O Globo
Quem ajuda Bolsonaro a se vitimizar é o
próprio Supremo, ao ignorar a contenção e escorregar nas cascas de banana
O próximo presidente do STF, Edson
Fachin, disse nesta semana que o “Supremo Tribunal Federal não é o árbitro
exclusivo do jogo democrático” e que “a vitalidade democrática brasileira exige
que todos os atores — Executivo, Legislativo, partidos, imprensa e sociedade
civil — atuem com contenção e dentro das regras do jogo”.
Não fosse o atual contexto político-criminal, a reflexão, feita numa palestra, poderia soar como uma obviedade sobre freios e contrapesos de democracias funcionais e independência dos Poderes, herança do Iluminismo francês prevista em nossa Constituição. Ela nos leva, porém, a uma incontornável discussão sobre a contenção dos Poderes. No caso, do próprio STF.
Sem o Supremo, possivelmente viveríamos hoje
num regime de exceção, conforme a tentativa de golpe denunciada pela PGR e
articulada por Bolsonaro e outros 33 réus da trama golpista. O risco foi
enorme, e a democracia brasileira ficou por um fio. Palmas para o STF.
Isso posto, a aplicação da lei e a defesa da
democracia num ambiente tão crítico quanto o atual não comportam gambiarras nem
jeitinhos — sabemos onde foram dar as movimentações heterodoxas promovidas
pelos operadores do Direito na Lava-Jato. Ao contrário. Quanto mais clara e
mais técnica uma decisão, mais protegidos estão juiz, Justiça e, em última
instância, democracia.
A decretação da medida cautelar que
restringiu a comunicação de Bolsonaro — o acesso a redes sociais dele ou às de
terceiros — se tornou munição contra a Corte. Agentes insuspeitos na defesa da
democracia, mesmo no STF, viram vício de origem na cautelar, cuja quebra,
depois, o levou à prisão domiciliar. Poderia ser decretada de ofício, sem
pedido da PGR (não se sabe se a PF a pediu, mas o ministro não cita
manifestação da polícia nesse sentido)? Ao não constar das cautelares diversas
da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, estaria
abarcada pelo poder geral de cautela do juiz? O escopo da medida, ao proibir a
comunicação, está amparado pela Constituição? O conteúdo da ligação de
Bolsonaro com Flávio, o Zero Um, é comprovadamente material “pré-fabricado” com
o intuito de coagir o Supremo?
Esses questionamentos se juntam a outros no
processo da trama golpista, como a mudança da regra do foro privilegiado,
tirando Bolsonaro da primeira instância e o levando ao STF, e o julgamento dele
por um quórum menor, a Primeira Turma, não pelo plenário — medidas referendadas
pela maioria da Casa.
As provas contra Bolsonaro colhidas pela PF
são sólidas. Não são necessárias engenharias para aplicação da lei contra ele.
“Ah, mas ele provocou deliberadamente o Judiciário para ser preso e se
vitimizar com isso.” O perfil medroso, apontado pelos próprios pares, torna
pouco provável a estratégia de vitimização que flerta, obrigatoriamente, com a
possibilidade de ele ir parar na Papuda. Quem tentou se esconder numa embaixada
na calada da noite e forçar amizade com o juiz em seu depoimento não parece
disposto a correr o risco de regime fechado.
Bolsonaro tenta se vitimizar, é fato. Mas
quem ajuda nisso, ao ignorar a contenção e escorregar nas cascas de banana, é o
próprio Supremo.
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