• Bolsonaro insiste em ter acesso especial à PF- Editorial | O Globo
Espera-se que inquéritos que estão no Supremo e o Congresso possam conter avanços ilegais do presidente
O presidente Bolsonaro passou o fim de semana pronto para cometer mais um grave erro com a nomeação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para a vaga deixada por Sergio Moro na Justiça e Segurança Pública, bem como a do delegado Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal. Depois de ouvir insistentes conselhos, consta que dos militares do Planalto, Bolsonaro recuou e cometeu metade do erro: nomeou Ramagem.
Depois do depoimento prestado pelo ex-juiz Sergio Moro sobre as razões que o levaram a sair do governo, as nomeações desejadas pelo presidente começavam a fundamentar o teor da denúncia do ex-ministro: Bolsonaro deseja usar a Polícia Federal para lhe abastecer de informações sobre inquéritos e, ficou evidente, prestar-lhe favores. O chefe do Executivo tem de ser informado pelos organismos de Estado devidos. A PF é uma polícia judiciária, para investigar infrações penais; nem é possível, num estado de direito, o presidente se informar desta maneira. Há protocolos a serem seguidos. Intervir em inquéritos, impensável.
É a Agência Brasileira de Informações (Abin), da esfera do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do ministro Augusto Heleno, um dos generais do Planalto, que tem esta função. Lá estava Alexandre Ramagem, com quem Bolsonaro, ao responder às acusações de Moro, disse que “interagia”. Deve querer continuar a interagir com ele na PF, e aqui está o possível embrião de mais uma crise.
De acordo com o ex-ministro Moro, Bolsonaro está preocupado com investigações da PF feitas no âmbito de inquérito aberto pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, e conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, para chegar às origens de fake news sobre a Corte e de ameaças digitais a ministros. Os agentes estariam próximos do vereador Carlos Bolsonaro e do “gabinete do ódio” que funcionaria no Planalto para alvejar biografias de supostos inimigos, sob a gerência do filho vereador carioca. A abertura de outro inquérito sobre a organização e o financiamento das manifestações antidemocráticas das últimas semanas, também com o mesmo ministro, aumenta os problemas para Ramagem na sua interatividade com Bolsonaro.
Considerado um policial competente, e que caiu nas graças do presidente ao chefiar sua segurança na campanha, Ramagem faria uma carreira sem reparos na PF, onde é respeitado. Agora terá de se equilibrar entre a volúpia anti-institucional do presidente e uma corporação que tem fortes anticorpos.
O recuo na intenção de promover Jorge Oliveira, advogado, ex-major da PM de Brasília, da Secretaria-Geral da Presidência para a Justiça, livrou o presidente de enfrentar duras contestações da Justiça e no Congresso. Ramagem é amigo recente dos Bolsonaro, mas Oliveira é visto como quase-filho e quase-irmão. Seria demais. A ida do advogado-geral da União, André Mendonça, para a Justiça e Segurança Pública apaziguou esta área.
Diante de problemas, Bolsonaro costuma se voltar para o clã. Pode ser um movimento psicologicamente compreensível. Mas o Brasil não é a República Dominicana de Trujillo nem o Haiti de Duvalier. Isso fica demonstrado pela abertura de inquérito, pelo ministro Celso de Mello, para avaliar as denúncias do ex-ministro. O Estado não tem donos.
• Com falta de vagas, é preciso acelerar hospitais de campanha – Editorial | O Globo
No Norte/Nordeste, redes já estão em colapso. No Rio, mais de 300 doentes aguardam leito em UTI
A julgar pelo que ocorria em outros países, desde cedo parecia claro que o SUS não seria suficiente para atender as vítimas da Covid-19. Mesmo nações ricas, com sistemas bem estruturados, enfrentaram colapso durante a pandemia. No Brasil, com as conhecidas deficiências na saúde, não poderia ser diferente. Daí a importância dos hospitais de campanha para desafogar as redes.
Como são instalações provisórias, a entrada em funcionamento dessas unidades — serão ao menos 80 em 19 estados — foi planejada para maio, levando-se em conta as projeções sobre o período de aceleração da epidemia. Mas o fato é que as redes começaram a entrar em colapso antes do previsto. Por uma série de motivos, que vão desde o relaxamento das quarentenas às condições socioeconômicas da população, passando por sistemas de saúde precários e mal administrados.
No Amazonas e Ceará, o colapso já é realidade, e multiplicam-se as cenas de pessoas com sintomas graves da doença perambulando pelas ruas em busca de atendimento. Mesmo em cidades como o Rio, que conta com uma rede extensa — não necessariamente eficiente —, os hospitais estão no limite.
Nos últimos dias, só havia leito disponível no Zilda Arns, em Volta Redonda. Todos os outros hospitais estaduais estavam lotados. Nos municipais e federais, a situação é semelhante. No Rio, há cerca de 1.100 pessoas internadas na rede do SUS com casos confirmados ou suspeitos de Covid-19. Na fila de espera por UTI, já há mais de 300 pessoas.
O primeiro hospital de campanha do Rio foi inaugurado pelo estado no sábado, com 30 leitos de um total de 200 (cem de UTI). A unidade do Leblon, que representa investimentos de R$ 45 milhões da iniciativa privada, teve sua abertura antecipada. Quase todas as 30 vagas já estão ocupadas.
Até o fim de maio, estão previstos 2.840 leitos em hospitais de campanha, na capital e no interior do estado. O rápido crescimento da epidemia mostra que é preciso acelerar este processo, mesmo porque a ativação dos leitos costuma ser gradual. E a aquisição de equipamentos e contratação de profissionais de saúde são tarefas sempre complexas em meio a uma pandemia. No atual cenário, esses hospitais provisórios são a esperança de salvar vidas. Não é admissível que pessoas morram numa fila de espera, sem sequer terem direito ao atendimento médico.
• Ninguém acima da lei – Editorial | O Estado de S. Paulo
Há muito a ser investigado nas denúncias feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro
O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello autorizou a abertura de inquérito, pedido pela Procuradoria-Geral da República, para investigar as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Há muito o que investigar. De acordo com Sérgio Moro, Bolsonaro o pressionou para colocar na direção da Polícia Federal (PF) um delegado que fosse “do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência”.
Em seu pedido de investigação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, relacionou uma série de crimes supostamente cometidos por Bolsonaro nesse caso, entre os quais advocacia administrativa e prevaricação.
O presidente garante que não queria nenhuma informação além daquelas necessárias para o exercício de sua função, “para bem decidir o futuro da Nação”, como disse recentemente. Mas essas Bolsonaro já deve receber regularmente pelo Sistema Nacional de Informações; a julgar pelo que disse o ex-ministro Moro, no entanto, o presidente queria acesso a informações sigilosas sobre investigações em curso.
Considerando-se que o clã Bolsonaro é o centro de algumas dessas diligências, compreende-se a aflição do presidente – que, sem que Sérgio Moro tivesse dito nada a esse respeito em seu pronunciamento, garantiu “nunca” ter pedido que a PF “blindasse” sua família, isso é, que poupasse os filhos ou a si mesmo de investigações.
E o que não faltam são investigações que envolvam os Bolsonaros – não só na Polícia Federal, mas também no Supremo e na Câmara dos Deputados. A nova investigação autorizada pelo Supremo, no entanto, será certamente mais rumorosa, pois não é trivial que um presidente seja acusado de querer manipular a PF para fins inconfessáveis.
Nada disso, contudo, parece constranger Bolsonaro. Depois de ter demitido Maurício Valeixo da direção da PF porque este não lhe franqueou acesso a informações sigilosas sabe-se lá sobre o quê, o presidente confirmou que o substituto de Valeixo será o delegado Alexandre Ramagem, que se destaca não por seu currículo, mas por ser amigo íntimo da família Bolsonaro. E teme-se que um bom amigo não negue um favor ou outro ao presidente.
Com isso, mais uma vez, Bolsonaro coloca os assuntos pessoais acima dos interesses nacionais, razão pela qual mesmo a nomeação do qualificado André Mendonça, ex-advogado-geral da União, para o Ministério da Justiça, acabará sendo vista como uma manobra do presidente para ter controle completo do aparato policial federal – coisa típica de regimes autoritários, em que governante e Estado são uma coisa só.
Por esse motivo, fez bem o ministro Celso de Mello em lembrar, em sua autorização para que as denúncias contra Bolsonaro sejam investigadas, que, “não obstante a posição hegemônica que detém na estrutura político-institucional do Poder Executivo, ainda mais acentuada pela expressividade das elevadas funções de Estado que exerce, o presidente da República – que também é súdito das leis como qualquer outro cidadão deste País – não se exonera da responsabilidade penal emergente dos atos que tenha praticado, pois ninguém, nem mesmo o Chefe do Poder Executivo da União, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”.
O presidente, como qualquer cidadão da República, tem deveres antes de direitos. E, como presidente, diferentemente dos cidadãos comuns, tem ademais o dever da transparência e da prestação de contas. Nada que envolve a Presidência da República pode ficar ao abrigo da luz, seja o simples resultado dos exames de covid-19 ao qual o presidente Bolsonaro se submeteu – que, conforme diz liminar concedida pela Justiça a pedido deste jornal, deveria ser público para que todos saibam qual é o real o estado de saúde do presidente –, sejam os verdadeiros motivos que o levaram a trocar a cúpula do aparelho policial do Estado e ali aboletar seus amigos.
Felizmente, a democracia brasileira, malgrado suas inúmeras fragilidades, parece preservar o sistema de freios e contrapesos – ao qual mesmo presidentes com ares de Messias devem se submeter.
• Crédito, primeira ação anticrise – Editorial | O Estado de S. Paulo
Resultado da megaoperação do BC para expansão do crédito já apareceu em março
Acossadas pela redução dos negócios, pelos problemas de caixa e pela perda de renda, empresas e famílias foram em busca de crédito para poder liquidar as contas ou simplesmente sobreviver. Em resposta aos primeiros efeitos econômicos da pandemia, o Banco Central (BC) criou condições para a expansão do crédito. Para isso, ampliou o dinheiro disponível para financiamentos e afrouxou requisitos de operação dos bancos. O resultado inicial dessa megaoperação de socorro aparece nos dados de março, com aumento mensal de 3,5% nas concessões de empréstimos, descontado o efeito sazonal. No crédito livre, isso é, sem recursos do BNDES e da poupança, a variação foi de 4%, com expansão de 28,2% no total concedido a empresas e retração de 11,4% no valor concedido a pessoas físicas.
Era previsível, diante da emergência, um forte aumento da procura de recursos para capital de giro, essencial para as operações de curto prazo das empresas. Em março, o crédito para essa finalidade foi 86,6% maior que em fevereiro. Dentro desse conjunto, os empréstimos para capital de giro com prazo inferior a 365 dias cresceram 148,9%. Com a receita severamente reduzida, a maior parte das empresas, incluídas as grandes, teria pouco fôlego para enfrentar os compromissos do dia a dia.
Nem todos os candidatos tiveram sucesso. Houve queixas, principalmente de empresas pequenas e médias. Muitos bancos mantiveram cautela e foram muito seletivos na concessão de empréstimos. O BC reconheceu o problema e continuou buscando meios de fazer o dinheiro chegar ao tomador final.
Apesar disso, os números de março mostram uma considerável expansão nos financiamentos. O saldo total das operações de crédito do sistema financeiro nacional cresceu 2,9% no mês e atingiu R$ 3,59 trilhões, soma equivalente a 48,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Um ano antes a proporção era de 47%.
O aumento ocorreu principalmente no segmento de crédito livre, como já se observou no ano passado. Essa tendência é explicável basicamente pelo peso maior do mercado na conformação das operações de financiamento. Essa característica se manteve em março, apesar da emergência econômica e da interferência maior do Executivo na política de crédito a empresas e famílias. Diante dos problemas causados pela pandemia, papéis estratégicos foram designados à Caixa Econômica e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os efeitos dessa decisão poderão ser mais perceptíveis nos dados de abril.
Vale a pena destacar dois dados especialmente positivos. O primeiro se refere aos juros. O indicador do custo de crédito, equivalente ao custo médio das operações de todo o sistema, ficou em 20,1%, com redução de 0,2 ponto porcentual no mês e de 0,8 ponto em relação ao nível de março de 2019. No crédito livre, a taxa média caiu para 32,2% ao ano, com redução mensal de 0,9 ponto e queda de 5,1 pontos na comparação interanual. Outro ponto notável, nas circunstâncias, é a estabilidade da inadimplência, mantida em 3,8% nas operações do crédito livre.
Nas maiores economias, a política de crédito foi a primeira ferramenta acionada para sustentar os negócios na crise associada à covid-19. As medidas fiscais, como adiamento de impostos e transferência de recursos a empresas e famílias, vieram em seguida. Basicamente, esse roteiro foi seguido também no Brasil.
Na emergência, houve articulação informal entre a política fiscal, tocada pelo Executivo, e a política monetária (juros e crédito), conduzida pelos bancos centrais. As duas linhas de ação foram definidas com foco nos desafios imediatos, ficando em segundo plano as preocupações com outros efeitos das medidas. Passado o maior perigo, será preciso restabelecer os cuidados com as contas públicas e, no caso de alguns países, com a estabilidade dos preços. O risco de inflação, no entanto, é muito moderado na maior parte do mundo. No Brasil, o desafio político pós-pandemia será o retorno aos ajustes e reformas, sem leniência e sem prioridade às preocupações eleitorais.
• O controle de armas – Editorial | O Estado de S. Paulo
Ao revogar portarias sobre monitoramento de armas, presidente pode ter violado Constituição
Acusado pelo ex-ministro da Justiça de tentativa de ingerência sobre a Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro entrou também na mira do Ministério Público Federal (MPF) por indícios de violação à Constituição ao interferir em atos de exclusividade do Exército quando, no dia 17, revogou três portarias do Comando Logístico do Exército (Colog) sobre monitoramento de armas e munições.
As portarias foram elaboradas por militares, policiais federais e técnicos do Ministério da Justiça, após recomendação do MPF. Ao investigar os projéteis utilizados para executar a vereadora carioca Marielle Franco, o órgão identificou falhas no sistema de distribuição de armas e munições. O segmento bancário também pressionou o Exército pelo controle de explosivos. Dados do setor indicam que mais de 90% das explosões de carros-fortes e caixas eletrônicos são feitas com explosivos extraviados de pedreiras.
Para o controle de explosivos, o Exército baixou a Portaria 46. As Portarias 60 e 61 estabeleciam, respectivamente, a identificação de armas de fogo fabricadas no País, exportadas ou importadas, e a normatização de atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça.
O texto do Diário Oficial que cancelou as portarias não apresentou qualquer justificativa. Nas redes sociais, o presidente disse apenas que elas não se adequavam “às minhas diretrizes”. Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi mais explícito: “CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) sempre apoiaram Bolsonaro para que tenhamos pela primeira vez um presidente não desarmamentista. É inadmissível que o Colog faça portarias restringindo a importação. A quem isso interessa?”.
A resposta é fácil. Como apontou o MPF, as orientações concretizavam os princípios do Estatuto do Desarmamento e “preenchiam relevante lacuna” no rastreamento de produtos controlados pelo Exército. Trata-se de medida comumente aplicada pela comunidade internacional, que, além de tudo, serviria de precedente para aprimorar o controle sobre uma série de outras mercadorias cujo roubo abastece o crime organizado.
Assim, a verdadeira dúvida é a quem interessa a revogação. “O presidente tem uma reclamação muito específica de atiradores e colecionadores”, disse Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz. Segundo ele, “nem todas, mas várias dessas pessoas abastecem o crime”. É o caso, por exemplo, do ex-sargento Ronnie Lessa, apontado como um dos assassinos de Marielle Franco, e do Capitão Adriano, ligado à família Bolsonaro e morto numa operação policial na Bahia, que, segundo investigações em curso, utilizavam as suas carteiras de CAC para comprar livremente armamentos que municiavam suas milícias. Para piorar, depois de aumentar em quatro vezes a potência de fogo das armas que civis podem ter em casa, o governo aumentou em 12 vezes a cota de munição. Com isso, o número de projéteis comprados por uma única pessoa poderá chegar a 6.600 por ano.
A procuradora da República Raquel Branquinho, responsável pela apuração da ordem dada por Bolsonaro, diz “não restar dúvidas” quanto à competência do Exército para fiscalizar armamentos, e que não há espaço na Constituição “para ideias e atitudes voluntaristas” do presidente. Com efeito, ela sugere que a revogação das portarias pode ter a finalidade de “atender uma parcela de eleitores”. Segundo a procuradora, a derrubada das portarias “representa uma situação extremamente grave”, com potencial para ampliar a crise de segurança pública do País, fortalecendo a “estrutura operacional” das organizações criminosas com “armas e munições, cujas origens são desconhecidas pelo Estado”.
O caso pode levar a uma ação de improbidade na Justiça Federal ou à abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal. Caberá a estas instituições mostrar que as Forças Armadas – assim como a Polícia Federal – existem para servir ao Estado e não ao governo de turno, e que seus atos administrativos não precisam se adequar às diretrizes do presidente e seus correligionários, mas sim à Constituição.
• Aparelho familiar – Editorial | Folha de S. Paulo
Nomeação, por Bolsonaro, de amigo do filho investigado para a PF é escandalosa
O desenrolar dos acontecimentos vai dando razão à acusação mais grave feita pelo ex-ministro Sergio Moro contra o presidente da República, de que Jair Bolsonaro age motivado pelo objetivo de reduzir a Polícia Federal a um instrumento pessoal do ocupante do Planalto.
Os primeiros indícios de confirmação constavam das palavras do próprio chefe do governo na sexta-feira (24). A propósito de defender-se do que pouco antes havia dito o ex-juiz da Lava Jato, o presidente admitiu que fazia pressões sobre o Ministério da Justiça para arrancar informações da Polícia Federal.
Na sequência, Moro divulgou mensagens trocadas com Bolsonaro em que o mandatário citava repercussões de um inquérito para apurar fake news e ameaças a magistrados, que corre no Supremo Tribunal Federal, como motivo para substituir o diretor da PF.
No sábado (25), esta Folha revelou que a apuração, presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, havia identificado o vereador Carlos Bolsonaro como um dos articuladores do esquema criminoso de intimidação. O ciclo se fechava, mas ainda não se completara.
O delegado nomeado pelo presidente da República para assumir a Polícia Federal, Alexandre Ramagem, é amigo do filho Carlos.
Um outro conviva da família Bolsonaro, Jorge Oliveira, teria sido indicado para a pasta da Justiça não fosse uma forte pressão palaciana para demover o chefe de Estado. Acabou sendo indicado para o cargo André Mendonça, que era o titular da Advocacia-Geral da União.
Escandalosa é pouco para qualificar a promoção de Ramagem à chefia da Polícia Federal nesse contexto. Por mais que cautelas, como a tomada por Alexandre de Moraes ao proibir a troca dos delegados que conduzem o inquérito das fake news, possam evitar danos pontuais, a intenção de aparelhar o órgão policial ficou clara e parte do presidente da República.
Não à toa, ações para anular a posse do indicado a diretor-geral da PF começaram a chegar às cortes federais, inclusive ao Supremo. Alegam que Bolsonaro cometeu abuso de poder e desvio de finalidade na nomeação do amigo.
Na cartilha do neoautoritarismo em voga em algumas partes do planeta, aparece como item de destaque a lenta cooptação dos órgãos independentes do Estado pelos tentáculos do candidato a caudilho.
Jair Bolsonaro segue mestres como Nicolás Maduro, da Venezuela, e Victor Orbán, da Hungria, ao tentar transformar a PF num birô a serviço da família presidencial.
Precisa ser contido pelas instituições. A PF hoje exige mais, e não menos, garantias —como um diretor-geral submetido ao escrutínio do Legislativo— para a sua atuação técnica e republicana.
• Apoio declinante – Editorial | Folha de S. Paulo
Causa preocupação a queda do endosso a isolamento social, conforme o Datafolha
Detectada pelo Datafolha há duas semanas, a queda do apoio da população às políticas de isolamento social se mostrou, infelizmente, uma tendência agora confirmada.
No início de abril, 60% dos brasileiros concordavam que, para o enfrentamento da pandemia de Covid-19, a permanência em casa era recomendável inclusive para pessoas não pertencentes a grupos de risco como idosos e doentes crônicos. No dia 17, o percentual havia caído a 56%. Desta vez, são 52%.
Trata-se de parcela similar, no limite da margem de erro de três pontos percentuais, à dos que defendem isolamento apenas dos mais vulneráveis ao novo coronavírus —enquanto os demais, segundo esse entendimento, deveriam retomar suas atividades.
O dado preocupa porque, conforme o quase consenso dos especialistas, ainda não chegou o momento de relaxar as quarentenas recomendadas pelas autoridades sanitárias para evitar uma sobrecarga dos sistemas hospitalares.
No estado de São Paulo, onde a disseminação da doença se encontra em estágio mais avançado, o governador João Doria (PSDB) fixou a data de 11 de maio para o início da reabertura gradual de comércios e outros setores. Tudo está condicionado, entretanto, ao comportamento dos paulistas até lá.
Dito de outro modo, é preciso que as medidas de precaução contem com adesão suficiente para reduzir o ritmo do contágio e preservar a capacidade da rede hospitalar.
Menos ruim que 53% dos entrevistados declarem que só têm saído de casa quando inevitável, enquanto outros 16% se dizem em isolamento absoluto —percentuais que se mantiveram sem grandes oscilações ao longo do mês.
Ainda é amplamente majoritário, embora tenha caído no período de 76% para 67%, o contingente que considera mais importante neste momento conter o avanço da epidemia, mesmo ao custo do aumento do desemprego.
Difícil, de fato, imaginar escolha mais dolorosa —o que torna particularmente cruel e irresponsável a campanha liderada pelo presidente Jair Bolsonaro pela volta imediata das atividades econômicas, em nome de evitar a recessão.
A experiência internacional mostra que a hesitação ou a recusa à quarentena pode levar a resultados trágicos, enquanto a reabertura cautelosa se afigura mais promissora. Essa compreensão parece embasar o comportamento correto da maioria dos brasileiros.
• Argentina deixa negociações do Mercosul de lado – Editorial | Valor Econômico
É possível que tudo não passe de mais um episódio de desentendimentos entre os membros
Sem passar pelos canais diplomáticos, com apenas um comunicado à presidência do Mercosul, a Argentina decidiu abandonar negociações futuras de acordos comerciais do bloco, em uma medida com consequências que podem ser funestas para seu futuro. O presidente argentino, Alberto Fernández, não só não esclareceu o que pretende com sua atitude, como deu declarações incoerentes.
É sabido que as relações entre os governos das duas maiores economias da região são hoje péssimas. Fernández não tolera Bolsonaro que, na campanha eleitoral argentina apoiou o rival dos peronistas, e por sua vez, detesta Fernández. Apesar da troca eventual de afabilidades, a diplomacia bilateral está em ponto morto. Para melhorar o clima, o ministro Paulo Guedes disse anteontem que o destino brasileiro é diferente do da Argentina e Venezuela, que rumam para o “ desastre”. Guedes havia dito, depois que a vitória de Fernández tornou-se inevitável, que o Brasil seguiria sozinho se os argentinos fechassem sua economia.
O governo de Fernández e de sua poderosa vice, Cristina Kirchner, é protecionista e intervencionista. A mudança das forças políticas no Mercosul reforçou suas posições defensivas. O Paraguai se alinha com o Brasil e Lacalle Pou, que derrotou a esquerda no Uruguai, não é fã dos peronistas. Constrangido no bloco, Fernández ainda arrumou encrenca com quem não é membro: não reconhece o governo da Bolívia e fez declarações sobre a política interna chilena, dizendo que a oposição deveria se unir para colocar o poder de volta nas mãos do povo, o que irritou o direitista Sebastián Piñera, presidente do Chile. Ontem, em conversa telefônica com Lacalle Pou, Fernández disse que sua intenção não é abandonar o Mercosul, mas “torná-lo maior, com mais membros”, o que não parece fazer muito sentido para quem hostiliza a vizinhança.
Após comunicar sua decisão, Fernández declarou que Macri e Bolsonaro traíram o espírito do bloco, de negociar acordos em conjunto, e que “se cada um negocia o que quer, para que existe o Mercosul?”. Não há registro oficial dessa atitude do Brasil, apenas ameaças. A Argentina lança uma cortina de fumaça sobre sua ojeriza à proposta brasileira, feita na última reunião do Mercosul da qual participou Macri, de reduzir as tarifas de importações (TEC).
Fechar-se em copas, com proteção à indústria local, foi a política oficial do kirchnerismo por mais de uma década, tolerada quando o Brasil tinha governos petistas. O tom da conversa mudou e Fernández não parece disposto a ouvi-la. Problemas é o que não lhe faltam.
A Argentina enfrenta a pandemia e vai para o segundo ano de recessão, com previsões de queda do PIB que vão de 5,7% a 7,5%. Os efeitos da covid-19 na economia estão sendo mais devastadores do que o governo esperava. Além do vírus, Fernández tem de encarar os credores externos, que rejeitam sua proposta de renegociação da dívida. A Argentina ofereceu reordenar débitos de US$ 65 bilhões, propondo corte de 5,4% no capital (redução de US$ 3,6 bilhões) e de 62% nos juros (redução de US$ 37,9 bilhões). Os pagamentos seriam retomados só em maio de 2023. O país já não quitou dívidas vencidas de US$ 500 milhões e em 22 de maio termina o prazo para que seja sacramentada sua situação de default.
A popularidade de Fernández é alta, embora a economia esteja em situação lamentável - ele já a recebera assim das mãos de Macri. Diferentes projeções colocam a inflação do ano entre 42% e 55%, as exportações estão em queda, a capacidade industrial utilizada é de apenas 59,4%, e o déficit público voltará a superar 5% do PIB, com alta encomendada pelos gastos necessários para fazer frente aos efeitos da covid-19. O governo vai gastar algo como 5,6% do PIB com isso, enquanto que o déficit atual já é coberto por emissões monetárias.
As consequências práticas imediatas para o Mercosul são irrelevantes, já que a Argentina se mantém dentro do principal acordo comercial, feito com a União Europeia. Durante a catástrofe da pandemia, dificilmente um outro será firmado logo. No futuro, se isto for possível, o bloco terá de jogar fora a Tarifa Externa Comum, ou criar outra válida para três membros, isto é, o arranjo que criou o Mercosul retrocederá. Fernández ilustra a tendência protecionista que pode ser reforçada pós-pandemia. Mas é possível que tudo não passe de mais um episódio de desentendimentos entre os membros, com a retomada do diálogo e da razão com o correr do tempo.
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