base em fatos ocorridos no mandato anterior de Dilma.

"Isto (aceitar o pedido de impeachment) é uma tarefa, digamos assim, do PMDB", afirmou Temer. "O PMDB está nessa posição e o Eduardo Cunha está retratando precisamente esta posição."

Além dos líderes peemedebistas, o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na contramão da iniciativa dos partidos da oposição de atuar conjuntamente no movimento pela tentativa de destituição da presidente Dilma Rousseff (PT), se manifestou contra o impeachment nesse domingo. "Impeachment não pode ser tese. Quem diz se houve uma razão objetiva é a Justiça e a polícia. Os partidos não podem se antecipar a tudo isso, não faz sentido. É precipitação", afirmou o ex-presidente tucano no Fórum de Comandatuba.

Sabatina. Questionado se o PMDB está unido em relação à aprovação do jurista Luiz Edson Fachin para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, Temer disse que ele "é um jurista da melhor qualidade" e que "o Senado estará sensibilizado exatamente para as qualificações jurídicas" de Fachin. Em entrevista publicada pelo Estado nesta segunda, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), disse não poder garantir previamente a aprovação do nome do jurista na sabatina.

Manifestações. Temer falou ainda sobre as manifestações no País. "O povo, quando vai às ruas, pede melhorias", disse. "O que nós temos de fazer, abertos ao alerta feito pelo povo, é exatamente atender a esses pleitos."

Pela manhã, o vice-presidente foi recebido em audiência pelo Presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva. A agenda de Temer também inclui um encontro com o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, ainda hoje, e uma reunião com o vice-Primeiro-Ministro, Paulo Portas. De Portugal, Temer segue para a Espanha, amanhã, 21, à noite.

Para tucano, 'crime praticado expõe presidente a processo'

• Líder do PSDB no Senado defende endurecimento de discurso contra Dilma com base em parecer do TCU sobre pedaladas

Irany Tereza e Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Mais resistente à defesa do impeachment da presidente Dilma Rousseff que os deputados tucanos, a bancada do PSDB no Senado começa a adotar discurso mais duro contra o governo, postura vocalizada pelo líder do partido, Cássio Cunha Lima (PB). Para ele, a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de classificar de crime de responsabilidade fiscal as "pedaladas fiscais" do Tesouro, mesmo sem menção ao nome da presidente, é suficiente para pedir o afastamento de Dilma.

"É o crime de responsabilidade que leva ao impeachment. O crime foi praticado e a presidente está, portanto, exposta a um processo de impeachment" disse Cunha Lima, que discorda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem o impeachment seria "precipitação".

O líder tucano, que em 2008 perdeu o mandato de governador, diz falar com conhecimento de causa. "Fui cassado por um delito eleitoral nas chamadas condutas vedadas e infinitamente menos grave do que está acontecendo em relação às acusações que a presidente Dilma responde."

Por que o sr. considera o impeachment uma possibilidade real? O que mudou?

Para que o impeachment aconteça, precisa de um cenário político e uma realidade jurídica. O cenário político está construído desde março, com as manifestações, com as mentiras colocadas na campanha. Faltava um elemento jurídico, que foi dado pelo Tribunal de Contas da União com a decisão sobre a contabilidade criativa, a pedalada fiscal, que nada mais é do que crime de responsabilidade. E é o crime de responsabilidade que leva ao impeachment. Não há mais o que discutir. O crime foi praticado e a presidente está, portanto, exposta a um processo de impeachment.

O advogado-geral da União, Luís Adams, diz que o sistema de pagamentos era usado desde 2001, no governo FHC. Isso não derruba o argumento de crime?

Não. Traz à tona o argumento de crime continuado. Em vez de ser argumento de defesa, é agravante na situação. Não sei se no governo Fernando Henrique teve, mas se teve, a ilegalidade está praticada. Mas Fernando Henrique não é mais presidente. Ninguém pode "impeachar" um mandato que já foi cumprido.

A postura do PSDB vai mudar?

Acredito que sim. No âmbito da minha liderança no Senado, da liderança da Câmara e da liderança do Congresso, o partido vai intensificar esse enfrentamento em defesa da sociedade e dos brasileiros. Há outro processo que merece atenção: a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, a AIME, que tramita na Justiça Eleitoral, e o próprio TCU já atestou que houve ilegalidade na utilização dos Correios na campanha da presidente. Ali caracteriza abuso de autoridade e de poder político, com punição de cassação do mandato e realização de novas eleições. Seria uma solução menos traumática do que o impeachment, porque se chama novas eleições. E com um detalhe, a possibilidade de o próprio Lula disputar a eleição.

E Aécio Neves também?

Aécio e os outros que queiram. Nada mais consertador para o Brasil a Justiça Eleitoral cumprir a lei num julgamento isento, determinar novas eleições, zerar o processo e termos a chance de construir um futuro melhor. Temos conosco o DEM, o PPS, o Solidariedade e qualquer outro partido brasileiro que queira somar o esforço do PSDB para mudar o Brasil. Eu tive o mandato de governador cassado por muito menos: um jornalista escreveu no jornal estatal A União cinco artigos favoráveis ao governo. Outra razão foi um programa social muito parecido com o Bolsa Família. Por muito menos eu perdi o mandato de governador, então eu falo...

Com autoridade...

Falo com conhecimento de causa. Não fui cassado por improbidade, corrupção, nada. Fui cassado por um delito eleitoral nas chamadas condutas vedadas e infinitamente menos grave do que está acontecendo em relação às acusações que a presidente Dilma responde.

Serra segue FHC e diz que não há motivo para impeachment de Dilma

• Não há irregularidades que deem razão a impeachment, diz José Serra

Pedro Burgos – Folha de S. Paulo

CAMBRIDGE (EUA) - Em palestra na Universidade de Harvard (EUA), o senador José Serra (PSDB-SP) disse que "impeachment não é programa de governo de ninguém" e defendeu que a oposição precisa ter responsabilidade.

"Impeachment é quando se constata uma irregularidade que, do ponto de vista legal, pode dar razão a interromper um mandato. E eu acho que essa questão ainda não está posta", disse o senador neste sábado (18).

A fala de Serra contraria o presidente do PSDB, Aécio Neves, que disse na última quinta (16) que a sigla pedirá o impedimento da presidente Dilma Rousseff caso se comprove a participação dela nas chamadas "pedaladas fiscais" –manobras feitas pelo Tesouro com dinheiro de bancos públicos para reduzir artificialmente o deficit do governo em 2013 e 2014.

Segundo Serra, o clima para o impeachment se deve ao desejo de "três quartos da população" que está insatisfeita.

"É óbvio que a crise é toda responsabilidade do governo. Não é a ação da oposição, nem do Ministério Público, nem do Congresso", afirmou.

O tucano defendeu que a oposição tem que se mobilizar em fazer denúncias, críticas e propostas. "Não dá para fazer de conta que o Brasil está sem problemas de médio e longo prazo."

As afirmações se alinham com as do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que no fim de semana afirmou que o pedido de impeachment depende de fatos objetivos e que seria "precipitação" abrir um processo neste momento.

À esquerda do PT
Bastante à vontade, Serra deu conferência de uma hora e meia, na qual disse ser "mais à esquerda que o PT", que classificou de "reacionário, um partido de corporações".

O senador condenou aspectos do ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda), que tem "um mundo de contradições", já que, na opinião do tucano, "piora a curto prazo tudo o que pretendia resolver."

"O ajuste fiscal é desajustado. Aprofunda a inflação, pela correção dos preços administrados defasados", afirmou.

"Desacelera a economia, perde a receita, aumenta o déficit. Aumenta juros, portanto aumenta a despesa. Só o aumento de juros que Dilma fez depois de eleita custa 27 bilhões de reais por ano. Isso é metade do resultado primário que se quer obter."

O senador reclamou à plateia de 300 pessoas, formada principalmente por estudantes brasileiros, que não se debate assuntos sérios no Brasil, "nem no Congresso".

Ele defendeu que a retomada do crescimento se daria com investimentos em infraestrutura, abertura para o comércio exterior "para aproveitar o câmbio favorável" e a "reconstituição do sistema de petróleo".

Planalto recebe com alívio falas de FHC e Cunha contra impeachment

Debate sobre impeachment reaviva diferenças no PSDB

Cátia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O debate sobre a conveniência de um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff reavivou antigas diferenças na cúpula do PSDB e fez os principais líderes do partido discordarem publicamente sobre a melhor estratégia para os tucanos.

No sábado (18), o senador José Serra (PSDB-SP) cobrou responsabilidade dos partidos de oposição e afirmou que "impeachment não é programa de governo de ninguém".

"Impeachment é quando se constata uma irregularidade que, do ponto de vista legal, pode dar razão a interromper um mandato. Acho que essa questão ainda não está posta", disse, durante palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

No dia seguinte, domingo (19), foi a vez de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reafirmar sua posição contrária ao pedido de impeachment, classificando o debate em curso como precipitado.

"Como um partido pode pedir impeachment antes de ter um fato concreto? Não pode", disse FHC, que participou de um seminário ao lado de outros ex-presidentes latino-americanos no Fórum de Comandatuba, no Sul da Bahia.

Serra e Fernando Henrique foram em direção oposta à do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Na quinta (16), Aécio afirmou que o partido pedirá o impeachment se ficar comprovada a participação de Dilma nas chamadas "pedaladas fiscais", manobras feitas com recursos dos bancos públicos para arrumar as contas do governo.

Como presidente do PSDB, Aécio detém o controle da máquina partidária, mas seu grupo político não comanda governos estaduais. Após 12 anos no poder em Minas Gerais, os tucanos perderam o governo do Estado para o PT nas eleições do ano passado.

Aécio, que perdeu para Dilma a última eleição presidencial, teme que o tempo dilua o capital político que ele conquistou na disputa e com isso lhe tire o comando do PSDB nas eleições partidárias previstas para 2018.

Aliados calculam que Aécio seria, neste momento, o maior beneficiário de um processo de impeachment, já que a corrida à Presidência terminou há menos de seis meses.

Mas interlocutores de FHC dizem que o ex-presidente discorda dessa tese. Para Fernando Henrique, nada indica que o PSDB seria o beneficiário do afastamento de Dilma.

Na opinião de FHC, o PMDB é que sairia fortalecido se houvesse impeachment. E, com os peemedebistas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antecessor e padrinho político de Dilma.

Tucanos acham que atualmente Lula tem mais apoio no PMDB do que em seu próprio partido, o PT. E ressaltam que o PMDB estará à frente do país em caso de impeachment. O vice-presidente Michel Temer é do partido, que também preside as duas casas do Congresso Nacional.

Para aliados do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é melhor esperar. O impeachment hoje prejudicaria o projeto político de Alckmin, que sonha com uma nova candidatura à Presidência.

Os tucanos lembram que o Estado de São Paulo foi palco das maiores manifestações realizadas contra o PT neste ano, o que fortalece Alckmin. E afirmam que a estratégia do governador é ganhar tempo para conquistar o controle do partido. A cada dia que passa, dizem, o poder de Aécio definha em Minas Geral e Alckmin ganha força em São Paulo.

"Um pedido de impeachment requer uma situação extrema", afirma o ex-governador Alberto Goldman (PSDB-SP). "O PSDB tem o dever de propor o impeachment caso os requisitos forem atendidos. Apelo popular já existe", diz o vice-presidente do partido, senador Álvaro Dias (PR).

Dividido, PSDB se reúne para unificar o discurso

• Em ato marcado para sexta-feira, partido vai debater posição sobre impeachment

Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA - Dividido entre aqueles que cobram uma ação concreta rumo a um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff e aqueles que se posicionam contra essa ideia, o PSDB deve fazer na próxima sexta-feira um encontro para afinar o discurso de seus filiados. O evento está marcado para ocorrer em Brasília e integrará a Primeira Oficina de Planejamento Estratégico do partido.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já disse considerar precipitado qualquer movimento rumo ao impedimento da presidente, participará da abertura do encontro. Alinhado com ele, estão o governador Beto Richa (PR) e os senadores José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE).

O encerramento do encontro ficará por conta do senador Aécio Neves, que, na última quarta-feira, pressionado pelos movimentos que organizaram as manifestações contra o governo Dilma, se posicionou a favor de um pedido de impeachment.

Derrotado na eleição do ano passado, Aécio tende a continuar se equilibrando entre o compromisso que assumiu com as lideranças das manifestações e a garantia de que não tomará nenhuma atitude em prol do impedimento da presidente Dilma sem ter uma argumentação jurídica clara para sua existência.

Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO destacam que a fala de Fernando Henrique, contrário ao impeachment, tem um caráter "litúrgico", mas não deverá mudar a posição das bancadas do Senado e da Câmara. Nelas, a ideia é defendida pelos líderes Cássio Cunha Lima (PB) e Carlos Sampaio (SP).

- Esse assunto será inevitável (na reunião). Estamos atrás do respaldo jurídico, pois o impeachment demanda esse tipo de apreciação - disse Sampaio.

- Fernando Henrique é litúrgico. Respeitamos, mas (ele) não muda a posição das bancadas - completou o líder da Minoria na Câmara, o deputado Bruno Araújo (PE), que defende que o pedido de impeachment seja apreciado pelo plenário, se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), mandar arquivá-lo.

Parecer de Reale Júnior
Cássio Cunha Lima acha, por sua vez, que dentro de até 20 dias o jurista Miguel Reale Júnior terá o parecer jurídico encomendado pelo PSDB sobre as várias alternativas para embasar um eventual pedido de impedimento.

- São várias opiniões no partido. Mas há a prevalência da tese de que temos o dever de propor (o impeachment) se as condições jurídicas existirem. - disse o senador Álvaro Dias (PR).

PT pressionou para que Dilma não vetasse aumento do fundo partidário

Painel / Folha de S. Paulo

Rifa partidária A pressão para que Dilma Rousseff sancionasse o Orçamento de 2015 sem vetar a emenda que triplicou o valor de repasses para o fundo partidário veio principalmente do PT. O partido –que teve seu tesoureiro preso e teme ter as contas bloqueadas em ações na Justiça Eleitoral e outras decorrentes da Operação Lava Jato– não poderá contar mais com doações de empresas por decisão do diretório nacional. Juntamente com o PMDB, a sigla será a mais beneficiada pelo aumento da verba.

Bicho pega Parte do governo avaliava que, com o veto, Dilma mostraria que está em sintonia com o clamor de uma parcela da população que a reprova e, ao mesmo tempo, demonstra profunda rejeição aos partidos.

Bicho come Prevaleceu, no entanto, a avaliação de que seria pior se a presidente precisasse editar uma medida provisória para restabelecer o fundo partidário, que ficaria zerado com o veto.

Sob pressão, Dilma sanciona fundo partidário sem veto

• Para PMDB, valor três vezes maior pode prejudicar o ajuste fiscal

Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - Apesar do corte de gastos em nome do ajuste fiscal atingir diversas áreas estratégicas do governo, a presidente Dilma Rousseff, pressionada pelo PT, sancionou ontem, sem vetos, dentro do Orçamento Geral da União a verba do fundo partidário - três vezes maior neste ano. Parte do recurso, de R$ 867,56 milhões, deve, no entanto, ser contingenciada. As definições sobre isso ocorrerão após análise do comportamento da arrecadação e das votações sobre o plano de ajuste fiscal do governo federal no Congresso.

Na semana passada, o PT decidiu proibir que seus diretórios recebam doações de empresas, como resposta ao escândalo de corrupção investigado na Operação Lava-Jato. A resolução tem que ser referendada no congresso do PT, em junho, na Bahia. Para que a proibição se sustente, a legenda conta com a ampliação do fundo partidário, sancionada ontem.

- Entendemos que a democracia tem um custo. A opinião do PT, ela (Dilma) já conhece. Nesses termos (sem veto), o congresso do PT deve ratificar essa decisão de proibir doação empresarial - disse o líder do PT na Câmara, deputado Sibá Machado (AC).

O aumento da verba para o fundo foi incluído pelo relator do Orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), sob o argumento de que valeria como um teste para a tese do financiamento público de campanhas eleitorais, defendida pelo PT em sua proposta de reforma política. Mas, o próprio PMDB - que é favorável às doações de empresas - passou a pedir publicamente que Dilma vetasse a ampliação e que mantivesse os valores de 2014: R$ 289,56 milhões. Os peemedebistas alegavam que os recursos triplicados para o fundo poderiam prejudicar o ajuste fiscal defendido pelo governo.

Esse reajuste é fundamental para que o partido possa manter sua estrutura com o fim das doações de empresas. De acordo com a última prestação de contas anual entregue pelo PT ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a de 2013, o então tesoureiro do partido, João Vaccari Neto - preso na Lava-Jato -, arrecadou com empresas cerca de R$ 79,8 milhões. Trata-se de 47% dos R$ 170,7 milhões que o partido obteve no total. O restante das receitas dividiram-se entre o fundo partidário (R$ 58,3 milhões) e contribuições de filiados (R$ 32,6 milhões).

Com o novo fundo partidário, triplicado, conseguirá compensar a contribuição das empresas. No ano passado, o PT foi o partido que mais recebeu recursos do fundo, com mais de R$ 59,6 milhões, sem descontar as multas. O PMDB ficou em segundo lugar, com quase R$ 42,6 milhões, e o PSDB, em terceiro, com cerca de R$ 40,3 milhões. Se mantida a mesma proporção, o PT terá direito a R$ 180 milhões.

- A sobrevivência dos partidos brasileiros, depois da Lava-Jato, vai depender do fundo partidário. A presidente sabe disso, porque todos os partidos são afetados. Manter a proibição de doação de empresas para o PT depende desse veto não ocorrer - disse um dirigente petista.

Dilma aprova aumento da verba pública para partidos

• Proposta do Congresso triplica fundo partidário, elevado para R$ 868 mi

• Apesar do momento de ajuste, pesou mais a ideia de que um veto à iniciativa do Legislativo desagradaria a base

Valdo Cruz, Bruno Boghossian e Vera Magalhães – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff sancionou o Orçamento Geral da União de 2015 sem vetar a proposta que triplicou os recursos destinados ao fundo partidário, uma das principais fontes de receita dos partidos políticos, hoje com dificuldades de financiamento por causa da Operação Lava Jato.

Em seu projeto original, o governo destinava R$ 289,5 milhões para o fundo, mas o valor foi elevado para R$ 867,5 milhões pelo relator do Orçamento no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR).

O fundo partidário é um montante de dinheiro público distribuído para a manutenção das legendas. Cada sigla define como utilizará a verba. Muitas aplicam em campanhas eleitorais, somado a doações privadas.

Em um momento de ajuste fiscal para reequilibrar as contas públicas, o caminho natural seria o veto da proposta de aumento do fundo.

Mas a recomendação que mais pesou foi a política: manter o novo valor para não desagradar a base aliada da presidente no Congresso.

Além disso, tecnicamente só era possível vetar toda verba destinada ao fundo, e não apenas o montante extra. Segundo um assessor, isso iria gerar uma "guerra" com a base aliada e comprometeria a votação do ajuste fiscal.

Os presidentes dos partidos governistas chegaram a enviar uma carta a Dilma solicitando a sanção da verba.

Todos os partidos trabalham com o cenário de forte redução de doações de empresas após a Lava Jato. Empreiteiras já informaram a dirigentes que não devem doar recursos na eleição municipal do próximo ano.

Autor da emenda que triplicou o fundo partidário, Romero Jucá justifica a medida como uma "necessidade dos partidos" e "início da discussão do financiamento público das campanhas".

Se o financiamento eleitoral for exclusivamente público, como defende o PT (sem apoio do PMDB), seriam necessários de R$ 5 bilhões a R$ 7 bilhões para bancar as campanhas, calcula Jucá.

Há alguns dias, o PT --um dos mais atingidos pela Lava Jato-- anunciou que não aceitará mais doações de empresas privadas. A decisão é provisória. Terá de ser referendada pelo congresso da sigla, marcado para junho.

Nos últimos anos, o partido liderou todos os rankings de arrecadação de dinheiro junto a empresários. Também foi o que mais recebeu das empresas investigadas na Lava Jato em 2014, seguido de perto por PSDB e PMDB.

A questão do financiamento eleitoral é objeto de polêmica no STF (Supremo Tribunal Federal). Há mais de um ano, o ministro Gilmar Mendes interrompeu um julgamento sobre o tema.

Contrário à proibição de doações privadas, ele pediu vistas do caso quando o placar já estava 6 a 1 a favor do veto. Alegando que se trata de uma questão que deve ser decidida no Congresso, não devolveu mais o processo para conclusão da votação.

Corte provisório
Após a sanção do Orçamento Geral da União, que será enviada ao Congresso nesta quarta (22), Dilma definirá com sua equipe econômica o tamanho do bloqueio de verbas para garantir o cumprimento da meta de superávit primário de 2015.

Provisoriamente, o governo editará um decreto mantendo o corte temporário de 33% em cada ministério, que ficará em vigor até a definição final, prevista para maio.

Um assessor da presidente diz que o corte será "forte" e "expressivo" para reequilibrar as contas e ajudar o Banco Central no combate à inflação, permitindo, inclusive, que os juros comecem a cair ainda neste ano.

A equipe do ministro Joaquim Levy (Fazenda) defende um corte na casa de R$ 80 bilhões para atingir a economia de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) para pagamento de juros da dívida pública.

Outra ala do governo defende um valor menor, perto de R$ 70 bilhões. Ministros políticos querem bloqueio de R$ 60 bilhões, sob o argumento de que um contingenciamento de R$ 80 bilhões levaria a uma paralisia do governo.

Dívida da Petrobrás com os bancos públicos deve chegar a R$ 79 bi

• Conta subiu com os empréstimos de R$ 6,5 bilhões do Banco do Brasil e da Caixa anunciados na sexta-feira

Vinicius Neder - O Estado de S. Paulo

RIO - Com a nova rodada de empréstimos anunciados na última sexta-feira, os recursos de bancos públicos comprometidos com a Petrobrás poderá chegar a R$ 79 bilhões. Segundo estimativa da agência de classificação de risco Moody’s, esse valor encerrou 2014 em US$ 27 bilhões, ou R$ 72,5 bilhões pelo câmbio da época. O total subirá com os R$ 6,5 bilhões conseguidos pela estatal com Banco do Brasil (BB) e Caixa. O Bradesco emprestou outros R$ 3 bilhões, como a Petrobrás informou no final da semana passada, após a Bolsa fechar.

O montante comprometido considera o valor de exposição – o quanto um banco ainda tem a receber de um cliente, ou seja, o valor total contratado no financiamento, descontando o que já foi pago. Esse indicador é o que importa para a saúde financeira dos bancos e o risco de perdas com inadimplência.

Em novembro, a consultoria PricewaterhouseCoopers recusou-se a auditar o balanço financeiro do terceiro trimestre de 2014 da Petrobrás e, desde então, a companhia não tem dados auditados.

Mesmo com os atrasos no balanço, os bancos toparam assumir o risco dos empréstimos à estatal.

Para João Augusto Salles, analista especializado no setor bancário da consultoria Lopes Filho, “causa estranheza” no mercado os empréstimos serem aprovados antes da divulgação do balanço da Petrobrás – a companhia prometeu apresentar nesta quarta-feira, 22, os dados de 2014 com aval de auditoria independente.

“Foi uma decisão política”, comentou Salles, para quem os bancos poderiam ter esperado para aprovar os financiamentos após a divulgação do balanço, principal fonte de dados para os bancos analisarem riscos e decidirem emprestar. “A coisa deveria ser feita de forma mais técnica”, completou.

Uma fonte ligada aos bancos públicos ouvida pelo Estado informou que pelo menos uma das operações estava em negociação “há meses”. “Esse tipo de negociação sempre começa três ou quatro meses antes, com uma série de bancos concorrendo”, disse, sob condição de anonimato, destacando que coube à Petrobrás divulgar os novos empréstimos antes da apresentação do balanço.

Do ponto de vista do risco de crédito, segundo Salles, a possibilidade de um calote não é o maior problema de emprestar para a Petrobrás.

Lava Jato. Apesar das dificuldades (por causa da Operação Lava Jato, da queda na cotação internacional do petróleo e da alta do dólar), a estatal é boa geradora de caixa e, em último caso, antes de dar calote, pode ser socorrida pelo Tesouro Nacional. Outro analista especializado no setor bancário concorda com a análise.

Esse profissional, que não quis ter o nome divulgado, destacou, por sua vez, que os técnicos dos bancos recebem balancetes mensais dos clientes que pedem crédito e, por isso, têm informações mais atualizadas do que os balanços trimestrais, olhados pelos analistas de mercado que avaliam as companhias para recomendar – ou não – o investimento em ações.

Cruzando estimativas da Moody’s e de analistas do banco UBS, os R$ 72,5 bilhões comprometidos com a Petrobrás pelos bancos públicos seriam divididos em R$ 41,7 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 19,5 bilhões do BB e R$ 11,3 bilhões da Caixa, como revelou em março o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Com os empréstimos de sexta-feira, os valores subiriam para R$ 24 bilhões (BB) e R$ 13,3 bilhões (Caixa).

Procurados, o Bradesco e a Caixa não comentaram as concessões dos empréstimos. O BB informou, por meio da assessoria de imprensa, que a operação de sexta-feira “atende a todos os requisitos da política de crédito do banco e está adequada aos limites definidos para a empresa e para o setor”.

"O procedimento pode impactar as contas da presidente Dilma", Augusto Nardes

• Entrevista: Augusto Nardes / Ministro do TCU

- Zero Hora (RS)

A presidente pode ser responsabilizada pelas pedaladas fiscais?

Dilma pode ser responsabilizada desde que fique constatado aquilo que encontramos até agora. Temos de dar a oportunidade do contraditório, verificar se aquilo que o tribunal levantou está confirmado. Solicitei prazo de 30 dias pelo fato de que o procedimento pode impactar as contas da presidente Dilma. Sou relator do orçamento. Poderei utilizar essas informações.

Quando o senhor apresenta o relatório?

Vou relatar em junho. Gostaria que esta resposta chegasse o mais rápido possível. São 17 autoridades que devem responder pela contabilidade criativa, as pedaladas. Não somente a questão da Caixa, mas também em relação a outros procedimentos que ocorreram no ano passado.

O senhor se refere aos problemas na Previdência?

Já comuniquei a presidente em uma conversa informal, e também chamamos o ministro da Fazenda. Não foram contabilizados R$ 2,3 trilhões na Previdência, que tinham que constar na prestação de contas do governo. Isso também pode ser colocado como uma criatividade, ou seja, uma contabilidade criativa.

A AGU argumenta é que o atraso nos repasses para os bancos ocorria desde 2001 e que o TCU nunca se manifestou. Isso ocorreu?

O tribunal foi evoluindo com a contabilidade de nível internacional. Constatando a irregularidade, tem de sanear.

O erro praticado em um governo justifica a manutenção da prática?

Um erro não justifica o outro. Mas, como somos um colegiado, não posso me manifestar de forma antecipada.

As questões fiscais podem servir de base para o pedido de impeachment?

Cabe ao Congresso analisar, e não ao tribunal.

Merval Pereira - Coisas e loisas

- O Globo

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como já dizia José Genoino. As tais "pedaladas fiscais" de que o governo está sendo acusado nem "pedaladas" são, e se fossem nada haveria de errado. No jargão dos economistas, "pedalada" define postergação de pagamentos, e qualquer governo, ou empresa, que consiga, através de negociação, adiar um pagamento para reforçar seu caixa estará cometendo um ato elogiável.

O que aconteceu nesse caso, como define o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), é que, em linguagem popular, o governo pedalou a bicicleta de outro sem ter pedido licença.

José Roberto Afonso foi um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, e é com essa autoridade que garante: nada parecido foi feito no governo de Fernando Henrique, e nem mesmo nos de Lula. O crime está caracterizado pelo fato de que, segundo auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2013 e 2014 o governo Dilma atrasou "sistematicamente" o repasse de recursos a Caixa, Banco do Brasil e BNDES para pagamento de Bolsa Família, auxílio desemprego, equalização da Safra Agrícola e Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

Sem o dinheiro do Tesouro, os bancos estatais passaram a fazer os pagamentos com recursos próprios. A prova é que o BNDES enviou ofício ao BC avisando que o Tesouro deveria pagar juros por esse dinheiro até o momento do repasse oficial do Tesouro. Por orientação da Advocacia-Geral da União, o pagamento de juros foi negado, pois caracterizaria o empréstimo, que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas o fato de não ter pagado juros não tira o caráter de empréstimo do que foi feito. A diferença então é esta: "pedalada" adia o pagamento em negociação com o credor; empréstimo é quando o pagamento é feito na data correta por outra fonte de receita.

O artigo 36, caput, da lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, é taxativo: "É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo".

Tal operação constitui crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11, inciso 3, da lei 1.079, de 14 de abril de 1950: "Art. 11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos: 3) contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal".

O governo bate na tecla de que tecnicamente não houve empréstimo, mas, por via transversa - o que é mais grave, já que se trata de ardil para burlar a lei -, obteve-se o que ela proíbe. Isso não quer dizer, no entanto, que o crime atinja necessariamente Dilma, dando margem a pedido de impeachment.

Mesmo que se saiba que nada era feito no seu 1º governo sem que ela autorizasse diretamente. A equipe econômica do ministro Guido Mantega não tinha a autonomia que a de Joaquim Levy tem - que também não é completa. Boa definição do que sejam os limites de Levy está na sua declaração de que a dívida pública do Brasil é administrável.

Na mais recente reunião ministerial, o ministro Joaquim Levy, a determinada altura de sua exposição, disse que a dívida pública era alta. Foi interrompido pela presidente Dilma, que o desautorizou na frente dos demais ministros: "Não é alta, não, Levy". Mostrando que está aprendendo a ter jogo de cintura, o ministro da Fazenda não reagiu de imediato, mas aproveitou outro momento da palestra para voltar ao assunto e dizer: "A dívida pública, que, como disse anteriormente, não é alta...". Tirou gargalhadas da própria presidente e seguiu em frente.

Voltando ao impeachment, é preciso, como diz o ex-presidente Fernando Henrique, deixar que o processo do TCU siga seu caminho até o final, para ver quem serão os acusados pelo crime de responsabilidade. Caso a cadeia de comando chegue a Dilma, e não pare, por exemplo, no presidente do BC ou do BB e da Caixa, ainda assim é preciso esperar a atitude do Ministério Público, que será acionado pelo TCU.

É um longo processo, que precisa ser acompanhado pela oposição, mas que não está em ponto de maturidade para gerar qualquer consequência política mais grave além do desgaste permanente do governo.

Bernardo Mello Franco - O PSDB precisa ouvir FHC

- Folha de S. Paulo

O PSDB acertou ao reabilitar seu maior líder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na campanha do ano passado. Agora precisa voltar a ouvi-lo para não desmerecer o capital acumulado com a votação de Aécio Neves.

No domingo, FHC foi consultado sobre a nova ideia fixa de parlamentares tucanos: tirar Dilma Rousseff do poder antes de 31 de dezembro de 2018, quando termina o mandato que ela conquistou nas urnas.

A resposta veio sem meias palavras. "Como um partido pode pedir impeachment antes de ter um fato concreto? Não pode", disse FHC.

"Impeachment não pode ser tese. Ou houve razão objetiva ou não houve. Quem diz se houve é a Justiça, o Tribunal de Contas, a polícia. Você não pode se antecipar a isso, transformar o seu eventual desejo de pôr um outro governo em algo fora das regras da democracia. Isso é precipitação. Os partidos têm que esperar", concluiu o ex-presidente.

As declarações expressam o óbvio, mas vão na contramão do discurso ensaiado na semana passada por deputados e senadores tucanos.

Eles se reuniram com manifestantes que dizem liderar as ruas e pregam o "Fora, Dilma". Os ativistas nunca receberam um voto, mas controlam as páginas do Facebook que convocam protestos contra o governo. Com essa autoridade, puseram a faca no pescoço dos políticos, que prometeram anunciar apoio ao impeachment depois do feriadão.

"Na quarta-feira, nós teremos um embasamento para que esse sentimento que é das ruas, e claramente é nosso, possa ser respaldado", disse o deputado Carlos Sampaio, líder do PSDB. Ele já havia declarado que atuaria como "auxiliar direto" dos movimentos pró-impeachment.

Ao lembrar que o partido precisa ter responsabilidade com as instituições, e não com a gritaria da internet, FHC despejou um balde de água fria sobre a "novidade" que Sampaio e seus colegas pretendiam apresentar na volta a Brasília.

José Casado - Virou pó

• Meia dúzia de empresas já sumiu na poeira das investigações sobre a corrupção na Petrobras. As dívidas não pagas aumentaram em US$ 5 bilhões na última quinzena

- O Globo

Pouca gente percebeu, mas meia dúzia de grupos empresariais sumiu na poeira das investigações sobre corrupção na Petrobras, nos últimos seis meses.

Sexta-feira foi a vez da empreiteira Schahin Cury. Juntou-se à tribo que, desde setembro, pede refúgio sob o manto judicial para evitar falência. É uma das regras do jogo.

Schahin foi a segunda nos últimos 15 dias. OAS saiu na frente. Juntas, somam US$ 5 bilhões em dívidas não pagas. Galvão Engenharia, Inepar, Alumini e Jaraguá levaram mais US$ 1,5 bilhão à massa pendente.

O tamanho da dívida pendurada pode aumentar, caso outras empresas filiadas — em operação e até agora mantidas à margem dos tribunais — não resistam à ofensiva de credores alérgicos às longas filas no guichês das tesourarias, organizadas pela Justiça.

Os inquéritos sobre corrupção na Petrobras, as dificuldades de caixa da estatal e o reforço das casas bancárias na prevenção contra lavagem de dinheiro tornaram asfixiante o ambiente em alguns segmentos empresariais.

Executivos presos, o principal cliente com as finanças abaladas e diretores de bancos que só respondem “não”, mudaram o perfil dos setores de infraestrutura, óleo e gás — onde a necessidade de capital é medida em escala “biliométrica”.

Diante da escassez de dinheiro, o governo diz ter achado uma oportunidade econômica: convidar empresas estrangeiras para entrar nesses mercados, de forma direta ou em parceria com grupos locais, privados e estatais.

Pode ser uma abertura saudável. Contém uma aposta de risco político: até o mês passado, o histórico dos governos Lula e Dilma se caracterizava pelo capitalismo de laços, com privilégios do BNDES aos eleitos como “campeões da indústria” ou “produtores de conteúdo nacional”.

Numa conjuntura de ativos nacionais baratos, essa questão política até pode ser minimizada nas decisões sobre investimentos no Brasil.

Sobra outro aspecto relevante, a segurança para quem investe.

Empresas dos EUA e Europa estão submetidas a regulamentos mais rígidos sobre clareza de suas contas. Eles justificam, em parte, temores como os da Pricewaterhouse em relação às contas ocultas da Petrobras — sancionadas nos balanços auditados dos últimos dez anos.

Na outra ponta, aumentou a margem de insegurança sobre as chances de recuperação do capital investido. É ilustrativo o caso do fundo americano Aurellius e do banco português Caixa Geral contra o grupo OAS.

Dias antes de recorrer à proteção judicial, a OAS realizou alterações societárias que no entendimento de seus credores estrangeiros resultaram em suposta fraude.

A OAS nega ter feito diluição patrimonial para ocultar US$ 1 bilhão em ativos que respaldavam as dívidas não pagas.

Com o perceptível aumento da taxa de risco para investidores americanos e europeus em infraestrutura, óleo e gás no Brasil, resta a China para o papel de âncora do projeto governamental de abertura ao capital externo.

As regras de Pequim são incomparavelmente mais flexíveis, a começar pelas normas de auditoria e de movimentação financeira.

Aprender chinês talvez seja a melhor aposta, hoje, para quem deseja fazer negócios da China.

Gil Castello Branco - Pedalar faz mal à saúde

• Fracasso da ‘nova matriz econômica’ foi camuflado por alquimias fiscais para esconder a expansão da despesa pública

- O Globo

Em 2002, na final do Campeonato Brasileiro de Futebol, Robinho avançou em direção ao seu marcador, passou oito vezes o pé sobre a bola e iludiu o adversário que, atordoado, cometeu pênalti. O próprio Robinho bateu e deu o título ao Santos. O drible antológico ganhou o nome de “pedalada”.

Na área fiscal, no entanto, pedalada significa empurrar despesas para frente como solução para aliviar o caixa em determinados momentos. Nada muito diferente do que faz uma família endividada quando adia o pagamento da escola dos filhos para o mês seguinte.

No governo federal, em vários momentos o fluxo de caixa foi administrado com a postergação de pagamentos. Na década de 90, por exemplo, os salários dos funcionários públicos foram pagos às vezes dentro do mês e em outras tantas nos primeiros dias do mês subsequente. A legislação era alterada conforme as conveniências do Tesouro.

No fim dos anos 90, para o país cumprir as metas do Fundo Monetário Internacional, surgiram os primeiros “velocípedes”, os chamados restos a pagar, compromissos assumidos em um ano, mas pagos em exercícios seguintes. A moda pegou. Em 2002, já com a Lei de Responsabilidade Fiscal em vigor, eram cerca de R$ 25 bilhões. Em 2014, somaram R$ 227,8 bilhões.

Os mais graves são os “restos a pagar processados”, gerados quando os serviços prestados já foram reconhecidos pelo governo, mas o dinheiro não sai do caixa. Algo do tipo “devo não nego, pagarei quando puder”. Os atrasos encarecem as contratações, pois os fornecedores embutem previamente a demora no preço — e dão margem à corrupção, visto que os gestores passam a decidir a qual credor irão pagar.

No fim da era Lula e no início da fase Dilma, além da persistente ampliação dos “restos”, o fracasso da “nova matriz econômica” foi camuflado por diversas alquimias fiscais para esconder a expansão da despesa pública, do déficit e da dívida governamental. Dentre elas, o pagamento de dividendos elevados ao Tesouro por parte das estatais ainda que à custa da descapitalização das empresas — a antecipação de receitas (comprometendo gestões futuras) e a emissão de títulos públicos para entrega, como empréstimos, ao BNDES. No último caso, sem desembolsar um centavo e sem aumentar a dívida líquida (com os empréstimos o crédito do governo aumenta na mesma proporção, só impactando a dívida bruta) cerca de R$ 400 bilhões foram parar em empresas escolhidas e até no exterior, sabe-se lá em que condições.

No ano passado, veio o pânico. Caso Dilma confessasse o profundo desequilíbrio das contas públicas, não seria reeleita. Daí, provavelmente, a carta branca para que os mágicos-chefes, Mantega e Arno, ampliassem o passeio ciclístico. Ou alguém acredita que a economista Dilma não sabia de nada?

O ápice das pedaladas foi a Caixa bancar com recursos próprios o Bolsa Família, o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial. O Banco do Brasil fez o mesmo para equalizar as taxas de juros do financiamento agrícola. Para o FGTS, sobrou arcar com o Minha Casa, Minha Vida enquanto o BNDES cobria custos do Programa de Sustentação de Investimento. A Caixa esperou seis meses para ser ressarcida em R$ 1,7 bilhão, e só recebeu quando o assunto se tornou público. Se isso não significa “empréstimo” ao Tesouro, minha avó é bicicleta.

O Contas Abertas foi a primeira entidade a denunciar as pedaladas, incluindo o abrupto crescimento dos restos a pagar, o atraso nos repasses a estados e municípios e a enxurrada de ordens bancárias emitidas nos últimos dias do ano para só serem sacadas no exercício seguinte. O competente procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU, Júlio Marcelo, provocou a Corte e, na semana passada, por unanimidade, os ministros aprovaram relatório que estima em R$ 40 bilhões o montante das pedaladas via bancos públicos.

O governo obviamente nega o crime de responsabilidade — faísca para o impeachment de Dilma — e tenta caracterizar a promiscuidade do Tesouro com os bancos como mera conta corrente. Nesse sentido, a Advocacia Geral da União (AGU), inclusive, vai orientar os 17 convocados pelo TCU. Com o cursinho, os artistas do picadeiro econômico passarão de mágicos a bonecos de ventríloquo.

O importante é que os ministros do TCU não se intimidem com as pressões políticas e punam todos os que descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Afinal, as pedaladas que todos querem ver são as do drible imortalizado pelo Robinho. Na área fiscal, pedalar é crime e faz muito mal à saúde e à credibilidade das contas públicas.

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Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas

Janio de Freitas - Um renascer da política

• Proposta de adoção do sistema distrital nas eleições municipais não deve passar facilmente no Congresso

- Folha de S. Paulo

No crivo inicial, agendado para amanhã no Senado, o esperável é a aprovação sem dificuldade. Não há divergência entre esse projeto importante e a Constituição. Mas, se ultrapassado o crivo, sem o apoio de fora do Senado nada promete facilidade para a aprovação de uma reforma que contraria poderosos interesses, ao recriar a esvaziada vida política das cidades com mais de 50 mil habitantes.

É o projeto de adoção do sistema distrital nas eleições municipais. Cada partido, na proposta do senador José Serra, concorreria com um candidato em cada distrito dos que dividiriam o município, compondo-se a Câmara de Vereadores com os representantes distritais eleitos.

Com a aprovação desse projeto, a participação eleitoral e, portanto, a vida política seriam reavivadas pela proximidade imediata políticos/eleitores, como é próprio do sistema distrital. O convívio do eleitor com seu representante eleito, tão escasso no Brasil, e tão viciado quando existente, passaria a ser de conveniência até maior para o representante do que para a maioria dos representados, porque disso dependeria a reeleição. Os partidos, por sua vez, em tais circunstâncias são compelidos a ter programas e propostas, na tentativa de obter maior identificação com o meio em que colhe votos.

O custo inconfessável das campanhas cai em queda livre com a redução de tantos candidatos por partidos para um só. O mesmo com a duração das campanhas. O dinheiro não deixa de influir, sobretudo no período preparatório entre eleições, e os cabos eleitorais podem proliferar. Mas as perspectivas se reduzem muito para os que buscam manter-se eleitos ou eleger-se como meio de conquistar riqueza.

Senadores são pouco próximos dos vereadores, o que torna menos espinhosa a recepção ao projeto no Senado. Na Câmara, sem pressão externa o projeto, se chegar até lá, vai sofrer.

Os tais
A disputa pela precedência na tomada de depoimentos da Lava Jato é apenas uma oportunidade ostensiva para os procuradores do Ministério Público Federal e os delegados da Polícia Federal se hostilizarem. O problema vem de longe, e, a rigor, é daqueles em que nenhum dos lados tem razão, por ambos conduzirem mal e até longe demais as suas pretensões.

O problema se resume em uma expressão conhecida: disputa de poder. Quando, cá de fora, o desejado é eficiência com respeito absoluto a tudo o que delimita as condutas legais --desejo tão mais inatendido quanto maior é a volúpia de poder, seja de quem for.

Olha aí
A Mercedes-Benz decide demitir 500 dos 750 empregados na sua fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo-SP. Dois terços.

Ótimos lugar e ocasião para Dilma Rousseff, de acordo com ideia do seu novo ministro de Comunicação Social, Edinho Silva, ir explicar o que chama de ajuste fiscal.

Aloysio Nunes Ferreira- Em defesa da Petrobras

• A escolha pelo regime de partilha, no governo Lula, trouxe problemas desde o início. Já a concessão torna a Petrobras mais eficiente

- Folha de S. Paulo

Em meio às denúncias de corrupção que atingem a Petrobras, a empresa calcula que tenha perdido até R$ 6 bilhões com o esquema de propinas investigado pela Operação Lava Jato. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha dito que a Petrobras se livrou dos "que se aproveitaram" da companhia, há um longo caminho para restabelecer a credibilidade da maior estatal do país.

Conforme cálculo da Tendências Consultoria, a redução esperada de 30% nos investimentos da petroleira faria o PIB brasileiro cair 1,2%. O BNDES, por sua vez, teve uma perda de R$ 2,6 bilhões com o que chamou de "declínio prolongado e significativo no valor de mercado" da empresa de petróleo.

Tais fatores refletem a dificuldade da Petrobras em viabilizar seus planos de negócio. É mais do que necessário reacender a discussão de como o petróleo deve ser explorado em nosso país.

Sou autor do projeto de lei do Senado nº 417/14, que busca extinguir o regime de partilha para os contratos de exploração do petróleo do pré-sal. A matéria está na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda designação do relator.

As regras estabelecidas na partilha impõem que a empresa interessada em explorá-lo constitua consórcio com a Petrobras, no qual a empresa pública tenha participação mínima de 30%.

Além disso, os comitês operacionais dos consórcios devem ter metade dos membros indicados pelo governo. Esse modelo afugenta investidores. Nenhuma companhia investirá em longo prazo ao lado de uma empresa fragilizada.

A escolha pelo regime de partilha, estabelecido no governo Lula, trouxe problemas desde o início. No leilão do pré-sal em 2013, apenas 11 empresas se inscreveram. O número ficou abaixo das 40 esperadas pela Agência Nacional de Petróleo.

Vale lembrar que duas gigantes do setor, Exxon e Chevron, desistiram de participar da disputa. A demora na realização do leilão (o pré-sal foi descoberto em 2007) e a forte interferência estatal foram alguns dos motivos para a desistência dessas empresas.

Como alternativa para garantir o melhor aproveitamento dos recursos do pré-sal, proponho retomar o regime de concessão, que ainda vale para os demais campos de petróleo do país. O modelo --instituído no governo Fernando Henrique Cardoso--, aliado à abertura do capital da empresa, foi o que nos aproximou da autossuficiência.

É válido recordar que foram nas duas crises do petróleo, de 1973 e 1979, que a dívida externa brasileira chegou a mais de US$ 200 bilhões. O Brasil tinha de pedir dinheiro emprestado lá fora para pagar à vista o petróleo em escassez no planeta e, assim, acumulava dívidas monumentais.

Foi o modelo de concessão, portanto, que contribuiu para gerar lucro de R$ 62 bilhões na Petrobras durante o governo FHC e abriu caminho para uma ascensão da empresa nos anos seguintes.

É preciso dizer que uma eventual privatização da Petrobras nada tem a ver com o sistema de exploração do petróleo, mas com a composição de seu capital social. De acordo com a lei nº 9.478/1997, sancionada por FHC, a União mantém o controle acionário da Petrobras com a posse de, no mínimo, 50% mais uma das ações do capital votante.

A concessão traz mais competição entre as empresas e torna a Petrobras mais eficiente. Além disso, a população não fica refém das vontades de grupos de burocratas. E já está claro: aparelhar uma estatal de acordo com o interesse de certos partidos políticos só gera prejuízos. Não somente para a empresa, mas para todos os brasileiros.

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Aloysio Nunes Ferreira, 70, é senador pelo PSDB-SP

Celso Ming - As pedaladas e o BC

• Se o crédito dos bancos oficiais ao Tesouro foi irresponsável e criminoso, o Banco Central foi omisso

- O Estado de S. Paulo

A condenação das pedaladas não pode passar sem que o Banco Central (BC) também seja responsabilizado pela parte que lhe cabe.

Se o crédito dos bancos oficiais ao Tesouro foi irresponsável e criminoso, como apontam os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), fica difícil de livrar o Banco Central da acusação de omissão nessas práticas.

Vamos, antes, aos antecedentes. Pedaladas foi como ficaram conhecidas operações do Tesouro com a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e Fundo de Garantia. O Tesouro passou a atrasar sistematicamente os pagamentos ao Bolsa Família, ao programa Minha Casa, Minha Vida ou à equalização dos juros no Crédito Rural e exigiu que os bancos públicos se encarregassem dos pagamentos ou suportassem esses passivos. Os atrasos acumulados chegaram a 15 meses ao longo de 2013 e 2014 e ultrapassaram os R$ 40 bilhões.

A manobra foi mais um desses truques utilizados pelo então secretário do Tesouro Arno Augustin para maquilar as estatísticas fiscais. Ao transferir pagamentos de um mês para o outro e agir assim indefinidamente desde 2010, o governo fingiu que cumpria metas das contas públicas, enfeitou as estatísticas e infringiu gravemente a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A proibição de que bancos públicos emprestem recursos para o Tesouro está na origem da Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000. Até então, governadores sacavam fundos dos seus bancos estatais para aumentar artificialmente suas despesas. O governador Orestes Quércia, por exemplo, se vangloriava de ter quebrado o Banespa, mas de ter feito o sucessor. Mais dia menos dia, os calotes sistemáticos acabavam exigindo injeções dos tesouros para capitalizar os bancos e evitar a quebradeira.

O governo federal mobilizou dois ministros, o advogado-geral da União e o procurador-geral do Banco Central para contestar as posições do TCU. Argumentam que essas práticas não constituem operações de crédito, mas prestações de serviços, como se operações de crédito não fossem, elas mesmas, prestações de serviços. Todo o setor financeiro é parte integrante do setor de serviços. Em qualquer banco, o pagamento de qualquer conta de um cliente que não disponha de fundos suficientes se transforma automaticamente numa operação de crédito (cheque especial), sobre a qual incidem juros e as taxas de lei.

Os débitos do governo federal com a Caixa, o Banco do Brasil, o BNDES e o Fundo de Garantia estão lançados como operações ativas dessas instituições. Constituem créditos e sobre eles estão sendo cobrados juros – e não remuneração por serviço prestado. Se a argumentação falaciosa do governo pudesse ser justificada, as pedaladas e a acumulação permanente de passivos estariam admitidas como lícitas e poderiam ser feitas indefinidamente e com qualquer valor.

A omissão do Banco Central tem três dimensões. Primeira, como já mencionado antes, não coibiu graves infrações da Lei de Responsabilidade Fiscal pelos bancos, que está obrigado a supervisionar.

Segunda, foi leniente ao não cobrar as restrições impostas pelas regras de Basileia, que exigem proporção de capital para operações de crédito. Terceira, divulgou estatísticas enganosas nas contas do setor público, que agora precisam ser retificadas, como também advertiu o relatório do Tribunal de Contas.

A convocação do presidente Alexandre Tombini pelo TCU para dar explicações reforça, por si só, o comportamento irregular do Banco Central.

Agências desreguladas – Editorial / Folha de S. Paulo

• Dilma atrasa nomeações em entidades cruciais para qualidade dos serviços públicos concedidos ao setor privado, como a Anac

Não é de hoje que os governos do PT lidam mal com os conceitos gêmeos de concessão de serviços públicos e agências reguladoras independentes para garantir-lhes a qualidade. A presidente Dilma Rousseff rendeu-se em teoria à primeira das noções, mas sua pouca convicção se manifesta no descaso com a segunda.

A supervisão de setores como transportes, eletricidade, águas, telecomunicações e saúde vive um vácuo decisório. A Presidência procrastina a indicação de diretores para as agências, que ainda precisam ser aprovados pelo Senado.

Beira o surreal, por exemplo, a situação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A diretoria deveria ter cinco pessoas, mas só duas vagas se acham preenchidas. Não alcança nem o quórum para tomada de decisões, três votos.

Qualquer usuário dos deficientes aeroportos brasileiros e vítima das arbitrárias decisões operacionais das empresas aéreas sabe que esse serviço está a muitas milhas de um nível de qualidade razoável. Se a função da Anac é defender os interesses do público, não se concebe que o governo permita tamanho desfalque na sua composição.

Em posição semelhante, se não pior, se encontra a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Compete-lhe aprovar concessões de rodovias e ferrovias, outro ramo da infraestrutura nacional que não prima pela eficiência.

Nesse caso, apenas uma das cinco diretorias está preenchida de fato; outras três estão ocupadas interinamente. Para deliberações, são necessários pelo menos três dirigentes --supõe-se que plenos.

Essas são as situações que envolvem maior insegurança quanto às resoluções tomadas pelas agências. Na Anac, uma brecha legal permite que o diretor-geral decida tudo sozinho, mas seus atos podem ser revistos pelo novo colegiado, se e quando for recomposto.

Há diretorias vacantes também na Anvisa (vigilância sanitária), Anatel (telecomunicações) e ANS (saúde suplementar).

Soa quase pueril a alegação da Casa Civil de que a demora se deve ao fato de 2014 ter sido um ano eleitoral. A responsabilidade do Planalto reside em encontrar, precisamente, nomes de alto gabarito técnico e sem vinculação partidária para postos em que o indicado se torna, na prática, indemissível.

No passado, a desconfiança petista com a independência das agências reguladoras desaguou no seu aparelhamento pela legenda.

Não houve progresso nessa área. Se antes o critério político comprometia a necessária autonomia dessas instâncias de controle, agora o imobilismo de Dilma Rousseff permite que as agências se enfraqueçam pela simples falta de quórum.

Fundos precisam se proteger de ingerência política – Editorial / O Globo

• Os fundos de pensão fechados de companhias estatais estão entre os maiores investidores do país, mas infelizmente vários foram alvo da cobiça político-partidária

As companhias estatais foram pioneiras na criação de fundos de previdência complementar no país. A Previ, por exemplo, tem sua origem ainda no início do século XX, formada por 90 funcionários do Banco do Brasil. Atualmente, a Previ é um fundo de pensão fechado que detém participação acionária relevante em diversas grandes empresas (participando do grupo de controle de varias delas, como é o caso da Vale), entre as quais o próprio Banco do Brasil, além de ser um importante investidor de longo prazo em concessões na área de infraestrutura (transportes, energia elétrica, telecomunicações).

 A Petros, administradora de fundos multipatrocinados, sendo o principal a do grupo Petrobras, é uma das principais acionistas da companhia estatal e também tem presença marcante em projetos de infraestrutura, assim como a Funcef, fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal.

O fato de os maiores fundos de pensão no Brasil serem de companhias estatais se deve, em parte, a essa longevidade. Nos anos 1960, os empregados dessas empresas se tornaram celetistas, equiparando-se aos empregados do setor privado. Anteriormente tinham um regime de trabalho que os aproximava dos servidores públicos, com aposentadoria em condições especiais. Como compensação por essa mudança, foram criados fundos de pensão nas companhias federais que ainda não contavam com esse instrumento, tornando-se uma espécie de privilégio, já que as empresas patrocinadoras praticamente contribuam com 100% dos aportes em favor de cada empregado. 

Somente após algumas reformas, uma contrapartida de 50% passou a ser exigida. Seja como for, a experiência foi bem-sucedida e adotada por diversas empresas privadas brasileiras. Fundos de previdência privada abertos, administrados por bancos e seguradoras, ganharam força após o Plano Real e em seu conjunto deverão se constituir em futuro no principal pilar de poupança individual do país.

Como importantes investidores, os fundos fechados de companhias estatais passaram a ser alvo de cobiça por parte de grupos organizados e sindicais dentro dessas empresas. E, infelizmente, a partir de determinado momento, ficaram mais vulneráveis também a pressões político-partidárias, até porque depois que assumiu o poder o PT teve condições de influenciar diretamente na indicação dos diretores que representam as patrocinadoras (ou seja, as estatais).

Tal influência tem sido negativa para muitos fundos, principalmente aqueles que não tinham ainda adotado modelos de governança corporativa capazes de protegê-los de gestores despreparados ou mal intencionados. A conta começa a emergir, a exemplo do Postalis. O risco é que um dia caia sobre os ombros do Tesouro e dos contribuintes em geral.

Um mandato de arrumação – Editorial / O Estado de S. Paulo

A disposição do governo de alcançar um superávit primário equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em cada um dos próximos três anos - a meta para 2015 é um resultado positivo de 1,2% do PIB - é um dos pontos importantes do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2016 e comprova a extensão dos estragos causados pela política fiscal no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, cuja correção consumirá todo o seu segundo mandato. Outras inovações do projeto de LDO para o próximo ano igualmente mostram a necessidade de aprofundamento do ajuste fiscal e, pelo menos em teoria, a disposição do governo de agir nesse sentido.

Ao mesmo tempo que resume as principais medidas que marcarão a elaboração e a execução do Orçamento da União de 2016, o projeto de LDO para o próximo ano traz o tardio reconhecimento do governo da gravidade e da extensão da crise. Entre as projeções que balizam o cenário macroeconômico está a de que o PIB encolherá 0,9% neste ano. Outra é a de que a inflação anual alcançará 8,2%, bem acima do limite de tolerância da política de metas seguida pelo Banco Central, de 6,5% - nível já tolerante demais em relação à meta real, de 4,5%.

O quadro tende a melhorar nos próximos anos, com o crescimento do PIB de 1,3% em 2016, 1,9% em 2017 e 2,4% em 2018. Mesmo que isso ocorra, a economia brasileira continuará operando em ritmo mais lento do que a de países industrializados e a de países emergentes com os quais disputa mercado. Já a inflação, de acordo com as projeções contidas no projeto de LDO para 2016, deve cair para 5,6% no próximo ano e, finalmente, alcançar a meta de 4,5% nos dois anos seguintes.

Entregue na quarta-feira passada ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o projeto, além de elevar a meta do superávit primário - economia necessária para o pagamento dos juros da dívida -, não prevê a possibilidade de abatimento de despesas para o cálculo do resultado primário do governo federal. Nos últimos anos, a LDO permitia que gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou custos com os programas de desoneração tributária fossem deduzidos do cálculo, numa manobra característica da contabilidade criativa utilizada no primeiro mandato de Dilma, que distorcia os resultados fiscais.
Importante novidade do projeto é a proposta de limitação do crescimento da folha de salários dos Três Poderes. De acordo com o ministro do Planejamento, o Executivo definirá, em negociação com os servidores públicos que deve se realizar entre maio e julho, o reajuste dos vencimentos em 2016. O acréscimo de despesas decorrente desse reajuste será repartido proporcionalmente por cada um dos Poderes - que têm autonomia para definir aumentos salariais. Cada Poder decidirá livremente o que fará com o adicional, se elevará os vencimentos de todos ou de determinadas categorias de servidores ou se fará concursos para contratar pessoal.

Trata-se de novidade que pode, de fato, impedir o crescimento do custo do pessoal do setor público, que o governo pretende manter em torno de 4% do PIB, mas sua efetivação dependerá da concordância do Congresso e do Judiciário, o que não está assegurado.

O ministro Nelson Barbosa disse que o superávit primário de 2% será necessário para a estabilidade fiscal e a redução da dívida bruta. Em 2016, pelas projeções do governo, isso equivalerá a R$ 126,73 bilhões, dos quais R$ 104,55 bilhões, ou 1,65% do PIB, de responsabilidade federal. Destaque-se, porém, que, apesar dos esforços que a busca pela meta do superávit primário imporá ao setor público, sua dívida continuará muito alta. De 62,5% do PIB em 2015, ela cairá lentamente para 61,9% em 2016, 60,9% em 2017 e 60,4% em 2018. A média na América Latina, de acordo com critérios do Fundo Monetário Internacional, era de 52,2% do PIB no ano passado.

"O controle de despesas continua", disse o ministro do Planejamento. A correção dos erros do primeiro mandato de Dilma exige, de fato, uma gestão persistentemente rigorosa dos gastos do governo.

Charge da Inconfidência

Jornal Extra (RJ)

Samba do crioulo doido - Demônios da Garoa

Cecília Meireles - Bandeira da Inconfidência

Através de grossas portas sentem-se luzes acesas
e há indagações minuciosas dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros, mulheres e homens à espreita
caras disformes de insônia vigiando as ações alheias(...)
atrás de portas fechadas à luz de velas acesas
uns sugerem, uns recusam, uns ouvem, uns aconselham
se a derrama for lançada há levante com certeza
corre-se por essas ruas, corta-se alguma cabeça
no simo de alguma escada profere-se alguma arenga
que bandeira se desdobra?
com que figura ou legenda?
Coisas da maçonaria, do paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade, um gênio a quebrar algemas? Atrás de portas fechadas à luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem acontece a Inconfidência
e diz o Vigário ao poeta "escreva-me aquela letra do versinho de Virgílio"
e dá-lhe o papel e a pena. E diz o poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
"Tenha meus dedos cortados antes que tal verso escrevam" Liberdade, ainda que tarde, ouve-se em redor da mesa
e a bandeira já está viva e sobe na noite imensa
e seus tristes interventores já são réus, pois se atreveram a falar em liberdade,
que ninguém sabe o que seja através de grossas portas
sentem-se luzes acesas,
e há indagações minuciosas dentro das casas fronteiras...
Que estão fazendo tão tarde, que escrevem, conversam, pensam
mostram livros proibidos? lêem notícias nas gavetas?
terão recebido cartas de potências estrangeiras? Antigüidades de Minas, em Vila Rica suspensas
Cavalo de Lafaiete saltando vastas fronteiras
Oh, vitória, sestas, flores das lutas da Independência
Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda
e a vizinhança não dorme, murmura, imagina, inventa,
não fica bandeira escrita, mas fica escrita a sentença...
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In Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles