quinta-feira, 7 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Encenação no Congresso agride a democracia

O Globo

Parlamentares de oposição prestam desserviço ao país paralisando as sessões em meio à tensão do tarifaço

Na véspera da entrada em vigor do tarifaço de Donald Trump — penalizando o Brasil mais que quase todos os países —, era esperado que o Congresso estivesse empenhado em buscar saídas para atenuar os efeitos negativos. Em vez disso, parlamentares de oposição, revoltados com a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, armaram uma pantomima insólita. Ocuparam as mesas da Câmara e do Senado e, com esparadrapos colados na boca, impediram o início de sessões no plenário.

A obstrução é um dispositivo que faz parte do regimento do Parlamento, mas ocupação e tumulto não. A chantagem da bancada oposicionista não poderia ser mais clara: ou o Parlamento anistia Bolsonaro, réu acusado de tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), ou a pauta do Congresso ficará travada. A meta é ajudá-lo a escapar da Justiça de qualquer maneira. Na atual conjuntura, a resposta daqueles que ocupam cargos de comando na República precisa ser serena. O clima do “quanto pior, melhor”, cevado pela investida para livrar Bolsonaro, nada de bom trará ao Brasil.

O modus operandi da família Bolsonaro é conhecido. Os alvos mudam, mas a estratégia é a mesma: fazer todo tipo de pressão para tentar salvá-lo de uma condenação praticamente inevitável diante das provas acumuladas. Nos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tentou convencer a Casa Branca a impor sanções contra o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, visto como nêmesis pelo bolsonarismo. Colheu como resultado não apenas isso, mas um tarifaço que traz prejuízo a todo o Brasil. “Dou graças a Deus que ele [Trump] voltou suas atenções para o Brasil”, disse ao GLOBO. “Acho que tem valido a pena.”

Não foi sua única declaração estapafúrdia. Eduardo confirmou querer provocar nova reação do governo Trump diante da prisão domiciliar do pai e ameaçou abertamente as lideranças do Congresso: “Uma vez que não é pautado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes no Senado, uma vez que o presidente da Câmara não pauta anistia, eles estão entrando no radar das autoridades americanas. As pessoas que estão em posição de poder têm responsabilidades e estão sendo observadas pelas autoridades americanas”.

É evidente que as decisões de Moraes não estão imunes a críticas — e têm sido defendidas e criticadas por juristas respeitáveis. Mas seus eventuais desvios precisam ser corrigidos dentro dos ritos jurídicos apropriados, não com ameaças ou encenações no Congresso. Vale lembrar: Bolsonaro ainda não foi condenado. Tem — e terá — toda oportunidade de se defender no processo.

As lideranças parlamentares têm respondido com a devida calma ao furor da bancada bolsonarista. Pautas descabidas, como anistia a golpistas, seguem na gaveta. Em nota oportuna, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), fez um chamado à serenidade, pedindo civilidade e diálogo. Marcou para hoje a retomada das sessões, de forma remota. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), lembrou que não cabe a ele avaliar decisões judiciais. Sem ceder à chantagem, ameaçou suspender o mandato dos rebeldes e, depois de muita negociação, conseguiu abrir a sessão no plenário ontem à noite. Ambos estão certos. Regras e caminhos institucionais são claros e precisam ser respeitados. A balbúrdia só interessa a quem despreza a democracia.

Operação contra internet ilegal no Rio revela alcance do crime organizado

O Globo

Exploração de negócios clandestinos se tornou uma das maiores fontes de renda de traficantes e milicianos

Foi providencial a operação da Polícia Civil do Rio que fechou dois provedores de internet na Zona Norte da cidade, associados, segundo as investigações, a facções criminosas. A ação, batizada Rede Obscura, foi deflagrada pela Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD) a partir de denúncias de moradores e de empresas legais proibidas de operar nesses locais por quadrilhas armadas. A exploração de negócios clandestinos é hoje uma das principais fontes de renda de traficantes e milicianos.

O problema é grave e se expande. De acordo com a Secretaria de Segurança do Rio, nada menos que 80% das empresas de internet que operam em comunidades e favelas cariocas são ligadas ao crime organizado. Sofrem os usuários, forçados a contratar um serviço ruim e ilegal sob a mira de armas; sofrem as empresas sérias, alijadas de um mercado relevante; sofre o mercado, com o ambiente de negócios deteriorado; sofre o Estado, que deixa de arrecadar impostos.

Os policiais cumpriram 17 mandados de busca e apreensão e detiveram dois suspeitos. A apreensão de um fuzil, duas pistolas, equipamentos eletrônicos e cabos de origem suspeita durante a operação não deixa dúvidas sobre a situação. Há falhas evidentes no controle desses provedores. As duas empresas fechadas tinham autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para funcionar.

Uma delas operava no Morro do Quitungo, em Brás de Pina, e, segundo a polícia, era ligada ao Comando Vermelho. O responsável pelo provedor tem antecedentes criminais por tráfico, furto de energia e receptação. Ele admitiu fazer repasses periódicos a chefes da facção criminosa e disse ter recebido propostas de outras quadrilhas para expandir os negócios. A outra atuava em Cordovil, Cidade Alta e adjacências. O dono já havia sido preso em flagrante por receptação depois de a polícia encontrar grande quantidade de cabos de operadoras regulares sem nota fiscal. De acordo com o delegado da DDSD, Pedro Brasil, os acusados aproveitavam estruturas instaladas por provedores legais para explorar suas atividades ilícitas.

É fato positivo que a ação tenha acontecido a partir de uma parceria firmada em março entre a Secretaria de Segurança e a Anatel, com o objetivo de suspender provedores ligados ao crime. A agência cancelou a norma que dispensava de outorga os pequenos provedores, com até 5 mil acessos. Fez bem. Agora, todos terão de solicitar autorização formal até 25 de outubro.

Os provedores de internet clandestinos são apenas um dos serviços ilegais que proliferam em áreas controladas pelo crime. Furtos de energia — apelidados “gatos” — estão por toda parte. Um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estimou em R$ 10,3 bilhões as perdas causadas por furtos, fraudes ou erros operacionais ao setor de distribuição no ano passado. Por mais que seja difícil, é fundamental enfrentar esses crimes. Além de causarem prejuízo aos cidadãos e ao Estado, eles estão na raiz do financiamento à violência, que precisa ser asfixiado.

Para enfrentar as tarifas, linhas de apoio e novos mercados

Valor Econômico

Não se melhora a capacidade exportadora sem importar mais e melhor e levantar barreiras às compras do exterior

Mais de um terço das mercadorias exportadas pelo Brasil para os Estados Unidos passaram a pagar, a partir de ontem, a maior tarifa de todas as instituídas pelo presidente Donald Trump desde que desencadeou sua guerra comercial contra o mundo. Na última hora, o Brasil ganhou a companhia da Índia no topo da taxação de 50%, por algo que Trump não gostou e também não explicou. O Brics original - Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul - foi especialmente punido e brindado com tarifas superiores a 30%, exceto a Rússia, com carga inicial de 10% e que será sujeita a mais gravames adiante. O governo brasileiro calcula que 35,9% das exportações de US$ 40,3 bilhões aos EUA, com valor de US$ 13 bilhões, serão afetados pelas barreiras levantadas. Com esse nível tarifário, é quase certo que percam acesso ao maior mercado consumidor do mundo.

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, que, no entanto, exporta pouco. Os danos gerais serão pequenos, mas os localizados serão importantes. Como quase a metade dos produtos vendidos foram isentos do adicional de 40% decretado por Trump, a economia será pouco afetada: algo como 0,1% a 0,2% do PIB no ano, segundo os analistas. Há uma graduação setorial, regional e de porte empresarial na escala dos prejuízos. A região Sul é a que mais perderá (Valor, ontem).

Café, com vendas de US$ 2 bilhões, carnes, com US$ 1,4 bilhão, e etanol e açúcar (US$ 791 milhões) receberão o impacto mais forte em termos de divisas. No entanto, são setores com tradição exportadora e compostos, na maior parte, por grandes grupos econômicos. Sua capacidade de reação a adversidades como essa é alta.

No caso do café, onde a escassez de estoques global manteve cotações recordes por bom tempo, não haverá dificuldades intransponíveis para encontrar mercados substitutos, e é possível haver deslocamento das vendas para o mercado doméstico, com algum efeito baixista nos preços. Apesar de exportações centenárias, o açúcar encontra fortes concorrentes globais e limitações para vendas no próprio Mercosul, o que faz prever maior dificuldade de se desviar a produção que iria para os EUA. Há problemas graves para se realocar as vendas volumosas de açúcar orgânico.

Em relação às carnes bovina e de frangos, o Brasil é o maior exportador do mundo. A JBS, maior empresa do setor no planeta, tem fortes operações em solo americano e pode reverter em algum tempo o baque do fechamento das exportações. Até lá, também é esperado que parte das vendas tome o caminho do mercado interno, com efeito deflacionário sobre os preços domésticos.

Para muitos outros produtos exportados, o futuro imediato é péssimo e o de médio prazo é incerto. Os pescados, com produção muito concentrada no Ceará, foram expulsos do mercado americano e, por serem perecíveis, estão parcialmente condenados a prejuízos e perdas de produtos. Em situação semelhante encontram-se as frutas. Em ambos os casos, predominam pequenas e médias empresas exportadoras e fornecedoras para exportação, que sofrerão asfixia quase imediata de capital de giro, caso parecido com os dos produtores de cacau, cereais, farinha e mel.

Entre os manufaturados, os setores têxtil e de calçados, com exportações conjuntas de mais de US$ 600 milhões, foram os mais duramente atingidos. Ainda que fossem capazes de suportar uma sobrecarga de 50% nos preços, sucumbiriam a concorrentes já muito competitivos que, embora taxados, o serão menos que os produtos brasileiros, caso de Vietnã, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia. Nos dois casos, há grande participação de pequenas e médias companhias envolvidas na produção para o exterior.

Crises anteriores e a pandemia deram expertise sobre programas emergenciais que voltarão, adaptados, agora. O governo pensa em abrir linhas de crédito para capital de giro, com juros subsidiados, que deem prioridade às pequenas e médias empresas. Haverá suporte ao emprego, ainda em formato não definido. Uma das ideias é que a União pague dois salários para auxiliar as empresas a manterem a força de trabalho. Outras saídas cogitadas são mais polêmicas. A compra direta de produtos perecíveis, como pescados, frutas e mel pelo governo, pode envolver prejuízos públicos.

Além de tempestivos, é importante que os programas de emergência sejam temporários, com prazo para acabar, atinjam quem mais deles necessitam e que sejam fornecidos com transparência os critérios e condições de concessão. Passada a emergência, será necessário realizar o trabalho mais difícil, que é o de encontrar novos mercados para os produtos alijados dos EUA, um trabalho necessário de longo prazo.

O fechamento da economia brasileira por décadas prejudicou a competitividade das empresas nacionais e as exportações. A fatia vendida ao mundo, hoje de 1,2% do total global, é praticamente a mesma de 40 anos atrás, muito aquém do que seria de se esperar da nona maior economia do mundo. Não se melhorará isso sem também importar mais e melhor, o que envolverá também um já tardio levantamento de barreiras tarifárias e não tarifárias às compras do exterior.

Tarifaço em vigor deixa poucas opções ao Brasil

Folha de S. Paulo

Fora medidas simbólicas ou paliativas, resta perseverança em busca de aliados na economia americana

Se as exportações aos EUA têm peso modesto no PIB, para determinados setores, como carnes e café, o mercado americano é crucial

Sem surpresas más ou boas, entrou em vigor nesta quarta (6) a brutal sobretaxa imposta pelo governo de Donald Trump às vendas de produtos brasileiros ao mercado americano. As primeiras reações do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dão ideia de como são escassas as opções do país para enfrentar a agressão estrangeira.

Não se trata, afinal, de uma barganha comercial, mas de uma tentativa grotesca de intimidar as instituições responsáveis por processar e julgar Jair Bolsonaro (PL), lacaio de Trump acusado de tramar um golpe de Estado. Inexiste o que negociar, obviamente, nessa seara —e a ofensiva familiar em favor do ex-presidente só tende a agravar sua situação.

Em tal cenário, entendimentos diplomáticos são ofuscados por querelas ideológicas. As quase 700 exceções abertas no tarifaço de 50%, contemplando produtos como petróleo, aço, ferro, aviões e suco de laranja, deveram-se mais a interesses de consumidores e empresários americanos do que a esforços brasileiros.

As providências imediatas ao alcance do governo variam do simbólico ao paliativo. No primeiro caso, Brasília acionou os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), questionando motivações e procedimentos para a sobretaxação.

Os argumentos são corretos, mas não há como crer em resultados quando a maior potência do planeta assume como bandeira a rejeição ao multilateralismo.

Na segunda frente, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, disse ter encaminhado ao Palácio do Planalto um plano de contingência que prioriza pequenos exportadores e inclui medidas nas áreas de crédito e compras governamentais. Não se deve esperar —nem seria sensato— um plano de grandes proporções.

O impacto esperado do tarifaço não chega a ser catastrófico, mas está longe de ser desprezível. Se os EUA são o destino de não mais de 12% das exportações brasileiras totais, que de resto têm peso modesto no Produto Interno Bruto (PIB), para determinados setores, como carnes e café, o mercado americano é crucial.

Estima-se que a tarifa média ponderada dos EUA sobre os produtos brasileiros tenha subido de menos de 10% para algo em torno de elevadíssimos 30%. Trump ainda tem outras retaliações à mão, como as que ameaça aplicar aos países que comercializem com a Rússia.

Sangue-frio, paciência e perseverança devem guiar a conduta brasileira doravante. Confrontações, mais que inúteis, são perigosas —e mesmo algum ganho político para Lula é duvidoso, como mostrou o Datafolha.

É possível que, com o tempo, a guerra comercial trumpista seja freada por pressões empresariais e políticas, ou até decisões judiciais. Enquanto isso, autoridades farão bem em mapear, em busca de aliados, setores da produção americana dispostos a contestar tarifas que os prejudicam. Ao menos a lógica econômica, desta vez, está do lado do Brasil.

Atraso bem-vindo nas escolas cívico-militares

Folha de S. Paulo

Modelo, que se baseia em ideologia e carece de respaldo técnico, deveria ser abandonado por Tarcísio

Escolas militares de fato têm notas superiores, mas isso se deve a maiores verbas e a um rígido processo seletivo de estudantes

Tarcísio de Freitas (Republicanos) já conseguiu se livrar de alguns ranços ideológicos de seu padrinho político, Jair Bolsonaro (PL). No caso das câmeras corporais usadas por agentes da Polícia Militar, passou de crítico a apoiador.

Na educação, porém, o governador de São Paulo insiste nas escolas cívico-militares —promessa feita à base bolsonarista.

Devido a atrasos na seleção dos policiais aposentados e a ações na Justiça, o modelo, que deveria entrar em vigor neste semestre, talvez só seja adotado em 2026. Espera-se que esse adiamento possa contribuir para uma reavaliação que leve ao abandono de uma iniciativa educacional desprovida de evidências de melhoria em aprendizagem.

Segundo o plano, serão contratados 208 policiais para atuar como monitores em projetos de ética, cidadania e civismo, além de cuidar de aspectos disciplinares, como entoação de hinos e uso de uniformes pelos alunos.

Pela tarefa, cada agente receberá R$ 301,70 por dia, o que pode render até R$ 6.000 mensais, caso a carga máxima de 40 horas seja cumprida. O gasto estimado pelo governo paulista é de cerca de R$ 7,2 milhões.

Não há solução mágica para eliminar os gargalos na educação. Escolas militares de fato têm notas superiores, mas isso não se deve à disciplina da caserna, e sim a verbas maiores e a um rígido processo seletivo de estudantes.

De mais de 5.500 escolas da rede de ensino, só 302 se interessaram pelo programa e 132 receberam aval da comunidade. A Secretaria de Educação do estado selecionou 100 unidades.

O problema é que, como revelou a Folha, apenas 22 delas não alcançaram as médias estaduais do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mais recente, relativas a 2023, para o 9º ano do ensino fundamental (5,1) e o ensino médio (4,2) —enquanto o plano da gestão Tarcísio, em fevereiro de 2024, era implantar o modelo em escolas com baixo desempenho no Ideb.

Além disso, 90 atendem alunos de nível socioeconômico médio alto, de acordo com critérios do Ministério da Educação (MEC).

O estado mais poderoso do país ainda não conseguiu superar o impacto da pandemia no ensino, enquanto outros mais pobres já o fizeram. Em 2019, as referidas pontuações do Ideb foram de 5,3 e 4,2, respectivamente.

É preciso abandonar crendices e bandeiras ideológicas e expandir iniciativas que têm aporte em dados técnicos, como o ensino integral, as mudanças exigidas pela reforma do ensino médio e a educação profissionalizante.

Supremo forte é o que respeita limites

O Estado de S. Paulo

A Corte precisa reafirmar seu compromisso inarredável com o Estado de Direito não só diante do reiterado golpismo bolsonarista, mas também ante os excessos de Alexandre de Moraes

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a oportunidade e os meios para, se quiser, promover uma mais que bem-vinda correção de rumos em meio à enorme tensão institucional que se instalou no Brasil. O que está em jogo é muito mais importante do que a sorte do réu Jair Bolsonaro. Trata-se da própria imagem da Corte e de sua legitimidade para se afirmar aos olhos da sociedade brasileira como a guardiã maior do Estado Democrático de Direito no País.

Inegavelmente, há decisões do ministro Alexandre de Moraes que atingem Bolsonaro e alguns de seus apoiadores que são flagrantes abusos, em tudo incompatíveis com a ordem constitucional vigente. Com espantosa facilidade, considerando que o Brasil é um país democrático, passou-se a cassar a palavra de cidadãos, restringir a liberdade de imprensa e punir o mero exercício da crítica em nome de uma alegada “defesa da democracia”.

Diante de alguns excessos de Moraes na condução dos inquéritos sem fim envolvendo bolsonaristas e do julgamento da tentativa de golpe, o STF deve ao País – e à sua própria história republicana – uma urgente inflexão ao leito da normalidade jurídico-institucional. Isso não significa, por óbvio, condescender com o mais grave atentado à democracia na Nova República nem muito menos ceder à chantagem dos que, entre o Brasil e o clã Bolsonaro, escolheram cerrar fileiras ao lado desses traidores. Contudo, é do colegiado do Supremo, seja por meio da Primeira Turma – da qual Moraes faz parte –, seja por meio do plenário, a missão de promover esse ajuste fino.

Muito ao contrário do que alguns possam pensar, essa tão ansiada correção – ou “modulação”, para usar o jargão da Corte – de medidas extravagantes tomadas por Moraes atestaria a força institucional do Supremo, e não sua fraqueza. Fortaleceria sua autoridade. Engrandeceria a mais alta instância do Judiciário pátrio. Ademais, se assim proceder, o STF sinalizaria à sociedade que não tem compromisso com o erro, e sim com o bom Direito.

A força institucional de um tribunal colegiado não está na obstinação individual de seus membros, muito menos na recalcitrância. Está na corajosa disposição coletiva de revisar medidas que, ao fim e ao cabo, desvelam-se incompatíveis com o Estado de Direito. Reconhecer abusos e remediá-los a tempo engrandeceria a instituição, reafirmaria seu compromisso com a legalidade e mostraria aos cidadãos que o Supremo não se curva às conveniências políticas, às emoções de momento ou às veleidades pessoais de alguns de seus integrantes.

Não se trata aqui, deveria ser ocioso dizer, de deslegitimar a resposta judicial à tentativa de golpe de Estado que teria sido liderada por Bolsonaro e aos infames ataques do 8 de Janeiro. Os fatos são o que são e estão vastamente documentados. O julgamento dos envolvidos na sedição não apenas é legítimo, como fundamental para a higidez da democracia no Brasil. A força das instituições republicanas, sobretudo do STF, foi colocada à prova pelo bolsonarismo e mostrou vigor – robustecida, em grande parte, pela atuação firme da STF no momento certo. Isso não se discute, como este jornal já sublinhou um sem-número de vezes. O problema começa quando, em nome da “defesa da democracia”, admite-se qualquer coisa, tolera-se a relativização de direitos e garantias individuais a depender do sujeito desses direitos e garantias.

A escalada da violência e do golpismo promovida por deputados e senadores ligados ao bolsonarismo é evidente. A ocupação das Mesas do Congresso para sequestrar a agenda legislativa em nome de barganhas espúrias e inaceitáveis, como a anistia aos golpistas, é reprovável sob todos os aspectos. Mas os abusos dos liberticidas não justificam os abusos de quem serve à lei. A firmeza na genuína defesa da democracia não pode se converter em pretexto para práticas que afrontam justamente os princípios democráticos que se pretende proteger.

O Brasil vive um momento de grande tensão institucional. O Supremo certamente está à altura do papel que a Constituição lhe conferiu. É exatamente por isso que tem o dever de agir com rigor diante de ataques antidemocráticos, mas também com humildade diante de seus próprios erros.

A encruzilhada da CVM

O Estado de S. Paulo

Renúncia do presidente da CVM expõe desafios do órgão regulador diante de um mercado de capitais cada vez mais complexo, mas pode ser oportunidade para o fortalecimento da autarquia

A dois anos do fim do seu mandato como presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento renunciou ao comando da autarquia, escancarando os desafios do órgão, também chamado de “xerife”, cuja função é “fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver” o mercado de capitais no Brasil.

Oficialmente, JP, como é conhecido o agora ex-presidente da CVM, desistiu do mandato, que iria até 15 de julho de 2027, por “motivos pessoais”. Com a saída dele, o colegiado da autarquia passa a operar com o quórum mínimo de três membros, já que uma das quatro diretorias do órgão está vaga desde dezembro de 2024, quando se encerrou o mandato de Daniel Maeda.

Após a renúncia, fica ainda mais evidente o quão deficiente é o quadro de pessoal da autarquia para lidar com um mercado de capitais que, segundo as próprias entidades do setor, cresceu mais de 60% em cinco anos. Entre 2019 e 2024, o número de participantes supervisionados pela CVM saltou de 55 mil para 90 mil.

É verdade que, durante seu mandato, JP conseguiu um feito. O governo federal aprovou pela primeira vez em 14 anos que a CVM retomasse concurso público para a contratação de 60 funcionários. Mas, mesmo com esse concurso, a estrutura da autarquia, que já era enxuta para lidar com instrumentos financeiros tradicionais como fundos, ficou ainda mais diminuta diante da proliferação de plataformas de investimento voltadas às pessoas físicas, do aumento de estruturas de crowdfunding (financiamento coletivo) e da multiplicação das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), entre outros.

A ampliação e a sofisticação do mercado de capitais são obviamente mais que bem-vindas, especialmente porque, pela primeira vez, um sem-número de brasileiros têm acesso a produtos financeiros que lhes permitem preservar e ampliar seus patrimônios. Ou seja, há ainda mais motivos para que a CVM tenha estrutura adequada para regular e fiscalizar o mercado de capitais, o que até mesmo as entidades do setor defendem.

Em um mundo cada vez mais digitalizado e cheio de oportunidades, os bons participantes do mercado, que são maioria, têm todo interesse em que os potenciais maus elementos sejam identificados e punidos.

Mas enquanto o sucateamento da CVM se aprofunda, o deficitário Correios promoveu concurso público para a contratação de espantosos 3.511 novos funcionários, donde se conclui que as prioridades do governo federal estão, no mínimo, fora do lugar.

Ainda assim, a renúncia de JP oferece uma oportunidade para que as dificuldades da CVM finalmente passem a ser priorizadas. A começar pela própria substituição de JP na presidência do “xerife” do mercado de capitais, que deve pautar-se por critérios estritamente técnicos.

Como lembrou o ex-presidente da autarquia Francisco da Costa e Silva, em entrevista ao Valor, a CVM é um órgão de Estado, razão pela qual o novo presidente da autarquia precisa ter autonomia para inclusive se posicionar contra a União, caso isso seja necessário.

Além de um presidente técnico, o quadro de funcionários do órgão precisa ser reforçado quantitativa e qualitativamente. O colegiado, que atualmente conta apenas com advogados, sairia beneficiado com a presença de profissionais de outras áreas, o que melhor refletiria a realidade de um mercado cada vez mais diverso.

Não menos importante, a questão orçamentária da CVM precisa ser revisitada. Hoje, a maior parte do que a autarquia arrecada com multas, por exemplo, não fica com ela, mas com o governo federal.

Carente de pessoal e de recursos financeiros, a CVM costuma ser lembrada quando há escândalos como a fraude nas Lojas Americanas ou quando há suspeitas de manipulação, como no caso recente das operações cambiais suspeitas em meio à ameaça tarifária dos EUA contra o Brasil.

Para fazer frente a esses desafios e cumprir com sua enorme e importante responsabilidade a contento, contudo, a CVM precisa estar equipada para tal. Inesperada, a renúncia do presidente JP poderia servir para que, finalmente, a autarquia se fortaleça.

A capitulação democrata

O Estado de S. Paulo

Kamala Harris está certa sobre rendição a Trump, da qual o Partido Democrata tem grande culpa

Em sua primeira entrevista desde que deixou o cargo de vice-presidente dos EUA, a democrata Kamala Harris, que disputou a presidência contra Donald Trump em 2024, afirmou ao apresentador Stephen Colbert que muito do que o presidente está fazendo era previsível. O que não se podia antecipar, disse, é o que ela chamou de “capitulação”.

Kamala tem razão. Desde que retornou à Casa Branca, há pouco mais de seis meses, Trump tem imposto seus desígnios praticamente sem enfrentar resistência nem externa nem, sobretudo, interna.

Ocorre que a rendição interna a Trump tem muito a ver com a letargia do Partido Democrata, que segue sem rumo e desconectado dos eleitores mais de um ano depois que o então presidente Joe Biden desistiu de disputar a reeleição – da qual, obviamente, o abatido ex-mandatário não tinha condição alguma de participar. A maior prova disso é que, mesmo em momento em que a popularidade de Trump é desafiada por questões econômicas e pela suposta associação do presidente ao pedófilo Jeffrey Epstein, já falecido, a aprovação aos democratas é a mais baixa dos últimos 35 anos, de acordo com pesquisa divulgada recentemente pelo The Wall Street Journal.

Apenas 33% dos entrevistados manifestaram opinião favorável aos democratas. Mesmo preocupados com as consequências das tarifas de Trump, bem como com a condução da política externa e com a questão inflacionária, a maioria confia mais nos republicanos do que nos democratas para lidar com esses assuntos no Congresso.

Outro grande jornal norte-americano, o The New York Times, conversou com um grupo de 11 eleitores latinos que votaram em Trump em novembro passado para saber como eles avaliavam o governo do republicano – a migração dos votos latinos, tradicionalmente um bastião democrata, para Trump foi bastante importante para a vitória do republicano sobre Kamala Harris. Embora o grupo entrevistado pelo Times entenda, de forma geral, que a economia sob Trump não está apresentando os resultados que eles esperavam, e que a caçada a imigrantes passa do ponto quando não se limita a criminosos e terroristas, apenas um dos onze votaria em um candidato democrata para substituir Trump nas eleições de 2028.

Tradução: mesmo com Trump adotando políticas inflacionárias, encarecendo os custos de produção nos EUA tanto por conta das tarifas quanto pelo ataque aos trabalhadores imigrantes, e cortando verbas na saúde e na educação, nem assim o Partido Democrata consegue se reconectar ao eleitor que até pouco tempo era seu.

Pior: as poucas respostas que o partido produziu até agora, como a vitória do socialista de 33 anos Zohran Mamdani nas primárias para a prefeitura de Nova York, apenas dão mais gás à base trumpista mais radical, para a qual os democratas só se ocupam das chamadas questões identitárias.

Se permanecerem divorciados dos eleitores, os democratas correm o sério risco de seguirem minoritários no Congresso nas eleições de meio de mandato em 2026. E não porque Trump não esteja tratando de sabotar o próprio partido, o Republicano, mas porque os democratas seguem ocupados em ignorar a realidade.

Primeira infância: para articular, tem que incluir

Correio Braziliense

A Política Nacional Integrada para a Primeira Infância é percebida como um novo paradigma no cuidado com as crianças. Não faltam evidências, porém, de que o país deixa a desejar no cuidado com os seus 18 milhões de brasileirinhos

Instituída nesta terça-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI) é percebida por especialistas como um novo paradigma no cuidado com as crianças. Em movimento inédito, o governo brasileiro se compromete a integrar, de forma coordenada e intersetorial, as políticas públicas voltadas à primeira infância, do nascimento aos 6 anos de vida. O período é comprovadamente crucial no desenvolvimento humano, quando se estabelecem as bases física, cognitiva e emocional de um indivíduo. Ainda assim, não faltam evidências de que o país deixa a desejar no cuidado com os seus 18 milhões de brasileirinhos. A estratégica PNIPI, portanto, entra em cena não imune a desconfianças e contrariedades.

Em termos práticos, com o novo direcionamento, os canais entre os mais diversos dispositivos públicos terão que estar ligados. As creches vão saber quais os alunos foram vacinados. Equipes de saúde conseguirão identificar se a criança também recebe suporte da assistência social, que, por sua vez, terá acesso mais rápido a registros de negligência ou violência. Um banco de dados unificado, a ser construído, permitirá essa articulação. Chegar a esses equipamentos públicos, portanto, é essencial para fazer a roda da PNIPI girar.

Os acessos nem sempre são simples. Apenas 39,8% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches no Brasil, em 2024 — abaixo da meta de 50% estipulada no Plano Nacional da Educação (PNE). A falta de pediatras é problema crônico no serviço de saúde público de boa parte das unidades da Federação, assim como as filas de espera por atendimento nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). 

 Também é essencial um direcionamento eficaz para a informação recebida. O que fará a escola diante da constatação de uma carteira de vacinação desatualizada? Ou quando se perceber que a infecção persistente é devido à falta de saneamento básico? 35% das crianças até 6 anos vivem em locais sem rede  de esgoto no país; e apenas 32% dos municípios conseguiram cumprir em 2023 a meta de cobertura para quatro vacinas consideradas prioritárias: pentavalente, poliomielite, pneumo-10 e tríplice viral — todas administradas na primeira infância. 

 Há protocolos de conduta definidos com relação a maus-tratos, por exemplo. Mas a proposta de integralidade no cuidado demandará novos roteiros, incluindo articulação com o Legislativo e o Judiciário, além das instâncias estaduais e municipais. Em artigo publicado neste Correio, Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, e Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, avaliam que a PNIPI demandará um nível de integração equiparada ao do SUS, mas "com a diferença fundamental" de articular cinco eixos estruturantes: viver com direitos, educação, saúde e dignidade, além de comunicação com família e responsáveis. 

Por isso, a necessidade de que a oficialização da PNIPI "esteja acompanhada de um plano de ação guiado por medidas estratégicas, com objetivos claros, metas, indicadores de acompanhamento e responsabilidades bem definidas entre os ministérios". Caberá ao Ministério da Educação (MEC) a coordenação da política, que precisa ser uma prioridade de Estado. O passo pioneiro rumo ao pleno desenvolvimento da infância brasileira só faz sentido e terá valor se  for dado com qualidade e houver continuidade.

Tarifaço começa, mas negociações continuam

O Povo (CE)

É fundamental que o governo comece a aplicar o mais rapidamente possível as medidas previstas para preservar o Brasil de um prejuízo maior enquanto vigorar as sobretaxas impostas pelos Estados Unidos

O tarifaço de 50% dos Estados Unidos sobre os produtos brasileiros começou a vigorar à meia-noite desta quarta-feira, sem que houvesse recuo por parte do presidente americano, Donald Trump.

Isso não significa o rompimento das negociações, apesar da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que não vai telefonar para o seu homólogo porque "ele não quer falar". O que acontece é que, enquanto Lula faz um discurso político voltado à sua base, os representantes brasileiros continuam a buscar uma solução com autoridades do governo americano.

Eles esperam que, no mínimo, seja ampliada a lista de isenções, na qual já entraram cerca de 700 produtos, para incluir também café e carne bovina. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, demonstra confiança de que esses produtos sairão da lista do tarifaço, apesar de não haver nenhuma manifestação pública da Casa Branca sobre o assunto.

Resta ainda a possibilidade de que uma ordem judicial impeça Trump de continuar a aplicar tarifas recíprocas. Em entrevista à jornalista Mariana Sanches (Uol), o advogado Ilya Somin — que já obteve uma vitória temporária para derrubar tarifas recíprocas — disse que as justificativas jurídicas de Trump para sobretaxar o Brasil são ainda "mais claramente ilegais" do que as anunciadas em abril, no chamado "dia da libertação". Para o advogado, a tarifação imposta por Trump contraria frontalmente a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, usada para justificar as tarifas.

Mas ainda será preciso conferir se alguma legislação tem poder de parar Trump, pois ele é capaz de distorcê-la até chegar ao limite de atender aos seus interesses pessoais. É o caso da Lei Magnistky, utilizada de modo flagrantemente ilegal para atingir o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

É de se lembrar que o Brasil recebeu o maior índice entre os países que sofreram as sobretaxas de Donald Trump. Além disso, no caso brasileiro, junto à questão comercial, veio apensada uma ameaça à soberania brasileira, qual seja, a exigência de uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro ou de sustar o processo que corre contra ele no STF, no qual é réu por tentativa de golpe de Estado.

A mais, o governo americano está incomodado com o Brics, que estuda uma alternativa do dólar, e com a decisão do STF de responsabilizar as big techs pelo conteúdo publicado em suas redes.

Os representantes brasileiros têm, portanto, uma equação difícil de resolver, pois suas propostas não podem ir além do aspecto comercial, enquanto a política está no centro das atenções de Washington.

Por isso é fundamental que o governo comece a implementar o mais rapidamente possível as medidas previstas para preservar o Brasil de um prejuízo maior enquanto vigorar o tarifaço.


 

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