quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Escolhas - Malu Gaspar

O Globo

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro desencadeou um debate intenso no meio jurídico, incendiou o Congresso Nacional e botou o Supremo Tribunal Federal (STF) em alerta, à espera de mais represálias vindas dos Estados Unidos. Em paralelo, deu-se um curioso consenso em torno da inevitabilidade da prisão. Por esse raciocínio, Alexandre de Moraes não tinha outra escolha, uma vez que o ex-presidente foi além do limite na afronta às instituições. Prender Bolsonaro era a única alternativa disponível para proteger a soberania nacional dos ataques da extrema direita.

De que Bolsonaro testou os limites do Supremo, não há dúvida. É, aliás, o que ele vem fazendo desde o início de seu mandato, especialmente depois de perder as eleições e mais ainda durante as investigações da trama golpista. Tão certo quanto isso, porém, é que Alexandre de Moraes tinha, sim, escolha. Sempre teve, mas nem sempre fez as melhores.

No início do ano passado, quando a operação Tempus Veritatis prendeu assessores e apreendeu seu passaporte, Bolsonaro se refugiou por dois dias na embaixada da Hungria. De acordo com o New York Times, que publicou até os vídeos dele entrando com malinha e travesseiro, o ex-presidente estava com medo de ser preso e foi buscar abrigo na inviolabilidade da representação diplomática do país governado pelo colega de extrema direita Viktor Orbán.

Ali estavam claros o risco de fuga e a intenção de obstruir a Justiça — razões clássicas para a obrigação de usar tornozeleira ou a prisão preventiva. Moraes preferiu pegar leve. Descartou qualquer medida, afirmando que embaixadas não são extensões de território estrangeiro e que Bolsonaro não tinha violado a “proibição de se ausentar do país”. Ficou por isso mesmo, por escolha do ministro.

Nas últimas semanas, porém, Moraes mandou colocar tornozeleira eletrônica em Bolsonaro, no âmbito da investigação sobre coação e obstrução de Justiça aberta inicialmente contra o filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Desta vez, o motivo foi justamente o risco de fuga. Mas o fato concreto que levou à conclusão não foi revelado ao distinto público.

Também não se sabe por que, se o inquérito todo é baseado nas ameaças que Eduardo tem feito contra o Brasil e o Supremo, só Jair foi proibido de usar suas redes. Foram bloqueadas as contas bancárias do deputado e de sua mulher, mas, ao contrário do pai, ele continua livre para postar de tudo sem restrição.

Interlocutores de Moraes afirmam que ele preferiu não dar uma ordem que não seria cumprida. Ok, mas isso não tem nada a ver com a soberania nacional nem segue a lógica de outras decisões do próprio Moraes contra investigados que postavam suas diatribes a partir do exterior. Foi, de novo, uma escolha.

Agora, ao se decidir pela prisão domiciliar, Moraes escolheu responder com uma demonstração de poder ao desafio representado pelas manifestações contra o Supremo. Claro que os Bolsonaros sabiam do risco de ser alvo de alguma medida restritiva. Mas se escudaram numa decisão confusa do próprio Moraes, segundo a qual o ex-presidente não estava proibido de fazer discursos ou dar entrevistas desde que não afrontasse a soberania ou as instituições em redes sociais.

O ministro aparentemente escolheu a confusão para poder ter espaço para mandar prender Bolsonaro se fosse o caso, mas tal escolha cobrou um preço. Afinal, dar boa-tarde a Copacabana no viva-voz é bem diferente de chamar um ministro do Supremo de canalha e dizer que não obedecerá a decisões judiciais, como Bolsonaro fez há quatro anos. Daquela vez, porém, bastou uma ligação de Michel Temer e uma cartinha para que se esquecesse o assunto.

 

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