quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Procuram-se engenheiros para fazer política - Nelson Niero

Valor Econômico

Mensagens de Donald Trump em rede social, entrevistas e a carta enviada a Luiz Inácio Lula da Silva já haviam deixado escancarado que o cerne da questão é político

A crise das tarifas está obrigando a classe empresarial a recuperar o lugar de destaque que já teve em outros momentos cruciais da história brasileira. A taxação do governo americano ao Brasil, que entrou em vigor ontem, desenha consequências drásticas para a economia, o que clama por um protagonista que nas últimas décadas parece ter se contentado com o segundo plano.

Diante da inépcia do governo, num momento de desarranjo institucional, com um Judiciário hipertrofiado e um Legislativo alheio, o poder econômico foi chamado a assumir a posição de negociador. Os líderes do setor privado não têm mais como fugir dessa concertação. Eles terão, no entanto, que arrumar estômago para enfrentar uma questão política, mais do que comercial, apesar do desconforto visível com o tema.

As mensagens de Donald Trump em rede social, entrevistas e a carta enviada a Luiz Inácio Lula da Silva já haviam deixado escancarado que o cerne da questão é político. Para não restar dúvidas, o decreto que estabeleceu a tarifa adicional de 40% sobre o Brasil, na semana passada, acusa “membros do governo do Brasil” de infringirem “os direitos de livre expressão dos cidadãos americanos” e de “perseguir politicamente um ex-presidente do Brasil”. Não por acaso, no mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes foi sancionado com base na Lei Magnistky “por graves violações de direitos humanos”.

Da tarifa de 50% imposta ao país, a maior entre os países sancionados, “10% são comércio, e 40%, geopolítica”, segundo o representante de comércio dos EUA, Jamieson Greer, em entrevista à CBS News.

É evidente que não se chegará a um acordo só em bases comerciais, como os que estão sendo fechados com outros países. A solução terá que vir por meios políticos, o que passa pelos bastidores de Brasília e de Washington, além do Legislativo, a casa onde uma pacificação pode ser engendrada.

Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), em entrevista a Marcos de Moura e Souza, do Valor, reconhece que o Brasil está “numa pista à parte” e precisa ter acesso ao governo americano. Ele tem conversado com representantes do setor privado brasileiro em busca de alternativas e diz que há falta de personalidades com acesso privilegiado à Casa Branca.

O deputado Eduardo Bolsonaro é hoje, não há como negar, o político brasileiro com maior influência dentro do governo Trump. A condição para um acordo, diz ele, é um projeto de anistia aos condenados do 8 de janeiro. O assunto é hoje o que os americanos chamam de “third rail”, um tópico muito controverso para se tocar. Magalhães Pinto dizia que a política é como nuvem, o cenário pode mudar entre um olhar e outro. No entanto, ele não especificou nada sobre nuvens carregadas que demoram a se mexer com a rapidez que momentos críticos exigem. A polêmica prisão de Jair Bolsonaro mostra como o clima vem esquentando rapidamente, sem alívio à vista.

Entender o vaivém das nuvens não é uma habilidade normalmente associada aos empresários e executivos, ao contrário de seus pares de outras eras. Em entrevista à jornalista Maria Cristina Fernandes, do Valor, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, admitiu que o déficit comercial “não é um argumento” [para justificar as tarifas]. Ao mesmo tempo, diz que a questão política “não faz parte da pauta” de suas conversas com autoridades americanas. “Sou engenheiro”, disse. “Não tenho competência para discutir esses temas.”

O sucesso de Gomes Neto nas negociações, que colocou a Embraer na lista de isenções, pode sugerir um excesso de modéstia do executivo. A política brasileira já virou a cabeça de engenheiros, como no caso notório de Antônio Ermírio de Moraes, e situação inédita a que chegamos pode exigir uma mudança de postura, nem que seja só nos bastidores. Em conversas reservadas com Adriana Mattos, do Valor, representantes de entidades empresariais se mostraram irritados com as dificuldades do governo de abrir uma interlocução com os americanos, em meio a um jogo perigoso de dobrar a aposta, de trucar o oponente sem ter nenhuma “manilha” na mão, de olho nos movimentos eleitorais. Difícil acreditar que os donos do PIB não estejam tentados a brecar esse populismo desastrado disfarçado de defesa da soberania, já que não resta dúvida de que a conta vai bater no bolso do empresariado e dos trabalhadores.

E não é só Brasília que está de olho nas pesquisas. O tarifaço pegou a Faria Lima no meio da rave do “trade eleitoral”, que aposta numa opção à direita para 2026. O governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, e o do Paraná, Ratinho Júnior, estão entre os cotados para comandar a saída da polarização entre Lula e Bolsonaro.

Uma semana antes do anúncio das tarifas, em 9 de julho, a bolsa estava na máxima e o dólar chegava à mínima de um ano com a queda de popularidade de Lula e perspectivas de mudança no comando do Executivo.

O tarifaço de Trump misturou as cartas, ao dar alento à popularidade de Lula, porém não desacreditou por completo a meta do Ibovespa 170 pontos-plus. “A gente se prepara para qualquer situação que venha a enfrentar. Eu acho essa discussão de tarifas uma bobagem”, declarou o executivo-chefe do Banco XP, José Berenguer, no evento Expert XP, no fim de julho.

Defensor da tese da terceira via nas palestras que faz em gestoras e bancos, o analista eleitoral Roberto Reis propõe um “armistício”, que tire “três elefantes” da sala: o Supremo Tribunal Federal recua (anistia), Bolsonaro nomeia um candidato (Tarcísio ou Ratinho Jr.) e Lula desiste do quarto mandato. “Esse é meu cenário-base.”

 

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