terça-feira, 28 de abril de 2020

Joel Pinheiro da Fonseca* - Agonia prolongada

- Folha de S. Paulo

Ao trair suas bandeiras, governo Bolsonaro assina sua sentença

A saída de Sergio Moro e a possível adoção do plano Pró-Brasil são duas medidas que agradam ao centrão político que Bolsonaro quer ter como aliado para garantir sua sobrevivência.

Constituem, além disso, o abandono das bandeiras que justificaram sua eleição: o combate à corrupção, a agenda econômica liberal e o ardor antissistema.

O depoimento e os prints de Sergio Moro mostram o quão comprometido está Bolsonaro com a agenda anticorrupção. Agora a pauta econômica liberal está em vias de ser abandonada também. Guedes já não devia estar muito feliz por ver seu ministério reduzido basicamente à gestão de crise.

A criação de um “Ministério da Economia” paralelo e rival (ministros Rogério Marinho, Tarcísio e Braga Netto) tocando o plano Pró-Brasil, pacotaço de gastos públicos que promete completar quase 21 mil obras pelo Brasil, é a cereja do bolo.

Bolsonaro dá declarações de apoio a Guedes, mas sabemos quanto valem suas palavras. São as ações que irão determinar o vencedor. A linha é a manutenção do teto de gastos: se for mantido, o espaço para investimentos públicos é muito pequeno, e a agenda Pró-Brasil será deixada de lado.

Por outro lado, mantida a agenda, ou o teto é derrubado ou alargam-se a tal ponto as exceções (os “créditos extraordinários”) que ele se torna letra morta. A permanência de Guedes ficaria inviável.

Neste momento, todos os incentivos o empurram na direção do gasto. É o que os empresários querem. E é o que os políticos que Bolsonaro tenta seduzir querem também. Arthur Lira (PP-AL) deu a letra: “Tem coisa pior que do que obra inacabada? Quem tem que colocar a mão no bolso primeiro neste momento é o governo”. O custo da ortodoxia fiscal não para de subir.

O único ativo que resta a Bolsonaro é a aprovação —ou melhor, a devoção quase fanática— de uma minoria expressiva. Mas apoiadores espalhados pelo Brasil nada podem fazer contra o Congresso Nacional. E a compra de apoio de deputados, que é o que Bolsonaro está fazendo a todo vapor, corroerá sua base de apoiadores.

Mesmo o bolsonarista mais devoto uma hora se cansa do malabarismo mental necessário para justificar que um governo que ataca Sergio Moro ao mesmo tempo que abraça Roberto Jefferson é, de alguma maneira, contrário ao “establishment” político e à corrupção.

Por demonizar a atividade política enquanto tal, por tratar toda política como se fosse suja, na hora que se vê forçado a fazê-la, não é surpresa que o governo faça justamente política suja: a compra do apoio dos quadros mais fisiológicos do Congresso em troca de cargos e controle de recursos; conteúdo propositivo zero.

Bolsonaro carregará no discurso ideológico para manter seu eleitorado energizado. Combater o comunismo é, afinal, o fim supremo, que justifica toda incompetência e transigência com a corrupção (assim como a corrupção petista se justificava porque era feita “para os pobres”). Não vai colar.

O apoio a Bolsonaro já começa a derreter, e vê-lo ao lado das figuras carimbadas da velha política cristalizará a verdade óbvia: Bolsonaro quer blindar sua família e apoiadores de qualquer investigação. Quando a corrupção é do seu lado, ele acoberta.

Conforme novas revelações apareçam (interferência na PF, no Exército, rachadinha do filho, gabinete do ódio etc.), o preço do acordo só aumentará. No momento em que Bolsonaro se rebelar e tentar algum ato de independência (ou, possivelmente, uma tentativa de golpe), cairá imediatamente. Isso se seus aliados de última hora não pularem fora antes.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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