quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Protecionismo não só para o comércio - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

É pouco dizer que o presidente Donald Trump abandonou a defesa e a prática do livre comércio, um dos fundamentos da doutrina neoliberal capitalista. Ele passou a usar o até recentemente inominável protecionismo do sistema produtivo e do comércio global para outras finalidades, como base de seu jogo político e geopolítico.

Ao contrário do que vinham afirmando alguns analistas, que previram um tiro no pé com o tarifaço, o presidente Trump tem obtido inegável sucesso, pelo menos até agora. Países e blocos de países poderosos têm engolido, com certo conformismo, a imposição de tarifas alfandegárias predatórias sobre sua economia. E, se o bumerangue se voltar contra a economia dos Estados Unidos, isso pode levar algum tempo.

A Organização Mundial do Comércio (OMC), que substituiu o antigo Gatt, foi criada e defendida com enorme empenho por administrações anteriores para ser o xerife do comércio global, garantir o livre comércio e coibir práticas protecionistas não tarifárias. No entanto, agora é o próprio governo dos Estados Unidos que passou a boicotar a OMC, a ponto de torná-la quase inoperante.

O pacote de tarifas do presidente Trump não se limita a regular o comércio dos Estados Unidos para cumprimento do fluxo desejado de mercadorias

GUERRA COMERCIAL e serviços. Também passou a ser usado como arma estratégica para o cumprimento de objetivos geopolíticos. Da União Europeia, por exemplo, passou a exigir o aumento das despesas com defesa, a ponto de empurrar a Alemanha de volta ao rearmamento. A Índia vem sendo punida porque importa petróleo da Rússia e o revende com lucro. E não para por aí. Trump já ameaçou que vai impor mais tarifas, caso a Rússia não cumpra um acordo de cessar-fogo com a Ucrânia.

O Brasil levou o tarifaço porque Trump não gostou da proposta do presidente Lula de usar as moedas dos países do Brics para liquidar pagamentos entre eles. E, também, por represália ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes. Isso não passa de uso da política tarifária americana para intervenção político-eleitoral em outro país.

O fato de Trump estar arrancando a submissão praticamente passiva dos demais países não significa que, a longo prazo, não sobrevenham prejuízos. O regime de livre comércio não é um demiurgo que, às vezes, é do bem e, outras, do mal. Desde Adam Smith, sabemos que é a melhor garantia de benefícios entre os países que o praticam. Para Trump, foi o regime que afundou a economia dos Estados Unidos e que, portanto, tem de ser revogado.

No entanto, mais cedo ou mais tarde, esse protecionismo exacerbado de Trump vai corroer a competitividade do produto americano, tende a produzir inflação e a minar a função de reserva de valor do dólar. Sem falar que esses movimentos heterodoxos tendem a enfraquecer a democracia e a liderança dos Estados Unidos no mundo. •

 

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