domingo, 1 de fevereiro de 2009

O contínuo choque de ordem

Alberto Carlos Almeida
Professor universitário e escritor
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Na primeira semana de janeiro, estava eu indo à praia em Ipanema quando vi uma fila de guinchos se dirigindo para a Avenida Vieira Souto. Naquele dia, esqueci dos guinchos. Quando abri os jornais do dia seguinte soube que eles faziam parte de medidas para colocar ordem na cidade. O famoso "choque de ordem" que acontece de tempos em tempos não somente no Rio de Janeiro, mas em várias cidades do Brasil.

É extremamente louvável que nossas prefeituras e prefeitos lancem mão de ações para colocar ordem na casa. Em São Paulo, de forma permanente e contínua, o prefeito Gilberto Kassab instituiu o Cidade Limpa, um programa de ação que tem ido muito além de livrar a capital paulistana da poluição visual dos outdors, incorporando medidas de ordenamento urbano cuja finalidade central é possibilitar que o espaço público seja tratado como algo realmente público.

Perguntinha: qual a política pública mais efetiva quando a finalidade é colocar ordem nas cidades, choques de ordem que ocorrem de tempos em tempos ou um processo contínuo de ordenamento urbano? Este processo contínuo não precisa ser nem concentrado, nem intenso, mas tem que ser notado diariamente pela maioria dos cidadãos.

O poder público está em constante interação com a sociedade. Qualquer tentativa de disciplinar a população encontrará resistências. Tais resistências podem ser mais ou menos intensas. Quanto mais intensas forem, maiores serão os custos e as dificuldades para o governo agir. Simplesmente, será mais caro para o governo (e menos efetivo) reprimir e controlar a população. A resistência à ação disciplinadora é maior se for mais longo o histórico de indisciplina. A quebra da regra e o jeitinho tornam-se hábito, e hábito é difícil mudar.

O que está em questão, portanto, é a efetividade de ações que encontram muita resistência da sociedade.

Neste caso, o trânsito é um exemplo excelente. As campanhas esporádicas de disciplina no trânsito dão menos resultados do que um longo, contínuo e insistente processo de punição para aqueles que desrespeitam as normas. Veja-se o exemplo da adoção do nosso Código Nacional de Trânsito. Há pouco mais de 10 anos, na época de sua aprovação, houve um surto nacional policial de repressão aos motoristas.

Os acidentes e mortes despencaram imediatamente. Passado este surto, os acidentes e a mortalidade voltaram a subir de forma constante, até hoje. O que faltou? Certamente não faltou o surto repressivo, ele estava lá presente como esteve agora na aprovação da Lei Seca. O que faltou foi a instituição de um lento e contínuo processo de repressão e multa, menos intenso do que o referido surto, porém, mais longo e insistente.

O processo civilizatório é lento e os seus resultados não são perceptíveis a olho nu no curto prazo.

É preciso anos, às vezes décadas, de repressão ao estacionamento irregular para que a população internalize a regra e passe a se comportar de maneira diferente. O elemento-chave do processo civilizatório é a "internalização da regra e da norma", é a aceitação – em foro íntimo – do limite e da regra. Isso só é obtido quando a repressão, seja ela policial, do aparato jurídico ou mesmo social for longa e contínua.

Um choque, por definição, não pode ser contínuo, senão mata a vítima do choque. Por outro lado, algo que é contínuo não pode ser chocante, justamente por ser contínuo. Como já disse, o choque de ordem é desejável e louvável, mas o que vem depois dele?

A grande vantagem das ações contínuas, além da referida internalização da regra, é que elas, por que são duradouras, geram novos interesses. De volta ao exemplo do estacionamento, temos o caso concreto de Búzios. Reprimiu-se continuamente o estacionamento irregular, depois de algum tempo foram abertos estacionamentos pagos. Aplicou-se a regra e a sociedade se reorganizou. Sempre há ganhadores e perdedores. Perderam os flanelinhas, ganharam os donos e os funcionários dos estacionamentos. Acima de tudo, ganharam aqueles que acham que o espaço público é realmente público.

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