Folha de S. Paulo
Conservadorismo do eleitor limita o que se
pode dizer em campanhas e fazer no governo
Não é de hoje a ideia de que no Brasil
predomina uma cultura política conservadora. Os políticos tradicionais dela
sempre tiraram inspiração para seus programas e discursos. Mas o assunto ganhou
fôlego quando a direita radical, em ascensão, alçou a segurança pública, assim
como os valores e comportamentos privados, para o primeiro plano da disputa com
os progressistas.
Baseado em pesquisas dos últimos 15 anos, o Instituto Ipsos-Ipec vem medindo, desde 2010, a força da disposição conservadora na população brasileira —um traço cuja existência poucos contestam.
Para tanto, criou o ICB (Índice do Conservadorismo Brasileiro), que agrega respostas a
cinco questões que se destacam no debate público e discriminam tanto visões
sobre a ordem pública como atitudes em relação a diferenças de comportamento na
vida privada. São elas: prisão perpétua para crimes hediondos; redução da maioridade
penal; pena de morte; casamento homoafetivo; legalização do aborto.
A mais notável conclusão do estudo é que o
índice pouco variou entre 2010, quando foi calculado pela primeira vez, e sua
última edição, recém-divulgada, a comprovar que capta efetivamente dimensões de
uma cultura política enraizada, não só opiniões circunstanciais.
As mudanças —ligeiras— seguiram diferentes
direções. De um lado, caiu o apoio ao casamento homoafetivo, ou seja, aumentou
a intolerância. De outro, caiu o percentual dos favoráveis à pena de morte,
hoje superados por aqueles que se lhe opõem. Sete em dez brasileiros são a
favor da prisão perpétua para crimes hediondos; quase a mesma proporção aprova
a redução da maioridade penal e três em quatro são contra a legalização do
aborto.
Em resumo, o valor atual do ICB continua
elevado. Quando se usa essa métrica, praticamente 49% dos entrevistados exibem
alto nível de conservadorismo, 44% ocupam posição intermediária, mais para
conservadora, e apenas 8% podem ser considerados progressistas. Há mínimas
diferenças por sexo, idade, região, renda, escolaridade, tamanho de município e
religião —evangélicos, por exemplo, são só ligeiramente mais conservadores que
católicos. No conjunto, porém, o conservadorismo, mais para o puro ou mais para
o brando, predomina amplamente.
Esse é o terreno onde rola o jogo da
política, onde partidos disputam simpatizantes, ativistas e, sobretudo, votos.
Ali é inegável a vantagem dos que jogam do meio do campo para a direita. Disso
é demonstração clara a composição dos governos locais; das Câmaras de
Vereadores; das Assembleias Legislativas e do Congresso Nacional. Neles a
direita sempre dominou a partida —muito antes que as emendas parlamentares
reforçassem o caixa dos partidos e das prefeituras.
Mas a estabilidade do ICB, ao longo do tempo,
mostra também que a presença de uma cultura política conservadora não impediu a
vitória de coalizões de centro-esquerda em âmbito nacional. Em 2010, 2014 e
2022, pelo menos uma parcela dos brasileiros portadores de atitudes
conservadoras votou nos candidatos presidenciais do PT, atraídos por outros
apelos mais fortes. De toda forma, o predomínio do conservadorismo no
eleitorado é um freio para o que se pode dizer nas campanhas e o que se pode
fazer no governo.
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