domingo, 1 de fevereiro de 2009

Cara metade

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O Fórum Social foi este ano para a Amazônia, para protestar contra o desmatamento. No meio ambiente do Fórum, o MST brilha, como sempre, com poderes até de vetar a presença do presidente Lula na sua mesa de presidentes bolivarianos. O detalhe esquecido pelos animados militantes do "outro-mundo-é-possível" é que 30% do desmatamento da Amazônia ocorrem nos assentamentos.

Nisso, os dois fóruns são iguais. Quando falam da preocupação com a questão ambiental e climática é conversa fiada. No ano passado, quando o Fórum de Davos ainda acreditava nas lendas urbanas do pouso suave das economias ricas e do descolamento das emergentes, eles concluíram que a principal ameaça que pesava sobre o planeta era o aquecimento global. Este ano, o assunto esfriou bruscamente. Hoje, o que esquenta os debates é o medo da destruição do meio ambiente econômico, no qual eles embolsaram seus extraordinários ganhos de capital.

Mudança climática é só pretexto para os discursos no eixo Davos-Belém. O presidente Lula, na véspera de embarcar para Belém, para fazer campanha pela sua candidata a presidente, a ministra Dilma Rousseff, passou a motosserra no orçamento do Ministério do Meio Ambiente. O dinheiro cortado pagaria, por exemplo, o custeio das poucas embarcações que navegam pelos rios do interior da floresta ou das equipes que reprimem o crime ambiental numa área que perde, nos bons anos, "apenas" 11 mil quilômetros quadrados de cobertura florestal.

A candidata, que em Belém foi embalada ao som do jingle reciclado das campanhas de Lula, é a mesma que atropelou reivindicações ambientais, engavetou criação de unidades de conservação, aprovou o plano de energia que construirá 67 termelétricas nos próximos dez anos, para poluir a matriz energética, tem em sua mesa planos ameaçadores para a floresta. Mesmo assim, ambos foram celebrados como combatentes do "outro mundo".

No convescote dos ricos, na Montanha Mágica, os ilusionistas de sempre dão recados fortes imersos em contradições. O presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao engrossaram a voz contra os erros cometidos pelos países ricos que colocaram o mundo em risco. Os dois têm algo em comum: seus países foram extremamente beneficiados pelo fluxo exuberante e irracional de capital que fluiu dos países ricos para os emergentes.

As empresas russas se capitalizaram e se alavancaram pelo preço estratosférico do petróleo e pela valorização das ações nas bolsas. Os novos milionários russos são a força na qual se assenta o poder granítico do novo czar russo. A China foi o país que mais recebeu investimento estrangeiro, virou a queridinha do mercado que abonou todos os crimes cometidos pelo regime contra qualquer voz discordante, porque, afinal, ele era o financiador da gastança bélica do ex-presidente George Bush. Putin e Jiabao são beneficiários da irresponsabilidade do mercado financeiro que, agora, eles condenam.

Os grandes gurus financeiros e os notórios economistas de Davos estão se esmerando, este ano, na arte de prever o passado. Se dois anos atrás ridicularizaram quem falava de recessão global, hoje concluem, com ar de sábia descoberta, que o mundo está em recessão global. O que todos querem é que os governos salvem o sistema financeiro do derretimento final com novas e mais polpudas injeções de dinheiro dos contribuintes.

Em Belém, o presidente Lula posa no grupo dos presidentes palanqueiros com discurso contra a irresponsabilidade dos ricos, apesar de seu governo ter sido outro a se beneficiar do espetáculo do crescimento dos preços das commodities, do valor das ações e da moeda nos últimos quatro anos. Sobre mudança climática, que supostamente era o tema desse encontro, nada a dizer, porque, a esta altura, já se esqueceram todos que o pretexto para o proselitismo deste ano é a proteção à floresta que, no governo Lula, desaparece a um ritmo de mais de uma cidade do Rio de Janeiro por mês. Ao todo, 110 mil quilômetros quadrados em seis anos. Nada disso foi cobrado de Lula. Muito menos ter um ministro da Agricultura que luta contra o código que tenta proteger a floresta ou delegar a Amazônia a outro ministro que não o do Meio Ambiente.

Os organizadores são tão familiarizados com o tema do aquecimento global, suas causas e consequências, que gastam munição com o incorpóreo neoliberalismo e saúdam a figura onipresente do presidente dos combustíveis fósseis, Hugo Chávez. Lula enverga o mesmo discurso contra inexatos inimigos externos, cercados de presidentes que acham que o Brasil é o adversário contra o qual lutar. Evo Morales é aquele que invadiu com tropas instalações da Petrobras. Rafael Correa é aquele que expulsou uma empresa brasileira e entrou na Justiça internacional para não pagar um empréstimo do BNDES. E Fernando Lugo é aquele que acha que o Paraguai está sendo explorado pelo Brasil em Itaipu e lá mesmo fez um discurso aos militantes do "outro mundo" para mudar o acordo em vigor. Na prática, a mudança do acordo significa aumentar a conta de luz paga pelos brasileiros.

A dicotomia entre os dois fóruns nunca foi tão patética quanto neste ano. Eles não são diferentes, são igualmente equivocados. Usam a questão climática para enfeitar seu discurso quando lhes convém. Não levam a sério os riscos reais que o planeta corre, imersos nos seus objetivos imediatos, financeiros ou políticos. São cada um a cara metade do outro.

Mudança de modelo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. O que está fundamentalmente em discussão aqui nesta edição do Fórum Econômico Mundial é o modelo de capitalismo incentivado pelos Estados Unidos nos últimos anos, e não o capitalismo em si. Um modelo definido como "insustentável", por exemplo, por duas vozes de peso entre os chineses. O primeiro-ministro Wen Jiabao criticou o modelo baseado em "baixa poupança e alto consumo", e o vice-presidente do Banco da China, Zhu Min, disse que, apesar de continuar acreditando na globalização, "o modelo americano foi muito longe" e o mundo vai ser obrigado agora a conviver com "uma América frugal".

Essa mudança de padrão de vida nos Estados Unidos, que deverá prevalecer pelos próximos 10 ou 20 anos, pelo menos, é uma necessidade e, ao mesmo tempo, uma ameaça, pois o padrão de consumo americano deve se retrair em, no mínimo, 10%, com uma perda de cerca de US$1 trilhão que não tem como ser reposta.

Em uma das mesas que discutiram o futuro da economia mundial sem o padrão de consumo americano, Ken Rosen, professor emérito da Universidade da Califórnia, em Berkeley, resumiu a situação em uma frase: "Nós gastamos um dinheiro que não tínhamos em coisas das quais não precisamos".

E disse que estava na hora de mudar o paradigma: "O modelo dos Estados Unidos está errado. Se o mundo todo utilizasse o mesmo modelo, nós não existiríamos mais".

O consenso de que o modelo baseado no consumo dos Estados Unidos terá que ser alterado foi registrado em diversos debates, e há também um consenso sobre a necessidade de haver um grande gasto governamental em obras de infraestrutura, para substituir esses gastos.

Ganhou abrangência durante os dias da reunião do Fórum Econômico Mundial a ideia de que será preciso um esforço coordenado entre os governos para que os países emergentes - que estão sendo atingidos por essa crise internacional de maneira indireta, mas muito fortemente, pelo aumento da rejeição ao risco e consequente falta de financiamento internacional - possam ser ajudados.

Depois do megainvestidor George Soros ter sugerido um "fundo dos fundos" formado pelos fundos soberanos de alguns países e coordenado pelo FMI, foi a vez do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, falar sobre a necessidade de os países desenvolvidos ajudarem a dar liquidez aos emergentes.

Ao mesmo tempo em que um painel de especialistas não conseguiu encontrar uma moeda que nas próximas décadas substitua o dólar como referência internacional, em vários momentos aqui em Davos, inclusive nesse debate sobre o dólar, surgiu a possibilidade de o mercado asiático se unir mais a partir dessa crise, abrindo a possibilidade do surgimento de uma moeda forte naquela região: o yen japonês ou o renminbi chinês.

A presente crise abre perspectivas de negócios intra-asiáticos, à medida que companhias regionais possam usar suas vantagens competitivas para atuar nos países vizinhos. O Japão, por exemplo, com uma base bem desenvolvida de tecnologia e vasto capital, poderia ser um parceiro importante nos projetos de obras de infraestrutura que estão sendo desenvolvidos na Índia e na China.

Yasuo Hayashi, presidente da Organização de Comércio Exterior do Japão, considera que, embora seja uma integração que demanda tempo, já há avanços importantes em negociações de acordos econômicos de China, Índia e Japão, os "três grandes" da Ásia, com a Associação das Nações do Sudeste Asiático.

Todos esses movimentos sugerem uma necessidade de haver uma solidariedade internacional, sem a qual será difícil sair da crise. Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley para a Ásia, lembrando que foi uma surpresa para o mundo financeiro a maneira com que a crise atingiu tão fortemente das três grandes economias da região, advertiu:

"Com o aumento do fluxo de capitais, informação e trabalho, o mundo é muito mais interligado do que antes, e nenhuma região está mais ligada na rede internacional de comércio do que a Ásia, dependente de exportação".

Essa interligação entre as economias internacionais foi o que fez o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton ressaltar que seu país depende da China para superar a crise, mas que a China também precisa de uma economia forte nos Estados Unidos para poder exportar seus produtos.

Por isso, a decisão de incluir uma cláusula protecionista no programa de recuperação econômica da nova administração Barack Obama caiu como uma bomba entre os participantes do Fórum.

O perigo de que uma onda protecionista tome conta do mundo já fora levantado no pronunciamento do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, que defendeu o estabelecimento de uma nova ordem econômica "mais justa, igualitária, saudável e estável". E também por um assessor do governo russo, que disse que o fato de os Estados Unidos estarem aumentando seu déficit na certeza de que outros países, como o Japão e a China, comprarão seu bônus do Tesouro, representaria, em última instância, "uma espécie de protecionismo".

Contra o protecionismo, os países emergentes, encabeçados por Brasil e Índia, estão defendendo a retomada da rodada de Doha, para a ampliação do comércio internacional como maneira de superar a crise econômica.

A Índia e a China, que foram os grandes causadores do insucesso da última negociação, estão dispostos, dentro do bloco asiático, a negociar concessões e aberturas na área agrícola e de serviços. O que impediu a negociação foi a proteção à agricultura familiar na Índia e na China, contra o agronegócio, que, naquela ocasião, unira o Brasil aos Estados Unidos e à União Europeia.

Não é tsunami, há culpados

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


DAVOS - Tudo bem que usar a palavra "tsunami" para descrever a crise econômica pode ser uma maneira eventualmente útil de reforçar o verbo nestes tempos de tanta cacofonia que é preciso gritar para ser ouvido.

Mas carrega o risco de dar a entender que a crise, como o tsunami, é um fenômeno natural pelo qual ninguém é culpado, a não ser a natureza ou Deus, de acordo com a crença de cada qual.

Não é assim. A crise tem culpados que deveriam estar sendo ansiosamente procurados, o que não ocorre. Como tampouco ocorre o mais leve sinal de mea culpa de parte dos responsáveis.

É possível que, nesta altura do jogo, seja mais importante retirar a bala do peito da vítima do que procurar quem disparou. Ok. Mas deixar de fazê-lo cria dois riscos: o de que o atirador continue disparando enquanto a vítima sangra e/ou o de que volte a fazê-lo tão logo seja domada a crise.

Do meu ponto de vista, a crise é produto da deificação do mercado, como onipotente, onisciente e, portanto, infalível. Como disse na posse o presidente Barack Obama, que não pode ser acusado de antimercado, o livre mercado é ótimo para criar riquezas, mas precisa de um "olho vigilante" para evitar seus abusos.

Nas condições atuais de temperatura e pressão, esse olho vigilante tem necessariamente que ser global, o que não é uma fenomenal descoberta minha, mas uma pregação reiterada de parte de líderes como Gordon Brown e Angela Merkel, que tampouco podem ser acusados de comunistas.

Trata-se na essência de uma questão política, não econômica. E a pergunta seguinte inevitável é esta: dispõe o mundo de líderes suficientemente corajosos para pôr um olho vigilante no até agora onipotente mercado e suficientemente competentes para que o olho não seja vesgo ou míope?

A fictícia "idade de ouro" financista

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crescimento do PIB americano nos anos 2000 é o pior desde a década de 30; sucesso recente ocorreu na "heterodoxa" Ásia

O COLAPSO da ordem financeira mundial detonou duas ondas de propaganda. Publicistas vulgares da ordem reagiam aos críticos do desastre dizendo que "a globalização e o capitalismo haviam produzido os anos de maior prosperidade da história", tolice bem típica, aliás, dos bajuladores brasileiros do dinheiro grosso. Minoritário e sem poder, mas nem por isso menos tolo, o partido "crítico" apregoava que o "neoliberalismo" morrera.

Antes de mais nada, observe-se que os "anos de maior prosperidade da história" são uma ficção.

A contar de 1930, o crescimento médio dos EUA nos anos 2000 foi superior apenas ao dos anos da Grande Depressão (o per capita inclusive). O crescimento per capita europeu vem caindo a cada década desde os anos 60. O Japão teve seu grande período até 1970. Oriente Médio e América Latina viram dias melhores na década de 70 ou antes, embora o crescimento "desenvolvimentista" nos anos 50 e 60 seja bem exagerado: o PIB per capita não cresceu tanto.

A qualidade dos dados africanos é suspeita, mas parece ter havido períodos melhores também por lá. Nem se mencione o problema da distribuição dessa riqueza.

Os grandes casos de sucesso econômico recente são os da China, de parte do sul da Ásia e dos Tigres (Coreia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong, que porém não crescem tão pouco desde a década de 50). Excetuando a China, os grandes anos do PIB mundial ainda são os 50 e os 60.

Mas mesmo essa série de PIBs diz pouco. Primeiro, por ser uma maçaroca de dados que dificilmente pode ser agregada sem mais nem menos. Segundo, boa parte do crescimento rápido do pós-Guerra ocorreu sobre terra arrasada. Terceiro, após períodos de enriquecimento rápido e de construção da economia nacional, os países tendem a crescer mais devagar. O que se quer dizer, enfim e apenas, é que associar o período de farra financeira a uma "idade de ouro" é propaganda vulgarésima.

Aquilo ao que se dá o nome hoje genericamente inútil de "capitalismo" são sociedades com economias de mercado tão diferentes como as de EUA, França, Suécia, Japão, Coreia, Rússia, China ou Brasil. "Neoliberalismo", por sua vez, é um fantasma ou vodu que dá forma ao ressentimento e à miséria intelectual da maior parte do que sobrou da esquerda. Mas as duas vulgaridades são próximas, pois propagandeiam generalidades fantasmagóricas.

Com boa vontade dir-se-ia que esses dois "partidos" na verdade se referem a um sistema mundial, ou algo assim, ancorado no poder e no modelo americanos. Mas a China, por exemplo, emergiu da demência maoísta apenas devido a esse "sistema mundial"(ou à adoção do "modelo")? Virando a pergunta ao avesso: a China poderia ter adotado a sua "via própria" sem em alguma medida se integrar ao mundo e sem adotar alguns princípios do "modelo"?

A ideia da "idade de ouro" é apenas ideologia barata: o mercadismo. Tem por objetivo atropelar ameaças de pensamento dissidente. Quer abafar a ideia de que as várias economias de sucesso trilharam caminhos muito diferentes; não fizeram a "lição de casa", esse clichê imbecil, ou seguiram a "experiência internacional", em geral médias estatísticas sem qualquer sentido prático.

O sentido das mudanças

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Obama devolveu ao centro de equilíbrio das opiniões o pêndulo do espectro ideológico que estava na extrema direita

MUDAR NÃO é tão difícil. Sobretudo quando se sucede um governo que radicalizou as posições de direita a ponto de ser repudiado pela opinião doméstica e internacional. O desafio de Obama é o oposto de Lula, que, ao tomar posse, precisava garantir a continuidade como condição da governabilidade.

No caso americano, o país emerge de fase aguda de extremismo desdobrado em três aberrações: na economia, o fundamentalismo de mercado; nas relações internacionais, a militarização da diplomacia e o unilateralismo agressivo e anti-islâmico; nos grandes temas atuais, o negativismo em relação ao aquecimento global, o uso da tortura no combate ao terrorismo, a entrega da agenda social e ética a uma direita evangélica estreita e intolerante.

A tarefa de mudar viu-se facilitada pelo colapso financeiro e pela ruína moral das outras políticas, acumulando escombros que qualquer governo novo seria obrigado a remover. Nem por isso é menor o mérito de Obama ao não perder tempo em ditar a agenda pública. Quase não se passa um dia sem a revogação de algumas das suas mais notórias aberrações.

É notável a precisão certeira com que vêm sendo dosadas as decisões, começando, como é justo, pelas de mais forte simbolismo e conteúdo de valores morais: o fechamento de Guantánamo, a suspensão dos tribunais militares, o repúdio à tortura, os critérios de bioética, o endosso a tetos de emissão para veículos, o telefonema ao presidente palestino, a primeira entrevista exclusiva concedida a um canal árabe.

A dez dias da posse, nada disso vai além do retorno a uma saudável normalidade, a um sólido equilíbrio e bom senso, após os desvarios recentes. Até as escolhas dos emissários diplomáticos -o ex-senador George Mitchell para o Oriente Médio, o veterano Richard Holbrooke para o Paquistão-Afeganistão- indicam preferência pela experiência e pelas realizações passadas.

O que Obama fez até agora foi devolver ao centro de equilíbrio das opiniões o pêndulo do espectro ideológico que havia sido deslocado para a extrema direita. Trata-se do realismo lúcido de quem se defronta com as dilacerantes incertezas de catástrofe econômica que não permite antever se, quando e como se voltará a tempos de crescimento e prosperidade.

É razão a mais para fazer o que se impõe mesmo em condições normais: exercer liderança consensual e compartilhada, saber escutar, entender que o poder deve ser assumido, como diz o discurso da posse, com humildade e automoderação. O discurso, aliás, evitou o triunfalismo fácil das frases grandiloquentes.

Preferiu a sobriedade de uma prosa que se esforçou em não deixar sem um aceno nenhuma categoria humana, dentro e fora dos EUA. Passou quase em silêncio o que os comentaristas mais destacaram -o inédito da eleição de um afro-americano- compreendendo, como diria o barão do Rio Branco, "que há vitórias que não se devem comemorar".

O centrismo modernizador, o progressismo social moderado de Obama constituem o máximo de radicalismo que se pode permitir um presidente cuja própria cor da pele é vista por alguns como um desafio radical.

É esta a chave das mudanças: transcender as minorias e divisões, unir a majoritária e modesta classe média americana na luta contra perigos que ameaçam a todos: depressão, desemprego, falta de seguro de saúde, hostilidade externa.

Rubens Ricupero, 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Teatro ‘Gaza Grande’

Stepan Nercessian
Ator, Vereador (PPS) e Vice-Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro


Max e Moisés formam uma dupla. Espetacular dupla. São dois elementos suspeitos que insistem em manter um negócio de alta periculosidade no Brasil. São donos de teatro.

Andando sempre na contramão do business, resolveram abrir as portas do seu estabelecimento para encontros quase clandestinos durante a ditadura, para que jornalistas, políticos, intelectuais e artistas clamassem por liberdade, justiça, direitos humanos e paz. Por lá transitavam comunistas, socialistas, democratas e até agentes da ditadura incendiando cenários, ameaçando trabalhadores e o público.

A luta insana da dupla deu resultados. Diretas já, eleições, caras pintadas e chegamos ao hoje que todos nós conhecemos. O que instiga é que, desde que os inimigos foram derrotados (será que foram?), o Casa Grande jamais obteve paz para funcionar. Muda governo, "fecha o Casa Grande". Sai Governo, "fecha o Casa Grande". Não tem governo, "fecha o Casa Grande". E assim tem sido. Pelo menos uma vez ao ano há um movimento mobilizando a classe para sair em defesa do Casa Grande. O que preocupa é que os históricos da democracia estão morrendo e a nova geração não sabe bem do que se trata o Casa Grande. O Casa Grande é a senzala da resistência cultural e política de nosso Brasil, em particular, do Rio de Janeiro. Nem a CUT, nem a CGT ou o MST abrigaram tantas assembléias sindicais como o Casa Grande. Creio que nenhuma casa teve tantos espetáculos proibidos pela censura quanto Casa Grande. Nem tanto sucesso de público como o Casa Grande. O Casa Grande, aliás, é vizinho do Scala, que já foi Bingo Scala, qualquer coisa Scala e que, ao contrário do Casa Grande, sofreu menos ameaças de fechamento do que o vizinho intelectual.

Façam seu jogo senhores. Agora, quando tudo parecia estar nos conformes, vem mais um ataque ao agora Centro Cultural Casa Grande. Querem comercializar os andares superiores do teatro para que ali não funcione nada ligado à cultura. Só que essa má idéia não vem de uma imobiliária ou de um síndico intolerante. Ela é do estado. Estado de direito. Presidentes, governadores, prefeitos e asseclas sabem muito bem o que significa o Teatro Casa Grande. Até porque, a maioria deles passou por ali nas campanhas eleitorais, participando de debates promovidos sabem por quem? Pelo Teatro Casa Grande.

Esta peça está com um enredo chato, repetitivo. Alguém aí, do poder, deveria ter logo a coragem de assumir o papel da Calabar. Calabar, o elogio da traição foi um dos proibidores do Casa Grande. Diga logo que essa dupla Max e Moisés perturba muito, que o Rio está com excesso de espaços culturais, que arte e cultura é o cacete e mande às favas nossa história. Pôxa vida. Toda hora tenho que assinar um manifesto contra a destruição daquilo ali. Toda hora tenho que ir ao Palácio Guanabara, da Justiça, centro espírita, sinagoga, igreja, sempre pra pedir que não destruam o Teatro Casa Grande. Isso cansa. E olha, essa turma que vai junto com o Max e o Moisés só não desiste de lutar até o fim porque a maioria foi criada ali, naquele espaço em que aprendíamos a aceitar quase tudo, menos desistir dos nossos ideais.

O contínuo choque de ordem

Alberto Carlos Almeida
Professor universitário e escritor
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Na primeira semana de janeiro, estava eu indo à praia em Ipanema quando vi uma fila de guinchos se dirigindo para a Avenida Vieira Souto. Naquele dia, esqueci dos guinchos. Quando abri os jornais do dia seguinte soube que eles faziam parte de medidas para colocar ordem na cidade. O famoso "choque de ordem" que acontece de tempos em tempos não somente no Rio de Janeiro, mas em várias cidades do Brasil.

É extremamente louvável que nossas prefeituras e prefeitos lancem mão de ações para colocar ordem na casa. Em São Paulo, de forma permanente e contínua, o prefeito Gilberto Kassab instituiu o Cidade Limpa, um programa de ação que tem ido muito além de livrar a capital paulistana da poluição visual dos outdors, incorporando medidas de ordenamento urbano cuja finalidade central é possibilitar que o espaço público seja tratado como algo realmente público.

Perguntinha: qual a política pública mais efetiva quando a finalidade é colocar ordem nas cidades, choques de ordem que ocorrem de tempos em tempos ou um processo contínuo de ordenamento urbano? Este processo contínuo não precisa ser nem concentrado, nem intenso, mas tem que ser notado diariamente pela maioria dos cidadãos.

O poder público está em constante interação com a sociedade. Qualquer tentativa de disciplinar a população encontrará resistências. Tais resistências podem ser mais ou menos intensas. Quanto mais intensas forem, maiores serão os custos e as dificuldades para o governo agir. Simplesmente, será mais caro para o governo (e menos efetivo) reprimir e controlar a população. A resistência à ação disciplinadora é maior se for mais longo o histórico de indisciplina. A quebra da regra e o jeitinho tornam-se hábito, e hábito é difícil mudar.

O que está em questão, portanto, é a efetividade de ações que encontram muita resistência da sociedade.

Neste caso, o trânsito é um exemplo excelente. As campanhas esporádicas de disciplina no trânsito dão menos resultados do que um longo, contínuo e insistente processo de punição para aqueles que desrespeitam as normas. Veja-se o exemplo da adoção do nosso Código Nacional de Trânsito. Há pouco mais de 10 anos, na época de sua aprovação, houve um surto nacional policial de repressão aos motoristas.

Os acidentes e mortes despencaram imediatamente. Passado este surto, os acidentes e a mortalidade voltaram a subir de forma constante, até hoje. O que faltou? Certamente não faltou o surto repressivo, ele estava lá presente como esteve agora na aprovação da Lei Seca. O que faltou foi a instituição de um lento e contínuo processo de repressão e multa, menos intenso do que o referido surto, porém, mais longo e insistente.

O processo civilizatório é lento e os seus resultados não são perceptíveis a olho nu no curto prazo.

É preciso anos, às vezes décadas, de repressão ao estacionamento irregular para que a população internalize a regra e passe a se comportar de maneira diferente. O elemento-chave do processo civilizatório é a "internalização da regra e da norma", é a aceitação – em foro íntimo – do limite e da regra. Isso só é obtido quando a repressão, seja ela policial, do aparato jurídico ou mesmo social for longa e contínua.

Um choque, por definição, não pode ser contínuo, senão mata a vítima do choque. Por outro lado, algo que é contínuo não pode ser chocante, justamente por ser contínuo. Como já disse, o choque de ordem é desejável e louvável, mas o que vem depois dele?

A grande vantagem das ações contínuas, além da referida internalização da regra, é que elas, por que são duradouras, geram novos interesses. De volta ao exemplo do estacionamento, temos o caso concreto de Búzios. Reprimiu-se continuamente o estacionamento irregular, depois de algum tempo foram abertos estacionamentos pagos. Aplicou-se a regra e a sociedade se reorganizou. Sempre há ganhadores e perdedores. Perderam os flanelinhas, ganharam os donos e os funcionários dos estacionamentos. Acima de tudo, ganharam aqueles que acham que o espaço público é realmente público.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

sábado, 31 de janeiro de 2009

A CÂMARA QUE O CARIOCA ELEGEU

Paulo Pinheiro
DEU EM O GLOBO

Para que serve a Câmara dos Vereadores? Quais são as funções dos seus membros? Será que as principais atribuições dos parlamentares são atividades como distribuir medalhas e títulos a apadrinhados, renomear ruas da cidades ou indicar diretores de hospitais, administradores regionais, subprefeitos ou titulares de inspetorias financeiras?

É lamentável que um expressivo número de vereadores brasileiros passe a imagem equivocada de que se limita a ações como essas o trabalho de um parlamentar. Provavelmente por isso, nas ultimas eleições, 1,4 milhão de cariocas não fizeram questão de escolher seus representantes junto na Câmara. Nem mesmo a alternativa do voto no partido agradou ao eleitorado: apenas 15% optaram pelo voto em legenda.

O resultado das eleições de 2008 no Rio de Janeiro nos leva à conclusão de que a escolha do carioca foi totalmente “fulanizada”. Ou seja, o eleitor optou por votar em “fulano”, independetemente de seu partido ou coligação e de seu alinhamento ideológico ou não com o candidato a prefeito e em muitos casos, sem nem mesmo levar em consideração se o candidato possui ficha suja. Em conseqüência disso, foi eleita uma câmara altamente segmentada, composta por vereadores de 21 partidos diferentes. Oito legendas, por exemplo, serão representadas por apenas um vereador, que será líder de si próprio.

No entanto, engana-se quem acredita que este quadro é fruto de uma renovação: os novos parlamentares representam apenas 43% da Casa, enquanto os demais são vereadores reeleitos. Mas o preocupante é que vários dos “calouros” já chegam à Câmara Municipal com um significativo passivo junto à Justiça, ostentando fichas sujas – fato também observado entre “veteranos” que renovaram seus mandatos.

Desta forma, para recuperar a confiança e a credibilidade junto à população, os vereadores eleitos para a atual legislatura têm a obrigação de mostrar ao cidadão carioca uma conduta condizente com a enorme responsabilidade inerente ao cargo de parlamentar. Assim, se impõe a imediata criação de um Conselho de Ética e de seu respectivo código no Legislativo Municipal.

Além disso, para exercer suas funções com dignidade e competência, é indispensável que seja realizada uma reestruturação política dentro da Casa.

Os parlamentares devem se organizar primordialmente, em blocos de acordo com as áreas de interesse em que desejam atuar, como saúde, educação, urbanismo, cultura, ética na política ou acompanhamento do orçamento, por exemplo. Caso isto não aconteça, os vereadores se transformação em unidades políticas insignificantes e isoladas, defensores exclusivos de direitos individuais, “paroquiais” e assistencialistas.

Corre-se ainda o risco de endossar a idéia de parte da população de que os vereadores são meros “despachantes de luxo” e imprimir em uma importante instituição como a Câmara Municipal a imagem de que é dispensável. Esta pode se tornar, a médio prazo, uma grande ameaça à democracia do nosso país.

Paulo Pinheiro é vereador no Rio pelo PPS

Perguntas que não calam

Aluizio Alves Filho
Cientista Político e Professor da PUC
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Entre as medidas implantadas por Eduardo Paes, uma tem efeito impactante sobre a vida da cidade e provocou diferentes reações da opinião pública: a Operação Choque de Ordem.

Ela nasce num contexto onde as questões ecológicas e as preocupações com as demarcações das distinções entre o espaço público e o privado estão na ordem do dia. O propósito da operação é tentar reverter um conjunto de informalidades e ilegalidades que há muito tempo se fazem presentes no Rio.

Para implementar a referida operação o prefeito instituiu a Secretaria Especial de Ordem Pública, nomeando secretário o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB), portador de experiência na área. A Operação Choque de Ordem tem por base um conjunto de medidas que o prefeito julga fundamentais para conduzir aos resultados desejados. As principais são reprimir o comércio ilegal, o transporte pirata e as construções irregulares; retirar das ruas seus moradores ou pelo menos diminuir substantivamente o seu número; combater o estacionamento em local proibido e a publicidade não autorizada, além dos demais agentes poluentes da cidade, mantendo-a limpa e preservada.

Três semanas após seu início, a operação apresenta números surpreendentes no que diz respeito ao reboque de carros, em média 46 por dia, mais que o total dos que foram apreendidos em 2007. Vale observar que as autuações foram feitas tanto em bairros chiques quanto em humildes. Para os que, confiando na tradicional impunidade, desenvolveram o péssimo costume de desafiar as leis do trânsito e estacionar em qualquer lugar, é bom abrir o olho. O guincho custa R$ 240 e deve ser acrescido o valor da multa mais a diária do depósito.

Outras medidas dizem respeito a repressão a camelôs, condução de moradores de rua a abrigos, apreensão de ônibus piratas e de agentes poluentes e a demolição de construções irregulares. É louvável que o atual prefeito tenha um plano para resolver problemas candentes. Se as medidas são portadoras ou não de eficácia prática, é outra questão. Isto deixa algumas perguntas no ar.
Como irão sobreviver os trabalhadores informais? A população de rua vai permanecer nos abrigos até quando? Outro problema é o caráter meramente repressivo das medidas, já adotadas por outros governos com resultados pouco auspiciosos.

Lutar contra a crise, diminuir o desemprego

Por João Guilherme V. Netto

Vocês se lembram dos 18 pontos unitários contra a crise do documento entregue ao presidente Lula pelas Centrais Sindicais em novembro? Eles reafirmavam o empenho de enfrentar a crise com políticas públicas anticíclicas, com a manutenção dos programas sociais, com a redução de juros, substituição de importações e controle do fluxo de capital externo.

Exigiam a “cláusula social”, ou seja, qualquer recurso público, ou de fundos dos trabalhadores, aplicado nas empresas ou no crédito, teria a contrapartida da preservação de empregos ou outras contrapartidas sociais. Reivindicavam a democratização do Conselho Monetário Nacional, a redução do superávit primário e a desoneração tributária dos produtos da cesta-básica.

Ao Congresso Nacional apelavam para a ratificação das convenções 151 e 158 da OIT, a extinção do fator previdenciário, a retirada de todos os projetos de lei que objetivassem a precarização das relações do trabalho e a redução constitucional da jornada de trabalho, sem redução de salários.

Como medidas pontuais (já em execução) apontavam a ampliação das faixas do imposto de renda e a correção anual de seus valores e também a ampliação das parcelas do seguro-desemprego.

Cobravam o compromisso governamental do cumprimento da Agenda do Trabalho Decente.

Continua sendo a grande pauta.

Com a manifestação abrupta da crise e seu choque perverso contra o emprego e as conquistas sociais, passou a ser uma preocupação estratégica do movimento sindical evitar ao máximo as demissões, desanuviar o clima histérico suscitado por setores da mídia e por patrões oportunistas e, sobretudo, barrar a estratégia patronal de quebrar direitos por conta da crise, ao invés de garantir direitos para debelar a crise.

Para enfrentar o choque provocado pela desaceleração econômica e superar a crise, que é de curta duração e age diferentemente de acordo com os setores, devemos aplicar quatro máximas estratégicas capazes de garantir a unidade de ação:

1-A luta pelo produtivismo, com consumo popular e manutenção do emprego;

2-A garantia dos direitos, derrotando a estratégia de precarização;

3-A negociação constante com o conhecimento prévio das situações reais e suas implicações; 4- A última palavra deve ser dos trabalhadores, organizados pelos Sindicatos, Federações, Confederações e Centrais.

Naquelas situações e naqueles casos em que, apesar da discordância dos dirigentes, imponha-se uma eventual redução de salário, com redução de jornada (dentro dos marcos legais, esgotadas todas as outras possibilidades legais e nunca à maneira de Copolla na novela das oito) devemos trabalhar com quatro orientações táticas:

1-Análise da carteira da empresa, conhecimento prévio da situação e busca de soluções alternativas em conjunto, Sindicato e empresa (incluindo a desoneração tributária);

2-Redução da jornada maior que a redução de salários;

3-Garantia de emprego pelo dobro, no mínimo, do tempo que durar a redução;

4-Banco de Redução”, ou seja, a empresa compromete-se a, passado o período agudo da crise e retomada da produção, “devolver” aos trabalhadores o que foi emprestado durante a crise; isto pode ser sob a forma de ganhos salariais, PLR, abonos ou outras formas.

Com estas escritas podemos abrir o guarda chuva e evitar às vezes com um pulo as poças da água.
João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical de diversas entidades de trabalhadores em São Paulo

Centrais sindicais pregam a unidade na luta contra a crise

DEU NO SITE DA UGT

Durante o debate, que reuniu dirigentes de algumas das principais centrais sindicais brasileiras e internacionais, a luta contra a crise financeira global e a preservação dos direitos dos trabalhadores foi o tema predominante. "Temos a necessidade de unif

Centenas de trabalhadores de diversos países participaram na quarta-feira (28) da mesa de abertura do 8º Fórum Sindical Mundial, evento que acontece em Belém como parte do Fórum Social Mundial 2009. Durante o debate, que reuniu dirigentes de algumas das principais centrais sindicais brasileiras e internacionais, a luta contra a crise financeira global e a preservação dos direitos dos trabalhadores foi o tema predominante. Apelos pela unidade das diversas centrais também deram a tônica do evento.

Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique foi a primeiro a pedir união: "Temos a necessidade de unificar a luta das centrais sindicais e do movimento sindical, não somente no Brasil como também no movimento sindical internacional, para questionar o modelo de desenvolvimento no Brasil e no mundo. Nesse modelo, onde a especulação é mais importante do que a produção e o ser humano não tem importância do ponto de vista da estratégia das empresas e dos governos, é fundamental que haja modificações rápidas nesse sentido", disse.

As mudanças necessárias, segundo o presidente da CUT, passam pela superação do modelo econômico neoliberal: "Não é possível continuar tendo um crescimento que não leva em conta a distribuição de renda, a inclusão social e o respeito ao meio ambiente. Durante anos, o modelo neoliberal ditou a economia na América Latina. Agora, esse modelo ruiu, caiu, acabou. O papel do Estado cada vez mais é fundamental, e a crise mostra que é necessário rediscutir os modos de produção e consumo. Enfrentar essa tarefa exige nossa unidade", disse.

O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, também convocou as centrais à unidade: "No Brasil, depois que descobrimos que a unidade das centrais nos dava uma condição melhor de lutar, conseguimos enfrentar não só aqueles que queriam tirar direitos dos trabalhadores como também, durante o governo Lula, melhorar a condição do sindicalismo no país com a regulamentação das centrais sindicais", disse.

"A crise já afeta alguns setores, como o metalúrgico ou o de vestuário, mas é preciso que o governo haja rápido com uma política que una a redução de impostos, a redução do spread bancário e a garantia de emprego", disse Paulinho. O presidente da Força Sindical comemorou a reunião realizada na segunda-feira (26) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o governo confirmou o aumento do salário mínimo: "Nesse momento de profunda crise internacional, conseguimos que o governo mantivesse um aumento do salário mínimo de mais de 12%. Isso foi importante, porque os R$ 50 a mais que vão ganhar os 40 milhões de brasileiros que recebem salário mínimo significará uma injeção R$ 27 bilhões nesse momento em que a economia passa por dificuldades. Isso será importante para mantermos os empregos e o mercado interno aquecido".

Os sindicalistas fizeram fortes críticas ao empresariado brasileiro: "Aqui no Brasil, algumas empresas e alguns empresários se apoderam da crise de forma oportunista para apresentar propostas de flexibilização dos direitos, de suspensão de contratos de trabalho ou mesmo de redução da jornada de trabalho com redução de salários. Para a CUT, a luta contra essa crise passa pela defesa do emprego e da renda. Temos que ampliar as mobilizações e a pressão sobre os empresários nesse sentido, pois é isso que vai garantir o mercado interno", disse Arthur Henrique.

Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah também criticou os empresários: "Não podemos permitir que a chantagem empresarial rasgue os direitos dos trabalhadores como tentaram há pouco. Não vamos permitir a redução dos nossos salários e direitos, precisamos estar unificados para combater essa chantagem. A crise não foi criada pelos trabalhadores, a crise é do sistema financeiro. Quando países como Brasil, México e Rússia passaram por crises financeiras, os Estados Unidos e o FMI os fizeram abaixar as calças. E agora, que o problema foi gerado lá, o que nós vamos fazer? Vamos aplaudir?".
Superar o modelo

Também presentes em Belém, dirigentes de organizações sindicais internacionais alertaram para a necessidade de uma mobilização global dos trabalhadores para evitar que o combate à crise financeira sirva apenas para salvar e perpetuar o modelo neoliberal. Para Victor Báez, secretário-geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSTA), a posição dos trabalhadores deve ser clara: "Para o Banco Mundial, o FMI e os governos de direita, o objetivo na etapa pós-crise é voltar ao modelo que provocou esta crise. Mas, antes da crise econômica, já havia as crises política, social e ambiental, e precisamos agora superar essa realidade. Queremos milhões de postos de trabalho e zero de especulação".

Secretária-adjunta da Confederação Sindical Internacional (CSI), Mamunata Cissé também falou sobre a necessidade de um combate global ao modelo neoliberal: "Atingiremos a catástrofe socioambiental e teremos conseqüências terríveis para a humanidade e o planeta se não mudarmos já nosso modo de vida e nosso modelo de produção e consumo", disse.
Alternativas

Na opinião da diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, "a crise começa a sair do âmbito do sistema financeiro e a atingir fortemente a economia real, afetando os empregos, os salários e os direitos dos trabalhadores em todo o mundo". A OIT lançou na segunda-feira o Relatório sobre a Situação dos Trabalhares na América Latina: "O relatório já mostra os efeitos do processo de desaceleração da economia no mercado de trabalho, ameaçando as conquistas que foram obtidas nos últimos anos em muitos países, inclusive no Brasil".

Apesar das ameaças, Laís afirma que existe no âmbito da OIT otimismo em relação aos desdobramentos da crise: "Existe um sentimento de muita satisfação ao se perceber que estão ruindo muitos dos dogmas que estiveram por trás da organização dos mercados financeiros internacionais e que dominaram o processo de globalização nos últimos anos. É um sentimento contraditório, pois existe na OIT a preocupação com os efeitos dessa situação, mas também a alegria de se perceber que existem alternativas", disse.

Compromisso

Secretário-geral da Presidência da República, o ministro Luiz Dulci reafirmou aos trabalhadores "o compromisso do governo Lula com o combate aos impactos negativos da crise e com os avanços na mudança social" e falou sobre a oportunidade histórica que se abre ao Brasil: "Precisamos de mais investimento público e da ampliação dos programas sociais. O que desmoronou foi o neoliberalismo, o modelo imposto ao mundo nas últimas décadas", disse.

A luta pela preservação dos direitos dos trabalhadores, segundo Dulci, é instrumento fundamental para conter a crise: "O movimento sindical internacional nunca teve uma responsabilidade tão grande. Hoje, os trabalhadores organizados têm a possibilidade de contribuir para a democratização econômica e política do mundo. É imprescindível preservar os direitos dos trabalhadores. Se não houver pressão, os conservadores vão acabar restaurando o modelo neoliberal. Não basta remover os escombros do neoliberalismo, é preciso criar uma nova ordem internacional", disse o ministro.

Terra de cego

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. A diferença entre a ignorância conhecida - as coisas que sabemos que não sabemos - e a ignorância desconhecida - as que não sabemos que não sabemos -, é fundamental para a tomada de decisões. A frase, muito boa, embora atribuída a um autor ruim, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld, pode explicar a existência de dois Brasis aqui em Davos. O oficial, vendido por autoridades e empresários que participam do Fórum, enfrenta a crise econômica internacional com galhardia e pode até mesmo dar lições ao mundo. O outro, o não oficial dos analistas econômicos que, embora sejam unânimes em admitir que o país nunca esteve tão bem preparado para enfrentar a crise, prevêem dificuldades crescentes pela frente.

Alguns poucos, como Nouriel Roubini, chegam a prever crescimento próximo de zero, ou até mesmo negativo para o Brasil neste annus horribilis. É verdade que os analistas econômicos não estão em alta depois da crise, mas, para nosso azar, foi Roubini o que mais acertou nos últimos tempos, inclusive no tamanho do problema.

Na contramão do pessimismo, o Brasil oficial exibiu ontem números exuberantes de crescimento da classe média e distribuição de renda, em um almoço em que o tema era "Brasil, o novo poder influente".

O chanceler Celso Amorim citou a presença cada vez mais forte do Brasil nos G-20, tanto o formado pelos emergentes que negociam na Organização Mundial do Comércio, quanto no que reúne os países mais influentes do mundo.

Mas não resistiu e enveredou pelo campo social, ressaltando a distribuição de renda promovida pelo Bolsa Família, e chamou a atenção para o fato de que o Brasil começou uma política anticíclica de grandes obras de infraestrutura (referia-se ao PAC) antes mesmo de os Estados Unidos aprovarem seu Plano de Recuperação Econômica.

Já o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, desfiou números exuberantes de investimentos para os próximos anos, e alinhavou diversos motivos pelos quais acredita que o Brasil esteja em situação melhor que os Estados Unidos no momento, entre eles nosso sistema financeiro saudável e a existência de bancos estatais que podem prover financiamentos nos momentos de dificuldade de crédito.

De fato, o plano de investimentos da Petrobras para 2009-2013 é 55% maior do que anteriormente projetado, o que sinaliza uma confiança no futuro, mas com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destinará à estatal mais de ¼ de toda verba extra para investimentos, podendo chegar a 50% se a empresa continuar sem financiamentos privados em 2010.

Uma confiança que tem claro objetivo político, de manter a expectativa de futuro em alta, especialmente a exploração do petróleo do pré-sal. Não foi à toa que Gabrielli disse em sua exposição que a Petrobras prevê que o preço do barril do petróleo subirá nos próximos anos e que, mesmo com as energias alternativas, o petróleo continuará sendo a principal fonte de energia no mundo nas próximas décadas.

Da mesma maneira que Amorim não se deteve em seu campo específico para enaltecer nossas glórias, Gabrielli dispôs-se a analisar a vantagem comparativa entre o crescimento do Brasil e dos Estados Unidos, ambos baseados, sobretudo, no consumo interno.

Segundo o presidente da Petrobras, enquanto no Brasil o consumo aumentou devido à melhoria da distribuição de renda e ao crescimento da classe média, nos Estados Unidos o crescimento deu-se devido aos ganhos do sistema financeiro e à concentração de renda, o que os coloca hoje em situação delicada.

Do setor privado, o CEO para América Latina do Banco Itaú, Ricardo Vilela, destacou nossas vantagens comparativas no sistema financeiro, um ponto central da crise econômica global. Ressaltando que o sistema bancário brasileiro não foi afetado pela crise do sistema financeiro internacional, Vilela disse que a sensação que se tem é de já ter-se visto esse filme antes, e que no Brasil teve um final feliz, gerando um sistema bancário sólido e seguro.

Confrontado com as reclamações do governo brasileiro, vocalizadas até mesmo pelo presidente Lula, de que o fluxo de financiamento do sistema bancário do país não está normalizado, apesar das medidas do Banco Central para dar liquidez ao mercado, Ricardo Vilela disse que os financiamentos estão crescendo, mas admitiu que estão também mais caros, alegando que a crise internacional impede que se volte aos níveis anteriores.

Os arautos das nossas qualidades esqueceram-se de falar, e não seria razoável exigir que o fizessem num momento de celebração como aquele em Davos, que a economia brasileira já está em recessão, e que todas essas conquistas, verdadeiras, podem se esfumaçar com a redução drástica do crescimento econômico.

Mas, como em terra de cego quem tem um olho é rei, são os emergentes que estão ditando as regras em Davos este ano. Ao contrário do que fizeram Rússia, Índia e China, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de estar mais em evidência, como estaria se o Lula aqui estivesse, em vez de ficar comemorando o fim do capitalismo no Fórum Social Mundial em companhia de Chávez, Morales e Correa.

Lula teria sido uma figura de destaque, ao lado dos primeiros-ministros da China, Wen Jiabao, e da Rússia, Vladimir Putin, que criticaram "a ganância excessiva" e o "individualismo" do sistema capitalista, mas não comemoraram seu suposto fim, ao contrário, dispuseram-se a ajudar os Estados Unidos, e o mundo, a sair do buraco.

Mas, reforçando o clima de euforia que cercou a delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, que já chamou certa vez Lula de "nosso guia", fez uma graça dizendo que não afirmaria que "Davos precisa mais de Lula que Lula de Davos", mas justificou sua ausência alegando que a demanda do mundo pela presença dele é muito maior do que sua capacidade de supri-la.

Lula, a azia e Brown

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DAVOS - Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sente azia ao ler os jornais, conforme disse a Mário Sérgio Conti, da revista "Piauí", fico imaginando o estômago de Gordon Brown ao ter que enfrentar os jornalistas britânicos.

Ontem, Brown estava dando uma entrevista coletiva ao lado de Ban Ki-moon, o secretário-geral das Nações Unidas.

Termina a fala inicial, abre-se o espaço para perguntas e uma loirinha da ITV dispara: "O senhor fala em recuperar a confiança [no sistema financeiro global]. Mas o senhor não goza mais da confiança do público britânico" -e por aí foi.

Brown deu uma de Paulo Maluf, que, ante perguntas desagradáveis, muda completamente de assunto.

Insistiu na necessidade de pôr ordem na economia global. A repórter continuou afirmando que o premiê não tinha mais a confiança de seu público, a ponto de forçar o mediador a interromper para dizer que, como britânico, adora discutir política interna, mas que o assunto ali era a crise global.

Esse comportamento de jornalistas é até certo ponto comum nos Estados Unidos e no Reino Unido, bem menos que no resto da Europa.

No Brasil, é impensável. Suspeito ser o segundo repórter mais velho em atividade como repórter no Brasil, atrás apenas desse estupendo companheiro chamado Paulo Totti, hoje no "Valor Econômico".

Participo de entrevistas com presidentes desde Ernesto Geisel, há, portanto, mais de 30 anos e sete presidentes.

Nunca vi um desafio tão frontal e tão agressivo nem mesmo nos momentos em que o presidente de turno estava com o prestígio no solo e, portanto, era mais fácil ser valente "contra" ele.

Fazer perguntas desagradáveis é uma coisa -obrigatória, alias. Emitir conceitos em vez de perguntar é outra coisa. Mas fico curioso em saber como Lula reagiria em uma situação como a de Brown.

Apartar ou optar

Cristovam Buarque
DEU EM O GLOBO


É constrangedor acompanhar a troca de acusações entre dois ministros. Reinhold Stephanes, da Agricultura, defendendo o aumento da produção agrícola, e Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, a preservação das florestas. Os dois têm razão, o governo é que não tem. Cada um defende os objetivos de sua respectiva pasta, porque o governo não definiu uma linha de ação à qual os ministros fiquem submetidos. É preocupante ver o governo determinar que uma ministra aparte os que estão brigando, no lugar de fazer uma opção sobre quem tem razão. Como se o problema estivesse no desentendimento pessoal e não no choque conceitual. O problema não é apartar duas visões diferentes, mas formular uma visão e optar por ela.

O que está em jogo não é fazer que os dois ministros se calem, mas determinar a escolha, entre concepções diferentes, para definir uma linha que oriente o desenvolvimento que o país precisa seguir. O que deve estar em debate não são as posições dos dois ministros, mas a posição do governo e do país para seu futuro: manter o velho padrão de desenvolvimento a qualquer custo ou escolher um modelo com base na conservação de nosso patrimônio natural e na justiça social.

Aparentemente esta escolha não vai acontecer, porque o atual governo é de "apartar", não de "optar". O estilo do presidente Lula é de apartar as diferenças que existem nos diversos grupos sociais e políticos nacionais, procurando e conseguindo aglutinar pela omissão da escolha. No mesmo momento do embate entre Agricultura e Meio Ambiente, temos a disputa entre o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ministro Mangabeira Unger, encarregado de formular ideias para o futuro do Brasil, entre manutenção da assistência ou saídas estruturais para a pobreza. Na ótica da assistência, o Bolsa Família é um instrumento generoso e correto para reduzir a fome e a miséria; na ótica do futuro, é necessário um instrumento estrutural - a educação - que permita reduzir a pobreza. A próxima contenda a ser apartada pelo presidente será entre o ministro Lupi, do Trabalho, que corretamente defende que o dinheiro público seja usado para conservar emprego, e os empresários que consideram um direito receber dinheiro público, sem compromisso público.

O que caracteriza o presidente Lula é sua capacidade de "apartar" as diferentes opiniões, juntando-as em um silêncio reverencial por parte dos intelectuais, na submissão dos sindicatos e dos empresários; no acomodamento dos estudantes e da juventude; na formação de pacotes partidários tão amplos que ele fica sem oposição, porque mesmo quando esta vence ele vence também. No lugar de serem as forças da "opção", Lula e o PT são as forças da aglutinação ao "apartar" cada grupo e uni-los por meio da interminável conciliação.

Por um lado, isso traz tranquilidade social ao país. Basta comparar nossa situação com os vizinhos, onde os presidentes "optaram" e dividiram as sociedades de seus países. Mas essa aglutinação leva a um acomodamento que, por sua vez, leva ao adiamento do enfrentamento de nossos problemas. Em nome de ficar no poder e ganhar novas eleições, o governo posterga as "opções" que o país precisa para construir o futuro. Em nome de manter-se no cargo, os ministros calam, como se não houvesse um problema a ser enfrentado. Em nome de não romper alianças, o presidente tolera as discordâncias públicas entre seus ministros.

A militância do PT tinha orgulho do lema "optei", mas ao chegar ao poder escolheu o "apartei", que caracteriza o governo Lula. Não sabemos o preço que o Brasil pagará por adiar por mais tempo a opção que deverá fazer, nem quanto vai custar nosso vício histórico de sempre apartar, acomodar, para não optar.

Fomos o último país a abolir a escravidão, seremos o último a fazer as opções necessárias para a construção de um desenvolvimento sustentável e justo. Certamente, será depois dos EUA, que já começaram a fazer opções com o governo Obama. No Brasil, o presidente Lula tem todas as condições de ser um presidente da opção, ao mesmo tempo que tem a competência da aglutinação.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).

Uma conta de chegar

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO


Nada como o risco da desmoralização no início de uma empreitada da envergadura da eleição presidencial para forçar o PSDB a descer do muro de onde observava a disputa entre PT e PMDB pela presidência do Senado.

Não foi propriamente uma decisão referida no melhor para o partido - tendo em vista a eleição de 2010 no horizonte -, muito menos baseada na alegada aceitação do convite feito pelo senador Tião Viana para que os tucanos fossem parceiros do PT numa operação de "limpeza" do Senado.

O PSDB surpreendeu ao tomar uma posição na noite de quinta-feira, quando todos esperavam e o próprio partido dava indicações de que liberaria os votos em tese e, na prática, orientaria a bancada em favor da candidatura de José Sarney.

Isso, segundo constou das versões correntes, na esperança de que Sarney esquecesse antigas rusgas e levasse seus aliados no PMDB ao projeto tucano para 2010.

O raciocínio que prevaleceu, porém, parece ter sido outro: se apoiassem Sarney, poderiam ser responsabilizados por tudo de mal que porventura pudesse acontecer à candidatura de Michel Temer na Câmara e, aí perder dos dois lados.

Temer é um aliado tradicional do PSDB, assim como todo o grupo que aderiu a Lula depois da reeleição. Sarney é um desafeto antigo que, na hora agá, dificilmente desembarcaria da canoa governista para embarcar na oposicionista. Mais não seja, para manter as aparências e não deixar o atual presidente terminar o mandato em feitio de abandono.

Sendo assim, para o tucanato melhor não arriscar o certo pelo altamente duvidoso. Inclusive porque o problema não é nem o apoio em 2010, mas o controle do PMDB daqui até lá. A derrota de Temer teria como consequência a perda da presidência e a mais que provável entrega do comando do partido ao senador Renan Calheiros.

Os 13 votos do PSDB alteram o quadro, abalam o favoritismo de Sarney? Abalam, embora talvez não sejam suficientes para mudar a situação, pois na contrabalança há 14 votos do DEM a favor do ex-presidente.

O lance tucano põe os dois em posição de disputa real e, sobretudo, dá oportunidade ao PSDB de recuperar poder de influência na eleição, perdida quando o partido tendia para Sarney, contribuindo para o desenho de uma vitória antecipada.

Agora, daí a dizer que Tião Viana chamou os tucanos para juntos patrocinarem uma "limpeza" no Senado e por isso levará os votos é abusar da boa vontade alheia. Primeiro, porque obrigaria suas excelências a nominarem a lista das "sujeiras", dado que a preliminar de que admitem a existência delas está posta.

Segundo, obrigaria o respeitável público a acreditar numa mudança repentina de atitude dos partidos que aceitam a convivência com gente de vida pregressa duvidosa, com um terço de senadores suplentes sem voto e indicados pela vontade unilateral do titular da vaga, com acertos para salvar mandatos ao arrepio das evidências de quebra de decoro, com troca-troca de votos por cargos na Mesa e por aí afora.

Se tanto PT como PSDB foram cúmplices das imposturas cometidas no Senado, com que autoridade moral falarão a seus pares em limpeza? Levarão o troco na hora sendo instados a denunciar com riqueza de detalhes, e provas, as sujeiras a que se referem. Como participaram de várias delas, tal operação equivaleria a um tiro na testa.

Negócios

A bancada do PT contabiliza a eleição do ex-senador José Jorge para o Tribunal de Contas da União entre evidências de que vem de longe a negociação entre o PMDB e o DEM, em prol da candidatura de José Sarney para a presidência do Senado.

O PMDB tinha candidato, mas deixou Leomar Quintanilha no ora veja e deu votos a José Jorge em troca - acredita o PT - do apoio do Democratas a Sarney.

Contradição em termos

Quanto mais o ministro da Justiça, Tarso Genro, explica sua decisão de conceder refúgio político ao ativista italiano Cesare Battisti, mais se desentende com seus próprios atos e opiniões.

Primeiro, havia alegado que sua decisão era coerente com a "generosidade" brasileira no tocante ao abrigo de estrangeiros com problemas políticos em seus países de origem. Posição desmentida pela devolução sumária dos atletas Guilhermo Rigondeaux e Erislandy Lara à ditadura cubana.

Agora, Tarso Genro argumenta que a Itália vive no passado, referida nos "anos de chumbo", enquanto o Brasil promoveu sua "pacificação política".

Isso, sendo ele um dos principais defensores da revisão dos termos do contrato firmado entre as forças políticas no Brasil na década dos 80, pelo qual o ponto de partida para a redemocratização seria a anistia para todos os crimes - da ditadura e da resistência ao regime.

O ministro diz que não pretende a revisão da anistia, mas, na prática, é o que significaria a punição aos torturadores defendida por ele.

Aula magna de Heráclio Salles

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Revendo, a pedido da família, artigos do meu fraterno e saudoso amigo, o baiano de Santo Amaro da Purificação, Heráclio Assis de Salles, que devem compor o livro que está sendo montado com a dedicação dos seus filhos, mergulhei no texto impecável de um dos maiores repórteres e escritores da minha geração.

No artigo, com o título que aguça a curiosidade do leitor – História, dia a dia – de 11 de fevereiro de 1993, o autor esclarece que o tema gira sobre "a verificação de que, nos últimos 30 anos, a imprensa em geral, e não alguns profissionais isolados, perdeu competência para lidar com os fatos produzidos na esfera do Legislativo e também do Judiciário".

E entra firme no tema: "A verdade maior, entretanto, está em que a imprensa reflete as condições gerais de vida de uma sociedade de modo a se deixar, ela mesma, afetar pelas distorções e erros de toda a espécie. Do ponto de vista do que estamos tratando, que é a propriedade dos meios de expressão usados na transposição de fatos e temas institucionais, pode-se dizer em síntese: se a imprensa parece mal, deve-se antes buscar a causa que opera fora dos seus quadros".

E chegamos ao ponto que deve interessar especialmente aos repórteres políticos: "Em relação ao Congresso, por exemplo, a imprensa tratou sempre os temas a ele pertinente com propriedade irrepreensível, até a mudança para Brasília. Poucos foram os profissionais qualificados (pela frequentação ao plenário e às comissões) que se transferiram para o Planalto goiano. Além disso, lá, o Congresso passou, como instrumento de operação, a enfrentar condições adversas de funcionamento. E logo cairia no alvo das desconfianças e golpes de grupos autoritários, provocados pelo desequilíbrio pessoal de dois presidentes sucessivos, que acabaram abrindo o caminho às intervenções militares mutiladoras do quadro institucional.

Diante de um Legislativo que deixava de ser sujeito, para figurar como simples objeto no pensamento dominante, os jornais perderam a preocupação com os profissionais que iriam visitá-lo – e não mais freqüentá-lo – sem a qualificação exigida para a tarefa em outros tempos. Os erros se sucederam no noticiário e na avaliação crítica da importância do processo legislativo, esquecido em meio ao eclipse da vida política.

O aparelho refletidor passa a atuar, no caso, inevitavelmente, como gerador de luz falsa para iluminar uma imagem que já se construía com o propósito inconsciente de fazê-la repulsiva. Tanto é este o fenômeno que o mesmo se deu com o Judiciário, igualmente empurrado para a sombra dos regimes castrenses. Se os repórteres desconhecem o processo legislativo, igualmente não se informam, sequer sobre as espécies de processo que correm nas varas e tribunais. Pouquíssimos assimilaram a terminologia essencial, informando mal o leitor e confundindo o trabalho dos magistrados.

Tanto a causa do fenômeno era a indicada que a imprensa procurou rapidamente se aparelhar em Brasília – por iniciativa dos próprios repórteres, o que é expressivo – para tratar adequadamente os atos praticados na área econômica, também afetada pelas deficiências estruturais e de instalação física da nova capital".

Paro aqui a transcrição para algumas observações que considero pertinentes. O artigo de mestre é de fevereiro de 1993, lá se vão quase 16 anos. Do governo de Itamar Franco até os dois mandatos de Lula, passamos pelos oito anos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.

Não quero cometer injustiça com colegas que fazem o que podem para cobrir um Congresso que não se dá ao respeito, que não tem rotina de trabalho na madraçaria da semana de três dias úteis e que perdeu os limites da compostura com a desfaçatez com que se premiam com a cascata de vantagens, benefícios, privilégios, dezenas de assessores até a inqualificável verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de suas excelências no fim de semana na base doméstica com passagens aéreas pagas pela Viúva.

A saudade do velho amigo não precisa ser invocada na pequena homenagem da transcrição de trechos de artigo que parece escrito ontem, neste espaço que ele ocupou durante anos.

Dilma vai a Fórum Social em 2011 como presidente, diz Lula

Leonencio Nossa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em agenda de dois dias na capital paraense, ministra participa de encontro com líderes latinos e ofusca presença dos colegas de governo

Em clima de despedida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou ontem a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, aos organizadores do Fórum Social Mundial. Na sua última participação no evento como presidente, ele avaliou que o próximo encontro, em 2011, possivelmente no exterior, contará com a presença da ministra. "Se for em 2010, eu ainda irei como presidente. Mas, se for em 2011, já vai ser a Dilma", disse, sob aplausos de cerca de cem pessoas.

No encontro, Lula encarregou a ministra de apresentar a proposta de uma Conferência Nacional de Comunicação, que começará com debates nos Estados e municípios. O evento, que ele pretende organizar este ano, discutirá um velho projeto do governo de regulamentar o setor. Lula espera que neste ano possa realizar a conferência e aprovar o projeto no Congresso, apesar de saber que o tema não é consensual.

Nos dois dias em que esteve na capital paraense, Dilma ficou quase todo o tempo ao lado do presidente. E participou de encontros fechados de Lula com outros presidentes da América Latina: Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai).

Durante o seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira, que reuniu cerca de 5 mil pessoas e contou com a presença dos presidentes sul-americanos, na noite de quinta-feira, a ministra da Casa Civil recebeu aplausos dos participantes do fórum.

O novo visual de Dilma, incluindo uma recente cirurgia plástica, não passou despercebido. Quando a sua imagem apareceu nos telões instalados no local do seminário, a multidão assoviou. Mesmo evitando a imprensa, a ministra ofuscou a presença de 11 colegas de governo que também participam do encontro de Belém.

VISTOS

Os organizadores pediram a Lula que a diplomacia brasileira ajude a resolver problemas de vistos para os participantes da próxima versão do evento, nos Estados Unidos, no México ou em um país árabe, possíveis sedes da versão 2011 do encontro. Em entrevista, o presidente disse que não esteve no Fórum Econômico Mundial, em Davos, por não considerar o evento neste ano "interessante".

Ele aproveitou a presença de ativistas europeus e americanos na reunião com os organizadores do Fórum Social para criticar as negociações de paz no Oriente Médio. Lula sugeriu que os representantes do Hamas, adversário de Israel e do governo palestino, sejam ouvidos nas negociações. Relatou que em encontro recente com um diplomata palestino perguntou como o governo palestino avaliaria a possibilidade de ele, Lula, conversar com o Hamas. O diplomata respondeu que ele não seria recebido pelo Hamas.

Lula elogiou a realização do fórum em Belém. "O presidente da República não poderia deixar de participar de um encontro como este, representativo e de boa qualidade", afirmou. "Este fórum foi surpreendente pela qualidade e pela participação da juventude", acrescentou. "De alguma forma, Belém recuperou o prestígio do fórum."

Repúdio ao protecionismo

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na quarta-feira, o diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, comemorava decisão do Ministério do Desenvolvimento de exigir licenciamento prévio às importações e, dessa forma, instituir barreiras comerciais não tarifárias, proibidas por tratados internacionais.

Alguns minutos depois desse festejo público, o presidente Lula mandou revogar a decisão porque "não quero o Brasil identificado com protecionismo".

Também na quarta-feira, esta coluna (Protecionismo é o deles) criticou os dirigentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Fiesp, não só pelo jogo protecionista que querem fazer, mas também pela duplicidade de posição e atitudes em relação aos juros praticados no mercado.

Denunciam, com a contundência de que são capazes, os juros básicos (Selic) definidos pelo Copom, hoje de 12,75% ao ano, mas não dizem uma só palavra contra os juros praticados pelos demais empresários (banqueiros ou não) no financiamento do capital de giro, no desconto de duplicatas, no cartão de crédito, no cheque especial, no financiamento pessoal e nas vendas a prazo, que chegam a ultrapassar os 100% ao ano.

Na condição de presidente da CNI, o empresário Armando Monteiro Neto rechaça "de forma veemente" o conteúdo da coluna. Ele afirma que nunca defendeu as medidas protecionistas que o Ministério do Desenvolvimento tentou implantar. E que foi o primeiro a qualificá-las como "trapalhada".

E enumera vários documentos oficiais em que a CNI afirma e reafirma seus compromissos com a desburocratização, com a competitividade e com o cumprimento das obrigações dos empresários perante o Fisco.

Mas Monteiro Neto não refutou a crítica de que os dirigentes das entidades que representam os empresários se omitem na condenação dos juros cobrados do tomador de crédito, talvez porque o comércio e a indústria, portanto também os empresários, cobram dos seus clientes, ou do próprio consumidor final, escancarada ou disfarçadamente, juros equivalentes aos cobrados pelos bancos.

Esses juros ou estão incorporados ao valor da fatura ou já integram o preço final à vista, pagável em várias prestações mensais "sem juros".

Crise: "Não temos recessão, mas retração do crescimento", diz Lula

Já não é “marolinha”
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente Lula disse, no Fórum Social Mundial, em Belém, que a crise "já está chegando ao país".

"Ela vai chegar, e já está chegando, porque as exportações estão caindo. A China, que crescia a 13% ao ano, talvez cresça 5% ou 6% neste ano. A Índia está tendo problema. Nos EUA já tem recessão, na Europa já tem recessão. Aqui, graças a Deus, nós ainda não temos recessão, nós temos uma retração do crescimento", disse o presidente na noite de anteontem.

"Eu acho que a crise é mais grave e nós não conhecemos o fundo dela ainda."

O Brasil precarizado

Marcus Orione Gonçalves Correia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

ALGUNS AFIRMAM que a terceirização seria a solução para o desenvolvimento econômico, já que diminuiria o chamado "custo Brasil" e consolidaria um país mais competitivo. Menciona-se, ainda, seu potencial para gerar postos de trabalho. A falácia é visível.

A terceirização traz prejuízos não somente ao trabalhador mas também à sociedade e à empresa que a adota.

Para o trabalhador, os prejuízos são os mais óbvios. Promove o sucateamento do valor de seu trabalho, além de diminuir a sua proteção jurídica perante o tomador do serviço. Na verdade, gera postos de trabalho em condições menos dignas.

A terceirização implica técnica de descentralização gerencial da atividade, com o natural descolamento da atividade terceirizada da administração direta da empresa que a adota.

Isso acarreta maiores possibilidades da deterioração da qualidade do serviço prestado, o que afeta não só o seu consumidor, mas a própria imagem empresarial. Recorde-se, ainda, a responsabilidade da empresa que terceiriza parte da atividade perante aquele que utiliza o serviço, que poderá, em vista de prejuízos experimentados, buscar indenizações.

Em jogo se encontra o próprio conceito de eficiência. Uma empresa composta por empregados que "vestem a sua camisa" será mais apta a obter melhores resultados dos pontos de vista da quantidade e da qualidade da produção.

Não olvidemos, por fim, que as empresas tomadoras dos serviços terceirizados são responsáveis solidariamente por certos débitos fiscais, como os previdenciários. Logo, mesmo a questão da diminuição dos custos é questionável.

Em tempos de crise, sempre se propugnam como soluções as mais diversas medidas de flexibilização, uma espécie de panaceia para todos os males, inclusive para o desemprego. Nesse contexto é que se situa a terceirização. No entanto, há que se desfazer de certos mitos que gravitam em torno dessas medidas.

Primeiro, o custo do trabalhador brasileiro não é, como dizem alguns, um dos maiores do mundo. Os diversos direitos trabalhistas incidem sobre um dos menores salários médios mundiais. Não se deve, pois, comparar coisas distintas, sob pena de leviandade. A diminuição da proteção do trabalhador, por incentivo à terceirização, implica o aumento das desigualdades sociais existentes no país, antes de promover a sua inserção no mundo competitivo.

Segundo, crescimento econômico não traz necessariamente desenvolvimento social. Não há que priorizar um em detrimento do outro, sob pena da utilização de soluções que provoquem o aumento da concentração de renda e que, de transitórias, se tornem definitivas -como é o costume no Brasil quando se trata de deterioração dos direitos sociais.

Lembre-se que, neste momento de crise, em que se recorre ao Estado para solucionar o problema da falta de crédito, os países com maior vulnerabilidade são aqueles que mais desmantelaram sua rede de proteção social nos últimos anos (como a Inglaterra e os Estados Unidos).

Finalmente, quando são buscadas novas regulamentações, há que afastar o frágil argumento de que o direito deve acompanhar as mudanças sociais, generalizando hipóteses de terceirização para atender à necessidade de geração de postos de trabalho.

Ora, que o direito seja dinâmico é óbvio. No entanto, a função do direito é uma, e a da economia é outra, sendo ambas bem distintas.

A economia busca, na lógica da escassez, maximizar resultados a partir dos meios de produção. Nessa perspectiva, o trabalho tende a ser tratado como objeto. No direito, pelo contrário, o trabalho não pode ser destacado da proteção do homem que o presta, sob pena de transformar o sujeito, para o qual se volta, em mercadoria.

Logo, o direito não é o lugar para se resolverem os problemas da economia, sob pena de perda de seus fundamentos, assentados na preservação da dignidade da pessoa humana.

Marcus Orione Gonçalves Correia, 44, doutor e livre-docente pela USP, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da área de concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, é juiz federal em São Paulo (SP).

Revendedoras terão financiamento de R$2,5 bi

Patrícia Duarte e Ronaldo D"Ercole
DEU EM O GLOBO

Pacote usará recursos do FAT para recompor capital de concessionárias de carros usados. Empresas não poderão demitir

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Técnicos do governo estão preparando uma linha de financiamento para reforçar o capital de giro das revendedoras de veículos usados, que têm amargado quedas expressivas nas vendas nos últimos meses por causa da crise econômica. Os recursos, que virão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Banco do Brasil (BB), devem chegar a R$2,5 bilhões e serão repassados pelo próprio BB.

De acordo com os técnicos que estão trabalhando na iniciativa, o total de recursos do FAT está sendo discutido pelo BB com o Ministério do Trabalho. As duas instituições confirmaram ontem a preparação da nova linha de crédito.

De acordo com o Ministério do Trabalho, há cerca de duas semanas os representantes do setor estiveram com o ministro Carlos Lupi para pedir ajuda. Reclamaram que, com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros novos, determinada recentemente pelo governo, os automóveis usados perderam competitividade. Com isso, as vendas caíram de forma acentuada. Argumentaram ainda que o risco de desemprego no setor era grande. Hoje, as revendedoras de veículos usados empregam cerca de 600 mil pessoas no país.

Lupi, ao negociar com o setor, acertou que haverá a garantia de manutenção de emprego em troca da ajuda. Existe a expectativa de até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar a nova linha nas próximas semanas. A nova modalidade deverá contar com taxas de juros mais em conta e prazos de financiamento maiores. Os números estão sendo fechados.

Para o setor, medida vai tirar empresas da UTI

Pelo menos por enquanto, o governo descarta a possibilidade de colocar recursos para financiar a compra direta de carros usados, para incentivar o crédito junto ao consumidor final. A avaliação é que, com a ajuda para capital de giro das revendedoras, o segmento poderá respirar mais aliviado.

Desde o fim do ano passado, o governo vem estudando medidas para ajudar o setor de carros usados, justamente por causa da queda nas vendas de veículos.

Já o presidente da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), Ilídio Gonçalves dos Santos, afirmou ontem que a criação pelo Banco do Brasil da linha de crédito especial de R$2,5 bilhões é urgente e essencial para tirar o setor da UTI. Segundo ele, o dinheiro virá não apenas de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mas ainda do caixa do próprio Banco do Brasil.

- Está tudo muito bem encaminhado. Faltam algumas tratativas técnicas, como a definição das taxas de juros e dos prazos - afirmou o presidente da Fenauto.

Venda de usado caiu 30% desde outubro, diz Fenauto

Ao contrário do que afirmam as fontes do Ministério do Trabalho, Santos disse que o BB deverá oferecer duas linhas distintas de financiamentos ao setor: uma para recompor o capital de giro das cerca de 40 mil lojas de carros usados existentes no país, e outra especifica para financiar as vendas.

- O preço dos usados caiu 30% desde outubro, e vendemos nossos estoques por um preço muito menor do que pagamos, Dessa forma, não temos como comprar carros - justificou o presidente da Fenauto.

A expectativa, continuou, é que o BB anuncie as novas linhas na próxima semana.

- Acredito que sejam lançadas já na semana que vem, porque os lojistas estão na UTI - afirmou.

CUT e empresários pedem corte de impostos

Adauri Antunes Barbosa, Liana Melo e Ronaldo D"Ercole
DEU EM O GLOBO


Proposta encaminhada a União e 8 estados beneficiaria setor de máquinas. Vale fecha acordo com 8 sindicatos

SÃO PAULO e RIO. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) vão pedir aos governos federal e de vários estados isenção por quatro meses do pagamento de impostos como ICMS, IPI e PIS/Cofins para o setor de máquinas e equipamento. A proposta visa a evitar demissões no setor, onde as encomendas registram queda de 35%. Desde outubro, as indústrias de máquinas e equipamentos já demitiram 8.300 trabalhadores, pelas contas da confederação.

Com o alívio tributário, a Abimaq alega que poderá reduzir em 20% o preço final dos equipamentos e atrair mais compradores. E compromete-se a manter os cerca de 240 mil empregados do setor atualmente. Além do governo federal, o acordo será proposto para os governadores de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco.

Subiu para oito o número de sindicatos da Vale que aceitaram a proposta de licença remunerada da empresa. A última adesão ocorreu ontem, atingindo assim um universo de 17.800 empregados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pará. Os sindicatos mineiros de Itabira e Inconfidentes ainda estão analisando a proposta, mas já indicaram que não vão aceitá-la.

- Se a empresa está em dificuldade financeira por causa da crise, como pode pagar US$1,6 bilhão à anglo-australiana Rio Tinto por duas novas minas? - criticou Paulo Soares, presidente do Sindicato Metabase de Itabira, comentando que "a empresa está aproveitando os preços baixos dos ativos para crescer".

Com a licença remunerada, a Vale se compromete a pagar 50% do salário, além de garantir o piso de R$856 previsto no Acordo Coletivo de Trabalho, e não demitir até 31 de maio. Foi no último dia 22 que a Vale apresentou formalmente a proposta de licença remunerada, depois de demitir 1.300 empregados e dar férias coletivas a outros 5.500 funcionários.

Ontem, os funcionários da fabricante de autopeças Samot aprovaram acordo de redução da jornada de trabalho (20%) e de salário (15%) com o compromisso da empresa de não demitir por 180 dias. Foi o quarto acordo desse tipo aprovado esta semana por trabalhadores de empresas da base do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ligado à Força Sindical.

Bolsas & famílias

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Quando o governo ampliou o Bolsa Família, entendeu-se como gastança federal. Quando o BNDES comprou ações da Aracruz e da Votorantim, entendeu-se como medida contra a crise. Com a primeira decisão, o governo vai gastar meio bilhão de reais e beneficiar 1,3 milhão de famílias pobres; com a segunda, está gastando dois bilhões e meio de reais para beneficiar quatro famílias ricas.

No primeiro caso, o governo está incluindo no programa quem tem renda familiar de R$137 per capita por mês. No segundo caso, é impossível calcular a renda familiar dos beneficiados. O grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, e a Aracruz, das famílias Lorentzen, Almeida Braga, Moreira Salles e Safra, fizeram maus negócios na aposta no mercado futuro de câmbio. Perderam muito dinheiro.

O BNDES financiou a compra da Aracruz pela Votorantim e ele mesmo comprou um bloco de ações, pagando acima da cotação de mercado. No dia seguinte, o valor das ações caiu mais e os avaliadores de risco deram às ações perspectiva negativa. Sinal de que era um mau negócio e que a junção das duas empresas havia criado outra muito endividada, à qual o BNDES se juntou como um dos donos.

Os grupos em questão têm muitos ativos que podem vender, e, com isso, sair da encalacrada em que entraram. Tanto é que a Votorantim, ontem mesmo, vendeu para o grupo Camargo Corrêa, por R$2,6 bilhões, a participação que tinha na CPFL, num negócio que será quitado por capital próprio e captação da Camargo junto ao mercado privado. Outros negócios ocorrerão neste momento de crise.
A Votorantim saiu da CPFL porque não quer focar em energia; a Camargo comprou porque quer focar em energia. Se o BNDES for menos paternalista, se o governo parar de usar o Banco do Brasil e a Caixa para ajudar empresas, o mundo empresarial fará sozinho boas reestruturações de negócios neste momento de crise. O BNDES entrou na Votorantim-Aracruz porque temia que a Aracruz fosse comprada por uma empresa estrangeira. Qual o problema se fosse?

No Brasil há quem se escandalize cada vez que aumenta o gasto com os pobres, e não faz conta alguma do que o Estado gasta com subsídios aos ricos. Os empréstimos do BNDES são com taxas de juros mais baixas do que as pagas pelo Tesouro para se financiar. Há um gasto do Tesouro implícito.

O Bolsa Família não é entendido nem por quem o faz. Tem sido temido pela oposição, que vê nele a razão da popularidade do presidente Lula. Tem sido defendido pelos petistas, pela mesma crença. É criticado por quem acha que esse dinheiro está sendo subtraído da educação. É atacado por falsos fiscalistas, que não veem os grossos volumes de dinheiro que saem pelos muitos ralos que subsidiam os ricos no Brasil. É desmoralizado por quem, no governo, acha que a exigência de contrapartida e a fiscalização podem ser negligenciadas.
Foi criticado pelo ministro Mangabeira Unger, com argumentos espantosos, preconceituosos e elitistas. Falando dias atrás ao repórter Bernardo Mello Franco, deste jornal, ele revelou que pensa que os pobres preferem ser pobres, teriam a cultura do "pobrismo" e que o programa deveria se concentrar nos "batalhadores", aqueles que estão às portas da classe média: "O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo.
Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores, e aí não funciona. Populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, que dificulta o êxito desses programas", disse o ministro, que depois tentou dizer que foi mal interpretado.

Na visão do nosso ministro do sei-lá-o-quê, como o define Elio Gaspari, o governo deveria direcionar os recursos do Bolsa Família aos quase-classe média, os "pobres viáveis". Faltou completar o raciocínio e dizer o que deve ser feito com os pobres e miseráveis brasileiros.

Os pobres deveriam ter preferência no dinheiro público. Nunca tiveram, nem mesmo agora. Uma rede de proteção social é ação civilizatória. Mas os avanços dos estudos das políticas sociais já provaram que melhor é construí-la não como um fim em si, mas como um meio de pavimentar o caminho para a mobilidade social através da educação.

Não há conflito entre recursos para o Bolsa Família e recursos para a educação. Recentemente, conversei com uma professora de alfabetização do ensino público do Espírito Santo. Ela dá aulas na parte mais pobre de Vitória, e lá 70% das crianças estão no Bolsa Família. O programa tem foco.

O erro do lulismo é que mesmo com o mérito de ter ampliado o antigo Bolsa Escola para o Bolsa Família, no fundo, vê o programa como arma eleitoreira. A maneira correta de fazer essa transferência do dinheiro dos impostos aos mais pobres seria a mais impessoal possível, não como um favor paternalista de uma espécie de "pai dos pobres", mas como direito do cidadão.

Milhões desses pobres jamais serão absorvidos no mercado de trabalho. Não por culpa deles, ministro Mangabeira, mas pelos erros do país que os relegou ao analfabetismo e à privação crônica. Os filhos deles, no entanto, têm muita chance. Se persistirmos.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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