quinta-feira, 7 de agosto de 2025

O 8 de janeiro dos paletós devolve a bola para Lula - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Ameaça bolsonarista contra Centrão devolve protagonismo ao presidente

O 8 de janeiro dos paletós que ocupou o Congresso Nacional sepultou de uma vez por todas o dueto entre bolsonaristas e o Centrão que, até aqui, capitaneou os maiores emparedamentos do governo.

É a MP de isenção do IR que pode perder a validade, mas o episódio, por paradoxal que possa parecer, marca a possibilidade de o Executivo retomar a posse da bola. O bolsonarismo havia até respirado com a prisão domiciliar do ex-presidente que fez com que um réu por tentativa de golpe de Estado fosse exibido como paladino da liberdade de expressão. Ao afrontar o comando das Casas, porém, os aliados do ex-presidente voltaram a unir os três Poderes.

Com um Supremo Tribunal Federal ainda agastado pelas divisões em torno das decisões do ministro Alexandre de Moraes no caso e com os presidentes das Casas desafiados pelos próprios pares, é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem recobra, em pleno embate com o chefe de Estado mais poderoso do mundo, a posse da bola.

Quarenta e oito horas antes, quando o ministro Alexandre de Moraes parecia o personagem que determinaria os rumos do país no concerto das nações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou para um ministro do STF. Estava preocupado com o impacto da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro sobre a capacidade de o filho do presidente mobilizar Trump por novas medidas contra o Brasil. Ouviu dele que um recuo implicaria o avanço do fascismo. A ocupação do Congresso lhe daria razão.

O desgaste de Moraes chegou a animar uma parte do Centrão, que entabulou a derrubada das cautelares contra o senador Marcos do Val (PL-ES) para evitar que o precedente abrisse espaço para as decisões futuras do STF sobre as emendas parlamentares. A vida útil do bolsonarismo como bucha de canhão, porém, durou pouco. A nova ordem ficou clara quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ameaçou incluir os presidentes das Casas, Davi Alcolumbre (União-AP) e Hugo Motta (Republicanos-PB), na Lei Magnitsky. Foi a entrada de Donald Trump no jogo que mostrou a impossibilidade de o dueto Centrão-bolsonarismo tocar pela mesma partitura.

Face à ameaça de extensão da Lei Magnitsky de cônjuges de ministros do STF até presidentes das Casas Legislativas, só a União poderia abarcar a defesa em nome do Estado. Moraes sinalizou que não tem, no momento, interesse em que a União acione tribunais americanos, mas a Advocacia-Geral da União formata a defesa em três frentes: a Corte Internacional de Justiça, a relatoria especial para a independência de magistrados da ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Como se está a lidar com um chefe de Estado imprevisível nos seus instrumentos de coação, não se desprezam os meios a serem usados nas duas categorias da Lei Magnitsky: afronta aos direitos humanos e corrupção.

A manutenção da posse de bola por Lula depende ainda de o governo colocar na rua o pacote que vai salvar quem está na ponta da linha e vai pagar o preço do tarifaço. Depende ainda de sua capacidade de arbitrar as disputas internas em torno das saídas do país deste imbróglio. A artilharia dentro das muralhas do governo é tão intensa quanto aquela que cruza a Praça dos Três Poderes. A começar pela defesa de uma posição mais negociada, até com o acesso americano às reservas nacionais de minerais estratégicos, contra uma postura mais ofensiva, que se valha de uma aproximação ainda maior com os Brics. De um lado e do outro estão os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil), numa reedição de disputas imemoriais arbitradas pelo presidente.

A proposta das terras raras é uma cenoura. O Brasil tem a segunda reserva mundial, mas a extração, além de requerer investimentos milionários, ainda tem problemas regulatórios pela frente. A aproximação entre os países Brics obedece à lei da gravidade, até porque a Índia passou a enfrentar um tarifaço que não esperava. China e Rússia, diplomatas reconhecem, saem vitoriosas da investida trumpista, mas o bloco, ao contrário do que se imagina, não se move de maneira coordenada. Apenas se movimenta por iniciativa de um dos países, como se dará nesta quinta com o telefonema de Lula ao primeiro-ministro Narendra Modi, informa a Reuters.

Da lavagem de roupa suja sobre a ausência de contatos com o governo Trump, surgiu a proposta de um escritório da Apex na capital americana. É uma maneira de responder à ausência de contratos do governo brasileiro com escritórios de lobby, prática comum das representações diplomáticas em Washington.

Dos subprodutos desta crise, o mais embrionário é aquele que sugere uma nova vaga no STF. O patente desalento do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, com a ofensiva americana passou a alimentar, nos Três Poderes, a expectativa de que o ministro venha a precipitar sua aposentadoria ao entregar o comando do colegiado em setembro.

O subproduto mais discreto desta crise é a tensão nas Forças Armadas com a perspectiva de interrupção da manutenção de peças de equipamentos militares pelos Estados Unidos. A eventual extensão das sanções para o acordo militar tem levado generais da caserna com grande público, e que se mantiveram calados até aqui, a se manifestar nas redes da chamada “família militar”. Ao contrário do 8 de janeiro, porém, não há surpresa nos desdobramentos que impeçam aquele que retomou a posse da bola de agir contra as tentativas de desestabilizar o país.

 

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