Passe livre para o coronavírus
O Brasil registrou um novo recorde de mortes em 24 horas por conta do coronavírus – 474. E daí? O total de óbitos, 5.017, ultrapassou o da China que é de 4.637. E daí? Em breve, o total de casos ultrapassará o de casos na China. E daí? Daí que o Brasil está em 9º lugar no ranking de países com maior número de mortos. É possível que atinja a casa dos 10 mil antes no final de maio. E daí…
Daí o presidente Jair Bolsonaro diz que sente muito, mas que são “coisas da vida”. Todo mundo vai morrer um dia, inclusive ele. De resto, Bolsonaro tem Messias no nome, mas não faz milagres, como disse ontem à noite no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, ultimamente pouco frequentado por seus devotos de estimação. Os jornalistas sempre estão lá.
A pandemia avança no Brasil conforme o previsto por Bolsonaro em fevereiro. Ele ouviu de técnicos da Saúde que o número de casos do coronavírus só começaria a cair depois que cerca de 70% da população tivesse sido infectada. Viu na televisão a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, dizer algo parecido. Então se convenceu de que não havia o que fazer, salvo deixar rolar.
Ouviu também dos técnicos que o isolamento social deveria ser incentivado para que o sistema de saúde não entrasse em colapso rapidamente. Se entrasse, seria o caos. E ouviu ainda que seria preciso comprar milhões de kits de testes, milhões de máscaras, milhares de macacões para as equipes médicas, e milhares de respiradores. Mas essa parte ele esqueceu ou não deu muita bola.
Preferiu prestar mais atenção nas vozes que aconselhavam: “Jair, se a Economia for para o brejo, sua reeleição irá também. Por isso, salve a economia, que é o que você pode fazer”. Bolsonaro passou então a torpedear as medidas de isolamento social baixadas por governadores e prefeitos. Fez isso com afinco, sem ligar para a advertência de que assim estaria cavando sua fossa.
Não se demite ministro da Saúde às vésperas de um morticínio anunciado. E daí? Bolsonaro demitiu. Mandetta era o maior sucesso na programação de fim de tarde das emissoras de televisão. Bolsonaro queria que ele andasse na contramão de governadores e de prefeitos, e Mandetta não andou. Escolheu então um novo ministro obediente e quase mudo.
Aproveitou o momento para forçar a saída do governo de outro ministro, Sérgio Moro, que concorria com Mandetta em matéria de popularidade. A dos dois superava de longe a de Bolsonaro. Moro era o símbolo da luta que Bolsonaro prometera travar contra a corrupção. E daí? O presidente queria aparelhar a Polícia Federal para pô-la a serviço de sua família, e Moro se opunha.
Reeleição acima de tudo – só abaixo do impeachment que poderá abreviar o mandato de Bolsonaro. Portanto, quem é capaz de mandar o combate à corrupção para o lixo é capaz de mandar tudo mais que prometera. Nova Política? Sem entrega de cargos a partidos em troca de votos? E daí? Troque-se a Nova pela Velha política que Bolsonaro dizia abominar.
Guedes está prestigiado, mas e daí?
Sem carta branca
Paulo Guedes, ministro da Economia, gostou do afago público que lhe fez o presidente Jair Bolsonaro. Gostou de saber que Bolsonaro repetiu para ministros militares que o cercam que ele é quem manda na economia e que a orientação de Guedes será mantida.
Não gostou, no entanto, de ser informado que irá adiante o Pró-Brasil, plano concebido por um grupo de ministros sob a liderança do general Braga Neto, chefe da Casa Civil da presidência da República, que prevê investimentos em obras de infraestrutura.
De onde sairá o dinheiro do Pró-Brasil sem que o teto de gastos seja desrespeitado, nem atingidas as contas públicas? – indaga-se Guedes, e também os economistas que o cercam. O plano do general é uma alternativa caso o de Guedes comece a derrapar.
Bolsonaro voltou a repetir que nunca deu carta branca a nenhum dos seus ministros, e jamais dará. Ele é quem tem votos. O dono da caneta é ele. E a caneta segue plenamente carregada de tinta.
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