Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
O Fórum Social foi este ano para a Amazônia, para protestar contra o desmatamento. No meio ambiente do Fórum, o MST brilha, como sempre, com poderes até de vetar a presença do presidente Lula na sua mesa de presidentes bolivarianos. O detalhe esquecido pelos animados militantes do "outro-mundo-é-possível" é que 30% do desmatamento da Amazônia ocorrem nos assentamentos.
Nisso, os dois fóruns são iguais. Quando falam da preocupação com a questão ambiental e climática é conversa fiada. No ano passado, quando o Fórum de Davos ainda acreditava nas lendas urbanas do pouso suave das economias ricas e do descolamento das emergentes, eles concluíram que a principal ameaça que pesava sobre o planeta era o aquecimento global. Este ano, o assunto esfriou bruscamente. Hoje, o que esquenta os debates é o medo da destruição do meio ambiente econômico, no qual eles embolsaram seus extraordinários ganhos de capital.
Mudança climática é só pretexto para os discursos no eixo Davos-Belém. O presidente Lula, na véspera de embarcar para Belém, para fazer campanha pela sua candidata a presidente, a ministra Dilma Rousseff, passou a motosserra no orçamento do Ministério do Meio Ambiente. O dinheiro cortado pagaria, por exemplo, o custeio das poucas embarcações que navegam pelos rios do interior da floresta ou das equipes que reprimem o crime ambiental numa área que perde, nos bons anos, "apenas" 11 mil quilômetros quadrados de cobertura florestal.
A candidata, que em Belém foi embalada ao som do jingle reciclado das campanhas de Lula, é a mesma que atropelou reivindicações ambientais, engavetou criação de unidades de conservação, aprovou o plano de energia que construirá 67 termelétricas nos próximos dez anos, para poluir a matriz energética, tem em sua mesa planos ameaçadores para a floresta. Mesmo assim, ambos foram celebrados como combatentes do "outro mundo".
No convescote dos ricos, na Montanha Mágica, os ilusionistas de sempre dão recados fortes imersos em contradições. O presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao engrossaram a voz contra os erros cometidos pelos países ricos que colocaram o mundo em risco. Os dois têm algo em comum: seus países foram extremamente beneficiados pelo fluxo exuberante e irracional de capital que fluiu dos países ricos para os emergentes.
As empresas russas se capitalizaram e se alavancaram pelo preço estratosférico do petróleo e pela valorização das ações nas bolsas. Os novos milionários russos são a força na qual se assenta o poder granítico do novo czar russo. A China foi o país que mais recebeu investimento estrangeiro, virou a queridinha do mercado que abonou todos os crimes cometidos pelo regime contra qualquer voz discordante, porque, afinal, ele era o financiador da gastança bélica do ex-presidente George Bush. Putin e Jiabao são beneficiários da irresponsabilidade do mercado financeiro que, agora, eles condenam.
Os grandes gurus financeiros e os notórios economistas de Davos estão se esmerando, este ano, na arte de prever o passado. Se dois anos atrás ridicularizaram quem falava de recessão global, hoje concluem, com ar de sábia descoberta, que o mundo está em recessão global. O que todos querem é que os governos salvem o sistema financeiro do derretimento final com novas e mais polpudas injeções de dinheiro dos contribuintes.
Em Belém, o presidente Lula posa no grupo dos presidentes palanqueiros com discurso contra a irresponsabilidade dos ricos, apesar de seu governo ter sido outro a se beneficiar do espetáculo do crescimento dos preços das commodities, do valor das ações e da moeda nos últimos quatro anos. Sobre mudança climática, que supostamente era o tema desse encontro, nada a dizer, porque, a esta altura, já se esqueceram todos que o pretexto para o proselitismo deste ano é a proteção à floresta que, no governo Lula, desaparece a um ritmo de mais de uma cidade do Rio de Janeiro por mês. Ao todo, 110 mil quilômetros quadrados em seis anos. Nada disso foi cobrado de Lula. Muito menos ter um ministro da Agricultura que luta contra o código que tenta proteger a floresta ou delegar a Amazônia a outro ministro que não o do Meio Ambiente.
Os organizadores são tão familiarizados com o tema do aquecimento global, suas causas e consequências, que gastam munição com o incorpóreo neoliberalismo e saúdam a figura onipresente do presidente dos combustíveis fósseis, Hugo Chávez. Lula enverga o mesmo discurso contra inexatos inimigos externos, cercados de presidentes que acham que o Brasil é o adversário contra o qual lutar. Evo Morales é aquele que invadiu com tropas instalações da Petrobras. Rafael Correa é aquele que expulsou uma empresa brasileira e entrou na Justiça internacional para não pagar um empréstimo do BNDES. E Fernando Lugo é aquele que acha que o Paraguai está sendo explorado pelo Brasil em Itaipu e lá mesmo fez um discurso aos militantes do "outro mundo" para mudar o acordo em vigor. Na prática, a mudança do acordo significa aumentar a conta de luz paga pelos brasileiros.
A dicotomia entre os dois fóruns nunca foi tão patética quanto neste ano. Eles não são diferentes, são igualmente equivocados. Usam a questão climática para enfeitar seu discurso quando lhes convém. Não levam a sério os riscos reais que o planeta corre, imersos nos seus objetivos imediatos, financeiros ou políticos. São cada um a cara metade do outro.
DEU EM O GLOBO
O Fórum Social foi este ano para a Amazônia, para protestar contra o desmatamento. No meio ambiente do Fórum, o MST brilha, como sempre, com poderes até de vetar a presença do presidente Lula na sua mesa de presidentes bolivarianos. O detalhe esquecido pelos animados militantes do "outro-mundo-é-possível" é que 30% do desmatamento da Amazônia ocorrem nos assentamentos.
Nisso, os dois fóruns são iguais. Quando falam da preocupação com a questão ambiental e climática é conversa fiada. No ano passado, quando o Fórum de Davos ainda acreditava nas lendas urbanas do pouso suave das economias ricas e do descolamento das emergentes, eles concluíram que a principal ameaça que pesava sobre o planeta era o aquecimento global. Este ano, o assunto esfriou bruscamente. Hoje, o que esquenta os debates é o medo da destruição do meio ambiente econômico, no qual eles embolsaram seus extraordinários ganhos de capital.
Mudança climática é só pretexto para os discursos no eixo Davos-Belém. O presidente Lula, na véspera de embarcar para Belém, para fazer campanha pela sua candidata a presidente, a ministra Dilma Rousseff, passou a motosserra no orçamento do Ministério do Meio Ambiente. O dinheiro cortado pagaria, por exemplo, o custeio das poucas embarcações que navegam pelos rios do interior da floresta ou das equipes que reprimem o crime ambiental numa área que perde, nos bons anos, "apenas" 11 mil quilômetros quadrados de cobertura florestal.
A candidata, que em Belém foi embalada ao som do jingle reciclado das campanhas de Lula, é a mesma que atropelou reivindicações ambientais, engavetou criação de unidades de conservação, aprovou o plano de energia que construirá 67 termelétricas nos próximos dez anos, para poluir a matriz energética, tem em sua mesa planos ameaçadores para a floresta. Mesmo assim, ambos foram celebrados como combatentes do "outro mundo".
No convescote dos ricos, na Montanha Mágica, os ilusionistas de sempre dão recados fortes imersos em contradições. O presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao engrossaram a voz contra os erros cometidos pelos países ricos que colocaram o mundo em risco. Os dois têm algo em comum: seus países foram extremamente beneficiados pelo fluxo exuberante e irracional de capital que fluiu dos países ricos para os emergentes.
As empresas russas se capitalizaram e se alavancaram pelo preço estratosférico do petróleo e pela valorização das ações nas bolsas. Os novos milionários russos são a força na qual se assenta o poder granítico do novo czar russo. A China foi o país que mais recebeu investimento estrangeiro, virou a queridinha do mercado que abonou todos os crimes cometidos pelo regime contra qualquer voz discordante, porque, afinal, ele era o financiador da gastança bélica do ex-presidente George Bush. Putin e Jiabao são beneficiários da irresponsabilidade do mercado financeiro que, agora, eles condenam.
Os grandes gurus financeiros e os notórios economistas de Davos estão se esmerando, este ano, na arte de prever o passado. Se dois anos atrás ridicularizaram quem falava de recessão global, hoje concluem, com ar de sábia descoberta, que o mundo está em recessão global. O que todos querem é que os governos salvem o sistema financeiro do derretimento final com novas e mais polpudas injeções de dinheiro dos contribuintes.
Em Belém, o presidente Lula posa no grupo dos presidentes palanqueiros com discurso contra a irresponsabilidade dos ricos, apesar de seu governo ter sido outro a se beneficiar do espetáculo do crescimento dos preços das commodities, do valor das ações e da moeda nos últimos quatro anos. Sobre mudança climática, que supostamente era o tema desse encontro, nada a dizer, porque, a esta altura, já se esqueceram todos que o pretexto para o proselitismo deste ano é a proteção à floresta que, no governo Lula, desaparece a um ritmo de mais de uma cidade do Rio de Janeiro por mês. Ao todo, 110 mil quilômetros quadrados em seis anos. Nada disso foi cobrado de Lula. Muito menos ter um ministro da Agricultura que luta contra o código que tenta proteger a floresta ou delegar a Amazônia a outro ministro que não o do Meio Ambiente.
Os organizadores são tão familiarizados com o tema do aquecimento global, suas causas e consequências, que gastam munição com o incorpóreo neoliberalismo e saúdam a figura onipresente do presidente dos combustíveis fósseis, Hugo Chávez. Lula enverga o mesmo discurso contra inexatos inimigos externos, cercados de presidentes que acham que o Brasil é o adversário contra o qual lutar. Evo Morales é aquele que invadiu com tropas instalações da Petrobras. Rafael Correa é aquele que expulsou uma empresa brasileira e entrou na Justiça internacional para não pagar um empréstimo do BNDES. E Fernando Lugo é aquele que acha que o Paraguai está sendo explorado pelo Brasil em Itaipu e lá mesmo fez um discurso aos militantes do "outro mundo" para mudar o acordo em vigor. Na prática, a mudança do acordo significa aumentar a conta de luz paga pelos brasileiros.
A dicotomia entre os dois fóruns nunca foi tão patética quanto neste ano. Eles não são diferentes, são igualmente equivocados. Usam a questão climática para enfeitar seu discurso quando lhes convém. Não levam a sério os riscos reais que o planeta corre, imersos nos seus objetivos imediatos, financeiros ou políticos. São cada um a cara metade do outro.
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