- Valor Econômico
O Brasil nunca foi terreno fértil para ideias liberais
Jair Messias Bolsonaro foi o primeiro extremista do espectro político a conquistar a Presidência da República pelo voto direto. Até sua eleição, candidatos dos polos da esquerda e da direita jamais chegaram lá. Dizia-se, até então, que o perfil majoritário do eleitor brasileiro é centrista _ “in mediun itos” (a virtude está no meio, como se dizia na Roma antiga). O sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que, se olharmos de perto, veremos que, na Ilha de Vera Cruz, não há direita nem esquerda, inclusive, no que diz respeito à economia.
Bolsonaro é de direita no que diz respeito aos costumes, mas não é liberal na economia. Elegeu-se com a bandeira do liberalismo porque os eleitores de centro, que decidem todas as eleições, estavam fatigados com os erros assombrosos que Dilma Rousseff cometeu na condução da economia brasileira.
O liberalismo é caro ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Tendo estudado na prestigiosa Escola de Chicago, meca do pensamento liberal americano, Guedes não participou da elaboração e condução de nenhum dos seis planos econômicos lançados, entre 1986 e 1994, para tentar debelar a inflação crônica com a qual o país conviveu durante três décadas. Com exceção, talvez, do Plano Verão, idealizado em 1989 pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, nos estertores do governo Sarney, todos os planos tiveram caráter heterodoxo, contra o qual Guedes sempre se debateu.
O Plano Real, lançado em 1994, foi o único a suceder no intento de estabilizar os preços. Os experimentos heterodoxos incluíram expedientes como congelamento de preços e salários, aplicação de “tablitas” (deflatores de obrigações creditícias a vencer) e o malfadado confisco da poupança (na verdade, confiscaram-se todos os depósitos a partir de um determinado valor, inclusive, os depósito à vista), tentativa do Plano Collor, em 1990, de eliminar na marra um dos vetores da superinflação naquele momento - o giro diário de praticamente todo o volume da dívida pública.
A forte oposição de Guedes a todos esses planos criou-lhe inimizades. Ele se tornou uma espécie de estranho no ninho. Ainda assim, não recuou em suas críticas, muitas delas, veementes. O ministro está entre os que lamentam o fato de o Gigante do Atlântico Sul nunca ter concluído, digamos, a sua “revolução burguesa”. Quando lançamos um olhar mais atento ao que somos em matéria de economia, o que vemos, de fato, é uma enorme bagunça. Não se tenha dúvida que é a luta contra o passado, contra o atraso, que nos impede de chegar ao futuro antevisto pelo escritor austríaco Stefan Zweig no clássico “Brasil, um país do futuro”.
O liberalismo nunca encontrou terreno fértil neste imenso território. Num pequeno resumo da nossa história econômica desde o Golpe de 1964, o que vimos, em síntese, foi o seguinte:
1. com fortes convicções liberais, a dupla Otávio Gouveia de Bulhões (Fazenda) e Roberto Campos (avô do atual presidente do Banco Central), ministro do Planejamento, adotou uma série de medidas para estabilizar os preços, uma herança maldita semeada na gestão Juscelino Kubitscheck (1955-1960), e modernizar o arcabouço macroeconômico; no período foi criado o Banco Central (com a fixação de mandatos para a diretoria), que até 1964 era uma superintendência do Banco do Brasil, e, com a criação do FGTS, uma poupança compulsória, foi extinta a estabilidade dos trabalhadores no emprego, uma jabuticaba que, por definição, impedia o avanço da produtividade; com medidas de controle de preços e salários, a inflação recuou bem, mas o crescimento da economia deixou a desejar, inviabilizando a permanência de Bulhões e Campos em seus cargos;
2. em 1967, Delfim Netto assumiu a Fazenda e Hélio Beltrão, o Planejamento; Delfim não abortou as reformas realizadas por Bulhões e Campos, mas passou a combinar o combate à inflação com medidas para baratear e destravar o crédito para o investimento; a estratégia sucedeu e, daquele ano até 1974, o Brasil experimentou taxas chinesas de crescimento, durante período que ficou conhecido como “milagre econômico”; a dependência extrema do país de petróleo estrangeiro complicou o milagre por causa da primeira crise do petróleo em 1973; a inflação acordou e começou a dar trabalho;
3. em 1974, o general Ernesto Geisel assume e nomeia Henrique Simonsen para a Fazenda e Reis Velloso para o Planejamento, em meio ao assanhamento dos preços, pressionados pela alta do petróleo; agora, sim, a economia dá um giro de 180 graus, na direção contrária à do plano liberalizante do início do regime militar; o governo fecha as fronteiras comerciais e fomenta parcerias tripartites entre o Estado e o capital nacional e estrangeiro, para formar “campeões nacionais” em vários setores; cria dezenas de empresas estatais para atuar em variados segmentos da economia, muitas vezes, em regime de concorrência com companhias privadas; exponencia o endividamento externo, tirando proveito das taxas de juros internacionais baixíssimas (mas flutuantes), decorrentes do excesso de liquidez provocado pelos petrodólares, para financiar grandes obras, entre as quais, a criação de um sistema estatal e integrado de geração e distribuição de energia elétrica e outro, de mesma natureza, no setor de telefonia; aquele modelo e capitalismo de Estado praticamente criou um Estado soviético no Brasil, em plena Guerra Fria, sendo que, em tese, os militares interromperam a ordem constitucional em 1964, sob a alegação de que o comunismo estava ali, à espreita, perto de tomar o poder na Ilha de Vera Cruz...
4. em 1979, sobreveio a segunda crise global de petróleo e Simonsen ficou no novo governo para fazer o ajuste, mas deixou o cargo seis meses depois; Delfim retornou, desta vez, para o Planejamento, e Ernane Galvêas assumiu a Fazenda; em 1982, a dura realidade: os juros da dívida externa flutuaram em direção à lua e o Brasil, assim como o México e muitos outros países integrantes do chamado Terceiro Mundo, quebrou; o esforço dali em diante passou a ser aumentar rápida e fortemente a competitividade das exportações, por meio da redução do salário real (realizada através de maxidesvalorizações da moeda face ao dólar), de maneira a gerar divisas suficientes para pagar pelo menos um pedaço da dívida externa, que em uma década saltou de US$ bilhões para US$ 100 bilhões; a crise da dívida tirou a Ilha de Vera Cruz do sistema de crédito internacional por mais de dez anos, jogou a inflação na estratosfera, minou a capacidade do Estado de investir, precarizou os serviços públicos implantados na década de 1970
*Cristiano Romero é editor-executivo
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