quinta-feira, 7 de agosto de 2025

A armadilha do STF- Julia Duailibi

O Globo

Quem ajuda Bolsonaro a se vitimizar é o próprio Supremo, ao ignorar a contenção e escorregar nas cascas de banana

O próximo presidente do STF, Edson Fachin, disse nesta semana que o “Supremo Tribunal Federal não é o árbitro exclusivo do jogo democrático” e que “a vitalidade democrática brasileira exige que todos os atores — Executivo, Legislativo, partidos, imprensa e sociedade civil — atuem com contenção e dentro das regras do jogo”.

Não fosse o atual contexto político-criminal, a reflexão, feita numa palestra, poderia soar como uma obviedade sobre freios e contrapesos de democracias funcionais e independência dos Poderes, herança do Iluminismo francês prevista em nossa Constituição. Ela nos leva, porém, a uma incontornável discussão sobre a contenção dos Poderes. No caso, do próprio STF.

Sem o Supremo, possivelmente viveríamos hoje num regime de exceção, conforme a tentativa de golpe denunciada pela PGR e articulada por Bolsonaro e outros 33 réus da trama golpista. O risco foi enorme, e a democracia brasileira ficou por um fio. Palmas para o STF.

Isso posto, a aplicação da lei e a defesa da democracia num ambiente tão crítico quanto o atual não comportam gambiarras nem jeitinhos — sabemos onde foram dar as movimentações heterodoxas promovidas pelos operadores do Direito na Lava-Jato. Ao contrário. Quanto mais clara e mais técnica uma decisão, mais protegidos estão juiz, Justiça e, em última instância, democracia.

A decretação da medida cautelar que restringiu a comunicação de Bolsonaro — o acesso a redes sociais dele ou às de terceiros — se tornou munição contra a Corte. Agentes insuspeitos na defesa da democracia, mesmo no STF, viram vício de origem na cautelar, cuja quebra, depois, o levou à prisão domiciliar. Poderia ser decretada de ofício, sem pedido da PGR (não se sabe se a PF a pediu, mas o ministro não cita manifestação da polícia nesse sentido)? Ao não constar das cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, estaria abarcada pelo poder geral de cautela do juiz? O escopo da medida, ao proibir a comunicação, está amparado pela Constituição? O conteúdo da ligação de Bolsonaro com Flávio, o Zero Um, é comprovadamente material “pré-fabricado” com o intuito de coagir o Supremo?

Esses questionamentos se juntam a outros no processo da trama golpista, como a mudança da regra do foro privilegiado, tirando Bolsonaro da primeira instância e o levando ao STF, e o julgamento dele por um quórum menor, a Primeira Turma, não pelo plenário — medidas referendadas pela maioria da Casa.

As provas contra Bolsonaro colhidas pela PF são sólidas. Não são necessárias engenharias para aplicação da lei contra ele. “Ah, mas ele provocou deliberadamente o Judiciário para ser preso e se vitimizar com isso.” O perfil medroso, apontado pelos próprios pares, torna pouco provável a estratégia de vitimização que flerta, obrigatoriamente, com a possibilidade de ele ir parar na Papuda. Quem tentou se esconder numa embaixada na calada da noite e forçar amizade com o juiz em seu depoimento não parece disposto a correr o risco de regime fechado.

Bolsonaro tenta se vitimizar, é fato. Mas quem ajuda nisso, ao ignorar a contenção e escorregar nas cascas de banana, é o próprio Supremo.

 

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