O Globo
A prisão domiciliar de Jair
Bolsonaro desencadeou um debate intenso no meio jurídico,
incendiou o Congresso Nacional e botou o Supremo Tribunal Federal (STF)
em alerta, à espera de mais represálias vindas dos Estados Unidos. Em paralelo,
deu-se um curioso consenso em torno da inevitabilidade da prisão. Por esse
raciocínio, Alexandre de Moraes não
tinha outra escolha, uma vez que o ex-presidente foi além do limite na afronta
às instituições. Prender Bolsonaro era a única alternativa disponível para
proteger a soberania nacional dos ataques da extrema direita.
De que Bolsonaro testou os limites do Supremo, não há dúvida. É, aliás, o que ele vem fazendo desde o início de seu mandato, especialmente depois de perder as eleições e mais ainda durante as investigações da trama golpista. Tão certo quanto isso, porém, é que Alexandre de Moraes tinha, sim, escolha. Sempre teve, mas nem sempre fez as melhores.
No início do ano passado, quando a operação
Tempus Veritatis prendeu assessores e apreendeu seu passaporte, Bolsonaro se
refugiou por dois dias na embaixada da Hungria. De acordo com o New York Times,
que publicou até os vídeos dele entrando com malinha e travesseiro, o
ex-presidente estava com medo de ser preso e foi buscar abrigo na
inviolabilidade da representação diplomática do país governado pelo colega de
extrema direita Viktor Orbán.
Ali estavam claros o risco de fuga e a
intenção de obstruir a Justiça —
razões clássicas para a obrigação de usar tornozeleira ou a prisão preventiva.
Moraes preferiu pegar leve. Descartou qualquer medida, afirmando que embaixadas
não são extensões de território estrangeiro e que Bolsonaro não tinha violado a
“proibição de se ausentar do país”. Ficou por isso mesmo, por escolha do
ministro.
Nas últimas semanas, porém, Moraes mandou
colocar tornozeleira eletrônica em Bolsonaro, no âmbito da investigação sobre
coação e obstrução de Justiça aberta inicialmente contra o filho Eduardo
Bolsonaro (PL-SP).
Desta vez, o motivo foi justamente o risco de fuga. Mas o fato concreto que
levou à conclusão não foi revelado ao distinto público.
Também não se sabe por que, se o inquérito
todo é baseado nas ameaças que Eduardo tem feito contra o Brasil e o Supremo,
só Jair foi proibido de usar suas redes. Foram bloqueadas as contas bancárias
do deputado e de sua mulher, mas, ao contrário do pai, ele continua livre para
postar de tudo sem restrição.
Interlocutores de Moraes afirmam que ele
preferiu não dar uma ordem que não seria cumprida. Ok, mas isso não tem nada a
ver com a soberania nacional nem segue a lógica de outras decisões do próprio
Moraes contra investigados que postavam suas diatribes a partir do exterior.
Foi, de novo, uma escolha.
Agora, ao se decidir pela prisão domiciliar,
Moraes escolheu responder com uma demonstração de poder ao desafio representado
pelas manifestações contra o Supremo. Claro que os Bolsonaros sabiam do risco
de ser alvo de alguma medida restritiva. Mas se escudaram numa decisão confusa
do próprio Moraes, segundo a qual o ex-presidente não estava proibido de fazer
discursos ou dar entrevistas desde que não afrontasse a soberania ou as
instituições em redes sociais.
O ministro aparentemente escolheu a confusão
para poder ter espaço para mandar prender Bolsonaro se fosse o caso, mas tal
escolha cobrou um preço. Afinal, dar boa-tarde a Copacabana no viva-voz é bem
diferente de chamar um ministro do Supremo de canalha e dizer que não obedecerá
a decisões judiciais, como Bolsonaro fez há quatro anos. Daquela vez, porém,
bastou uma ligação de Michel Temer e uma cartinha para que se esquecesse o
assunto.
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