O Estado de S. Paulo
É pouco dizer que o presidente Donald Trump
abandonou a defesa e a prática do livre comércio, um dos fundamentos da
doutrina neoliberal capitalista. Ele passou a usar o até recentemente
inominável protecionismo do sistema produtivo e do comércio global para outras
finalidades, como base de seu jogo político e geopolítico.
Ao contrário do que vinham afirmando alguns analistas, que previram um tiro no pé com o tarifaço, o presidente Trump tem obtido inegável sucesso, pelo menos até agora. Países e blocos de países poderosos têm engolido, com certo conformismo, a imposição de tarifas alfandegárias predatórias sobre sua economia. E, se o bumerangue se voltar contra a economia dos Estados Unidos, isso pode levar algum tempo.
A Organização Mundial do Comércio (OMC), que
substituiu o antigo Gatt, foi criada e defendida com enorme empenho por
administrações anteriores para ser o xerife do comércio global, garantir o
livre comércio e coibir práticas protecionistas não tarifárias. No entanto,
agora é o próprio governo dos Estados Unidos que passou a boicotar a OMC, a
ponto de torná-la quase inoperante.
O pacote de tarifas do presidente Trump não
se limita a regular o comércio dos Estados Unidos para cumprimento do fluxo
desejado de mercadorias
GUERRA COMERCIAL e serviços. Também passou a
ser usado como arma estratégica para o cumprimento de objetivos geopolíticos.
Da União Europeia, por exemplo, passou a exigir o aumento das despesas com
defesa, a ponto de empurrar a Alemanha de volta ao rearmamento. A Índia vem
sendo punida porque importa petróleo da Rússia e o revende com lucro. E não
para por aí. Trump já ameaçou que vai impor mais tarifas, caso a Rússia não
cumpra um acordo de cessar-fogo com a Ucrânia.
O Brasil levou o tarifaço porque Trump não
gostou da proposta do presidente Lula de usar as moedas dos países do Brics
para liquidar pagamentos entre eles. E, também, por represália ao julgamento do
ex-presidente Jair Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes. Isso não passa
de uso da política tarifária americana para intervenção político-eleitoral em
outro país.
O fato de Trump estar arrancando a submissão
praticamente passiva dos demais países não significa que, a longo prazo, não
sobrevenham prejuízos. O regime de livre comércio não é um demiurgo que, às
vezes, é do bem e, outras, do mal. Desde Adam Smith, sabemos que é a melhor
garantia de benefícios entre os países que o praticam. Para Trump, foi o regime
que afundou a economia dos Estados Unidos e que, portanto, tem de ser revogado.
No entanto, mais cedo ou mais tarde, esse
protecionismo exacerbado de Trump vai corroer a competitividade do produto
americano, tende a produzir inflação e a minar a função de reserva de valor do
dólar. Sem falar que esses movimentos heterodoxos tendem a enfraquecer a
democracia e a liderança dos Estados Unidos no mundo. •
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