Valor Econômico
Ameaça bolsonarista contra Centrão devolve
protagonismo ao presidente
O 8 de janeiro dos paletós que ocupou o
Congresso Nacional sepultou de uma vez por todas o dueto entre bolsonaristas e
o Centrão que, até aqui, capitaneou os maiores emparedamentos do governo.
É a MP de isenção do IR que pode perder a
validade, mas o episódio, por paradoxal que possa parecer, marca a possibilidade
de o Executivo retomar a posse da bola. O bolsonarismo havia até respirado com
a prisão domiciliar do ex-presidente que fez com que um réu por tentativa de
golpe de Estado fosse exibido como paladino da liberdade de expressão. Ao
afrontar o comando das Casas, porém, os aliados do ex-presidente voltaram a
unir os três Poderes.
Com um Supremo Tribunal Federal ainda agastado pelas divisões em torno das decisões do ministro Alexandre de Moraes no caso e com os presidentes das Casas desafiados pelos próprios pares, é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem recobra, em pleno embate com o chefe de Estado mais poderoso do mundo, a posse da bola.
Quarenta e oito horas antes, quando o
ministro Alexandre de Moraes parecia o personagem que determinaria os rumos do
país no concerto das nações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou para
um ministro do STF. Estava preocupado com o impacto da prisão domiciliar de
Jair Bolsonaro sobre a capacidade de o filho do presidente mobilizar Trump por
novas medidas contra o Brasil. Ouviu dele que um recuo implicaria o avanço do
fascismo. A ocupação do Congresso lhe daria razão.
O desgaste de Moraes chegou a animar uma
parte do Centrão, que entabulou a derrubada das cautelares contra o senador
Marcos do Val (PL-ES) para evitar que o precedente abrisse espaço para as
decisões futuras do STF sobre as emendas parlamentares. A vida útil do
bolsonarismo como bucha de canhão, porém, durou pouco. A nova ordem ficou clara
quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ameaçou incluir os presidentes das
Casas, Davi Alcolumbre (União-AP) e Hugo Motta (Republicanos-PB), na Lei
Magnitsky. Foi a entrada de Donald Trump no jogo que mostrou a impossibilidade
de o dueto Centrão-bolsonarismo tocar pela mesma partitura.
Face à ameaça de extensão da Lei Magnitsky de
cônjuges de ministros do STF até presidentes das Casas Legislativas, só a União
poderia abarcar a defesa em nome do Estado. Moraes sinalizou que não tem, no
momento, interesse em que a União acione tribunais americanos, mas a
Advocacia-Geral da União formata a defesa em três frentes: a Corte
Internacional de Justiça, a relatoria especial para a independência de
magistrados da ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Como se está a lidar com um chefe de Estado
imprevisível nos seus instrumentos de coação, não se desprezam os meios a serem
usados nas duas categorias da Lei Magnitsky: afronta aos direitos humanos e
corrupção.
A manutenção da posse de bola por Lula
depende ainda de o governo colocar na rua o pacote que vai salvar quem está na
ponta da linha e vai pagar o preço do tarifaço. Depende ainda de sua capacidade
de arbitrar as disputas internas em torno das saídas do país deste imbróglio. A
artilharia dentro das muralhas do governo é tão intensa quanto aquela que cruza
a Praça dos Três Poderes. A começar pela defesa de uma posição mais negociada,
até com o acesso americano às reservas nacionais de minerais estratégicos,
contra uma postura mais ofensiva, que se valha de uma aproximação ainda maior
com os Brics. De um lado e do outro estão os ministros Fernando Haddad
(Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil), numa reedição de disputas imemoriais
arbitradas pelo presidente.
A proposta das terras raras é uma cenoura. O
Brasil tem a segunda reserva mundial, mas a extração, além de requerer
investimentos milionários, ainda tem problemas regulatórios pela frente. A
aproximação entre os países Brics obedece à lei da gravidade, até porque a
Índia passou a enfrentar um tarifaço que não esperava. China e Rússia,
diplomatas reconhecem, saem vitoriosas da investida trumpista, mas o bloco, ao
contrário do que se imagina, não se move de maneira coordenada. Apenas se
movimenta por iniciativa de um dos países, como se dará nesta quinta com o
telefonema de Lula ao primeiro-ministro Narendra Modi, informa a Reuters.
Da lavagem de roupa suja sobre a ausência de
contatos com o governo Trump, surgiu a proposta de um escritório da Apex na
capital americana. É uma maneira de responder à ausência de contratos do
governo brasileiro com escritórios de lobby, prática comum das representações
diplomáticas em Washington.
Dos subprodutos desta crise, o mais
embrionário é aquele que sugere uma nova vaga no STF. O patente desalento do
presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, com a ofensiva americana passou a
alimentar, nos Três Poderes, a expectativa de que o ministro venha a precipitar
sua aposentadoria ao entregar o comando do colegiado em setembro.
O subproduto mais discreto desta crise é a
tensão nas Forças Armadas com a perspectiva de interrupção da manutenção de
peças de equipamentos militares pelos Estados Unidos. A eventual extensão das
sanções para o acordo militar tem levado generais da caserna com grande
público, e que se mantiveram calados até aqui, a se manifestar nas redes da
chamada “família militar”. Ao contrário do 8 de janeiro, porém, não há surpresa
nos desdobramentos que impeçam aquele que retomou a posse da bola de agir
contra as tentativas de desestabilizar o país.
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