domingo, 26 de outubro de 2008

Me dá um dinheiro aí!


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A acumulação de dívidas é um tiro no pé. Qualquer dona-de-casa sabe disso. Mas nem sempre os governos e banqueiros levam o assunto a sério. Agem como consumidores compulsivos e perdulários


O governo resolveu meter a mão peluda no mercado financeiro, que segundo o Banco Central parecia ir muito bem, obrigado, mas está com problemas que ninguém sabe aonde vão parar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, às vésperas do segundo turno das eleições municipais, interveio no sistema de crédito para evitar que alguns bancos, montadoras e construtoras fossem à breca. Agiu à inglesa, como o primeiro-ministro britânico Gordon Brown. Decidiu autorizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprarem a participação em instituições financeiras públicas ou privadas, com ou sem participação acionária, que estejam em dificuldades. E deixou o BNDES de prontidão para socorrer exportadores, montadoras e construtoras com problemas.


Blindagem

O que está acontecendo nos bastidores do mercado, a rigor, ninguém sabe. No começo, a versão oficial era de que tudo não passaria de uma “marolinha”, que atingiu apenas algumas empresas exportadoras que haviam apostado na valorização do real. Agora, mais gente não consegue nadar. A decisão de intervir no mercado financeiro foi tomada pelo governo na surdina. Gerou polêmica por causa da falta de transparência e de salvaguardas para que os prejuízos não sejam “socializados”. Pegou muito mal, por exemplo, o fato de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, terem ocultado a decisão durante audiência pública no Congresso.

Além de despertar as suspeitas da oposição, a decisão surpreendeu e inquietou o mercado financeiro. Por que a criação da Caixa-Banco de Investimentos S. A.? Quais são os bancos que estão quebrados? Que montadoras estão à beira do colapso? Por que o governo socorrerá as construtoras que especularam com terrenos e alavancaram o valor dos imóveis? Não há respostas claras. Resultado: com tantas incertezas, a Bovespa despencou, o dólar subiu e o senso-comum de que a crise chegou para valer à nossa economia real se consolidou. É um nevoeiro.

Créditos

A acumulação de dívidas é um tiro no pé. Qualquer dona-de-casa sabe disso. Mas nem sempre os governos e banqueiros levam o assunto a sério. Agem como consumidores compulsivos e perdulários. Nos períodos de expansão econômica, o endividamento aumenta. Quanto mais alguém se endivida, mais consegue crédito. Desde que a economia cresça, os bancos liberam o dinheiro. Nos Estados Unidos, bastava um emprego para o sujeito conseguir o empréstimo e comprar uma casa nova.

Há empréstimos e empréstimos. Um é aquele que o tomador cobre o risco e quita a dívida com o fluxo de caixa. É o caso do agricultor que compra sementes para o ano seguinte. Ele paga o produto com a colheita. Outro é o empréstimo rolado, em que só se pode pagar os juros da dívida. O subprime norte-americano era isso. O sujeito acreditava que, em caso de necessidade, poderia vender a moradia acima do valor de compra e liquidar o empréstimo, mas quebrou a cara. O pior é aquele no qual não se dispõe de recursos para pagar juros e capital e se aposta nos ganhos com a especulação financeira. É a valorização dos bens adquiridos ao se endividar que financia a dívida. As corretoras americanas compravam pacotes acionários graças às linhas de crédito dos bancos e, toda vez que o valor das ações subia, contraíam novas dívidas para comprar mais. O Lehman Brothers quebrou porque o valor dos empréstimos em carteira entrou em colapso e o banco se viu com uma dívida 22 vezes maior do que o capital social.

A tese oficial de que nossos problemas serão resolvidos garantindo o crédito a qualquer preço é perigosa. Existe dívida boa e dívida ruim. A dívida contraída com investimentos em infra-estrutura, bens de capital e bens duráveis em tese é boa, desde que respeitada a capacidade de pagamento. A dívida decorrente de despesas de custeio, de financiamento do consumo imediato e rolagem de outras dívidas é sempre ruim. Numa situação de retração econômica, é a forca. Por isso, alguém vai pagar a conta das empresas que estão em dificuldades no Brasil. Afinal, como dizia o finado neoliberalismo, não existe almoço grátis. Se for o governo, seremos todos nós.

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