Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
DAVOS. A diferença entre a ignorância conhecida - as coisas que sabemos que não sabemos - e a ignorância desconhecida - as que não sabemos que não sabemos -, é fundamental para a tomada de decisões. A frase, muito boa, embora atribuída a um autor ruim, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld, pode explicar a existência de dois Brasis aqui em Davos. O oficial, vendido por autoridades e empresários que participam do Fórum, enfrenta a crise econômica internacional com galhardia e pode até mesmo dar lições ao mundo. O outro, o não oficial dos analistas econômicos que, embora sejam unânimes em admitir que o país nunca esteve tão bem preparado para enfrentar a crise, prevêem dificuldades crescentes pela frente.
Alguns poucos, como Nouriel Roubini, chegam a prever crescimento próximo de zero, ou até mesmo negativo para o Brasil neste annus horribilis. É verdade que os analistas econômicos não estão em alta depois da crise, mas, para nosso azar, foi Roubini o que mais acertou nos últimos tempos, inclusive no tamanho do problema.
Na contramão do pessimismo, o Brasil oficial exibiu ontem números exuberantes de crescimento da classe média e distribuição de renda, em um almoço em que o tema era "Brasil, o novo poder influente".
O chanceler Celso Amorim citou a presença cada vez mais forte do Brasil nos G-20, tanto o formado pelos emergentes que negociam na Organização Mundial do Comércio, quanto no que reúne os países mais influentes do mundo.
Mas não resistiu e enveredou pelo campo social, ressaltando a distribuição de renda promovida pelo Bolsa Família, e chamou a atenção para o fato de que o Brasil começou uma política anticíclica de grandes obras de infraestrutura (referia-se ao PAC) antes mesmo de os Estados Unidos aprovarem seu Plano de Recuperação Econômica.
Já o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, desfiou números exuberantes de investimentos para os próximos anos, e alinhavou diversos motivos pelos quais acredita que o Brasil esteja em situação melhor que os Estados Unidos no momento, entre eles nosso sistema financeiro saudável e a existência de bancos estatais que podem prover financiamentos nos momentos de dificuldade de crédito.
De fato, o plano de investimentos da Petrobras para 2009-2013 é 55% maior do que anteriormente projetado, o que sinaliza uma confiança no futuro, mas com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destinará à estatal mais de ¼ de toda verba extra para investimentos, podendo chegar a 50% se a empresa continuar sem financiamentos privados em 2010.
Uma confiança que tem claro objetivo político, de manter a expectativa de futuro em alta, especialmente a exploração do petróleo do pré-sal. Não foi à toa que Gabrielli disse em sua exposição que a Petrobras prevê que o preço do barril do petróleo subirá nos próximos anos e que, mesmo com as energias alternativas, o petróleo continuará sendo a principal fonte de energia no mundo nas próximas décadas.
Da mesma maneira que Amorim não se deteve em seu campo específico para enaltecer nossas glórias, Gabrielli dispôs-se a analisar a vantagem comparativa entre o crescimento do Brasil e dos Estados Unidos, ambos baseados, sobretudo, no consumo interno.
Segundo o presidente da Petrobras, enquanto no Brasil o consumo aumentou devido à melhoria da distribuição de renda e ao crescimento da classe média, nos Estados Unidos o crescimento deu-se devido aos ganhos do sistema financeiro e à concentração de renda, o que os coloca hoje em situação delicada.
Do setor privado, o CEO para América Latina do Banco Itaú, Ricardo Vilela, destacou nossas vantagens comparativas no sistema financeiro, um ponto central da crise econômica global. Ressaltando que o sistema bancário brasileiro não foi afetado pela crise do sistema financeiro internacional, Vilela disse que a sensação que se tem é de já ter-se visto esse filme antes, e que no Brasil teve um final feliz, gerando um sistema bancário sólido e seguro.
Confrontado com as reclamações do governo brasileiro, vocalizadas até mesmo pelo presidente Lula, de que o fluxo de financiamento do sistema bancário do país não está normalizado, apesar das medidas do Banco Central para dar liquidez ao mercado, Ricardo Vilela disse que os financiamentos estão crescendo, mas admitiu que estão também mais caros, alegando que a crise internacional impede que se volte aos níveis anteriores.
Os arautos das nossas qualidades esqueceram-se de falar, e não seria razoável exigir que o fizessem num momento de celebração como aquele em Davos, que a economia brasileira já está em recessão, e que todas essas conquistas, verdadeiras, podem se esfumaçar com a redução drástica do crescimento econômico.
Mas, como em terra de cego quem tem um olho é rei, são os emergentes que estão ditando as regras em Davos este ano. Ao contrário do que fizeram Rússia, Índia e China, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de estar mais em evidência, como estaria se o Lula aqui estivesse, em vez de ficar comemorando o fim do capitalismo no Fórum Social Mundial em companhia de Chávez, Morales e Correa.
Lula teria sido uma figura de destaque, ao lado dos primeiros-ministros da China, Wen Jiabao, e da Rússia, Vladimir Putin, que criticaram "a ganância excessiva" e o "individualismo" do sistema capitalista, mas não comemoraram seu suposto fim, ao contrário, dispuseram-se a ajudar os Estados Unidos, e o mundo, a sair do buraco.
Mas, reforçando o clima de euforia que cercou a delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, que já chamou certa vez Lula de "nosso guia", fez uma graça dizendo que não afirmaria que "Davos precisa mais de Lula que Lula de Davos", mas justificou sua ausência alegando que a demanda do mundo pela presença dele é muito maior do que sua capacidade de supri-la.
DEU EM O GLOBO
DAVOS. A diferença entre a ignorância conhecida - as coisas que sabemos que não sabemos - e a ignorância desconhecida - as que não sabemos que não sabemos -, é fundamental para a tomada de decisões. A frase, muito boa, embora atribuída a um autor ruim, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld, pode explicar a existência de dois Brasis aqui em Davos. O oficial, vendido por autoridades e empresários que participam do Fórum, enfrenta a crise econômica internacional com galhardia e pode até mesmo dar lições ao mundo. O outro, o não oficial dos analistas econômicos que, embora sejam unânimes em admitir que o país nunca esteve tão bem preparado para enfrentar a crise, prevêem dificuldades crescentes pela frente.
Alguns poucos, como Nouriel Roubini, chegam a prever crescimento próximo de zero, ou até mesmo negativo para o Brasil neste annus horribilis. É verdade que os analistas econômicos não estão em alta depois da crise, mas, para nosso azar, foi Roubini o que mais acertou nos últimos tempos, inclusive no tamanho do problema.
Na contramão do pessimismo, o Brasil oficial exibiu ontem números exuberantes de crescimento da classe média e distribuição de renda, em um almoço em que o tema era "Brasil, o novo poder influente".
O chanceler Celso Amorim citou a presença cada vez mais forte do Brasil nos G-20, tanto o formado pelos emergentes que negociam na Organização Mundial do Comércio, quanto no que reúne os países mais influentes do mundo.
Mas não resistiu e enveredou pelo campo social, ressaltando a distribuição de renda promovida pelo Bolsa Família, e chamou a atenção para o fato de que o Brasil começou uma política anticíclica de grandes obras de infraestrutura (referia-se ao PAC) antes mesmo de os Estados Unidos aprovarem seu Plano de Recuperação Econômica.
Já o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, desfiou números exuberantes de investimentos para os próximos anos, e alinhavou diversos motivos pelos quais acredita que o Brasil esteja em situação melhor que os Estados Unidos no momento, entre eles nosso sistema financeiro saudável e a existência de bancos estatais que podem prover financiamentos nos momentos de dificuldade de crédito.
De fato, o plano de investimentos da Petrobras para 2009-2013 é 55% maior do que anteriormente projetado, o que sinaliza uma confiança no futuro, mas com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destinará à estatal mais de ¼ de toda verba extra para investimentos, podendo chegar a 50% se a empresa continuar sem financiamentos privados em 2010.
Uma confiança que tem claro objetivo político, de manter a expectativa de futuro em alta, especialmente a exploração do petróleo do pré-sal. Não foi à toa que Gabrielli disse em sua exposição que a Petrobras prevê que o preço do barril do petróleo subirá nos próximos anos e que, mesmo com as energias alternativas, o petróleo continuará sendo a principal fonte de energia no mundo nas próximas décadas.
Da mesma maneira que Amorim não se deteve em seu campo específico para enaltecer nossas glórias, Gabrielli dispôs-se a analisar a vantagem comparativa entre o crescimento do Brasil e dos Estados Unidos, ambos baseados, sobretudo, no consumo interno.
Segundo o presidente da Petrobras, enquanto no Brasil o consumo aumentou devido à melhoria da distribuição de renda e ao crescimento da classe média, nos Estados Unidos o crescimento deu-se devido aos ganhos do sistema financeiro e à concentração de renda, o que os coloca hoje em situação delicada.
Do setor privado, o CEO para América Latina do Banco Itaú, Ricardo Vilela, destacou nossas vantagens comparativas no sistema financeiro, um ponto central da crise econômica global. Ressaltando que o sistema bancário brasileiro não foi afetado pela crise do sistema financeiro internacional, Vilela disse que a sensação que se tem é de já ter-se visto esse filme antes, e que no Brasil teve um final feliz, gerando um sistema bancário sólido e seguro.
Confrontado com as reclamações do governo brasileiro, vocalizadas até mesmo pelo presidente Lula, de que o fluxo de financiamento do sistema bancário do país não está normalizado, apesar das medidas do Banco Central para dar liquidez ao mercado, Ricardo Vilela disse que os financiamentos estão crescendo, mas admitiu que estão também mais caros, alegando que a crise internacional impede que se volte aos níveis anteriores.
Os arautos das nossas qualidades esqueceram-se de falar, e não seria razoável exigir que o fizessem num momento de celebração como aquele em Davos, que a economia brasileira já está em recessão, e que todas essas conquistas, verdadeiras, podem se esfumaçar com a redução drástica do crescimento econômico.
Mas, como em terra de cego quem tem um olho é rei, são os emergentes que estão ditando as regras em Davos este ano. Ao contrário do que fizeram Rússia, Índia e China, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de estar mais em evidência, como estaria se o Lula aqui estivesse, em vez de ficar comemorando o fim do capitalismo no Fórum Social Mundial em companhia de Chávez, Morales e Correa.
Lula teria sido uma figura de destaque, ao lado dos primeiros-ministros da China, Wen Jiabao, e da Rússia, Vladimir Putin, que criticaram "a ganância excessiva" e o "individualismo" do sistema capitalista, mas não comemoraram seu suposto fim, ao contrário, dispuseram-se a ajudar os Estados Unidos, e o mundo, a sair do buraco.
Mas, reforçando o clima de euforia que cercou a delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, que já chamou certa vez Lula de "nosso guia", fez uma graça dizendo que não afirmaria que "Davos precisa mais de Lula que Lula de Davos", mas justificou sua ausência alegando que a demanda do mundo pela presença dele é muito maior do que sua capacidade de supri-la.
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