quarta-feira, 29 de abril de 2020

Opinião do dia - Hannah Arendt* - Da mentira

Num mundo incompreensível e em perpétua mudança, as massas haviam chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, julgavam que tudo era possível e que nada era verdadeiro. 

A própria mistura, por si, já era bastante notável, pois significava o fim da ilusão de que a credulidade fosse fraqueza de gente primitiva e ingênua, e que o cinismo fosse o vício superior dos espíritos refinados. 

A propaganda de massa descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior, por mais absurdo que fosse, sem objetar contra o fato de ser enganado, uma vez que achava que toda afirmação, afinal de contas, não passava de mentira 

Os líderes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psicológico correto de que, em tais condições, era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia, na certeza de que, se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua inverdade, apelariam para o cinismo; em lugar de abandonarem os líderes que lhes haviam mentido, diriam que sempre souberam que a afirmação era falsa, e admirariam os líderes pela grande esperteza tática.

*Hannah Arendt (1906-1975),“As origens do totalitarismo” - Parte III, Capítulo 2.

Lourdes Sola* - A política da não política em tempos de covid

- O Estado de S.Paulo

A linha de transgressão está ultrapassada em várias frentes, pondo à prova nossas instituições

Diante das escolhas que a pandemia impõe aos gestores e trabalhadores da saúde, aos formuladores de política pública e aos governantes, as noções que até aqui dominaram o debate público ganham novos significados, mais dramáticos. A questão distributiva, antes equacionada em termos de desigualdade socioeconômica, de acesso à educação, à Justiça e à saúde, assume a forma de arbitragem entre quem sobrevive e quem morre. Ao mesmo tempo, a variação nas respostas dos países cria um campo de comparação fértil não só para os epidemiologistas, mas também para os cientistas sociais detectarem a influência de padrões socioculturais, demográficos, econômicos e políticos na abordagem da pandemia. É um campo aberto à análise comparada das políticas públicas adotadas “entre as névoas da guerra” - e põe à prova os critérios pelos quais se avalia a qualidade das lideranças políticas.

Em que pé estamos nós? A tomar como referência a Organização Mundial da Saúde (OMS), os padrões científicos adaptados ao nosso contexto, o saber acumulado por nossos cientistas e profissionais da saúde, o governo insiste em dobrar uma aposta arriscadíssima com o futuro do Brasil. Ao contrapor o distanciamento social horizontal, indispensável para prevenir o colapso da rede hospitalar, à economia, abstém-se de enfrentar os trade-offs necessários para uma saída ordenada da crise. Na raiz dessa aposta há um paradoxo: é a política da não política num cenário em que os desafios de governança democrática obrigam a enfrentar escolhas de altíssima densidade política. Cabe aqui considerar três: a forma que assume a questão distributiva entre nós hoje, os requisitos para o exercício da liderança política em conjunturas críticas e a recapacitação do Estado.

Vera Magalhães - Sem saída imediata

- O Estado de S.Paulo

Curva de casos mostra que não será simples reativar a economia

É muito mais deletério do que conseguimos mostrar em texto de análise política o efeito que pregações irresponsáveis como as do presidente Jair Bolsonaro contra as estratégias de distanciamento social provocam no efetivo combate à pandemia do novo coronavírus.

Essa influência perniciosa não só atiça a natural e justificável ansiedade das pessoas por retomar suas vidas “normais”, como se fosse possível prever qual será o novo normal a partir de agora. Ela também, é possível perceber agora, acabou por criar nos governadores e prefeitos, mesmo naqueles conscientes dos riscos reais da pandemia, uma pressão para dizerem quando e de que forma reabririam comércio, escolas e outros estabelecimentos, o que se deu, desde a semana passada, de forma claramente irrefletida, precipitada e inócua.

Os casos de contaminação e as mortes continuam em ritmo acelerado, sem que nenhuma das condições necessárias para que se comece a falar em saída das quarentenas esteja dada.

Não começamos a testar de forma mais sistemática e massiva, para ter números mais fiéis a refletir em que momento da epidemia estamos, a ocupação dos leitos de hospitais e de UTIs não está em curva decrescente na maior parte do País, os casos (mesmo esses que conseguimos confirmar, uma fração ínfima do total) não estão estabilizados e, mais assustador de tudo, mesmo os países que fizeram tudo certo e começaram a abrir estão experimentando más notícias.

Rosângela Bittar - Entre chiquês e glacês

- O Estado de S.Paulo

Integrantes do Centrão podem bandear-se para o inimigo antes que o galo cante três vezes

Sai o impeachment, temporariamente retirado das hipóteses de trabalho da oposição (PSDB, MDB, DEM), entra a denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro, medida que, antes de chegar ao Congresso, ganha arrazoado no Supremo Tribunal Federal.

A aposta de solução para içar o País da crise, agora, é judicial. Informado, o governo intensifica a articulação de defesa, cuja operação mais radical, que abalou instituições como a Polícia Federal e o Ministério da Justiça, foi a investida sobre o controle dos inquéritos e relatórios policiais.

Diante disso, a oposição reage, apressando-se em definir sua forma de atuação.

Os processos que se seguiram às denúncias do procurador-geral da República contra o ex-presidente Michel Temer, todos derrubados pelo Congresso, são os modelos na expectativa de governo e oposição.

Esta é a principal inspiração na mudança do pensamento do presidente quanto às alianças políticas. O caminho das pedras é a conquista do Centrão, grupo de partidos que fazem as votações do Legislativo penderem para o norte ou para o sul, sem explicações.

Cerca de 70 votos, se tanto, é a avaliação da atual bancada de Bolsonaro na Câmara, como demonstrou recente votação do interesse dos Estados e municípios. A oposição formal ou eventual, contando com os partidos que há décadas dominam de fato o jogo no Parlamento, somados a alguns da esquerda, poderá chegar a pouco mais de 100. Ficariam os demais, em torno de 200 das duas Casas, sob a liderança do Centrão. Que não é um só, são muitos.

Merval Pereira - Homicídios voltam a crescer

- O Globo

Situação de 20 estados já indica que deve haver um crescimento entre 7% e 8% nos dois primeiros meses deste ano

No momento em que o presidente Bolsonaro se envolve em mais uma polêmica armamentista, revogando portarias do Exército que instituíam normas mais eficazes para controle e rastreamento de armas e munição, o governo vai se deparar com a notícia de que os homicídios voltaram a crescer em todo o país.

Dados de janeiro e fevereiro analisados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram a tendência de crescimento. Os números não estão fechados ainda, mas a situação de 20 estados já indica que deve haver um crescimento entre 7% e 8% nos dois primeiros meses deste ano.

O envolvimento do Exército em questões políticas, pois o presidente Bolsonaro anunciou pelo Twitter a decisão de mandar revogar as portarias, atendendo a pressões da indústria armamentista apoiada pela bancada da bala na Câmara, já incomoda ala de militares, que consideram que o trabalho técnico do Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados interessa à proteção da sociedade como um todo, e não a um grupo especifico, como disse em sua carta de despedida o General de brigada Eugênio Pacelli Vieira Mota, que foi para reserva logo depois do cancelamento das portarias.

Míriam Leitão - Sombras sobre Jair Bolsonaro

- O Globo

A nomeação de um amigo para a PF ajuda Bolsonaro a se proteger de investigações, mas sombras cercam seu mandato

Três investigações cercam o presidente da República e pessoas próximas pessoal ou politicamente. Todos os inquéritos passam pela Polícia Federal. Ele nomeou um delegado, amigo dele e dos seus filhos, para a diretoria-geral. E daí? Daí que o Brasil é uma democracia e uma república em que somos todos súditos da lei, lembrou o ministro Celso de Mello. Há muitas portas pelas quais o presidente pode escapar. Uma é ter um amigo na PF, outra é ter um ministro submisso no Ministério da Justiça, outra é contar com os favores do procurador-geral da República . E se nada disso funcionar ele pode comprar apoio no Congresso. Bolsonaro está blindando os quatro cantos do campo para terminar seu mandato.

O PGR Augusto Aras foi se encontrar com o presidente logo no dia em que o ministro Celso de Mello estava decidindo a instauração do inquérito. Podem ter conversado sobre assuntos outros, mas esse encontro é indevido. Aras chegou à PGR contornando a lista tríplice e com ofertas explícitas de uma procuradoria com a qual o presidente pudesse contar. Tem cumprido a sua parte. Até no pedido de abertura de inquérito para apurar as denúncias contra o presidente fez de tal forma que investigasse também quem denunciou os fatos.

Bernardo Mello Franco - A República do "E daí?"

- O Globo

Bolsonaro quer transformar o Brasil na República do “E daí?”. Seu desejo é viver num país em que o governante pode ignorar as leis e não precisa prestar contas do que faz

Num só dia, o Brasil recebeu três más notícias sobre a pandemia do coronavírus. O país registrou um novo recorde de mortes: 474 em apenas 24 horas. Isso fez o total de vítimas superar a marca dos cinco mil. Para completar, o Brasil ultrapassou a China no ranking de países com mais mortos pela Covid-19.

Diante desses fatos, qualquer presidente razoável se sentiria obrigado a reconhecer a gravidade da situação. Mas os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro, que preferiu fazer piada com a tragédia. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, disse, ontem à noite.

A mistura de indiferença e deboche virou marca das declarações do presidente. No domingo, ele foi questionado por uma eleitora sobre a decisão de entregar o comando da Polícia Federal a um amigo dos filhos.

Zuenir Ventura - A culpa é da Covid-19?

- O Globo

Presidente teve que buscar outra forma de diálogo

Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão arranjar uma desculpa para justificar o escandaloso namoro de Bolsonaro com os partidos do centrão (PP, PL, PSD, Republicanos), em suma, com todos aqueles que ele dizia abominar por pertencerem à “velha política”, fisiológica, do tudo por um cargo. Como pregava na campanha eleitoral, ele era a “nova política”, que vinha para mudar o que estava aí. Como explicar que, de um dia para o outro, ele transformasse em amigos de infância e conselheiros personagens como Valdemar Costa Neto, Ciro Nogueira, Arthur Lira, Roberto Jefferson (PTB). Este, aliás, para não haver duvida, já avisou: “Se ele oferecer cargos, aceito.”

Em entrevista nas redes sociais, Mourão atribuiu à crise da Covid-19 a causa que levou o presidente a se aproximar do centrão. A estratégia seria formar um grupo de apoiadores por meio de “convergência de ideias”. O vice-presidente acha que isso funcionou até a chegada do novo coronavírus ao país, quando então o presidente da República teve que buscar outra forma de diálogo como outros presidentes tiveram que fazer.

Elio Gaspari - Guedes herdou a carta branca de Moro

Folha de S. Paulo / O Globo

Teatrinho do Pró-Brasil revela apenas um governo desorientado

Fica combinado que “o homem que decide a economia” no Brasil é Paulo Guedes. Afinal, Sergio Moro tinha carta branca e a política do toma lá dá cá com o centrão era coisa do passado. Cartas brancas não existem, e as tais bancadas temáticas que substituiriam as negociações com os partidos eram um delírio. Assustado com a ruína de seu governo, Bolsonaro bateu à porta do centrão. Repete Dilma Rousseff e Fernando Collor.

A fé de Bolsonaro em fantasias é inesgotável. Pena que a capacidade de Paulo Guedes de criar debates inconsequentes seja incontrolável. Diante de uma epidemia, de uma recessão e do teatrinho do lançamento do Pró-Brasil, Paulo Guedes resolveu encrencar com os servidores:

“Precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa trancado com geladeira cheia e assistindo à crise enquanto milhões de brasileiros estão perdendo emprego.”

Boa ideia. Que tal um programa de sacrifícios gradativos, começando pelos magistrado e procuradores que embolsam acima de R$ 30 mil por mês? O general da reserva Augusto Heleno já disse que tinha vergonha do seu salário de R$ 19 mil líquidos.

Guedes tomou uma bolada nas costas e partiu do oficialismo a pecha de que ele é um “inimigo dos pobres”. Teria surgido até uma banda “desenvolvimentista” no Planalto. Isso é falso por três razões.

Hélio Schwartsman - Será que eles não enxergam?

- Folha de S. Paulo

Apesar dos absurdos que já fez e disse, Bolsonaro tem apoio de um terço do eleitorado

Jair Bolsonaro disse e fez absurdos durante a epidemia de Covid-19, traiu algumas de suas principais bandeiras de campanha e, apesar disso, segue com o apoio de cerca de um terço do eleitorado, como mostrou pesquisa Datafolha.

Sei que vão me xingar por dizer isso, mas o paralelo com os petistas é inevitável. Lula também conservou o apoio de mais ou menos outro terço do eleitorado. Nem entro no mérito jurídico da sentença que condenou o ex-presidente, mas, no mínimo, o fato de ter tolerado altos níveis de corrupção e estabelecido relações pessoais absolutamente promíscuas com empreiteiros configura um desastre ético que contraria tudo o que o PT sempre defendera.

O que acontece com o cérebro do militante político, que parece perder a capacidade de ver o óbvio? O jornalista Ezra Klein, autor de "Why We´re Polarized", oferece uma boa resposta a esse enigma. Ele obviamente não fala nada de bolsonaristas e petistas, mas recorre à literatura psicológica e da ciência política para esmiuçar as mentes de democratas e republicanos. Com as devidas adaptações, muitas de suas conclusões valem para o Brasil.

Bruno Boghossian – Bolsonaro na Quinta Avenida

- Folha de S. Paulo

Com popularidade firme, Bolsonaro acha que pode fazer o que quiser

Donald Trump nunca duvidou da lealdade de seus eleitores fiéis. Dez meses antes da eleição de 2016, o magnata subiu num palanque e exibiu a dimensão de sua autoconfiança: "Eu poderia ir para o meio da Quinta Avenida, atirar em alguém e não perderia nenhum eleitor".

Até aquele dia, o republicano só havia apresentado uma amostra grátis do repertório de atrocidades que usaria durante a campanha. Dali por diante, deu declarações absurdas, prometeu barbaridades e chegou à Casa Branca mesmo assim.

A despreocupação de Jair Bolsonaro com sua popularidade espelha a frase lançada por seu ídolo americano naquele comício. Os números da última pesquisa Datafolha mostram que a base de apoio do presidente se manteve inabalada.

Assim como no fim do ano passado, um a cada três brasileiros afirma que o governo Bolsonaro é ótimo ou bom. Nesse intervalo, o presidente empurrou o país em direção ao abismo do coronavírus, fez campanha contra alertas das autoridades de saúde e demitiu o ministro que cuidava da área. Seus apoiadores viram 5.000 mortes em menos de 40 dias, mas continuaram a seu lado.

Ruy Castro* - Da nossa conta

- Folha de S. Paulo

Podemos pagar pelos que não abrem mão do lazer e continuam a sair às ruas

Minha empregada está em casa no subúrbio, com marido, filhos e netos. Amigos meus fecharam seus escritórios, ateliês ou pequenos negócios, e também estão em casa. Atores e músicos que conheço estão igualmente parados, e em severa quarentena. Muitas dessas pessoas vivem em apartamentos modestos, que lhes bastavam quando podiam sair à vontade. Confinadas, as paredes começam a pesar-lhes. Elas gostariam de dar um pulo lá fora. Mas, conscientes que são, sabem que, enquanto as mortes pelo vírus não chegarem ao pico e só então declinarem, não é hora de abrir a guarda.

Em contrapartida, de minha janela, vejo jovens e velhos caminhando no calçadão da praia, pedalando ou correndo na ciclovia e até indo mergulhar. Sei pelo noticiário que em São Paulo também é assim. Uma coisa são os prestadores de certos serviços, que não podem parar de trabalhar. Outra são os que decidiram não abrir mão do lazer --nem querem privar disso seus garotos, a julgar pelos festivos playgrounds que também vejo daqui.

Vinicius Torres Freire - Epidemia voltou a piorar no Brasil?

- Folha de S. Paulo

Ritmo de aumento do número de novos casos vinha caindo até a semana passada; não mais

O número de mortes por Covid-19 no Brasil e em São Paulo parecia crescer mais devagar até o começo da semana passada, por aí. Até então, com todas as ressalvas de praxe, parecia haver uma despiora, como vinha acontecendo em países grandes da Europa, no que diz respeito à redução do ritmo do avanço do número de casos e mortes, considerados dias equivalentes de duração da epidemia.

Desde a semana passada, embatucamos. O ritmo parou de diminuir.

O que houve? Há mais registros de casos e mortes porque há mais testes ou notificações mais rápidas? Ou há um problema na contenção da doença, programa que mal e mal parecia funcionar?

Como está claro, epidemiologistas e outros estudiosos da doença estão com dificuldades ou indisposição de avançar opiniões, que dirá análises ou projeções. Mas alguns deles dizem temer que a desordem no distanciamento social possa ter abalado a tendência de despiora no ritmo de avanço da doença. Mas esperariam mais uma semana, pelo menos, antes de assinar o comentário.

As medições disponíveis de isolamento caíram, cidades reabrem a atividade econômica ou jamais as fecharam de fato, há propaganda federal contra o isolamento. Pessoas mais pobres, sem auxílio, procuram meios de ganhar vida, as pessoas em geral começam a se cansar do isolamento e fogem. Para piorar, ainda estamos muito longe de ter um sistema amplo e ágil de rastreamento de doentes e possíveis contaminados.

Luiz Carlos Azedo - A caneta fatal

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Desde que assumiu, Bolsonaro tenta centralizar e verticalizar o poder, o que é uma fonte de conflitos, mas também de equívocos políticos e administrativos”

A caneta Bic é um “case”” de qualidade e produtividade, funciona muito bem e custa relativamente barato. Do ponto de vista da sua finalidade, não fica nada a dever a uma Mont Blanc, objeto de desejo de muitos empresários e executivos vaidosos, como símbolo de riqueza e/ou poder. Lembro de um velho conhecido recém-chegado ao poder que exibiu a sua Mont Blanc na hora de pagarmos o almoço, ficou bravo comigo porque lhe disse, ironicamente, que era caneta de rico. Lascou-se depois, porque a caneta havia lhe sido presenteada por Marcos Valério, aquele publicitário carequinha do escândalo do “mensalão”do PT. Seu nome estava na lista de mimos em poder da secretária, havia ganho a caneta de presente, como brinde de ano-novo.

Secretárias podem ser protagonistas da grande política, assim como a ex-mulher, o motorista ou o caseiro. A política deixou de ser monopólio dos políticos, dos diplomatas e dos militares, como era antigamente. Quando exibe a sua Bic, o presidente Jair Bolsonaro sinaliza para a sociedade que é um homem austero, simples, que não se deixou deslumbrar pelo poder. É um recado que passa para preservar a sua imagem de presidente da República eleito contra o “sistema de poder” e a “velha política”. Será? No seu caso, isso é falso; o problema não é a caneta, é a tinta. Não existe caneta mais poderosa e endinheirada do que a sua Bic. Haja vista a negociação em curso com o Centrão.

Ricardo Noblat - Está tudo sob controle, só não se sabe de quem…

- Blog do Noblat | Veja

Passe livre para o coronavírus
O Brasil registrou um novo recorde de mortes em 24 horas por conta do coronavírus – 474. E daí? O total de óbitos, 5.017, ultrapassou o da China que é de 4.637. E daí? Em breve, o total de casos ultrapassará o de casos na China. E daí? Daí que o Brasil está em 9º lugar no ranking de países com maior número de mortos. É possível que atinja a casa dos 10 mil antes no final de maio. E daí…

Daí o presidente Jair Bolsonaro diz que sente muito, mas que são “coisas da vida”. Todo mundo vai morrer um dia, inclusive ele. De resto, Bolsonaro tem Messias no nome, mas não faz milagres, como disse ontem à noite no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, ultimamente pouco frequentado por seus devotos de estimação. Os jornalistas sempre estão lá.

A pandemia avança no Brasil conforme o previsto por Bolsonaro em fevereiro. Ele ouviu de técnicos da Saúde que o número de casos do coronavírus só começaria a cair depois que cerca de 70% da população tivesse sido infectada. Viu na televisão a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, dizer algo parecido. Então se convenceu de que não havia o que fazer, salvo deixar rolar.

Ouviu também dos técnicos que o isolamento social deveria ser incentivado para que o sistema de saúde não entrasse em colapso rapidamente. Se entrasse, seria o caos. E ouviu ainda que seria preciso comprar milhões de kits de testes, milhões de máscaras, milhares de macacões para as equipes médicas, e milhares de respiradores. Mas essa parte ele esqueceu ou não deu muita bola.

Fernando Exman* - Símbolos de uma República em crise

- Valor Econômico

Trégua entre as alas do governo não deve ser duradoura

Nas cortes, aprende-se nos livros de história e manuais de cerimonial, os gestos têm tanta força quanto as palavras. É o que ocorre em Brasília, onde frequentemente as mensagens não são passadas de forma explícita por meio de sentenças completas, frases com sujeito, verbo e predicado.

O simbolismo é um costume político e as autoridades usam atos públicos para, mesmo sem abordar diretamente um assunto, enviar recados. Auxiliares são prestigiados ou colocados no ostracismo, dependendo dos lugares que ocupam à mesa ou no palco. Destinos são definidos muito antes das nomeações ou das exonerações chegarem ao “Diário Oficial da União”. Em alguns momentos, contudo, os gestos são feitos tarde demais ou não apresentam a naturalidade necessária para ganharem credibilidade. As aparições públicas do presidente Jair Bolsonaro e de alguns ministros de Estado nos últimos dias estão repletas desses exemplos e, por isso, merecem atenção.

Depois de praticamente ceder o Palácio do Planalto para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta retomar sua carreira política em grande estilo, com entrevista e discursos de despedida, Bolsonaro forçou a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça. Houve desgaste com sua base eleitoral, mas o cálculo parece outro. O ex-juiz da Lava-Jato é odiado por grande parte da classe política tradicional, a mesma que o presidente sempre criticou e agora tenta se aproximar num momento em que está isolado.

Um isolamento que a própria Presidência tentou relativizar ao cercar Bolsonaro de todos os demais ministros, quando ele foi fazer um pronunciamento para se defender das acusações de Moro. Os ministros que podiam tentavam se esconder atrás dos mais altos e os que ocupavam a primeira fila da tropa de choque, olhavam para o infinito. O governo perdia um dos seus pilares. Um ato que seria para demonstrar força acabou evidenciando as fragilidades e as preocupações do ocupante do principal cargo da República.

Cristiano Romero* - A virtude está no meio

- Valor Econômico

O Brasil nunca foi terreno fértil para ideias liberais

Jair Messias Bolsonaro foi o primeiro extremista do espectro político a conquistar a Presidência da República pelo voto direto. Até sua eleição, candidatos dos polos da esquerda e da direita jamais chegaram lá. Dizia-se, até então, que o perfil majoritário do eleitor brasileiro é centrista _ “in mediun itos” (a virtude está no meio, como se dizia na Roma antiga). O sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que, se olharmos de perto, veremos que, na Ilha de Vera Cruz, não há direita nem esquerda, inclusive, no que diz respeito à economia.

Bolsonaro é de direita no que diz respeito aos costumes, mas não é liberal na economia. Elegeu-se com a bandeira do liberalismo porque os eleitores de centro, que decidem todas as eleições, estavam fatigados com os erros assombrosos que Dilma Rousseff cometeu na condução da economia brasileira.

O liberalismo é caro ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Tendo estudado na prestigiosa Escola de Chicago, meca do pensamento liberal americano, Guedes não participou da elaboração e condução de nenhum dos seis planos econômicos lançados, entre 1986 e 1994, para tentar debelar a inflação crônica com a qual o país conviveu durante três décadas. Com exceção, talvez, do Plano Verão, idealizado em 1989 pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, nos estertores do governo Sarney, todos os planos tiveram caráter heterodoxo, contra o qual Guedes sempre se debateu.

O Plano Real, lançado em 1994, foi o único a suceder no intento de estabilizar os preços. Os experimentos heterodoxos incluíram expedientes como congelamento de preços e salários, aplicação de “tablitas” (deflatores de obrigações creditícias a vencer) e o malfadado confisco da poupança (na verdade, confiscaram-se todos os depósitos a partir de um determinado valor, inclusive, os depósito à vista), tentativa do Plano Collor, em 1990, de eliminar na marra um dos vetores da superinflação naquele momento - o giro diário de praticamente todo o volume da dívida pública.

Monica De Bolle* - Flexibilizar o teto, já

- O Estado de S. Paulo

A falsa dicotomia entre Estado e mercado caducou. Viremos essa página.

Na semana passada, o governo apresentou o plano Pró-Brasil. Tratava-se do anúncio de uma agenda de investimentos públicos em infraestrutura para o País. O plano foi duramente criticado por razões acertadas e outras não tão acertadas assim. Entre as justificadas críticas estava o fato de o plano consistir em não mais do que meia dúzia de slides sem qualquer detalhamento sobre as áreas prioritárias para obras públicas. Foi citada a cifra de R$ 30 bilhões em investimentos públicos, que muitos sabemos ser insuficiente para cobrir as inúmeras carências e os variados gargalos do Brasil. Mesmo assim, houve quem tenha resolvido chamar o plano de Segundo PND de Bolsonaro, ou de PAC do seu governo, numa clara tentativa de demonizar o investimento público.

O anúncio deu margem a respostas histriônicas da equipe econômica, verdadeiros chiliques, por exemplo quando alguns de seus membros disseram à jornalista Miriam Leitão que o plano era uma ameaça ao teto de gastos e que, fosse o teto flexibilizado, muitos deixariam o governo. Talvez seja a hora mesmo de buscarem a porta de saída. Afinal, a responsabilidade desses indivíduos deveria ser com o País, e não com uma medida que sofre de diversas falhas desde seu desenho original.

Em 2016, quando se iniciou a discussão sobre o teto, fui favorável à ideia, mas não ao desenho. Nesse espaço e em outros veículos discuti por que a formulação do teto brasileiro estava em completo desalinho com a boa prática internacional e afirmei que mais cedo ou mais tarde pagaríamos por isso.

Antonio Delfim Netto* - Estado forte

- Folha de Paulo

Economia de mercado separou os homens em duas classes

A economia política é um conhecimento que desde tempos imemoriais acumula observações para tentar entender os estímulos que levam os homens a se comportarem na sua atividade diária e como organizam a divisão do trabalho para produzir, no território que ocupam (como “seu”!), a sua subsistência material, ou seja, o total de bens e serviços produzidos coletivamente e quanto cada um receberá como “quota” pela sua cooperação no que foi produzido.

Nela, os problemas são sempre os mesmos: 1º) o que e como produzir, que depende das necessidades da sociedade e das “técnicas” para atendê-las, e 2º) como se distribuirá o produzido, se pela força de uma autoridade ou pelo consenso obtido numa negociação política. O que muda são as tentativas de resolvê-los.

Ao longo de sua história, o homem vivenciou múltiplas alternativas organizacionais, num processo de seleção quase biológico para encontrar qual lhe daria maior “liberdade” junto com maior “segurança”. Foi assim que chegou à concepção de um Estado forte, controlado por uma Constituição consensualmente construída que imponha —pela Lei— uma estrutura de poder republicano e garanta o Estado democrático de Direito, como já temos no Brasil.

Empregos de 5 milhões de trabalhadores formais são afetados após pandemia

Mais de 1 milhão ficaram aptos a receber seguro-desemprego; outros 4 milhões tiveram contrato suspenso ou salário reduzido

Bernardo Caram / Ricardo Della Coletta | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao menos 5 milhões de trabalhadores com carteira assinada no Brasil já tiveram seus empregos afetados de algum modo desde o início da crise do coronavírus no país, seja por demissão, seja suspensão de contrato, seja corte de jornadas e salários.

O número representa quase 15% do estoque de trabalhadores formais no país.

O Brasil tinha 33,6 milhões de empregados no regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em fevereiro, segundo o IBGE.

De acordo com o Ministério da Economia, ao menos 1 milhão de trabalhadores ficaram aptos a solicitar o seguro-desemprego após o agravamento da pandemia.

Em 45 dias, entre 1 março e 15 de abril, 804 mil pessoas conseguiram acessar benefício –no ano passado foram 866 mil.

No entanto, segundo o governo, em razão das medidas restritivas nos estados, 200 mil desempregados não conseguiram ir às agências do Sine (Sistema Nacional de Emprego) para solicitar o benefício.

Por este cálculo, ao menos 1 milhão de pessoas já foram demitidas no período da crise e passaram a ter direito ao benefício, 138 mil a mais do que no mesmo período do ano passado –uma alta de quase 16%.

Em outra frente, desde o início de abril, 4,3 milhões de trabalhadores formais tiveram o contrato suspenso ou jornadas e salários reduzidos por até três meses. A maior parte teve contrato integralmente suspenso, conforme parcial apresentada na última semana. O governo não atualizou esse detalhamento e afirma que ainda planeja divulgações periódicas para o dado.

Nesta terça-feira (28), o Ministério da Economia apresentou os dados do seguro-desemprego e ponderou que há represamento nos benefícios. O problema distorceu os dados do governo.

"Temos uma pequena fila, que estamos dando conta rapidamente. Essa demanda reprimida não passa de 200 mil em março e abril", disse o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco.

“Com os postos do Sine sem atendimento, há uma demanda represada de pedidos do seguro-desemprego. A média de concessão no ano passado estava em torno de 92%. Então, seguindo essa média, teria mais 180 mil trabalhadores no aguardo do benefício”, afirma Sérgio Luiz Leite, representantes da Força Sindical no Codefat (Conselho Deliberativo do FAT, responsável pelo pagamento do seguro-desemprego).

O que a mídia pensa - Editoriais

• Bolsonaro insiste em ter acesso especial à PF- Editorial | O Globo

Espera-se que inquéritos que estão no Supremo e o Congresso possam conter avanços ilegais do presidente

O presidente Bolsonaro passou o fim de semana pronto para cometer mais um grave erro com a nomeação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para a vaga deixada por Sergio Moro na Justiça e Segurança Pública, bem como a do delegado Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal. Depois de ouvir insistentes conselhos, consta que dos militares do Planalto, Bolsonaro recuou e cometeu metade do erro: nomeou Ramagem.

Depois do depoimento prestado pelo ex-juiz Sergio Moro sobre as razões que o levaram a sair do governo, as nomeações desejadas pelo presidente começavam a fundamentar o teor da denúncia do ex-ministro: Bolsonaro deseja usar a Polícia Federal para lhe abastecer de informações sobre inquéritos e, ficou evidente, prestar-lhe favores. O chefe do Executivo tem de ser informado pelos organismos de Estado devidos. A PF é uma polícia judiciária, para investigar infrações penais; nem é possível, num estado de direito, o presidente se informar desta maneira. Há protocolos a serem seguidos. Intervir em inquéritos, impensável.

É a Agência Brasileira de Informações (Abin), da esfera do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do ministro Augusto Heleno, um dos generais do Planalto, que tem esta função. Lá estava Alexandre Ramagem, com quem Bolsonaro, ao responder às acusações de Moro, disse que “interagia”. Deve querer continuar a interagir com ele na PF, e aqui está o possível embrião de mais uma crise.

Música | Edu Lobo (feat. Bena Lobo) - No Cordão da Saideira

Poesia | Fernando Pessoa - Chove. Que fiz eu da vida?

Chove. que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
de pensada, mal vivida...
triste de quem é assim!

Numa angústia sem remédio
tenho febre na alma, e, ao ser,
tenho saudade, entre o tédio,
só do que nunca quis ter...

Quem eu pudera ter sido,
que é dele? Entre ódios pequenos
de mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!

terça-feira, 28 de abril de 2020

Opinião do dia – Hannah Arendt*

Mas permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo; esse começo é a promessa, a única 'mensagem' que o fim pode produzir. O começo, antes de tornar-se evento histórico, é a suprema capacidade do homem; politicamente, equivale à liberdade do homem. Initium ut esset homo creatus est - 'o homem foi criado para que houvesse um começo', disse Agostinho. Cada novo nascimento garante esse começo; ele é, na verdade, cada um de nós.

*Hannah Arendt, “As Origens do Totalitarismo”

Paulo Fábio Dantas Neto* - Despolarização política: possibilidades estratégicas de uma tática ameaçada

Duas crises, dois scripts
O conflito entre o presidente Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro, em torno da substituição do comando da Polícia Federal e a consequente exoneração do segundo, a pedido, provocaram um terremoto no governo federal e detonaram nova crise política. A óbvia repercussão desses fatos palacianos sobre as bases de apoio social ao Presidente constitui um prato cheio para o jornalismo político e para a dinâmica das redes sociais, a ponto de colocarem em segundo plano, no noticiário, a crise sanitária e econômica, ambas com repercussão social muito mais amplas. Isso resulta de uma interpretação da crise política como crise institucional, que se torna possível em face dos ingredientes de caráter criminal - crimes comuns e de responsabilidade política - incluídos na mútua lavagem de roupa suja em público, promovida por essas duas destacadas personagens políticas.

Contraste evidente com a crise política que culminara, uma semana antes, na exoneração, pelo Presidente, do ex-ministro da Saúde Luiz Mandetta. A crise reforçou a despolarização política, em favor de maior unidade do país para enfrentar a crise sanitária e mitigar seus efeitos econômicos e sociais. Deu lugar a uma convergência entre sociedade política e sociedade civil, com forte adesão popular à política do MS e de governadores, provocando crescente isolamento do presidente, que em situação de crescente solidão, atacava moinhos de vento no intuito de sabotar o novo ambiente político. Enquanto enfrentava crises do mundo real, o sistema político, tendo o Congresso como eixo articulador principal, articulado a governadores, acumulava legitimidade para, quando efeitos mais agudos da epidemia amainassem, convocar a sociedade a resolver, civicamente, o problema do presidente subversivo. A consciência de que é preciso afastá-lo já se consolidara e ganhava respaldo social, ao tempo em que a prudência política esperava momento próprio para fazê-lo sem agravar a insegurança pública.

Com o caso Moro, dá-se o oposto. Retorna o clima de polarização política, com aceleração de um processo que tende a detonar desde já uma luta pelo impedimento do presidente. Para não atropelar o estado democrático de direito, não poderá ser processo sumário. Precisará dar tempo a investigações minimamente idôneas e a reações da opinião pública a cada passo do processo. Além disso, como as evidências da conduta do presidente e seu grupo de seguidores demonstram, não será passeio imune à explosão de violência política de dimensões imprevisíveis. Ainda que o processo detonado pelo duelo de mitos se resolva pacifica e mais rapidamente, pela mão do STF, precisará continuar no Congresso, comprometendo sua concentração na inadiável missão de dar governabilidade ao país nas circunstâncias de uma pandemia que se encontra em momento de crescente agravamento.

Analistas têm dito que o caso Mandetta virou passado longínquo após o terremoto Moro. Tentarei argumentar em sentido oposto, tanto quanto às relevâncias dos dois processos para a política brasileira como quanto à atualidade de ambos, do ponto de vista das suas consequências sociais. Para isso, é preciso fazer um esforço retrospectivo preliminar, na direção desse suposto passado remoto. Para isso, sirvo-me, em parte, de afirmações já feitas numa entrevista ao jornal Tribuna da Bahia, de 20.04.2020.

Com a descontinuidade política e gerencial gerada pela substituição do ministro da Saúde, a sociedade perdeu a orientação segura, transparente e diária que vinha sendo dada pelo Ministério. O próprio Estado sofreu, porque suas instituições, flagrantemente em desacordo com a decisão presidencial, ficaram ainda mais tensionadas, fato que se torna mais visível com a sua possível contaminação pela crise política seguinte. E o governo, particularmente, porque precisou alterar conceitos políticos, procedimentos técnicos e rotinas administrativas em pleno desenrolar de uma situação crítica.

Merval Pereira - Presidencialismo inepto

- O Globo

O próprio presidente admitiu que lhe faltava ‘tinta na caneta’, o que significa que estava bloqueado

A dificuldade que o presidente Bolsonaro encontrou para nomear o substituto de Sérgio Moro no ministério da Justiça é mais uma demonstração do que o cientista político Octavio Amorim Neto, da FGV do Rio, chama de “degradação do presidencialismo”. O próprio presidente admitiu que lhe faltava “tinta na caneta”, o que significa que estava bloqueado por circunstâncias políticas que o impediam de nomear seus preferidos.

Temia que o Judiciário ou o Congresso barrassem a nomeação de Jorge Oliveira para o ministério e do delegado Ramagem para a Polícia Federal, por serem amigos de seus filhos, que são objeto de investigações.

Os presidentes eleitos a partir de Dilma Rousseff em 2014, passando por Michel Temer e chegando até Bolsonaro hoje encontraram dificuldades para governar diante de crises com o Legislativo e o Judiciário.

Cercados por processos de impeachment, os dois primeiros viram seus poderes serem desidratados por decisões como a de fevereiro de 2016, quando Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, em decisão monocrática, a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.

Em janeiro de 2018, o juiz Leonardo da Costa Couceiro, titular em exercício da 4ª Vara Federal de Niterói, decidiu suspender a nomeação de Deputada Federal Cristiane Brasil para chefiar o Ministério do Trabalho de Temer, decisão avalizada pelo STF.

Carlos Andreazza - Trocando de pele

- O Globo

Bolsonarismo já se movia para a ruptura em tempos de paz

Sob regência da mentalidade autoritária e crispado pelo espírito do tempo lavajatista, também autoritário, a que Sergio Moro dá materialidade, o Brasil está em depressão política profunda desde, pelo menos, 2013; doença de que Jair Bolsonaro, a ascensão da revolução reacionária bolsonarista, é a mais grave infecção.

Infecção, um projeto de poder autocrático, que se vale da linguagem totalitária, que enfraquece as imunidades do organismo institucional, que progride disparando estímulos musculares contraditórios, desequilibrantes, atrofiantes, que se espalha induzindo choques entre órgãos, que se implanta produzindo inimigos artificiais, pequenas e frequentes convulsões, transformando o sangue — as gentes daquele sistema — em elemento hostil ao corpo que lhe dá circulação, até que a engrenagem, corrompida pela exaustão, sucumba, submetida pelo vírus, submissa à doença.

O bolsonarismo é isso. Já se movia para a ruptura em tempos de paz. A pandemia apenas faz acelerar o processo destrutivo em que se enraíza seu projeto de poder. A Covid-19 é oportunidade; assim como se Bolsonaro, o núcleo difusor das pestes dentro da peste, instrumentalizasse a responsabilidade alheia para dar vazão a seu intento autocrático. A aposta em que seus arreganhos autoritários estarão protegidos— enquanto durar a pandemia — pelo receio ponderado de que a deflagração de processos contra si resultasse no trauma da ingovernabilidade em meio aos já tantos traumas da crise atual e àqueles derivados das crises dentro da crise forjadas pelo presidente.

Bernardo Mello Franco - Negócio de família

- O Globo

Bolsonaro confunde a administração pública com um negócio familiar. Trata a Presidência da República como extensão da sua casa na Barra da Tijuca

Jair Bolsonaro confunde a administração pública com um negócio familiar. Trata a Presidência da República como extensão da sua casa na Barra.

No dia da posse, o capitão instalou o filho do meio no Rolls Royce presidencial. Foi o primeiro ato de um mandato marcado pela influência indevida do clã em assuntos de governo.

Os filhos de Bolsonaro já nomearam e demitiram ministros. Ernesto Araújo era um diplomata inexpressivo, que nunca havia chefiado missão no exterior. Virou chanceler por indicação de um filósofo de Facebook e do deputado Eduardo Bolsonaro.

O general Santos Cruz é um militar respeitado, que trazia alguma racionalidade às reuniões no Planalto. Foi derrubado da Secretaria de Governo porque resistiu aos avanços do vereador Carlos Bolsonaro sobre as verbas de publicidade.

Ao pedir demissão, na sexta passada, o ex-ministro Sergio Moro acusou o presidente de tentar interferir na Polícia Federal. Desta vez, o objetivo seria travar as investigações sobre quem financia e controla as milícias virtuais.

José Casado - Na pandemia e sem plano

- O Globo

Guedes anunciou que tudo segue como antes

Há quatro semanas, Jair Bolsonaro recebeu um esboço de plano para criação de 1.008.635 empregos nos próximos dois anos. Encomendara o projeto a assessores, militares na reserva, e aos ex-deputados Rogério Marinho (PSDB-RN), ministro do Desenvolvimento, e Onyx Lorenzoni (DEM-RS), da Cidadania.

Bolsonaro entregou o programa ao chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto. Atravessaria os próximos dois anos em campanha pela reeleição, inaugurando obras com 42 mil novos empregos a cada mês. A pandemia já delineava um cenário tétrico, com 200 mortes, mas ele se mantinha no modo ignorância desdenhosa: “Outros vírus já mataram muito mais”. Já decidira demitir Luiz Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça).

Marinho e Onyx estavam ajudando-o a abrir as portas do governo a lideranças políticas notórias pelo clientelismo. Se reuniram com Paulo Guedes, da Economia. Sobraram divergências e ressentimentos, com excesso de acidez entre Guedes e Marinho. A “agenda única” escanteava Guedes, e invertia sua proposta liberal, impondo protagonismo ao Estado na saída da crise. Era uma rasteira no “Posto Ipiranga”, dada pelo presidente, sob o bastão de comando ao chefe da Casa Civil.

Pablo Ortellado* Política de rastreamento

- Folha de S. Paulo

Tecnologias que monitoram a cadeia de contaminação do coronavírus precisam respeitar a privacidade

Para planejarmos a saída do isolamento, provavelmente precisaremos adotar políticas de rastreamento digital, seja para acompanhar a dinâmica de movimentação das pessoas, de maneira agregada e anonimizada, seja para acompanhar a movimentação individual.

Esse monitoramento agregado e supostamente anonimizado já está sendo feito. Ele é a base dos relatórios com índices de isolamento social produzidos por empresas como a Google ou pelos governos a partir de dados das empresas telefônicas. Se realizado de maneira agregada, anonimizada e incluindo ruídos para impedir que se identifiquem indivíduos, pode conciliar proteção à privacidade e capacidade de retratar com precisão a adesão ao isolamento social.

Mas começam a emergir tecnologias para monitorar individualmente a infecção e controlar a cadeia de transmissão. Essas tecnologias apresentam riscos muito maiores à privacidade e são particularmente preocupantes quando adotadas por governos com vocação autoritária, como é o caso do governo brasileiro.

Governos europeus começaram a discutir a adoção de políticas de rastreamento individual que sejam compatíveis com um alto nível de proteção à privacidade.

Luiz Carlos Azedo - A calmaria

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A preocupação de Bolsonaro era acabar com os boatos de que Paulo Guedes estaria desembarcando da equipe, em razão das divergências com os militares”

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), jogou um balde de água fria nas articulações para dar início a um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, o que depende dele. Uma de suas atribuições é aceitar ou arquivar, monocraticamente, os pedidos de impeachment. “Processos de impeachment e possibilidade de CPIs precisam ser pensadas e refletidas com muito cuidado. Acredito que o papel da Câmara dos Deputados neste momento, nos próximos dias, é que a gente volte a debater, de forma específica, a questão do enfrentamento ao coronavírus”, afirmou, em entrevista coletiva na Câmara. Nesta semana, acaba o seu prazo de 10 dias para informar ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello sobre os pedidos que já chegaram à Câmara, que acusam Bolsonaro de crime de responsabilidade, tanto na demissão de Moro como na postura diante da epidemia de coronavírus.

A comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar as denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre tentativas de interferências indevidas de Bolsonaro na Polícia Federal (PF) está no telhado. Segundo o ex-ministro, Bolsonaro queria informações sobre inquéritos policiais e relatórios de inteligência, o que não foi aceito pelo ex-juiz da Lava-Jato, que se demitiu da pasta fazendo muito barulho. Nos bastidores da Câmara, a coleta de assinaturas para a instalação da CPMI já foi iniciada, mas há resistências de parte do Centrão e dos deputados bolsonaristas. Maia mantém distância regulamentar da mobilização, não quer tomar partido.

Ricardo Noblat - Novo ministro da Justiça foi escolha dos generais do Planalto

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro recua, mas dá razão a Moro
A reunião foi tensa e os ministros militares com gabinetes no Palácio do Planalto levaram muitas horas para convencer o presidente Jair Bolsonaro a desistir da nomeação de Jorge Oliveira, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, para a vaga de ministro da Justiça aberta com a demissão de Sérgio Moro.

Argumentaram que Oliveira na Justiça e o delegado Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal seriam vistos como uma solução caseira que exporia Bolsonaro a críticas e que poderia ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal. De resto, reforçaria a acusação de Moro de que ele quer aparelhar o ministério.

Bolsonaro ouviu outra vez o argumento de que seu governo poderia chegar ao fim antes da hora por causa de uma série de erros que ele tem cometido – os mais recentes, a demissão de Henrique Mandetta do Ministério da Saúde em meio a uma pandemia e a saída de Moro, o ministro mais popular de todos.

No início da tarde, ao aparecer na rampa do Palácio do Planalto a pretexto de procurar “inspiração”, como disse, mas na verdade só para ser fotografado, Bolsonaro já havia se rendido às pressões dos generais e se fixado no nome do advogado-geral da União André Luiz de Almeida Mendonça para ministro da Justiça.

Isso não o impediria de, no final da tarde, ao retornar ao Palácio da Alvorada e esbarrar em jornalistas, mentir ao sugerir que Oliveira iria para o Ministério da Justiça. Quanto a Ramagem, deu munição de graça aos seus adversários para que afirmem que sua nomeação atende às conveniências da família presidencial.

“[Ramagem] ficou novembro e dezembro, praticamente, na minha casa. Dormia na casa da vizinha, tomava café comigo. Aí tirou fotografia com todo mundo”, disse Bolsonaro. “Foi no casamento de um filho meu. Não tem nada a ver a amizade dele com o meu filho, meu filho conheceu ele depois. E eu confio nele”.

Moro exultou com a declaração de Bolsonaro. No que de fato importa (a nomeação de Ramagem), ela significa que o presidente quer no comando da Polícia Federal alguém que possa protegê-lo e aos seus filhos. Não será tão fácil como ele imagina. A Polícia Federal é uma corporação que se dá ao respeito.

Ranier Bragon - O bolsonarismo está nu

- Folha de S. Paulo

Sob a máscara de Jair Bolsonaro sempre esteve Jair Bolsonaro

O bolsonarismo raiz, fanatizado, sempre tentou esconder seu verdadeiro rosto. Essa gente que tem aversão a pobres, exala ódio, ignorância, racismo, misoginia, homofobia, xenofobia, autoritarismo e um sem-fim de ignomínias sabia que não podia sair ao sol com sua pavorosa face sem algum manto de cobertura.

Com isso, pilantras os mais variados, que não pensariam duas vezes em embolsar o troco a mais no caixa de supermercado, passaram a propagar a sua arenga anticorrupção.

Todos de braços dados no conhecido último refúgio dos canalhas, em uma orgia verde e amarela de uma devoção tão incontida à pátria que só lhes faltava deitar ao chão e enfiar torrões de terra goela adentro. E, nesse teatro, os canastrões da própria vida buscavam convencer o mundo e a si mesmos da sua nobreza de sentimentos.

Mas agora a pornografia está explícita. Bolsonaro está nu. E o bolsonarismo terá que defender seu asqueroso modo de pensar a vida sem a desculpa esfarrapada de que quer um Brasil livre de corrupção.

Hélio Schwartsman - Cuidado com as comparações

- Folha de S. Paulo

É preciso atenção para não cair em armadilhas que podem causar confusão

Jornalistas adoramos rankings e comparações entre países —e por bons motivos. A contextualização costuma ser uma rota eficaz para a compreensão. É preciso, porém, cuidado para não cair na armadilha das comparações que confundem mais do que esclarecem.

É o caso, infelizmente, das tabelas e gráficos que põem lado a lado o número de casos e de mortes por Covid-19 em vários países. Esses dados, frise-se, são importantes para uma série de mensurações, mas a comparação direta deles revela pouco.

O ponto central é a testagem. Como cada país tem uma política diferente de testagem, o número de casos confirmados e outros indicadores que dependem dele, como a morbidade por 100 mil habitantes e a taxa de letalidade, se tornam incomensuráveis. Um país que só teste doentes graves terá, por definição, uma letalidade alta, enquanto um que vá atrás até de pacientes assintomáticos apresentará um índice mais baixo (e mais próximo do real). Há que considerar ainda que diferentes países estão em diferentes fases da epidemia.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Agonia prolongada

- Folha de S. Paulo

Ao trair suas bandeiras, governo Bolsonaro assina sua sentença

A saída de Sergio Moro e a possível adoção do plano Pró-Brasil são duas medidas que agradam ao centrão político que Bolsonaro quer ter como aliado para garantir sua sobrevivência.

Constituem, além disso, o abandono das bandeiras que justificaram sua eleição: o combate à corrupção, a agenda econômica liberal e o ardor antissistema.

O depoimento e os prints de Sergio Moro mostram o quão comprometido está Bolsonaro com a agenda anticorrupção. Agora a pauta econômica liberal está em vias de ser abandonada também. Guedes já não devia estar muito feliz por ver seu ministério reduzido basicamente à gestão de crise.

A criação de um “Ministério da Economia” paralelo e rival (ministros Rogério Marinho, Tarcísio e Braga Netto) tocando o plano Pró-Brasil, pacotaço de gastos públicos que promete completar quase 21 mil obras pelo Brasil, é a cereja do bolo.

Bolsonaro dá declarações de apoio a Guedes, mas sabemos quanto valem suas palavras. São as ações que irão determinar o vencedor. A linha é a manutenção do teto de gastos: se for mantido, o espaço para investimentos públicos é muito pequeno, e a agenda Pró-Brasil será deixada de lado.

Por outro lado, mantida a agenda, ou o teto é derrubado ou alargam-se a tal ponto as exceções (os “créditos extraordinários”) que ele se torna letra morta. A permanência de Guedes ficaria inviável.

Vera Magalhães - Mudança de planos na Justiça mostra temor ao STF

- O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro decidiu recuar de duas apostas que pretendia fazer, de uma só vez, no truco às instituições, nomeando de uma só tacada dois “brothers” dos filhos para funções-chave na área de Justiça e segurança pública no momento em que o Supremo Tribunal Federal fecha o cerco sobre ele. Seria ousadia demais até para um presidente que se quer anti-establishment.

Decidiu deixar onde está Jorge Oliveira, o “Jorginho”, filho de um amigo da vida toda, ex-assessor dos gabinetes de dois dos Bolsonaros, Jair e Eduardo, ex-major da Polícia Militar que resolveu fazer Direito quando era assessor parlamentar, cursou uma faculdade particular de Brasília sem nenhuma reputação e se formou há um par de anos.

Em vez de Jorginho, quem vai para o lugar de Sérgio Moro é o advogado-geral da União, André Mendonça, que já tem interlocução mais avançada com ministros do STF, por ser um funcionário de carreira da própria AGU e por fazer a defesa da União junto à corte. É considerado pelos ministros mais preparado do ponto de vista jurídico, e menos carimbado como alguém da cozinha do bolsonarismo.

Aliviando a aura familiar da nomeação na Justiça Bolsonaro parece raciocinar que ganha o “direito” de colocar Alexandre Ramagem na Polícia Federal, como pretendia. O ex-chefe de sua segurança durante a campanha, amigão de Carlos Bolsonaro e inexperiente em cargos de chefia na hierarquia da PF vai assumir já tendo a pecha de alguém que chega para aliviar a barra para o clã Bolsonaro e o gabinete do ódio no inquérito das fake news, tentar reabrir a investigação da facada contra Bolsonaro em 2018 e designar superintendentes afáveis ao gosto do presidente.

Afinal, foi esse o roteiro traçado pelo próprio Bolsonaro, em pronunciamento ao lado de todos os ministros, na última sexta-feira, do que considera suas prerrogativas junto ao chefe da PF.

Eliane Cantanhêde - Por quê? Por quê? Por quê?

- O Estado de S.Paulo

A quem interessa derrubar portarias do Exército sobre armas e dobrar a munição de civis?

Não são mais apenas os próprios militares e a Polícia Federal que estranham a canetada do presidente Jair Bolsonaro derrubando três portarias do Exército sobre controle de armas de civis, como destacado na coluna “Fazendo água”, de sexta-feira. Agora, o MP quer explicações e a oposição inclui mais essa decisão do presidente nos pedidos de impeachment que se multiplicam. Bolsonaro vai empilhando, assim, a mesma pergunta: Por quê?

Por que a demissão do diretor-geral da PF agora, em meio ao caos na saúde, na economia, na política? Por que empurrar porta afora o ministro mais popular do governo? Por que bater de frente com o ministro da Saúde até demiti-lo na hora decisiva da pandemia? Por que confrontar a OMS, epidemiologistas e o mundo inteiro com as cenas patéticas e infantis contra o isolamento social? E por que, afinal, o presidente da República foi prestigiar manifestações pedindo golpe militar? Justamente diante do Quartel-General do Exército?

Assim como no pronunciamento de sexta-feira ele não respondeu objetivamente a nenhuma das acusações que o ex-juiz e agora também ex-ministro Sérgio Moro acabara de lhe fazer, Bolsonaro não responde, não explica e não dá o sentido de suas ações mais absurdas. Por isso, ele, seu governo e o País estão envoltos numa nuvem de incertezas.

Andrea Jubé - O governo claudicante

- Valor Econômico

Disputa na PF pode desencadear guerra de vazamentos

Quando o governo Bolsonaro começou, gerando altas expectativas sobre o combate à corrupção e às reformas estruturantes, predominava a percepção de que se sustentava sobre três pilares: os dois superministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), e o núcleo militar.

Passados 16 meses, o primeiro pilar ruiu com a saída de Moro, símbolo da Lava-Jato, enquanto os outros dois entraram em processo de erosão.

Com o governo agora claudicante, Bolsonaro tenta se equilibrar sobre uma base tão sólida como areia movediça, formada pelo Centrão e um bloco de deputados sem partido, exilados no PSL, que aguardam o Aliança pelo Brasil.

Se o governo coxeia, Sergio Moro caiu de pé, como revelou a recente pesquisa digital da Consultoria Atlas Político, mostrando que sua popularidade continua mais alta que a do presidente.

O ex-ministro saiu atirando, guardou munição para o futuro e levou com ele uma ala expressiva da Polícia Federal, que não abdicará do combate à corrupção e não aceitará o risco de esvaziamento da Lava-Jato.