segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Para cobrar de Paes

As principais promessas feitas pelo candidato durante a campanha:
TRANSPORTE
1. Implantar o bilhete único, que permite ao usuário pegar mais de uma condução pagando só uma tarifa. Mas o sistema terá de se sustentar sozinho. "Não vou subsidiar empresas de ônibus".
2. Licitar as cerca de 400 linhas de ônibus do município e reorganizar o sistema.
3. Legalizar e licitar as linhas de vans, e regulamentar o transporte complementar.
4. Ajudar o estado a implantar a linha 4 do metrô, da Barra a Botafogo (orçada em R$1,2 bilhão).
5. Ajudar o estado a implantar o novo trajeto da linha 2 do metrô, para evitar baldeação no Estácio.
6. Fazer a ligação entre a Barra e os subúrbios de Madureira e Penha, por meio de ônibus articulados, o projeto T-5.
7. Pôr limites de velocidade diferentes à noite em áreas consideradas de risco. Também substituir os pardais por lombadas eletrônicas, visíveis. Sincronizar os sinais de trânsito.
8. Renovar a frota de ônibus para dar acesso aos deficientes.
9. Ajudar a Supervia a adquirir novos trens.
10. Regulamentar os pontos de embarque e desembarque de vans e reduzir a taxa do Darm (Documento de Arrecadação Municipal) das vans.
11. Dar meia-passagem a universitários. Criar passe livre para pessoas com tratamento continuado na rede municipal de saúde.
12. Expandir os postos GNV.
TRIBUTOS
13. Não aumentar o IPTU. Engordar a receita por meio da base de arrecadação.
14. Implantar a nota fiscal eletrônica, que permite acompanhar on line a emissão de comprovantes que geram arrecadação de ISS. O sistema é um meio de aumentar a arrecadação sem subir impostos.
15. Criar parcerias com os governos estadual e federal visando dar incentivos fiscais às empresas que empregarem o deficiente.
16. Reduzir o ISS das áreas de tecnologia, turismo e seguros. Dar benefícios tributários às cooperativas de táxi.
EDUCAÇÃO
17. Acabar com a aprovação automática nas escolas da rede municipal de ensino.
18. Aumentar a rede de creches, triplicando o número de vagas. Oferecer 160 mil vagas nas pré-escolas, colocando todas as crianças de 4 e 5 anos.
19. Usar clubes e áreas afins para atividades extracurriculares de alunos da rede municipal.
20. Instituir aulas de reforço em todas as escolas municipais, contratar mais professores e investir em qualificação e remuneração.
21. Criar o Pró-Técnico, de bolsas em cursos técnicos.
22. Ampliar a rede de vilas olímpicas e criar programas de prevenção às drogas nas escolas.
23. Ampliar o Ônibus da Liberdade (transporte gratuito a alunos).
24. Criar o Fundo Municipal de Apoio à Pesquisa.
LIXO
25. Não levar o aterro sanitário para Paciência.
26. Criar um programa de reciclagem de lixo.
FAVELAS
27. Aproveitar áreas abandonadas ao longo da Av. Brasil para construir unidades habitacionais.
28. Ampliar o PAC das Favelas nos grandes complexos, como Lins e Penha.
29. Continuar o Favela-Bairro, com adaptações para retomar a concepção original.
30. Ampliar os Pousos para fiscalizar construção em favelas. "Não vou permitir novas ocupações".
31. Para ter o apoio do candidato derrotado do PRB, Marcelo Crivella, prometeu implementar o Cimento Social, com adaptações.
32. Pôr em prática o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, para aplicar R$50 milhões, por ano, no financiamento de cem mil casas populares. Os recursos seriam garantidos com a parceria entre estado e União, além do apoio da iniciativa privada.
SAÚDE
33. Ampliar o Programa Saúde da Família, que no Rio, hoje, tem cobertura de apenas 7%. Criar 60 consultórios de Saúde da Família, funcionando em três turnos.
34. Construir 40 Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) 24 horas, com cinco milhões de atendimento por ano, retirando das filas dos hospitais 20 mil pessoas/dia. Méier e Madureira ganharão as primeiras UPAs.
35. Colocar os postos de saúde abrindo às 6h e fechando às 20h, com plantão permanente de clínicos, pediatras e ginecologistas.
36. Criar um gabinete integrado contra a dengue e um plano emergencial de combate ao mosquito. Contratar, logo, 1.850 agentes de saúde para isso. Postos de saúde e todas as unidades de saúde poderão fazer exame de sangue para diagnosticar a doença.
37. Assumir o papel de gestor pleno da saúde no município.
38. Criar um programa de atendimento domiciliar ao idoso. Criar 20 centros de convivência dos idosos. Readequar as instalações dos centros de saúde municipais pondo rampas, elevadores e outras facilidades.
39. Transformar postos de saúde em Clínicas da Família, com pediatria, ginecologia e odontologia.
40. Ampliar o programa Remédio em Casa para pacientes crônicos.
41. Construir o Hospital da Mulher, em Realengo; uma maternidade em Campo Grande, além de reativar a antiga Maternidade Leila Diniz. As gestantes que fizerem seis consultas de pré-natal vão receber um documento garantindo a maternidade onde terão o filho.
42. Construir cinco centros de reabilitação para deficientes.
43. Criar 150 equipes do Programa de Atendimento Domiciliar ao Idoso (PADI) e implantar 20 Lares do Idoso.
44. Criar 50 equipes multidisciplinares nas escolas, com pediatra, ginecologista, oftalmologista, dentista, psicólogo, fonoaudiólogo e assistente social.
45. Converter unidades de saúde do município em Centros de Referência da Saúde da Mulher, com criação de cinco destes centros.
46. Criar o Hospital do Idoso, na Tijuca.
47. Melhorar o Hospital de Acari e o Paulino Werneck (com obras começando em 2009), aumentar o atendimento do Salgado Filho e do PAM do Méier, além de reequipar todos os hospitais municipais, contratando mais médicos e enfermeiros.
48. Criar três centros de referência para obesos.
ORDEM
49. Criar uma Secretaria de Ordem Pública, para o ordenamento e o combate a pequenos delitos. No início, vai priorizar a Tijuca.
50. Criar corredores iluminados nas áreas que concentram bares e restaurantes, como a Lapa. A Guarda Municipal combaterá os flanelinhas.
51. Adaptar os espaços públicos de lazer aos deficientes.
52. Recuperar e conservar a pavimentação das ruas.
53. Iluminar adequadamente as ruas, em particular os acessos aos corredores de transporte público, aos pontos de ônibus e às estações de trem e metrô.
54. Propor à Câmara um novo Plano Diretor.
55. Construir novos abrigos para população de rua.
56. Criar um centro de cidadania em Bangu. 5
7. Criar um mergulhão sob a linha do trem de Madureira.
58. Adotar o projeto Cidade Limpa, de São Paulo, para limitar a publicidade nas ruas.
CAMELÔS
59. Ordenar, regularizar as áreas em que pode haver camelôs, dar licença e fiscalizar. Mas "a Guarda Municipal não vai bater em camelô". APACs
60. Manter as Apacs, com as normas que protegem casarões e prédios de interesse cultural. Serão complementadas com estudos de impacto de vizinhança para construções em áreas adensadas.
ADMINISTRAÇÃO
61. Manter todos os benefícios do governo atual aos servidores municipais, como carta de crédito, plano de saúde, não cobrança da contribuição previdenciária dos inativos, e dar reajuste salarial anual. Não unir a previdência municipal à do estado.
62. Criar um sistema de acompanhamento orçamentário municipal pela sociedade. Discutir o orçamento cidadão, uma versão do orçamento participativo.
63. Instituir a Secretaria municipal da Mulher.
TURISMO E MEIO AMBIENTE
64. Levar saneamento básico a 100% da Zona Oeste em parceria com o governo do estado.
65. Recuperar as praias da Baía de Sepetiba, e as lagoas da Barra e de Jacarepaguá. Dragar os canais. Retomar o projeto Guardiões dos Rios, que contrata mão-de-obra comunitária para atuar na limpeza dos rios da cidade.
66. Implantar o projeto de reflorestamento Guardiões das Matas
67. Articular com investidores privados a construção e a concessão de um centro de convenções no Aterro do Flamengo. Estimular a expansão da rede hoteleira na Barra da Tijuca. Dinamizar o Centro de Convenções da Cidade Nova.
68. Transformar o Porto e o entorno do Maracanã em áreas turísticas. Investir na promoção da cidade no país e no exterior.
69. Transformar Copacabana em capital brasileira do turismo de terceira idade.
70. Captar recursos para despoluir a bacia de Jacarepaguá.
SEGURANÇA
71. Treinar a Guarda Municipal para trabalhar em cooperação com a polícia. A Guarda terá poder de polícia para combater o pequeno delito, terá seu efetivo aumentado e trabalhará 24 horas.
72. Reformular a Guarda Municipal com o fim do regime celetista, e aumento do efetivo, além de redistribuição da força pela cidade (ênfase na Zona Norte).
73. Equipar o efetivo da Guarda Municipal com armas não-letais e rádios de comunicação.
74. Valorizar as subprefeituras e redefinir seus limites de modo que coincidam com as Áreas Integradas de Segurança Pública.
75. Ampliar o programa Bairro Bacana em parceria com o governo do estado, priorizando áreas com alto índice de crimes de rua.
76. Multiplicar o número de câmeras de vigilância nos principais acessos aos pontos turísticos. Criar um corredor de segurança para o turismo.
77. Criar em parceria com o governo do estado uma nova Delegacia de Atendimento ao Idoso em Copacabana.
78. Apoiar iniciativas de combate à homofobia.
CULTURA E ESPORTE
79. Criar o Incentivo Jovem, para identificar iniciativas culturais e esportivas.
80. Criar um parque de lazer em Madureira. Recuperar o Imperator, no Méier.
81. Manter a terceirização da gestão do carnaval, licitando-a.
82. Conceder a Cidade da Música à iniciativa privada.
83. Criar um calendário cultural, tendo, a cada mês, 12 grandes eventos.

Saldos de primavera


Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Pode-se dar de barato que o presidente Lula embarcou, por precipitação, na canoa furada de Marta Suplicy. Tem direito a desconto ao chegar da restauradora viagem ao exterior, aonde foi conferir de perto a crise alheia em relação ao otimismo nacional. Lula chegou com a cabeça cheia de contradições e encontrou Marta Suplicy maltratada pelos números. Precisava cuidar da eterna prestadora desse serviço e zelar pelas relações internas da coalizão de partidos unidos pelo governismo submisso e separados pelos interesses insatisfeitos. No centro da coalizão, Lula é obrigado a suportar o PMDB o tempo todo. Os candidatos do peito presidencial conseguiram sair com escoriações leves, exceto em São Paulo. Estava com a cabeça longe quando garantiu que "a Marta vai ganhar".

Lula tem a vantagem de aprender com os próprios erros e, principalmente, com os alheios. É o saldo da humildade ressentida desde a infância. Seria talvez melhor que tivesse percebido na eleição municipal a maior intimidade entre eleitor e candidato (vida pública ou particular). Quem sabe desistisse da ilusão de que sucessão presidencial possa ter alicerces em eleição municipal.

Nada menos de 95 parlamentares abriram parêntese em seus mandatos e se apresentaram para revitalizar a relação federal com o eleitor municipal. Sabem todos onde acaba uma e começa a outra, e não só respeitam a diferença como recomendam a cura de uma derrota com uma vitória, nem que seja municipal: "Similia similibus curantur" – garante que, traduzido em bom português, tudo se cura com mais do mesmo. Insucesso eleitoral se trata com votos, a pomada dos deuses. Nada menos de 67 dos 97 parlamentares federais, candidatos a prefeito e vice, foram rejeitados pelo eleitorado local. E não foi apenas porque o mandato representativo está em baixa. Outros 15 ficaram para o segundo turno, que corresponde ao falecido exame de segunda época.

Dos senadores e deputados aprovados no primeiro turno, 11 são da base em que o presidente Lula pratica o chamado equilíbrio instável. A maior parte estava de olho na eleição de 2010, para renovar o Congresso sem mudar mais do que o estritamente necessário, além da cota dos mortos. O horário eleitoral gratuito é esporte cívico custeado com dinheiro do próprio eleitor.

Nenhum dos três senadores que se habilitaram se destacou nesta eleição municipal. O melhorzinho ficou em terceiro lugar no primeiro turno, e nem chegou ao segundo. Em São Paulo, dos 11 parlamentares que disputaram a eleição municipal, só dois se elegeram. Paulo Maluf teve menos votos para prefeito do que para candidato a deputado estadual.
Na outra ponta da diferença que separa eleição municipal de eleição federal localizam-se os prefeitos que se candidataram ao próprio lugar. Dois terços conseguiram. Confirma-se que reeleição bem trabalhada não depende da qualidade da administração. Ponto contra a reeleição.

Portanto, quem mudou não foi ainda o Brasil. O PT, muito menos. Mas Lula é outro. Está aí para o que der e vier. Se mudar muito, estraga. De vez em quando, alguém retira a reforma política da gaveta, espana a poeira, e o assunto se reanima como moribundo para receber a visita da saúde. Quem é que admite desidratar o feixe de privilégios do mandato parlamentar? Nada mais confortável do que irrigar com dinheiro público e contabilidade invisível os canteiros de votos.

Menos da metade dos 125 candidatos a prefeito e vice integra a famosa lista suja. Mais ou menos uns 45 dos que se apresentaram com a honra manchada não se elegeram. Por que não se criam cursos de preparação para candidatos de primeira viagem e não se adota a prática criada em Roma, onde os candidatos se vestiam de branco para pedir voto na rua, precedidos de um escravo que, na função de alto-falante, exaltava a honradez no exercício do mandato?

Candidato vem exatamente de cândido.


Da relação dos nomes que, mesmo sob investigação, se habilitaram a prefeito e vice em 95 municípios, 125 respondem a processo. Um bom começo. O TSE lançou a operação que, apesar das limitações legais (e, sobretudo, farisaicas), prenunciam avassaladora onda moral em formação na sociedade. Atrás das grades, uma candidata se elegeu vereadora no Rio. Não é possível deixar o veto para depois de eleito. O primeiro passo trouxe a questão até aqui. Agora, é com a opinião pública.

Um Titanic do capitalismo moderno...

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Há um risco de recessão na economia mundial - é o que se ouve da maioria dos âncoras das TVs e da maioria dos comentaristas de economia.

Infelizmente, estão enganados. Não há risco de recessão. O que há é certeza de depressão na economia mundial. Empresas e empregos já são desativados no mundo todo. A pergunta agora é só uma: quão intensa e por quanto tempo?

A resposta só pode ser dada pelo mesmo fator mágico e fugidio que desatou o processo depressivo: confiança! - como e quando for restaurada.

Não adianta os governos do mundo despejarem catadupas de dinheiro, à guisa de tábuas de salvação, no mar revolto da desconfiança, para que pessoas e empresas nelas se agarrem. São apenas isso: tábuas no mar. Algumas empresas e algumas pessoas se agarrarão e ficarão boiando até que a borrasca se acalme. Uma grande quantidade de empresas e pessoas se afogará. É o Titanic soçobrante da economia moderna.

O governo brasileiro braceja descabeladamente para escorar bancos, indústria automobilística, salvar construtoras endividadas, usinas de açúcar e álcool e estimular exportadoras. E há no governo quem veja na crise oportunidade de ouro para reestatizar de novo a economia, com o Grande Irmão, o Estado, tudo controlando. Mas ninguém acredita que as tábuas são em número suficiente para manter a maior parte da economia mundial flutuando. Esse é o efeito mais grave da perda de confiança: a certeza de que as coisas vão piorar. E que leva todos - investidores individuais e empresas - a jogarem na retranca, tentando evitar qualquer tipo de risco.

Ora, todo mundo sabe que o que move a economia capitalista e a faz andar para a frente é, basicamente, a aceitação de alguma dose de risco - pequenina, pequena, média, grande, enorme, audaciosa, irracional, enfim, é nesse mix de riscos de todos os tamanhos e qualidades que o capitalismo surfa. A economia comunista não prosperava porque proibia o risco. No capitalismo, quando uma enorme aversão ao risco toma conta de todas as cabeças, o efeito é quase o mesmo: a economia empaca. O que estimula a aceitação do risco é a confiança de que as coisas vão melhorar. Inversamente, o que estimula a aversão ao risco é a crença de que vão piorar - que prolifera no momento. Por isso, essas decisões atabalhoadas dos governos são inúteis, pois a confiança se esvaiu. E nem as boas novas funcionam: a Vale do Rio Doce anuncia lucro astronômico, com quase 170% de aumento em um ano, e suas ações vão para o brejo. Por quê? Porque falta confiança nos seus lucros futuros.

E o que, em última análise, dá origem a essa onda mundial de aversão ao risco, que está travando o crédito, retraindo os negócios, levando empresas à falência, fechando empregos e tornando o mar cada vez mais revolto? É fundamentalmente a falta de informação, de conhecimento dos fatos que permitiriam calcular riscos. A verdade verdadeira é que ninguém sabe qual é o valor do passivo a descoberto. Será que o dinheiro dos governos vai dar para the big rescue (o grande resgate)? Impossível responder. Na dúvida, retranca!

A grande ironia é que, no encantado e decantado mundo da informação eletrônica instantânea, a informação que conta é escassa. Bancos de fama internacional não sabem quanto emprestaram, não sabem quanto valem os seus créditos, não sabem de quanto precisarão para se equilibrar. Financiadoras de casas nos EUA não sabem nem mesmo quem está devendo e quem está pagando em dia. O banco central da União Européia não sabe como está a situação do sistema bancário em cada um dos países membros. A crise está revelando que o pomposo sistema financeiro mundial é uma verdadeira “zona” - para usar a linguagem direta do povo - em matéria de informações confiáveis.

Uma evidência até desconcertante desse estado de coisas foi o descalabro da União de Bancos Suíços (UBS), país sede do Bank for International Settlements (BIS), chamado de “banco central dos bancos centrais” na imprensa e em parte responsável por ditar regras de higidez financeira para os bancos do mundo todo, as chamadas regras de Basiléia (I e II). Onde andam os “gnomos de Zurique”, que, antes da informática, de tudo sabiam? O governo do Brasil foi um dos poucos no mundo que estipularam para o seu sistema bancário regras até mais rigorosas do que aquelas - o que talvez tenha assegurado aos bancos brasileiros, na atual situação, um nível de higidez financeira melhor que o da média internacional.

A crise demonstra também que a auto-regulação, o controle prudencial, voluntariamente estabelecido e implementado nas instituições financeiras, não funciona. A regulamentação das operações bancárias tem de ser imposta, de fora para dentro, pelas leis. Ruim com ela, pior sem ela, pois mesmo com ela muitos banqueiros não resistem a se desgarrar da ordem unida e partir para jogadas arriscadas com o dinheiro dos outros, porque o dinheiro dos bancos é sempre dos outros.

Alan Greenspan dizia, na semana passada, que “aqueles de nós que acreditaram que o interesse próprio das instituições de crédito protegeria as ações dos seus acionistas - especialmente, eu mesmo - estão em estado de choque”.

Não estariam se lembrassem que os CEOs modernos pouco se lixam para o “interesse próprio” da empresa, por sua solidez, por seu futuro ou pelo patrimônio dos acionistas. Cuidam de valorizar e fazer render os papéis da empresa, que lhes garantem polpudas bonificações, comissões e remunerações, e não ela própria. Esses dirigentes de empresas que autorizaram operações de alto risco desfrutaram dos rendimentos obtidos durante a bonança, mas não pagarão pelos percalços do temporal. Isso só acontecia com os antigos capitalistas que faliam e se sentiam desmoralizados. Os de hoje aplicam em papéis, não em negócios.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

Três partidos


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


WASHINGTON - É lenta, porém contínua, a depuração da democracia brasileira. Desde 1982, freqüentaram as eleições no país 72 partidos políticos. Agora, o quadro afunilou. O número de legendas atual flutua abaixo de 30, embora o cenário real seja mais enxuto.

Nas eleições municipais concluídas ontem, só três partidos emergiram nacionalizados: PMDB, PT e PSDB. A trinca domina dois terços do G-79 -as 26 capitais e 53 cidades com mais de 200 mil eleitores.

Outro indicador é o desempenho nacional nas disputas municipais.

Em 2000, os candidatos a prefeito de PMDB, PT e PSDB somados tiveram 46% de todos os votos do país. Em 2004, o percentual pulou e foi a 49%. Agora, avançou mais um pouquinho para atingir a emblemática marca dos 50%.

Diferentemente de PMDB, PT e PSDB, nenhuma das outras agremiações políticas pode ostentar o título de partido nacional. Têm vida própria aqui e ali, mas dependem de sucessos regionais esporádicos. É o caso do DEM (ex-PFL). O excepcional desempenho de Gilberto Kassab na capital paulista não confere ainda à sigla passe livre para cobiçar o poder federal em 2010 -nem mesmo o estadual.

Não que os três maiores partidos brasileiros sejam perfeitos ou modelos de associação política. Estão longe desse nirvana. Mas é inegável sua consolidação nacional. Ninguém duvida, por exemplo, que em 2010 haverá na urna eletrônica candidatos a presidente competitivos do PT e do PSDB. O PMDB, maior de todos, sofre de complexo de inferioridade e só aspira a indicar um candidato a vice.

É ínfima a chance de haver mudanças radicais nessa configuração até a sucessão presidencial, com uma exceção: a economia se deteriorar a ponto de empurrar novos atores para o centro da disputa. Foi esse o ambiente no qual prosperou Fernando Collor, em 1989.

A vulnerabilidade da economia brasileira

Charles Tang
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A falta de um plano para a nação fez com que aproveitássemos pouco o período de prosperidade da economia mundial

HÁ POUCO , a euforia com o surto de crescimento da economia brasileira somado ao descobrimento dos campos de petróleo fazia acreditar que o Brasil estava blindado contra as mazelas que se revelavam na economia mundial. Chegou-se a pensar que seríamos de novo uma ilha de prosperidade num mundo em recessão, o que, de fato, havia acontecido por breve período no "milagre econômico brasileiro" dos anos 1970, quando a economia do país crescia mais do que a chinesa atual.

Havia muito para o Brasil celebrar.

A demanda chinesa fez com que nossa dívida externa fosse quase toda paga e nossas reservas em divisas atingissem a marca de US$ 200 bilhões. A transferência de renda aumentou a inclusão social, e os investimentos decorrentes do aquecimento econômico fizeram crescer a nossa classe média.

Atingimos o grau de investimento e ainda fomos abençoados com o bônus da descoberta de reservas gigantescas de petróleo no pré-sal. A liberação generosa de créditos agrícolas promoveram a ampliação das áreas plantadas, e a demanda de um mundo carente de alimentos contribuiria ainda mais para as reservas do país.

Todavia, a falta de um plano para a nação, bem como de um planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo, aliada a uma necessária reestruturação da nossa economia, fez com que aproveitássemos pouco -e mal- o período de prosperidade da economia mundial.

Não há como criar uma nação prospera e moderna sem plano e sem planejamento. Deixamos passar a fase de bonança mundial para criar as defesas que poderiam proteger nosso país da crise financeira que se alastra e se aprofunda a cada dia.

Sem um rumo definido, fomos beneficiados pela economia mundial em ascensão. Agora, estamos esperando que se revele o destino para onde as ondas negativas nos levarão. O pouco que nosso país tem crescido se deve mais à teimosia do povo empreendedor que a influências do Estado, que consome 40% da riqueza nacional.

Acordamos para a realidade com a velocidade com que vimos se evaporar a nossa poupança em ações e a acelerada desvalorização da moeda.

Enquanto nações como EUA, China e outras agressivamente adotavam políticas de estímulo econômico com juros baixos e câmbio favorável para fazer frente à recessão mundial, nosso otimismo fez com que agíssemos na contramão do bom senso econômico.

À frente a uma das mais severas recessões mundiais, aumentamos a taxa de juros e mantivemos nosso cambio em situação desfavorável até que a as circunstâncias forçaram a desvalorização do real.

Com a nossa desorganização econômica, as reservas de petróleo serão insuficientes para desenvolver a nação. Convém lembrar que países como Venezuela e Irã continuam em situação de subdesenvolvimento, apesar das grandes reservas de petróleo. Da mesma forma, vimos nações enriquecerem em curto prazo sem grandes riquezas naturais, como China, Japão e demais tigres asiáticos.

Nada substitui a organização econômica de um país. Mercantilismo, o caminho da riqueza dos tigres asiáticos e da China, deverá ser o modelo adaptado para o Brasil.

O atual processo de recessão, com a crise sistêmica do setor bancário e da economia global, tem tudo para se transformar em uma profunda e prolongada depressão mundial. E já estamos vendo essa queda contagiar nossas commodities, cuja exportação tanto nos rendeu nesses últimos anos e que iria blindar o Brasil.

O sistema do "laissez-faire", de Adam Smith, pregado para o mundo como fórmula sagrada para a prosperidade, ora revela suas limitações. A socialização dos prejuízos de Wall Street e a estatização total ou parcial de quase todas as entidades financeiras chocaram a opinião pública norte-americana. A intervenção de governos na economia, mais chegada às teorias de Keynes e que se aproxima da direção planejada dos tigres asiáticos e da China, deve ora ser vista pelo mundo sob nova ótica. O capitalismo, da forma praticada, deixará de existir.

Agora temos que nos livrar do modelo econômico de pobreza, que sempre abafou nosso crescimento com taxas de juros exorbitantes. O câmbio desfavorável, o sistema de entraves, a velha legislação trabalhista e a falta de plano e planejamento fazem parte do nosso modelo de pobreza.

Enquanto a China conseguiu promover a inclusão econômica e social de 480 milhões de habitantes em 25 anos, nossos bolsões de miséria se mantêm. E a moeda chinesa, que flutua de acordo com uma cesta de moedas, se manteve estável nesta crise.

CHARLES A. TANG membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e membro fundador do Ipede (Instituto de Pesquisa e Estudos de Desenvolvimento Econômico), é presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.

Reinventar o governo, de novo


Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Usei como título, há algumas semanas, a expressão " reinventar o governo " , tomada de um volume de David Osborne e Ted Gaebler que se festejou anos atrás. A mensagem do volume era a de tratar de tornar os governos " enxutos " e eficientes, batendo-se contra a rigidez burocrática (de maneira que não escapava, aliás, da acolhida a certos equivocados simplismos quanto ao tema da burocracia).

A crise econômico-financeira que agora vivemos, com seu alcance transnacional e mesmo global, propõe um desafio de reinvenção do governo em termos bem diferentes. A idéia corrente sobre as relações entre mercado e Estado é a de oposição ou antagonismo: quanto mais Estado, menos mercado, e vice-versa. Mas as coisas são mais complicadas, e a complicação é claramente relevante para os problemas de uma dinâmica mundial em que o processo de globalização, como sua característica crucial, diz respeito ao que se passa no plano das relações de mercado - sem correspondência, cuja necessidade a crise atual evidencia de forma dramática, com a apropriada expansão para o plano transnacional e global de agentes e mecanismos capazes de cumprir as funções que o Estado cumpre há muito, nos tempos modernos, no plano nacional.

Com efeito, as análises intelectualmente mais vigorosas do desenvolvimento conjunto do capitalismo e dos Estados nacionais, no pós-Renascimento europeu, destacam justamente a articulação dos dois aspectos. Nos trabalhos de Giovanni Arrighi, por exemplo, tributários de estudos clássicos que remontam a Marx, sucessivos " ciclos sistêmicos de acumulação " (o hispânico-genovês, o holandês, o britânico, o americano) se caracterizam pela combinação da dinâmica especificamente econômica com a dinâmica dos fatores de natureza político-territorial. Um traço saliente é a expansão gradual da escala do ordenamento político em que se enquadram os processos econômicos, indo desde o caso de Gênova, em que o dinamismo capitalista é quase totalmente carente de substrato político-territorial (impondo-se a articulação " externa " com o poder político espanhol), até as dimensões continentais do Estado-nação americano, onde se juntam a " internalização " do mercado e o controle de instrumentos políticos capazes de se fazerem valer externamente.

Essa articulação mercado-Estado tem a ver diretamente com as complicações sugeridas nas relações entre eles, em contraste com a visão de senso comum. O mercado, como propunha Max Weber, supõe relações entre estranhos, cuja motivação tende a ser pouco afim a considerações solidárias, ou relativas a objetivos coletivos mais amplos, e mesmo a envolver ou redundar em hostilidade ou beligerância. A regulação pelo Estado é crucial para neutralizar tais tendências e viabilizar as relações mercantis como relações duradouras. Naturalmente, se temos múltiplos Estados organizados em separado e caracterizados por assimetrias de poder importantes (devido justamente, entre outras coisas, à escala diferencial em que Estado e economia se articulam em cada caso), então a globalização " mercantil " não poderá deixar de ter um componente " imperial " . A grande indagação é a de como marchar eventualmente para a implantação do equivalente funcional do Estado capaz de eficácia no plano transnacional sem que isso redunde na simples institucionalização daquele componente, em vez de assegurar sua neutralização e algum caráter igualitário ou democrático ao processo.

Duas ponderações parecem justificar-se aqui. Em primeiro lugar, o reconhecimento realista de que alguma assimetria de poder é inevitável como requisito e mesmo como instrumento de eventuais esforços bem sucedidos de integração e coordenação política. Assim como regiões hegemônicas tiveram historicamente papel importante nos processos clássicos de integração nacional, não é à toa que foi preciso que a crise atingisse os países centrais do capitalismo mundial, diferentemente de ocasiões anteriores, para que tivéssemos a movimentação que vemos agora visando à criação de mecanismos de ação coordenada em escala transnacional ou global.

Por outro lado, as circunstâncias gerais em que se dá a crise têm engendrado a emergência gradual de um mundo multipolar, num processo que a crise mesma intensifica, ao debilitar as economias centrais, os Estados Unidos em particular. Isso tende a reforçar as razões para esperar que os avanços rumo a uma forma incipiente de governo mundial no plano econômico-financeiro possam fazer-se com base em algum modelo de inspiração federalista e mais democrática.

Eleição em BH

As idas e vindas que as pesquisas têm revelado tornam especialmente interessante a luta eleitoral pela Prefeitura de Belo Horizonte, sobretudo com a singularidade do apoio de Aécio Neves e Fernando Pimentel. Aparentemente, o apoio, suficiente para guindar o " poste " Márcio Lacerda à vantagem no primeiro turno, não tinha, por si mesmo, poder para levá-lo a ganhar a eleição diante da surpresa da eficiente comunicação popular de Leonardo Quintão. Mas a campanha do segundo turno permitiu duas revelações: a " despostificação " de Lacerda, falando por si mesmo e convencendo, e o desnudamento da demagogia de Quintão, levando ao refluxo de gente antes desconfiada da movimentação da dupla tucano-petista de padrinhos do primeiro.

Resta esperar que a eventual vitória de Lacerda (escrevo na sexta-feira...) ainda traga desdobramentos positivos à boa idéia da aproximação PSDB-PT. Que, naturalmente, em vez de confiar na resposta alumbrada dos eleitores à convocação de um líder ou outro, teria de contar com trabalho político pedestre e difícil.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

As novas condições macroeconômicas para 2009


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A piora da crise financeira em outubro levou a uma nova revisão para baixo do crescimento mundial em 2009. As previsões mais recentes apontam para um quadro grave, de recessão profunda, inclusive no mundo em desenvolvimento. Os mercados de ações finalmente arbitraram as expectativas de lucros das empresas para este cenário de crescimento e continuaram em queda vertiginosa. O ano novo vai se iniciar sob o impacto de uma destruição nunca vista de riqueza financeira no mundo.

Esta revisão abrupta das perspectivas de crescimento mundial mudou o cenário para os países emergentes, causando um colapso de confiança no mercado de títulos de crédito. Depois da venda agressiva de ações estamos assistindo agora uma fuga a qualquer preço dos instrumentos de dívida privada e soberana de países como o Brasil. Os títulos soberanos estão sendo negociados com um prêmio de risco de 7% e no caso de empresas privadas - inclusive nossos grandes bancos - este prêmio chega a 9%. Na prática, isto significa que não existe mais a possibilidade de acesso a estes mercados em 2009.

Além disso, a grande correção no valor do dólar das últimas semanas levou a uma desvalorização de mais de 40% nas moedas dos países emergentes como o Brasil. Foi um movimento geral e que atingiu inclusive moedas fortes como o euro e a libra. Outra face deste movimento do dólar é o fato de que os preços internacionais das principais commodities exportadas pelo Brasil, bem como das principais matérias primas por nós importadas, caíram quase na mesma proporção. Ou seja, em reais os preços estão relativamente constantes. Além disso, é um movimento de apreciação da unidade de conta global contra todas as moedas (menos o yen), o que implica (além do efeito deflacionista global) que em relação a nossos parceiros comerciais a desvalorização do real é bem menor.

Estes fatos novos não estão sendo considerados por muitos analistas, que continuam raciocinando como se o choque externo gerado pela queda do real tivesse o mesmo efeito inflacionário das experiências passadas. Por exemplo, o modelo de inflação construído pelo Banco Central do Brasil tem este defeito - ou "flaw" para usar um termo recente de Alan Greenspan - e que pode levar a uma superestimação da inflação em 2009.

É claro que há riscos inflacionários importantes, mas é preciso entendê-los corretamente. O efeito macroeconômico mais importante para a inflação decorre da redução de nossos termos de troca com o exterior. Tal redução deriva da queda dos preços dos principais produtos primários de exportação, que será apenas em parte mitigada por menores preços das matérias-primas que importamos em volume expressivo. A conseqüência desta redução dos termos de troca é uma menor capacidade de importar da economia brasileira.

Ora, o aumento continuado e expressivo de nossas importações era o elemento mais importante que vinha permitindo um crescimento da absorção interna pelo menos 3 pontos percentuais acima do PIB potencial sem criar grandes tensões inflacionárias. Tudo o mais constante, portanto, será necessária nos próximos meses uma forte redução do consumo das famílias, do investimento privado e dos gastos totais do governo, de modo a alinhar o crescimento da demanda doméstica com o PIB. Se isto não ocorrer, a inflação vai se acelerar de forma vigorosa. É aí que está o risco inflacionário principal.

Outra razão para este alinhamento é o ambiente global hostil que enfrentaremos em 2009. Neste mundo mais pobre e menos brilhante em termos de movimento de capitais, não mais será possível incorrer em déficits crescentes na conta corrente, como foi o padrão brasileiro em 2007 e 2008. Se esta situação persistir poderemos enfrentar muito rapidamente questionamentos quanto a nossa solvência externa, problema que não temos ainda hoje.

Neste cenário, como o governo não dá sinais de redução de seus gastos, todo o ajuste de demanda deverá ser suportado pelo setor privado. Se as condições fossem normais, a conclusão inescapável seria um forte ajuste de juros pelo Banco Central. Mas as condições não são normais, por uma razão muito simples: está ocorrendo um fenômeno importante de descontinuidade no mercado de crédito no Brasil. Em função da grave crise de confiança na economia, os bancos brasileiros, depois de pelo menos dois anos de expansão de quase 30% no volume de crédito ofertado, pisaram de forma violenta nos freios. Não por opção, mas por necessidade.

Preocupados com os efeitos de uma rápida desaceleração da economia em função da crise externa os bancos estão adotando - corretamente - uma posição extremamente conservadora em sua política de operações. Contribuiu para isto o problema gravíssimo criado pelas perdas com derivativos cambiais incorridas por um grupo grande de empresas brasileiras. Em resumo, o crédito ficou mais escasso e caro em um momento em que empresas e consumidores operavam com grande entusiasmo e confiança no futuro. O resultado será uma queda expressiva da atividade econômica, dos investimentos e do consumo, em linha com o que será preciso que ocorra para o ajuste macroeconômico em 2009. Em outras palavras, a interrupção do canal de crédito fará grande parte, senão todo o trabalho de contenção de demanda, que em outra situação deveria estar a cargo da política monetária.

Na próxima semana o Copom vai realizar sua penúltima reunião do ano enfrentando um de seus maiores desafios. Como decidir em um ambiente de muitas incertezas quanto ao futuro da economia no Brasil e no mundo? Além disso, os distúrbios chegaram ao comportado mercado de DI na BM&F que já precifica mais de 17% a.a. nas operações de juros futuros. Na prática já ocorreu um aumento brutal do custo do dinheiro para as empresas brasileiras.

Por tudo, me parece que a decisão mais correta e sensata será uma parada no processo de aumento dos juros pelo menos até a próxima reunião em dezembro. O profundo corte na oferta de crédito bancário e comercial pode ser suficiente para reduzir a demanda interna e ancorar as expectativas de inflação.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

O QUE PENSA A MÍDIA

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domingo, 26 de outubro de 2008

Da ficha suja ao jogo sujo: milicianos e panfletos apócrifos

Flávio Tabak
DEU EM O GLOBO

Justiça não puniu propaganda negativa, que se acirrou no segundo turno

O que era para ser exemplo de limpeza começou e terminou com sujeira. A eleição deste ano no Rio teve o debate sobre a candidatura de políticos com ficha suja no início - liberada em agosto pelo Supremo Tribunal Federal -, e, no fim, a enxurrada de panfletos e cartazes apócrifos com acusações de baixo nível.

O tom conciliador do primeiro turno definhou à medida que o dia da votação se aproximava. Eduardo Paes (PMDB) sofreu ataques de representantes do transporte alternativo. No dia 1º de outubro, um protesto contra o candidato espalhava que ele iria "varrer as vans do mapa". No mesmo dia, o candidato derrotado do PRB, Marcelo Crivella, divulgou carta apócrifa na qual criticava o "candidato dos bacanas, dos ricos e da Zona Sul".

O segundo turno trouxe mais sujeira. Num cenário com candidatos a vereador eleitos, mesmo suspeitos de envolvimento com milícias, a polarização entre Paes e Fernando Gabeira (PV) mostrou que a guerra é feita por baixo dos panos. Só para coibir propaganda negativa e apócrifa, a equipe de fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral fez oito operações. Todas contra ataques entre candidaturas. Mesmo assim, nenhuma multa foi aplicada na fase final.

TRE apreendeu 37 toneladas de material ilegal

A burocracia e a legislação eleitoral dão a sensação de impunidade. São cinco passos para aplicar uma multa: ao receber denúncias, fiscais vão ao local apurar; comprovada a irregularidade, enviam um relatório para o juiz de fiscalização; ele decide se há crime e notifica a candidatura para retirar o material em 48 horas; se a propaganda permanecer, cabe ao Ministério Público representar ou não contra o candidato. A partir daí, outro juiz, o da representação, decide se multa a campanha, que pode recorrer da decisão.

- O problema é descobrir a origem dos panfletos e da gráfica - disse o juiz da fiscalização do município, Fábio Uchôa.

O chefe de fiscalização do TRE, Luiz Fernando Santa Brígida, disse que nunca viu tanto jogo sujo em campanhas:

- Apreendemos mais de 37 toneladas de material ilegal, principalmente depois da atuação das tropas do Exército nas favelas. Por causa dos panfletos apócrifos, mudamos do jogo bruto e ostensivo, no primeiro turno, para o jogo da inteligência e discrição, no segundo. Agora usamos fiscais à paisana.

Na primeira semana do segundo turno, Paes se reuniu com militantes e fez discurso agressivo, diferente do tom comedido adotado no primeiro. Partidários de Paes disseram que jogariam ovos em Gabeira, caso ele decidisse visitar a Zona Oeste, e o chamaram de "macaco Tião da classe média".

A ofensiva foi reflexo das declarações de Gabeira na semana anterior, quando disse que a vereadora Lucinha (PSDB) tinha "visão suburbana" sobre a instalação do aterro sanitário de Paciência e era analfabeta política. Dois dias depois, houve uma passeata na Zona Oeste contra Gabeira e um militante do PV foi agredido por cabos eleitorais do PMDB.

Gabeira foi o principal alvo do jogo sujo. Equipes do TRE apreenderam 12 mil panfletos pagos pelo PT com imagens do candidato a de Cesar juntos. Uma kombi com seis mil panfletos contra Gabeira foi encontrada na Av. Brasil. Os envolvidos no transporte do material admitiram ser da campanha de Paes.

Paes disse que um projeto de Gabeira apresentado no Congresso legalizava a profissão de cafetão. Dias antes, havia panfletagem em frente a templos da Igreja Universal. O texto do material afirmava que Gabeira seria contra a criminalização da prostituição infantil. Paes, por sua vez, reclama de jogo sujo pela internet. O candidato insinuou que Gabeira seria o responsável por correntes na web. O peemedebista também apresentou ao TRE panfletos apócrifos contra sua candidatura.

- O jogo sujo aparece no desespero. Isso ocorre desde a República Velha. Cartas falsas eram enviadas a jornais contra políticos - diz Eurico Figueiredo, cientista político da UFF.

Rápidas e rasteiras


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Sejamos francos, aqui bem entre nós: quando aparece um político querendo debater propostas, desprovido de qualquer peculiaridade, sem representação simbólica e armado numa campanha apenas com suas idéias, é logo identificado como um sério aspirante à derrota eleitoral.

Junto com todas as homenagens e reconhecimento à sua beleza interior, recebe também a marca do candidato algo aborrecido, de discurso entediante, não obstante a robustez do conteúdo.

Exemplo? O senador Cristovam Buarque. Apresentou-se na disputa presidencial de 2006 para discutir detalhada e profundamente a educação no Brasil. No oficial foi largamente reverenciado, no paralelo era chamado de "candidato de uma nota só" e, no fim, teve pouco mais de 2% dos votos.

Isso num País em que o setor, além de um desastre, está no topo da lista das preocupações do cidadão consultado por pesquisas de opinião. Em tese, a julgar pelo recorrente clamor por "debate de propostas", Cristovam tinha tudo para dar certo.

Na prática, as coisas não funcionam assim. Simplesmente porque o método do embate e o modelo eleitoral não deixam espaço para outro tipo de agenda que não a destinada a produzir votos, seja de que maneira for.

Naquele segundo turno de 2006 a campanha da reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva ressuscitou as privatizações em feitio de assombração, conseguiu renovar o caráter pejorativo do termo neoliberal e, logo depois, quando o reeleito privatizou estradas federais ninguém mais se lembrava de nada.

O embate era falso. Não passava de um bem montado jogo de palavras para induzir o voto especialmente no eleitorado mais bem informado, sempre ávido de justificativas doutrinárias (mesmo ocas) para fundamentar suas escolhas.

Em 2006, em todas as anteriores, na eleição que hoje termina e muito provavelmente na próxima cujo processo entra amanhã mesmo em andamento, a pauta de problemas objetivos a serem resolvidos é o de menos.

Vai se esforçar de forma inútil quem tentar se lembrar de uma só campanha em que a elaboração verbal dos candidatos tenha ultrapassado a profundidade das frases feitas ou ido além da manipulação de conceitos previamente consolidados.

Simplificações são muito bem recebidas, principalmente quando elegantemente denominadas de "idéias-força". Sob esse apelido se vende qualquer coisa. "Mudança", por exemplo, não quer dizer nada em circunstâncias normais, mas numa campanha eleitoral pode significar tudo, principalmente a vitória.

E a eleição de 1994, não seria uma exceção, não se deu em torno do apoio do eleitorado ao plano de estabilidade monetária? Justamente. O eleitor ali se manifestou favorável a um projeto posto em prática no ano anterior. Decidiu diante dos resultados, da queda da inflação e não de uma proposta a ser executada depois da eleição.

Se o processo tivesse sido invertido muito provavelmente o Plano Real não teria resistido à ligeireza dos truques de propaganda, à velocidade crescente dos meios de comunicação, ao raciocínio rasteiro inerente à necessidade de facilitar o entendimento da mensagem pretendida.

A eleição municipal acaba hoje também sem que se possa dizer qual foi a sua agenda, digamos, de vida real. Sabemos quais foram os ensinamentos políticos, podemos presumir as repercussões futuras das vitórias e derrotas, são perfeitamente visíveis os mitos derrubados, qualquer um consegue citar os vexames mais notórios, mas, sobre as tão celebradas "propostas", não sobrou nem sequer o rastro.

Isso não acontece por atributos negativos da democracia brasileira. Ocorre porque eleição não é seminário acadêmico, é momento que passa rápido e requer que concorrentes sejam algo rasteiros em suas ações e pensamentos porque não há tempo para mais nada além de correr atrás da maior quantidade possível de votos.

Trata-se de uma constatação que, uma vez admitida com tranqüilidade, nos livraria de uma boa carga de culpa e da obrigação de buscar conteúdo em ambiente meramente teatral.

Para todos

Na mira de todos os concorrentes a presidente, o PMDB é alvo de 11 entre dez especulações sobre alianças partidárias para 2010. Uns dizem que fica com Lula, outros que caminhará com o PSDB, alguns apostam que o partido espera para ver qual a direção mais segura, de acordo com as pesquisas.

Os mais realistas argumentam com os fatos: da redemocratização em diante, não houve uma eleição em que os pemedebistas marchassem unidos.

Em 1989 deixaram Ulysses Guimarães pelo caminho; em 1994 o abandonado foi Orestes Quércia; em 1998 não deixaram Itamar Franco sair candidato; em 2002 parte ficou com José Serra, parte aderiu ao PT; em 2006, só uns poucos resistiram com Geraldo Alckmin.

Moral da história, a expectativa de governo e oposição é a de que em 2010 haja PMDB suficiente para atender à demanda de todo o mercado.

Me dá um dinheiro aí!


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A acumulação de dívidas é um tiro no pé. Qualquer dona-de-casa sabe disso. Mas nem sempre os governos e banqueiros levam o assunto a sério. Agem como consumidores compulsivos e perdulários


O governo resolveu meter a mão peluda no mercado financeiro, que segundo o Banco Central parecia ir muito bem, obrigado, mas está com problemas que ninguém sabe aonde vão parar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, às vésperas do segundo turno das eleições municipais, interveio no sistema de crédito para evitar que alguns bancos, montadoras e construtoras fossem à breca. Agiu à inglesa, como o primeiro-ministro britânico Gordon Brown. Decidiu autorizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprarem a participação em instituições financeiras públicas ou privadas, com ou sem participação acionária, que estejam em dificuldades. E deixou o BNDES de prontidão para socorrer exportadores, montadoras e construtoras com problemas.


Blindagem

O que está acontecendo nos bastidores do mercado, a rigor, ninguém sabe. No começo, a versão oficial era de que tudo não passaria de uma “marolinha”, que atingiu apenas algumas empresas exportadoras que haviam apostado na valorização do real. Agora, mais gente não consegue nadar. A decisão de intervir no mercado financeiro foi tomada pelo governo na surdina. Gerou polêmica por causa da falta de transparência e de salvaguardas para que os prejuízos não sejam “socializados”. Pegou muito mal, por exemplo, o fato de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, terem ocultado a decisão durante audiência pública no Congresso.

Além de despertar as suspeitas da oposição, a decisão surpreendeu e inquietou o mercado financeiro. Por que a criação da Caixa-Banco de Investimentos S. A.? Quais são os bancos que estão quebrados? Que montadoras estão à beira do colapso? Por que o governo socorrerá as construtoras que especularam com terrenos e alavancaram o valor dos imóveis? Não há respostas claras. Resultado: com tantas incertezas, a Bovespa despencou, o dólar subiu e o senso-comum de que a crise chegou para valer à nossa economia real se consolidou. É um nevoeiro.

Créditos

A acumulação de dívidas é um tiro no pé. Qualquer dona-de-casa sabe disso. Mas nem sempre os governos e banqueiros levam o assunto a sério. Agem como consumidores compulsivos e perdulários. Nos períodos de expansão econômica, o endividamento aumenta. Quanto mais alguém se endivida, mais consegue crédito. Desde que a economia cresça, os bancos liberam o dinheiro. Nos Estados Unidos, bastava um emprego para o sujeito conseguir o empréstimo e comprar uma casa nova.

Há empréstimos e empréstimos. Um é aquele que o tomador cobre o risco e quita a dívida com o fluxo de caixa. É o caso do agricultor que compra sementes para o ano seguinte. Ele paga o produto com a colheita. Outro é o empréstimo rolado, em que só se pode pagar os juros da dívida. O subprime norte-americano era isso. O sujeito acreditava que, em caso de necessidade, poderia vender a moradia acima do valor de compra e liquidar o empréstimo, mas quebrou a cara. O pior é aquele no qual não se dispõe de recursos para pagar juros e capital e se aposta nos ganhos com a especulação financeira. É a valorização dos bens adquiridos ao se endividar que financia a dívida. As corretoras americanas compravam pacotes acionários graças às linhas de crédito dos bancos e, toda vez que o valor das ações subia, contraíam novas dívidas para comprar mais. O Lehman Brothers quebrou porque o valor dos empréstimos em carteira entrou em colapso e o banco se viu com uma dívida 22 vezes maior do que o capital social.

A tese oficial de que nossos problemas serão resolvidos garantindo o crédito a qualquer preço é perigosa. Existe dívida boa e dívida ruim. A dívida contraída com investimentos em infra-estrutura, bens de capital e bens duráveis em tese é boa, desde que respeitada a capacidade de pagamento. A dívida decorrente de despesas de custeio, de financiamento do consumo imediato e rolagem de outras dívidas é sempre ruim. Numa situação de retração econômica, é a forca. Por isso, alguém vai pagar a conta das empresas que estão em dificuldades no Brasil. Afinal, como dizia o finado neoliberalismo, não existe almoço grátis. Se for o governo, seremos todos nós.

Em busca do mercado


Merval Pereira
DEU EM O GLBO


NOVA YORK. Tanto no etanol quanto nos produtos agrícolas, o maior interesse para o Brasil deveria ser o acesso aos mercados, e não o fim dos subsídios, é o que mostra um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro. Em linha com esse pensamento, o empresário e diplomata Jório Dauster, presidente da Brasil Ecodiesel, produtora de mais da metade do biodiesel do país, diz que "embora possa parecer estranho não advogar a imediata cessação de medida tão claramente protecionista", ele acha que uma cota de importação livre de taxas seria melhor para os produtores brasileiros do que o fim dos subsídios para a produção do etanol do milho nos Estados Unidos.

Dauster admite que "o Brasil não tem condições de elevar substancialmente suas vendas de etanol aos Estados Unidos nos próximos anos sem gerar um perigosíssimo desabastecimento do mercado interno".

Por isso, ele acha que ""o ideal é que os Estados Unidos concedam ao Brasil uma cota de importação livre de taxas que, não sendo de início muito grande, cresça automaticamente nos anos seguintes, dando assim tempo e segurança aos fabricantes nacionais para realizarem os vultosos investimentos exigidos pelo aumento do plantio de cana e pela construção de novas usinas".

Um trabalho de Mauro de Rezende Lopes, do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Economia, (IBRE) da FGV do Rio, mostra que os ganhos para o Brasil com a eliminação dos subsídios internos e subsídios às exportações "são pífios, próximo de zero".

O interesse do Brasil, a julgar pelos resultados, diz ele, está no acesso a mercados - redução de tarifas para a entrada de nossos produtos em mercados dos países desenvolvidos, que protegem suas agriculturas com tarifas elevadíssimas.

"Se houver uma redução de tarifas, os subsídios caem por si só, como mostra o estudo. A queda de tarifas desarma todo o sistema de proteção - tarifária e com subsídios. Atacar subsídios, sem atacar a proteção tarifária, vai facilitar a vida dos países desenvolvidos nas negociações de Doha".

O embaixador Jório Dauster lembra que o projeto de cooperação com os Estados Unidos tem como objetivo básico definir padrões técnicos comuns para o etanol, "providência essencial para que o produto se torne efetivamente uma commodity capaz de ocupar um espaço relevante no mercado internacional".

Embora na época de seu lançamento tenha servido também para amenizar as queixas do presidente Lula contra o protecionismo norte-americano, esse acordo, lembra Dauster, "só indiretamente poderá conduzir à abertura de mercado que almejamos a médio prazo".

Tanto McCain quanto Obama, que tem um programa de investir US$150 bilhões para nos próximos dez anos tornar os Estados Unidos independentes com energias alternativas, citaram os árabes ou a Venezuela como países que deveriam ser evitados no fornecimento de energia no futuro.

Não é à toa, portanto, que no acordo entre Brasil e os Estados Unidos está dito que a América Central e o Caribe são as regiões-chave escolhidas para um trabalho conjunto para levar os benefícios dos biocombustíveis, regiões de influência geopolítica claramente norte-americana.

O que os produtores americanos temem é que este acordo permita que produtores brasileiros se utilizem dos acordos de livre comércio entre os estados Unidos e a América Central e o Caribe, para usá-los como plataforma de exportação sem pagar tarifas.

No memorando de entendimentos, está definido que a expansão do mercado de biocombustíveis será feita por meio da cooperação para o estabelecimento de padrões uniformes e normas.

O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial ( Inmetro) e o Instituto Norte-Americano de Padrões e Tecnologia (Nist) serão os órgãos responsáveis pela definição dos padrões e eles já têm um programa de cooperação em Metrologia e Padrões para Biocombustíveis, para ampliar o conhecimento científico e tecnológico dos biocombustíveis, especialmente sobre seu conteúdo energético, efeitos sobre meio ambiente e a saúde.

A troca de informações facilitará também a adoção de padrões e normas comuns, e a redução de barreiras técnicas relacionadas a medições, padrões e normas. À medida que esses padrões ganharem credibilidade internacional, novos mercados potenciais, como o asiático, poderão ser alcançados.

O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, acha que o Brasil poderia tirar vantagem de uma decisão de Barack Obama de, eleito presidente, colocar em prática uma política energética realmente baseada em garantir uma maior segurança energética, preocupada com as emissões de CO2 e com soluções energéticas globalizadas.

"Ou seja, diversificar a compra de energia, privilegiando as mais limpas e ao mesmo tempo evitar soluções internas mais caras. Isso ajudaria a assinatura de acordos de cooperação e a uma maior penetração do etanol brasileiro no mercado americano".

Ele ressalta que o nosso etanol é competitivo com petróleo a US$40/barril.

Moral da crise


Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Como no New Deal, só uma nova correlação de forças salvará o modelo americano de recaídas periódicas

AS ANÁLISES da crise financeira falam de tudo, menos de moral e de política. Dão a impressão de que o problema se limita a aspectos técnicos, sem vinculação com os valores éticos e independentes das relações de poder.

Joseph Stiglitz foi o único a observar que a crise teria sobre o fundamentalismo de mercado o mesmo efeito que teve a queda do Muro de Berlim sobre o comunismo. Poderia ter acrescentado que a ligação dos dois eventos não é só comparativa. O fim do socialismo foi um maremoto político. O vácuo ideológico e o desequilíbrio de forças conseqüentes tornaram possível aquilo que era antes inconcebível: a absoluta hegemonia dos mercados financeiros e os excessos responsáveis pelo colapso atual.

Nos Estados Unidos, o setor financeiro saltou de 10% do total dos lucros corporativos em 1980 para 40% em 2006, apesar de gerar apenas 5% dos empregos! Não se avança sobre quase metade dos lucros da economia sem contar com a cumplicidade do sistema político. A mudança de poder que abriu o caminho à hegemonia financeira foi, nesse período, a "revolução" neoconservadora de Reagan e de Thatcher, consolidada por Clinton e pela "terceira via" de Blair.Sua ideologia era a mistura de globalização com liberalização. Globalização entendida como unificação em escala planetária dos mercados, sobretudo para as finanças. Liberalização no sentido de eliminar tudo que pudesse limitar as oportunidades de negócios. A fiscalização ficaria por conta da suposta capacidade auto-regulatória dos mercados.

Nesse clima, poucos ganharam muito, mas a desigualdade explodiu, o emprego se tornou precário, o salário real estagnou, multiplicaram-se as fusões com cortes de milhares de vagas, os melhores empregos industriais foram terceirizados para países de baixos salários.O apodrecimento moral desse fim de reino era já perceptível em 2002, durante os escândalos da Enron, da WorldCom e de outras empresas que ocasionaram ao índice Nasdaq a perda de três quartos do seu valor, cerca de US$ 5 trilhões!

Na época, o banqueiro Felix Rohatyn escreveu que o dano causado ao capitalismo norte-americano era de tal gravidade que nem Lênin teria feito melhor!

Exagero, pois tudo se esqueceu: o papel dos bancos de investimento como o Goldman Sachs e o Merrill Lynch, a desmoralização das agências de avaliação de risco e de auditoria, todos novamente co-autores do desastre de agora. A lei Sarbanes-Oxley, as normas mais rigorosas de transparência contábil, nada foi capaz de evitar a repetição da catástrofe em dimensão maior. Alegava-se que o sacrifício dos seres humanos e da moral era o preço a pagar pela eficiência e pela racionalidade impostas pela globalização.

Contudo, longe de ganhar vigor e competitividade, o setor produtivo norte-americano parece um campo de ruínas.

A autodestruição econômica a que assistimos foi prevista por Emmanuel Mounier, meio século atrás: "Por mais racional que seja, uma estrutura econômica baseada no desprezo das exigências das pessoas contém os germes de sua própria condenação".

Da mesma forma que no New Deal dos anos 1930, só uma nova correlação de forças políticas que devolva sentido moral à economia e a recoloque a serviço do interesse do maior número salvará o modelo norte-americano de recaídas periódicas e de inelutável declínio em competitividade produtiva e adesão dos cidadãos.

RUBENS RICUPERO , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Giannotti teme uma crise da democracia

Elio Gaspari
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Está aberto o espetáculo para o aparecimento de demagogos e salvacionismos autoritários

O PROFESSOR JOSÉ Arthur Giannotti está preocupado. Talvez seja a única pessoa preocupada que não acompanha o movimento das Bolsas. Sua ansiedade relaciona-se com a democracia. Ele acredita que o Brasil experimenta uma prática democrática "na casca", enquanto o núcleo das instituições nacionais vive um surto de autoritarismo que pode não acabar em boa coisa. A desmoralização dos costumes políticos, a impunidade das malfeitorias praticadas pelo aparelho do Palácio do Planalto, bem como a marginalização do Congresso, levam água para propostas salvacionistas e demagogos. Se fosse necessário algum sinal de que os temores do professor são justificados, bastaria o exemplo da concepção e do cenário da edição da medida provisória do ProTudo.

Os feiticeiros da Fazenda, do Banco Central e do Planalto redigiam a MP num prédio da praça dos Três Poderes enquanto os doutores Guido Mantega e Henrique Meirelles estavam na Câmara, relatando aos parlamentares as providências que o governo tomava para proteger a economia nacional. Não disseram uma só palavra sobre o ProTudo. Levando-se em conta que a MP seria remetida ao Congresso, alguém fez papel de paspalho. Talvez os parlamentares, talvez todos.

O grande antecedente remoto da atual crise justifica os receios de Giannotti. Diante da Depressão dos anos 30, o presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt montou um sistema que foi a um só tempo redentor para o futuro da sociedade americana e um exercício de autoritarismo federal. Cavalgando a opinião pública e o Congresso, Roosevelt só foi barrado pela Corte Suprema e, ainda assim, tentou empacotá-la, criando um sistema pelo qual acrescentaria seis novos ministros aos nove existentes.

Roosevelt, um aristocrata, perseguiu empresários e amargurou o fim da vida do banqueiro Andrew Mellon, secretário do Tesouro de seus três antecessores. Mesmo assim, teve perigosos demagogos mordendo-lhe os dedos. O maior deles foi Huey Long, o adorado larápio que governara a Louisiana e pretendia disputar a Presidência na eleição de 1936. Foi contido por uma bala na barriga. (A história de Long está no filme "A Grande Ilusão", com Sean Penn.)Felizmente, a sucessão americana desembocou numa disputa entre dois políticos moderados (noves fora as suspeitas de que Barack Obama flerte com medidas protecionistas). Se a bolha tivesse estourado em janeiro, o candidato republicano poderia teria sido Mike Huckabee, que propusera o confinamento dos aidéticos e defendia o emparedamento da fronteira com o México. Com Sarah Palin na vice, formariam a dupla do Deus-Me-Livre.

A crise econômica pode colocar o Brasil no trilho que leva ao aparecimento de excentricidades, como se deu com Fernando Collor. Ou ainda, à radicalização do governo a partir de propostas autoritárias que estão nas gavetas do PT. Coisas como "matriz ideológica" controlando a imprensa, a necessidade de se criar uma poderosa máquina de centrais sindicais e a transformação do Banco do Brasil e da Caixa num comi$$ariado de primeira e última instâncias.

O QUE PENSA A MÍDIA

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sábado, 25 de outubro de 2008

Luiz Werneck Vianna: 'Vai depender de uma fagulha'


DEU EM O GLOBO


O debate reproduziu muito o programa dos candidatos na TV e não creio que tenha representado o momento da decisão para o eleitor.

Para quem está indeciso, a escolha vai depender muito mais de uma fagulha qualquer a acontecer nas ruas ou de um sentimento.

O debate não deu elementos para alterar o estado de coisas entre eles, embora tenha ficado muito sublinhado que o candidato da tradição convencional é o Paes, com as máquinas articuladas ao estado até as máquinas periféricas das milícias, ligadas a Jorge Babu.

Já Gabeira se reforçou como a candidatura que aposta no movimento das ruas, imprevisível, porque depende da convicção.

Um representa uma política já estabelecida enquanto o outro tenta violar essa regra de ouro.

Vitoriosa ou não, a candidatura do Gabeira já mudou a política do Rio.

Não haverá outra eleição em que o discurso dele não seja consultado.


Com ele, a política está passando por fora das máquinas.


Se é com muita força, nós vamos ver, mas está passando.


Luiz Werneck Vianna é cientista político do Iuperj.

Eleições no Rio: namoro explicito entre Vladimir e Gabeira


Lucia Hippolito
DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO


O último debate entre Fernando Gabeira e Eduardo Paes explicitou com toda a clareza o difícil dilema em que se encontra o eleitor carioca.


Não se trata de escolher entre dois candidatos, dois projetos, duas propostas.


Trata-se e escolher entre dois mundos diferentes.

De um lado, um competente candidato a gerente de uma grande loja de departamentos. Superintendente, talvez. Conhece profundamente o estoque, o preço da grosa de alfinetes, a utilidade de uma boa chave de fenda.

Do outro, alguém que é, em si mesmo um projeto. Uma proposta andante. Um Quixote da boa causa: a honestidade, a correção, o futuro, o sonho, uma nova forma de fazer política, novas práticas, novos métodos.

Um velho-moço contra um moço-velho. Velhíssimo.

No debate ao vivo, Eduardo Paes destilou números, competência, pegadinhas ridículas.

Declarou, depois do debate, que prefere o apoio de Jorge Babu ao apoio de César Maia.

(Jorge Babu, vereador pelo PT, foi preso pela PF junto com Duda Mendonça, coisa de dois anos atrás, em uma briga de galos no Rio. Hoje é acusado de comandar milícias na Zona Oeste.)

Gabeira foi bafejado pela sorte: por sorteio, iniciou e encerrou o debate. Ambos em tom maior, de grandeza. No miolo, foi mediano.

No final, teve seu dó de peito. Foi Gabeira por inteiro. Diferente, ousado, original. Chamou até os adversários para a grande conversação em favor do Rio. Bonito.

Mas o melhor do debate, assistido ao vivo no Rio, foram dois momentos-ternura.

Primeiro momento-ternura: ver Vladimir Palmeira (PT) e Francisco Dornelles (PP) juntinhos no cercadinho dos apoiadores de Eduardo Paes, trocando tapinhas nas costas, é feito a propaganda do Mastercard: não tem preço.

Segundo momento-ternura: Vladimir Palmeira rindo abertamente quando seu velho companheiro de militância, Fernando Gabeira, dava uma estocada em Eduardo Paes, seu recente aliado político.

Vladimir é um soldado do PT. José Dirceu já tentou esmagá-lo várias vezes com seu tacão (embora tenham sido também companheiros de militância estudantil).

Mas com Gabeira, o “namoro” era explícito. Vladimir ria abertamente a cada “saia justa” de Eduardo Paes.

A sopa da vingança, dizia minha avó, toma-se gelada.

O eleitor carioca está diante de uma escolha difícil.

Mas Gabeira mostrou que certos valores não morrem.

A cidade e seu futuro


Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O prefeito de São Paulo a ser eleito amanhã estará chamado, como o foram todos os seus antecessores, a governar uma cidade que é um enigma a ser decifrado e uma potência a ser controlada. Se desejar inscrever seu nome na história, terá de ir além de rotinas e procedimentos-padrão, ser mais que administrador, coordenar mais que comandar.

Trata-se de algo universal. Estima-se que mais de 50% da população mundial vivam em cidades. Elas crescem por toda parte, transbordam seus centros e se espalham pelas periferias, desafiadoras. Impõem-se como arranjos implacáveis, que “civilizam” sem piedade, redefinem perfis e padrões, sufocam outros modos de ser. Todas as grandes decisões políticas e culturais são tomadas em cidades e estão nelas os principais núcleos geradores de vida moderna.

Vivemos sempre mais em cidades, mas elas são cada vez menos polis. Continuam a nos seduzir, mas não mais nos concedem um estilo de vida desejável. As cidades do nosso tempo estão se convertendo em amontoados de pessoas e não conseguem fornecer a seus moradores condições de usufruírem as vantagens da aglomeração: o encontro, a diversidade, o aprendizado da diferença e do respeito pelo outro, a luta coletiva. Em muitos momentos, assemelham-se a praças de guerra, teatro de batalhas inglórias, de um corpo-a-corpo travado com armas que vão da faca e do revólver à agressão verbal, à chantagem emocional, à ausência de cortesia e delicadeza, à indiferença. Massas de excluídos, sem-teto e desempregados perambulam quase a esmo, em meio a “incluídos” fechados em si e carentes de uma idéia de futuro. São Paulo não é exceção.

São assombrosas as dificuldades para que se reformem as cidades. A política só se ocupa delas como objeto de gestão, não de convívio, mais como espaço de mercados e automóveis que de pessoas. O planejamento urbano já não dispõe de força persuasiva e legitimidade. Está sendo subvertido pela dinâmica do capitalismo global e boicotado pelos mercados. Os interesses digladiam sem projetos e consensos. As cidades parecem à deriva, como se não conseguissem ser alcançadas pela razão política democrática e republicana. Tornam-se alvo fácil da razão técnica exacerbada, de administradores focados em controle e na construção compulsiva de obras e factóides.

É verdade que novas modalidades de gestão despontam no horizonte, anunciando articulações de novo tipo entre técnica e política, decisão e participação, gestão e cidadania. É verdade, também, que a rotatividade política propicia a chegada de novas pessoas e idéias ao governo das cidades. Os próprios moradores se movimentam sempre, ativando a reinvenção urbana. E as tecnologias da informação ajudam a impulsionar redes de comunicação e cooperação que se colam às utopias em gestação.

Não é suficiente. Como tornar sustentáveis nossas cidades e impedir que suas toxinas prejudiquem seus habitantes? Que fazer para livrá-las da racionalidade instrumental do poder e da técnica e abri-las à sensibilidade política, ao prazer estético, ao calor humano da democracia? Neste mundo de mercados escancarados, interessa pouco a cidade competitiva e funcional, produtivista e repressiva. Para vivermos e convivermos com dignidade precisamos de cidades agradáveis, capazes de expressar seus encantos, proteger e promover seus habitantes. Cidades seguras - não a cidade policiada, que veta a vida noturna ou o andar distraído, mas a cidade aberta, dialógica, de todos e para todos, que se auto-organiza.

São Paulo cresceu desordenadamente, com pressa errática. Foi sendo arrumada meio ao acaso, “planejada” a partir de óticas imperfeitas. Tornou-se uma cidade de bairros inventados, de avenidas para automóveis, de poucas praças, em que as antigas edificações são destruídas como coisas velhas, descaracterizadas ou largadas à especulação. Uma cidade de máquinas e negócios, mais que de pessoas, onde se circula e caminha com dificuldade, respirando mal e sem tempo de olhar a paisagem ou os outros.

Mas é absurdo combater as cidades, desprezá-las ou fugir delas. São Paulo nos perturba e incomoda, mas também nos fornece condições para imaginar formas superiores de convivência e luta pela vida. Não deveríamos temê-la, e sim aproveitá-la melhor. É insensato cogitar do recuo a comunidades ideais que negariam os males da modernização e realizariam o desejo de que se estabelecessem relações pessoais intensas, repletas de solidariedade, paz e harmonia.

A idéia de uma cidade sem problemas, conflitos e ruído social é uma ficção descolada da vida contemporânea. Paralisa, em vez de libertar. Cidades não são arranjos abstratos. Nascem do dia-a-dia coletivo, da história e da cultura enraizada, da surpresa e do inesperado, não do planejamento rígido, desejoso de substituir a face naturalmente tensa da cidade por uma harmonia de prancheta. Seu melhor motor é a democracia participativa organizada, impregnada de vida pública e diferenciação.

Quando olhamos São Paulo com atenção, descobrimos que por sob a feiúra se ocultam muitas belezas, por sob o caos há ordem, por sob a desorientação geral pulsam projetos de destino. Quando vamos além das aparências, vemos uma cidade de pessoas que constroem variadas formas de convivência e cultura, que lutam por uma vida melhor e querem governos melhores, capazes de escutá-las.

São Paulo é apenas aquilo que precisamos redescobrir a cada dia: uma cidade de carne e osso, verde e cimento, máquinas e pessoas, ordem e caos. E é nela como construção coletiva, com suas virtudes e contradições, que devemos pensar para agir. Se descobrirmos como politizá-la, organizá-la democraticamente, enchê-la de cidadania e cultura, se soubermos, em suma, urbanizá-la de modo pleno, teremos o futuro.

Que os eleitores amanhã e o próximo prefeito, ou prefeita, procurem assimilar essas expectativas.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004).

Crimes e castigos


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, foi rápido e rigoroso: na quarta-feira leu errado o nome do presidente do Senado numa cerimônia no Palácio do Planalto e, no dia seguinte, a funcionária responsável pelo discurso estava devidamente afastada de suas funções no cerimonial da Casa.

O crime da moça: acrescentou um inexistente “José” antes de Garibaldi Alves, que aproveitou a deixa para uma piada e fez a platéia rir da presumida gafe.

Chinaglia achou gravíssimo: “Não posso minimizar (o erro) na medida em que o próprio presidente do Senado se incomodou, eu nem tinha percebido, mas devo explicações a ele”.

Para ventura do bom senso, Garibaldi preferiu não comentar a menção honrosa.

Talvez porque tivesse se sentido mais honrado se o presidente da Câmara não o deixasse apanhar sozinho por causa da resistência do Senado em cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre nepotismo.

Por imposição constitucional, há dois meses o STF mandou que os Poderes da República demitissem os parentes de agentes públicos contratados em cargos de confiança, até a terceira geração.

Arlindo Chinaglia disse que a Câmara há muito proíbe a prática e que se parentes houvesse de forma irregular nos gabinetes, os próprios deputados deveriam tomar a iniciativa de demitir seus familiares.

Empenhou sua palavra na lisura dos parlamentares, mas não tomou a causa a pulso, não exibiu levantamentos, deixou as coisas correrem por si.

Enquanto isso, Garibaldi sentado na berlinda pagava o preço de uma decisão estúpida da Mesa Diretora - presidida por ele, diga-se - de abrir uma exceção à decisão judicial para os parentes contratados antes do início do mandato do senador ao qual são ligados.

Passou-se a discutir a “brecha”, em detrimento da cobrança sobre o todo. O Senado desde o anúncio da decisão vem tratando do tema. Lá houve prazo para as demissões e, bem ou mal, empurrado e na pressão, apresentou a exoneração de 86 parentes de senadores.

Quantos são os demitidos na Câmara? Se poucos, muitos ou nenhum, ninguém ficou sabendo. E na administração federal saíram quantos? As assembléias legislativas, as câmaras municipais, os governos dos Estados, o Judiciário, estão todos devendo a apresentação do balanço das providências.

Se foram tomadas, merecem divulgação. Se não foram, o poder público, na ilegalidade, está à mercê do Ministério Público.

Não foi apenas Chinaglia quem tratou a proibição do nepotismo como assunto sem maior importância. Mas só ele deu de público um exemplo perfeito sobre proporção entre crimes e castigos, ao afastar a servidora cujo único delito talvez tenha sido pensar em Giuseppe Garibaldi na hora de escrever o nome do Garibaldi sem José.

Torcida organizada

O alto comando do tucanato está em clima de fervorosa reza pela vitória de Fernando Gabeira no Rio. Se ganhar, terá os governos de São Paulo e Minas à disposição.
José Serra avisa que se “muda” um mês para o Rio se for preciso e Aécio Neves oferece toda a equipe para, se eleito, Gabeira usar como quiser.

E por que tanto mimo? Porque seria o primeiro resultado importante do PSDB em muitos anos no Rio, onde o partido entrou em acelerada decadência e hoje é presidido por Zito, um político da Baixada Fluminense cheio de votos e processos.

Na avaliação da cúpula do partido, entrar assim na batalha da sucessão seria um risco. Principalmente porque ali o desempenho do PSDB nas duas últimas eleições presidenciais foi pífio e Lula investiu pesado na aliança com o governador Sérgio Cabral.

Mesmo saco

Saiu de graça a penalidade em forma de multa aplicada pela Justiça Eleitoral à campanha do prefeito Gilberto Kassab, tão óbvio foi o uso da máquina no episódio da transferência do cheque de R$ 198 milhões ao governo do Estado, para obras do Metrô.

Ficou tudo ainda mais barato (em todos os sentidos) em virtude da perda de autoridade moral do PT para acusar alguém de usar a administração pública para fins eleitorais.

A luta continua

Se Marta Suplicy tiver cumprido a ameaça de partir com tudo para cima de Gilberto Kassab no debate de ontem à noite na TV Globo, não terá sido na esperança de virar o jogo na última hora.

A agressividade do segundo turno antecipa o tom da oposição em território paulista, amostra grátis do que enfrentará o próximo presidente da República se o eleito for adversário do PT.

Amarga ilusão

Para que o apoio deste ou daquele partido ou governante influenciasse no voto, seria preciso que os políticos estivessem em alta junto ao eleitorado.

Como não estão, mas se acham todos verdadeiros guias geniais dos povos, dão à regra o caráter de exceção e seguem acreditando no poder da transferência de votos.

Pré-sal e etanol, vítimas da crise


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A crise econômica internacional não atingiu apenas o Brasil com a maior queda mundial das Bolsas de Valores - já chegou a 50% este ano - ou com as perdas das empresas, especialmente as exportadoras, que tentaram especular contra o dólar na crença do real forte. Graves danos colaterais atravessaram o Atlântico e vieram pegar desprevenidos dois dos maiores emblemas da gestão lulista: o petróleo do pré-sal tornou-se da noite para o dia inviável economicamente, e o etanol perdeu sua atratividade, tudo por conta da queda do preço internacional do barril de petróleo, cotado hoje abaixo dos US$70, preço, aliás, previsto para todo o próximo ano.


No quesito pré-sal, que o presidente Lula pretendia transformar em seu carro-chefe na campanha presidencial de 2010, não bastasse o preço do petróleo, só a dificuldade de conseguir financiamento para a caríssima operação de perfuração já tornaria o empreendimento de difícil execução a curto prazo, como planejava o governo.

O preço do barril de petróleo caindo aos níveis em que estão tornaram o petróleo do pré-sal uma radiosa promessa para tempos mais propícios.

O próprio governo, através de seu ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, já havia anunciado que o barril do petróleo abaixo de US$80 não justificaria economicamente o empreendimento.

Os testes em 2010 em dois poços do pré-sal no campo de Cachalote, em plena campanha eleitoral, mantidas as condições econômicas, servirão apenas para a foto do presidente Lula com o macacão amarelo e a mão suja de petróleo, da mesma maneira que quando comemorou a auto-suficiência brasileira do petróleo, que só existe na teoria.

Na prática, continuamos tendo que importar óleo leve e desde 2006, o ano do anúncio oficial da auto-suficiência, continuamos tendo déficit. Em agosto deste ano, por exemplo, o país importou nada menos do que US$818 milhões em petróleo.

Com relação ao etanol, para nosso desconforto, quem está mais empenhado em rever os subsídios dos produtores americanos é o candidato republicano John McCain, que, tudo indica, não vai ganhar.
No último debate presidencial, McCain se referiu ao etanol produzido no Brasil com base na cana-de-açúcar, e prometeu que cortaria a tarifa imposta à importação do produto brasileiro "porque distorce o mercado".

De fato, o custo subsidiado da produção do litro de etanol de milho é de US$0,30 nos Estados Unidos, enquanto o de cana, sem subsídios, no Brasil, é de US$0,22. Brasil e Estados Unidos detêm cerca de 70% da produção mundial de álcool, e outros produtores são Índia, China, África do Sul e União Européia.

Tanto os Estados Unidos quanto a França, o quinto maior produtor mundial de etanol, fazem seu combustível com outros produtos que não a cana-de-açúcar - os EUA do trigo e milho, e a França da beterraba -, mas ambos os países têm que dar fortes subsídios para tornar o produto economicamente viável.

O forte lobby dos produtores americanos foi enfrentado por McCain durante a campanha, e ele não teve receio de defender o fim do subsídio até mesmo em Iowa, onde a produção americana tem seu centro. A ponto de um senador do estado, o republicano Charles Grassley, ter enviado uma carta ao presidente George W. Bush, na ocasião em que foi assinado um protocolo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, dizendo que não compreende por que o país usa o dinheiro do contribuinte americano "para encorajar a produção de etanol em outro país".

McCain afirmou também que cortaria os subsídios à agricultura, outra demanda dos países emergentes nas discussões da Rodada de Doha para abertura comercial internacional.

O economista Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, considera que uma das principais conseqüências da crise, a queda no preço do petróleo, representará em países como os Estados Unidos queda no preço da gasolina e dos demais derivados de petróleo, e comprometerá mais uma vez o mercado das energias alternativas ao petróleo.

"A não ser que o novo presidente americano se convença de que não se deve permitir que a crise retroceda todo aquele processo que já estava acontecendo no mercado americano de venda de automóveis com menor consumo de combustível, preocupação com o meio ambiente (CO) e com a segurança energética", ressalva ele, mas sem muita esperança.

"As empresas produtoras de etanol de milho nos Estados Unidos estão dando gigantescos prejuízos. O Bill Gates é um dos investidores que mais perderam. Tudo isso me leva a crer que, além de um maior protecionismo, característica de todo governo democrático, o grande problema do etanol brasileiro no mercado americano é o de como o novo governo americano vai elaborar a política energética num cenário de preços declinantes do petróleo", diz Pires.

Também o empresário e diplomata Jório Dauster, presidente da Brasil Ecodiesel, produtora de mais da metade do biodiesel do país, lembra que, "embora McCain mereça crédito por defender o acesso livre do etanol brasileiro ao mercado americano, não creio que, se chegasse à Presidência, poderia impor a um Congresso ainda mais fortemente dominado pelos democratas o fim imediato das taxas exorbitantes aplicadas ao produto brasileiro".

Infelizmente, analisa Dauster, "as práticas protecionistas tendem a ser exacerbadas não tanto devido à crise financeira como tal, mas por conta da recessão que está chegando em seu bojo".

Mantido esse quadro, Dauster não crê que possamos "esperar gestos generosos do Congresso para com o Brasil, tanto no etanol quanto em qualquer outra área, seja quem for o novo presidente".(Continua amanhã)

A crise e a casa tomada


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


MADRI - Coube a um escritor a melhor descrição da crise, noves fora a catarata de números e de expressões esotéricas como "swaps reversos".

Trata-se do mexicano Jordi Soler, radicado em Barcelona, da qual emigraram seus pais. Em artigo para "El País", Soler recupera o conto "Casa Tomada", do argentino Julio Cortázar, para explicar tudo. É a história de dois irmãos quarentões que vivem em uma casona herdada, têm um cotidiano banal, "uma vida quase perfeita".

Até que um dia, do fundão da casa, ao qual nunca iam, vem "um ruído impreciso e surdo, como o de uma cadeira caindo sobre o tapete ou um sussurro de conversa". O irmão avisa a irmã: "Tomaram a parte dos fundos". Aos poucos, vão tomando o resto até encurralá-los na garagem.

Pois é, a crise é assim. Sujeito oculto, sem rosto, mas invasivo. No começo, tomou a parte dos fundos (a crise das hipotecas subprime).

Foi avançando, avançando e já sufoca agora a parte da casa -os países ditos emergentes- que todos, governantes e palpiteiros, diziam estar absolutamente blindada.

O mundo parece encurralado. Alguns países na garagem, outros no porão, terceiros em cantos ainda confortáveis (China e seus 8% de crescimento, por exemplo), um completamente exangue (a Islândia). O pior é que ninguém sabe até onde irá o sujeito sem rosto, mesmo porque todos os sábios que faziam previsões desistiram de fazê-las -o que é, aliás, o único ganho com a crise. Não li o conto de Cortázar para poder saber como é o final e se a crise tende a ter desfecho idêntico.

Mas li o texto de Soler, que termina assim: "Damas e cavalheiros, a casa está oficialmente tomada. Mas por quem?"

Será que pelo menos isso os sábios poderiam se dignar a responder -ou se sentem cúmplices?

As restrições mentais do governo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Brasília não tem nenhuma culpa pela crise moral e ética que assola os três poderes. Uma cidade, um país é responsável pelos erros e falcatruas dos governos, sejam os que conservam a máscara democrática ou os que chafurdam nos pântanos das ditaduras.

O único caso que eu conheço de um país ser apontado como desequilibrado mental está no fundo do baú da memória dos velhos tempos do Congresso funcionando no Rio, ainda capital, e que o saudoso deputado Hermes Lima gostava de contar nas rodas de conversa na sala do café. Em reunião de uma Comissão para emitir parecer sobre uma proposta de reforma agrária, o venerando senador Clodomir Cardoso aparteou, sustentando que nenhum país realizaria um projeto como aquele. Hermes rebateu: "Este é o modelo do México". E Clodomir em cima da bucha: "Ora, o México! O México é maluco!".

Já não se pode dizer o mesmo das restrições mentais, expressão cunhada pelo talento do jornalista, escritor, acadêmico e autor das melhores prosas da crônica deste país, o mineiro Otto Lara Resende. Ao redigir o texto da entrevista do marechal Teixeira Lott, logo depois do golpe militar de 9 de novembro de 1955 – que derrubou o presidente João Café Filho, acusado de conspirar contra a posse do sucessor eleito, Juscelino Kubitschek – Otto hesitou diante da rudez da confissão do ministro da Guerra demitido pelo presidente em exercício, deputado Carlos Luz, de que mentira ao negar o fato ao general Fiuza de Castro, já nomeado para substituí-lo, quando perguntou, pelo telefone, se havia algum movimento de tropa. Otto buscou o sinônimo de mentira e não achou nenhum na longa lista de qualquer dicionário. E criou as restrições mentais, de longo consumo nas conversas políticas, com as mais variadas aplicações.

Retomamos o fio da meada. Brasília nasceu perfeita, em parto prematuro, antes de estar pronta para atender à justa urgência da volta do JK-65 da sua perdição. Riscada numa folha de papel pela genialidade de Lúcio Costa, com o traçado revolucionário da Praça dos Poderes reunindo as sedes do Executivo, de Legislativo e do Judiciário e onde começam as lar gás avenidas da Esplanada dos Ministérios, do setor bancário e as vias de toda uma cidade. E com o gênio de Oscar Niemeyer solto na criação de prédios e palácios, que são jóias da humanidade.

Posso depor, pois testemunhei os debates acalorados na Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes. E mantenho duas convicções de mais de meio século. A primeira é que a oposição udenista, com a sua brilhante bancada de oradores, como nunca mais se viu outra igual ou parecida, só não obstruiu até o último fôlego a aprovação da mudança para Brasília porque não acreditou que JK realizasse as obras a tempo de inaugurá-la. E a segunda, por medo do deputado udenista de Goiás, Emival Caiado, com físico de levantador de peso e fanático da transferência da capital para terras vizinhas ao seu Estado. Para o deputado Emival Caiado, a mudança da capital era um dogma, que não admitia dúvida ou discussão. Mas, se Brasília não mentiu, muitos apelaram para as restrições mentais para derrubar, uma a uma, muitas das apregoadas vantagens de mudança, que esvaziou o Rio e negou o sonho dos seus fundadores.

Nos debates parlamentares, os benefícios da mudança para o serrado, além das obviedades do estímulo ao desenvolvimento da região, da interiorização do progresso, os sinos bimbalhavam o sossego, a tranqüilidade de uma capital prevista e construída para acolher uma população de, no máximo, 500 mil habitantes, com previsão para o estouro de 600 mil.

O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, nos amplos palácios, com largos espaços para jardins, garantiriam o sossego, a tranqüilidade do interior brasileiro para o exercício da atividade de cada um, com a independência e a harmonia facilitadas pelas condições ideais. Mentiriam em nome de Brasília. A capital, que o meu compadre e saudoso amigo José Aparecido de Oliveira, quando governador, conseguiu incluir entre os patrimônios da Humanidade, bate recordes vergonhosos do estouro populacional e pode enrubescer de vergonha com os seus 2 milhões, cinqüenta e um mil, cento e quarenta e seis habitantes do último censo. Nada funciona na cidade cercada por favelas, pela violência, pelos traficantes e com todos os vícios do progresso.

A conversa não acaba aqui.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1129&portal=