Valor Econômico
Mensagens de Donald Trump em rede social, entrevistas e a carta enviada a Luiz Inácio Lula da Silva já haviam deixado escancarado que o cerne da questão é político
A crise das tarifas está obrigando a classe
empresarial a recuperar o lugar de destaque que já teve em outros momentos
cruciais da história brasileira. A taxação do governo americano ao Brasil, que
entrou em vigor ontem, desenha consequências drásticas para a economia, o que
clama por um protagonista que nas últimas décadas parece ter se contentado com
o segundo plano.
Diante da inépcia do governo, num momento de desarranjo institucional, com um Judiciário hipertrofiado e um Legislativo alheio, o poder econômico foi chamado a assumir a posição de negociador. Os líderes do setor privado não têm mais como fugir dessa concertação. Eles terão, no entanto, que arrumar estômago para enfrentar uma questão política, mais do que comercial, apesar do desconforto visível com o tema.
As mensagens de Donald Trump em rede social,
entrevistas e a carta enviada a Luiz Inácio Lula da Silva já haviam deixado
escancarado que o cerne da questão é político. Para não restar dúvidas, o
decreto que estabeleceu a tarifa adicional de 40% sobre o Brasil, na semana
passada, acusa “membros do governo do Brasil” de infringirem “os direitos de
livre expressão dos cidadãos americanos” e de “perseguir politicamente um
ex-presidente do Brasil”. Não por acaso, no mesmo dia, o ministro Alexandre de
Moraes foi sancionado com base na Lei Magnistky “por graves violações de
direitos humanos”.
Da tarifa de 50% imposta ao país, a maior
entre os países sancionados, “10% são comércio, e 40%, geopolítica”, segundo o
representante de comércio dos EUA, Jamieson Greer, em entrevista à CBS News.
É evidente que não se chegará a um acordo só
em bases comerciais, como os que estão sendo fechados com outros países. A
solução terá que vir por meios políticos, o que passa pelos bastidores de
Brasília e de Washington, além do Legislativo, a casa onde uma pacificação pode
ser engendrada.
Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da
Organização Mundial do Comércio (OMC), em entrevista a Marcos de Moura e Souza,
do Valor,
reconhece que o Brasil está “numa pista à parte” e precisa ter acesso ao
governo americano. Ele tem conversado com representantes do setor privado
brasileiro em busca de alternativas e diz que há falta de personalidades com
acesso privilegiado à Casa Branca.
O deputado Eduardo Bolsonaro é hoje, não há
como negar, o político brasileiro com maior influência dentro do governo Trump.
A condição para um acordo, diz ele, é um projeto de anistia aos condenados do 8
de janeiro. O assunto é hoje o que os americanos chamam de “third rail”, um
tópico muito controverso para se tocar. Magalhães Pinto dizia que a política é
como nuvem, o cenário pode mudar entre um olhar e outro. No entanto, ele não
especificou nada sobre nuvens carregadas que demoram a se mexer com a rapidez
que momentos críticos exigem. A polêmica prisão de Jair Bolsonaro mostra como o
clima vem esquentando rapidamente, sem alívio à vista.
Entender o vaivém das nuvens não é uma
habilidade normalmente associada aos empresários e executivos, ao contrário de
seus pares de outras eras. Em entrevista à jornalista Maria Cristina Fernandes,
do Valor, o
presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, admitiu que o déficit comercial
“não é um argumento” [para justificar as tarifas]. Ao mesmo tempo, diz que a
questão política “não faz parte da pauta” de suas conversas com autoridades
americanas. “Sou engenheiro”, disse. “Não tenho competência para discutir esses
temas.”
O sucesso de Gomes Neto nas negociações, que
colocou a Embraer na lista de isenções, pode sugerir um excesso de modéstia do
executivo. A política brasileira já virou a cabeça de engenheiros, como no caso
notório de Antônio Ermírio de Moraes, e situação inédita a que chegamos pode
exigir uma mudança de postura, nem que seja só nos bastidores. Em conversas
reservadas com Adriana Mattos, do Valor,
representantes de entidades empresariais se mostraram irritados com as
dificuldades do governo de abrir uma interlocução com os americanos, em meio a
um jogo perigoso de dobrar a aposta, de trucar o oponente sem ter nenhuma
“manilha” na mão, de olho nos movimentos eleitorais. Difícil acreditar que os
donos do PIB não estejam tentados a brecar esse populismo desastrado disfarçado
de defesa da soberania, já que não resta dúvida de que a conta vai bater no
bolso do empresariado e dos trabalhadores.
E não é só Brasília que está de olho nas
pesquisas. O tarifaço pegou a Faria Lima no meio da rave do “trade eleitoral”,
que aposta numa opção à direita para 2026. O governador de São Paulo, Tarcísio
Freitas, e o do Paraná, Ratinho Júnior, estão entre os cotados para comandar a
saída da polarização entre Lula e Bolsonaro.
Uma semana antes do anúncio das tarifas, em 9
de julho, a bolsa estava na máxima e o dólar chegava à mínima de um ano com a
queda de popularidade de Lula e perspectivas de mudança no comando do
Executivo.
O tarifaço de Trump misturou as cartas, ao
dar alento à popularidade de Lula, porém não desacreditou por completo a meta
do Ibovespa 170 pontos-plus. “A gente se prepara para qualquer situação que
venha a enfrentar. Eu acho essa discussão de tarifas uma bobagem”, declarou o
executivo-chefe do Banco XP, José Berenguer, no evento Expert XP, no fim de
julho.
Defensor da tese da terceira via nas
palestras que faz em gestoras e bancos, o analista eleitoral Roberto Reis
propõe um “armistício”, que tire “três elefantes” da sala: o Supremo Tribunal
Federal recua (anistia), Bolsonaro nomeia um candidato (Tarcísio ou Ratinho
Jr.) e Lula desiste do quarto mandato. “Esse é meu cenário-base.”
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