Quando se quer escrever a história de um
partido político, deve-se enfrentar na realidade toda uma série de problemas
muito menos simples do que aqueles imaginados, por exemplo, por Robert Michels,
considerado um especialista no assunto O que é a história de um partido? Será a
mera narração da vida interna de uma organização política, de como ela nasce,
dos primeiros grupos que a constituem, das polêmicas ideológicas através das
quais se forma seu programa e sua concepção do mundo e da vida? Tratar-se ia,
neste caso, da história de grupos intelectuais restritos e, em alguns casos, da
biografia política de uma individualidade singular. Portanto, a moldura do
quadro deverá ser mais ampla e abrangente. Será preciso escrever a história de
uma determinada massa de homens que seguiu os iniciadores, sustentou-os com sua
confiança, com sua lealdade, com sua disciplina, ou que os criticou
"realisticamente", dispersando-se ou permanecendo passiva diante de
algumas iniciativas. Mas será que esta massa é constituída apenas pelos adeptos
do partido? Será suficiente acompanhar os congressos, as votações, etc., isto
é, todo o conjunto de atividades e de modos de existência através dos quais uma
massa de partido manifesta sua vontade? Evidentemente, será necessário levar em
conta o grupo social do qual o partido é expressão e a parte mais avançada: ou seja,
a história de um partido não poderá deixar de ser a história de um determinado
grupo social. Mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins, adversários,
inimigos. Somente do quadro global de todo o conjunto social e estatal (e, frequentemente,
também com interferências internacionais) é que resultará a história de um
determinado partido; por isso, pode-se dizer que escrever a história de um
partido significa nada mais do que escrever a história geral de um país a
partir de um ponto de vista monográfico, pondo em destaque um seu aspecto característico.
Um partido terá maior ou menor significado e peso precisamente na medida em que
sua atividade particular tiver maior ou menor peso na determinação da história
de um país. Desse modo, é a partir do modo de escrever a história de um partido
que resulta o conceito que se tem sobre o que é um partido ou sobre o que ele
deva ser. O sectário se exaltará com os pequenos fatos internos, que terão para
ele um significado esotérico e o encherão de entusiasmo místico; o historiador,
mesmo dando a cada coisa a importância que tem no quadro geral, acentuará
sobretudo a eficiência real do partido, sua força determinante, positiva e negativa,
sua capacidade de contribuir para a criação de um acontecimento e também para
impedir que outros acontecimentos se verificassem.
*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere. V.3 P.87. Civilização Brasileira, 207
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