quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Elite econômica é conivente com a agressão de Trump e dos Bolsonaro – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

No curto ou no longo prazo, não se vê ação para conter destruição institucional

Vamos supor que Donald Trump decida agredir o Brasil um tanto mais, como acaba de fazer com a Índia e como o faz com o Canadá: por política imperial. Suponha-se que impostos de importação aumentassem para níveis de embargo caso o Brasil continuasse a comprar diesel ou fertilizante russos.

O que fazer? Dar o comércio com os Estados Unidos como perdido (o que também afetaria investimentos aqui) e manter as compras russas? O que diriam empresas que exportam para os EUA? Aceitariam o custo de o Brasil manter as importações críticas de fertilizantes? Essas são as ameaças de hoje. Mas o mundo de Trump e suas sequelas vão durar.


Sendo Trump quem é, pode dar em nada. E se der? Os empresários disputarão o favor de uma decisão comercial do governo brasileiro, que ficaria entre perder dedos ou anéis, colares ou pescoço? Se o país escapar desse risco drástico, novos virão.

Fernando Haddad disse que empresários e governadores de direita têm de parar de fingir de mortos e fazer pressão sobre os Bolsonaro, que atiçam Trump contra o Brasil. É, teriam de acordar, embora no curto prazo isso não desse em nada.

Os Bolsonaro não vão desistir de seu projeto de destruição da democracia, da razão, da decência e da economia —fazem qualquer negócio por eles mesmos. Na hipótese fantástica de que se comovessem, dificilmente demoveriam Trump. Empresários não têm tal influência política imediata, de resto. As direitas não vão abrir mão de votos bolsonaristas.

Isto posto, a elite que não quer dar trela para a destruição tem de pensar na vida. Parte dela o fez em agosto de 2022, em manifestações contra o golpe bolsonarista. Essa elite culpa o governo Lula por não se preparar para a agressão trumpista (o que é verdade), por fazer política "Sul Global", por ser amigo de Brics etc. Podem achar o quiserem, embora o fator preponderante da agressão tenha sido a conspiração dos Bolsonaro. Mais importante, porém, não é essa conversa circunstancial, embora grave.

Primeiro, tiranos não têm limites, bidu. O empresário deveria pensar que o ditador e sua gangue podem tomar o dinheiro dele, ou chantageá-lo. Vide Rússia, Venezuela, Hungria, a ditadura de 1964-1985. Se não tiverem motivo decente, pensem: os Bolsonaro e seus cúmplices não têm limite mesmo sem poder formal. Segundo, na hipótese de destruição institucional e democrática, esperam o quê? Um regime chinês, de máfias "liberais", "autocracia" húngara?

Terceiro, decerto o Brasil está mal preparado para enfrentar Trump e o ainda mais detestável mundo novo que virá. Não conseguimos arrumar nem coisas elementares como política macroeconômica; estamos mal preparados das relações exteriores à economia. Não temos política de desenvolvimento (regulação, ciência, pesquisa, formação, intervenções comedidas e viáveis) em minérios, energia, novas tecnologias, produtividade em serviços etc. Mesmo no caso do agro, corremos risco de ficar sem fertilizantes ou mercados invadidos na base do porrete de Trump.

O despreparo tem a conivência da elite econômica. Parte dessa elite vive de favor estatal, estragou parte da reforma tributária, contribui para a baderna do setor elétrico, adora protecionismo. É conivente com a elite política bucaneira e negocista; acha que, para se livrar de Lula, vale a pena bancar essa ficção do bolsonarismo moderado.

Acordem.

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