Folha de S. Paulo
Apesar de erros, ministro não cede à cultura
política acomodatícia do país no processo de Bolsonaro e militares golpistas
O ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Alexandre de
Moraes causou grande alvoroço e afetação entre setores da
opinião pública, da direita e do bolsonarismo ao determinar
a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro por descumprimento de
medidas cautelares aprovadas pelo tribunal.
Chamado de censor e tirano, e alvo de uma
tremenda palhaçada de trumpistas no Congresso, o ministro pareceu de uma hora
para outra ser o inimigo público número um da livre expressão e da democracia
no Brasil.
O magistrado é muitas vezes tratado enviesadamente como se tomasse medidas apenas monocráticas, sem respaldo de colegiado da corte, ao sabor de seus humores. É certo que há reparos a fazer ao STF e particularmente a Moraes, cujo temperamento justiceiro, como já se comentou aqui, poderia e deveria ser domado. São muito escassas, além disso, para dizer o mínimo, as habilidades políticas por ele demonstradas.
Não é ruim, de qualquer modo, que reações
hipercríticas de zelo pela democracia venham à luz. Melhor do que o silêncio
suspeito que muitos dos indignados dedicam à letalidade e às violações de
direitos de cidadãos das periferias por parte da polícia paulista, sob os
auspícios do governador Tarcísio de Freitas, espécie de unicórnio político da
linhagem "bolsonarismo moderado".
Mas o que eu gostaria de especular, na
verdade, é até que ponto as reações flamejantes a Moraes refletem sobretudo o
medo ancestral do Brasil diante da ruptura, característica de nossa cultura
política, sempre a contemplar soluções acomodatícias, pelas quais tacitamente
todos podem fugir de suas responsabilidades.
Não é demais lembrar que somos o país dos
acordões e das saídas por cima, que consagrou a anistia ampla, geral e
irrestrita, premiando os porões da ditadura. O mesmo país em que elites
sôfregas e simpatizantes do golpe de 1964 bancaram Jair
Bolsonaro, criatura chocada naqueles porões –negando-se até mesmo a
discutir seu impeachment, quando eram clamorosas as justificativas.
Agora, quando evidências da trama golpista se
avolumam, o STF, de maneira inédita, não se intimida diante de generais
golpistas e pactos civis-militares. Moraes representa um sólido obstáculo a uma
nova rodada de indulgência. É o pavor da direita diante do pênalti.
Nenhum comentário:
Postar um comentário