domingo, 20 de novembro de 2022

Luiz Sérgio Henriques* - A democracia como desafio global

O Estado de S. Paulo

Diante de nós está a evidente tarefa de desagregar o consenso nacional-populista, esvaziando a base de massas do autoritarismo

Menos desglobalizada do que parece, a política de diferentes países continua atravessada por riscos, tensões e até conjunturas críticas que podem ser comparadas, como as que, nas últimas semanas, marcaram as duas maiores democracias das Américas. Por aqui nos livramos da ameaça do segundo mandato do governante nacional-populista, quando costuma tomar forma não propriamente uma tradicional ditadura militar, mas um regime de controle estrito das alavancas do Estado e das instâncias da sociedade civil. Mais ao norte, nos Estados Unidos, desmentindo previsões sombrias, Joe Biden e seu partido ganharam tempo precioso até as eleições de 2024, livrando-se o presidente do destino que se reserva aos lame ducks, os governantes enfraquecidos em final de mandato.

Trata-se de dois países cujas circunstâncias, segundo insight do cientista político Jairo Nicolau, estão no ponto máximo de proximidade, a começar pela radical divisão da sociedade – e dos eleitores – e pela presença de atores com vocação subversiva. Em ambos os casos, líderes de extrema direita, com séquito de massas e traços de um fascismo reformulado, ou de um pós-fascismo, tomaram o lugar da direita constitucional, ameaçando sem nenhum pudor o mecanismo da alternância. Voto eletrônico ou impresso, eleições centralizadas ou descentralizadas, nada disso importa. O script é monotonamente previsível, os resultados só valem se o autocrata vencer.

Merval Pereira - Volta ao velho normal

O Globo

Militares têm atuado de maneira ambígua, permitindo que manifestantes acampem em áreas de “segurança nacional e alimentando desvarios negacionistas

O Brasil precisa voltar à normalidade, e os militares são parte importante desse retorno. Não é aceitável que as aglomerações em frente aos quartéis sejam consideradas normais, ainda mais quando pedem medidas inconstitucionais, como a intervenção militar para não permitir que o presidente eleito tome posse. São as novas “vivandeiras alvoroçadas” que incentivavam os militares a ações golpistas.

Não ver o que está sendo gestado nesses movimentos ilegais, ou pela continuada ação de bloqueio em estradas pelo país, é ser cúmplice, no mínimo por leniência e inação. Bolsonaro levou os militares para o centro da política partidária, prometendo reintroduzi-los na vida nacional pela porta da frente, como se precisassem do aval de um político desqualificado, “mau militar”, para ter o respeito da população.

Acabou colocando os militares em situação delicada, sendo vistos pela população como privilegiados, como no caso da reforma da Previdência, ou como agentes políticos com lado, como acontece agora. Logo que assumiu, Bolsonaro fez questão de agradecer publicamente ao General Villas Boas, em palavras cifradas: “General Villas Boas, o que nós conversamos ficará entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”.

Dorrit Harazim - A desrazão

O Globo

Imaginar Bolsonaro zanzando há três semanas no Palácio da Alvorada, infectado física e psicologicamente pelo medo, é esquisito

De que é feito um grande líder? Quase 200 anos atrás, a americana Margaret Fuller, autora do clássico “A mulher no século XIX”, primeira obra feminista registrada nos Estados Unidos, elencou quatro atributos essenciais: 1) ser idealista sem ser raso, ser realista sem demolir o outro; 2) abrigar empatias universais; 3) ser seguro de si; 4) entender que o poder é mais que mero espetáculo — o jogo da vida é solene, tem consequências. Primeira mulher correspondente de guerra de seu país, a pioneira Fuller foi uma jornalista engajada. Tinha horror à desrazão.

Em tempos mais recentes, quem também se ocupou do tema foi outra pioneira das letras, a colossal Octavia Butler. Autora de livros de ficção científica, Butler havia arrombado essa fatia do universo literário dominada por homens — e quase sempre homens brancos. Fora marcada pelo racismo e pelo segregacionismo dos EUA. Tampouco tinha paciência com a desrazão. Deixou ensinamentos sábios sobre a escolha de líderes. “Ser liderado por um covarde significa ser controlado por tudo o que o covarde teme. E ser liderado por um tolo é ser liderado pelos oportunistas que controlam o tolo”, escreveu em “Parábola dos talentos”. A obra também contempla líderes corruptos, mentirosos e chegados a uma tirania.

Luiz Carlos Azedo - Nada será como antes no 3º mandato de Lula

Correio Braziliense

A ruptura entre os dois primeiros mandatos e o terceiro é uma necessidade histórica, porque existe um hiato de 12 anos entre ambos, no qual o mundo mudou e a realidade política e social do país também

Talvez a grande dificuldade para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) operar a transição e a montagem do seu novo governo decorra do fato de que existe uma lógica subliminar nas suas atitudes que não tem viabilidade política: retomar o fio da história de onde sua passagem pela Presidência foi interrompida. Essa foi a linha básica de sua campanha eleitoral, na qual explorou as realizações de seus dois exitosos mandatos como principal ativo eleitoral, ao mesmo tempo em que manteve distância regulamentar da questão ética e do fracasso político, econômico e administrativo de Dilma Rousseff, mascarado pelo discurso de que fora vítima de golpismo.

Míriam Leitão - Na terra do meio da transição de poder

O Globo

É preciso ver tanto as demandas sociais do país quanto os alertas dos economistas para reduzir o risco de errar em um governo que nem começou

Para chegar aos gabinetes do escritório de transição, no segundo andar, é preciso subir quatro lances de escada. Parece detalhe. É sinal. O CCBB, tradicional local das transições de governo, não estava preparado. Dois elevadores estão em reforma. Há um único elevador na área de segurança, reservado para o presidente e o vice-presidente eleitos e suas equipes. Teriam pensado que não haveria alternância? Nos corredores da área reservada, para a qual só se passa de crachás amarelos, cartazes improvisados na porta indicam os novos donos do poder. Mas antes da área de segurança é possível encontrar alegres grupos da sociedade civil.

Do lado de fora, jornalistas cercam fontes que passam, cruzando com famílias indo visitar exposições. Há em tudo um ambiente de mudança e recomeço. O tempo em Brasília nessa época do ano tem mais volatilidade que o mercado financeiro. O sol forte pode dar lugar a tempestades com raios e trovoadas em minutos.

Bernardo Mello Franco – Os donos da faixa

O Globo

Ritual simboliza duas coisas que o capitão abomina: democracia e alternância de poder

Jair Bolsonaro perdeu a eleição, se trancou no palácio e não quer passar a faixa. O futuro ex-presidente tem dado sinais de que faltará à posse do sucessor. Deve repetir o exemplo de João Figueiredo, o último general da ditadura, que boicotou a solenidade em 1985.

A birra do capitão criou um problema para os organizadores da cerimônia. O vice-presidente Hamilton Mourão poderia ser escalado, mas já avisou que não vai substituir o titular. “Eu não sou o presidente. Não posso botar aquela faixa, tirar e entregar”, justificou, em entrevista ao jornal Valor Econômico.

A transmissão da faixa simboliza duas coisas que Bolsonaro abomina: a democracia e a alternância de poder. O capitão não reconheceu a derrota, não ligou para o presidente eleito e não apareceu mais para trabalhar. Sumir no dia 1º de janeiro seria seu último ato de incivilidade.

Elio Gaspari - A macumba da faixa

O Globo

Presidente tem até 1º de janeiro para decidir como pretende sair do governo e retomar sua vida política

Jair Bolsonaro tem até a manhã de 1º de janeiro para decidir como pretende sair do governo e como pretende retomar sua vida política. Poderá passar a faixa presidencial a Lula, indicando que ganhou, perdeu e seguirá seu caminho dentro das quatro linhas da Constituição.

Poderá ir para casa, recusando-se a participar da cerimônia de transferência do poder. Na República, que há dias fez 133 anos, só dois presidentes fizeram essa pirraça: João Figueiredo, em 1985, e Floriano Peixoto, em 1894.

Figueiredo passaria a faixa a Tancredo Neves com alguma satisfação. Como Tancredo estava no hospital, e naqueles dias detestava o vice-presidente José Sarney, foi-se embora, saindo por uma porta lateral do palácio.

O general que completou a abertura, deu a anistia e conduziu a redemocratização estragou sua biografia com a pirraça infantil. A fotografia dele passando a faixa a Sarney simbolizaria seu governo.

Se Bolsonaro passar a faixa a Lula, ninguém achará que passou a gostar dele. O gesto mostrará apenas que, como disse ao reconhecer o resultado da eleição, ficou dentro das quatro linhas da Constituição. É um ganha-ganha contra um perde-perde.

Bruno Boghossian - Bolsonaro terá concorrência?

Folha de S. Paulo

Com movimentos sutis, Zema e Ratinho tentam demarcar diferenças e não descartam candidatura

Jair Bolsonaro saiu das urnas derrotado, mas se consolidou como o líder mais popular da direita brasileira atualmente. Apesar dos movimentos precoces para mantê-lo como nome forte na próxima eleição, nem todos tratam o presidente como candidato único e natural desse campo político em 2026.

Dois atores da órbita bolsonarista fizeram movimentos sutis nesse sentido. Em entrevistas nos últimos dias, os governadores Romeu Zema (MG) e Ratinho Júnior (PR) tentaram demarcar divergências leves em relação ao presidente e sugeriram que a porta deve estar aberta para outros nomes de direita em quatro anos.

Embora tenham entrado de cabeça na campanha de Bolsonaro neste ano, os dois fizeram questão de dizer agora que têm críticas ao presidente, principalmente na condução do país diante da Covid. "Durante a pandemia, a comunicação do governo federal deixou muito a desejar", declarou Zema à rádio Super.

Hélio Schwartsman - Mudança

Folha de S. Paulo

Inovações só ocorrem depois de terem sido validadas por relacionamentos significativos do indivíduo

Você quer colocar uma nova ideia em circulação. Qual a melhor estratégia? Contratar um punhado de influenciadores que somem milhões de seguidores? Até pode ser, desde que sua ideia seja algo bem simples e que não envolva nenhuma espécie de mudança comportamental, tipo propagar uma notícia. Aí, as redes compostas por indivíduos densamente relacionados, capazes de alcançar multidões, provavelmente funcionarão. Mas, se sua ideia exige que as pessoas adotem outras atitudes, aí os influenciadores não serão tão úteis. Na verdade, podem até revelar-se um tiro pela culatra.

"Mudança", de Damon Centola, analisa essa e várias outras questões relativas a redes sociais. E o faz recorrendo à ciência, não a intuições arraigadas, e buscando exemplos em casos reais. O retumbante fracasso do Google Glass, por exemplo, se deve ao fato de que a empresa foi muito eficaz em espalhar notícias sobre o produto usando influenciadores e geeks, mas muito menos em criar um ambiente de validação social para seu uso. O apetrecho foi visto como algo esnobe, indesejável para pessoas comuns.

Muniz Sodré* - Nervos à flor do pano

Folha de S. Paulo

Mercado de puros valores tem olhos fechados ao território, à gente viva

"Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1988), conhecido filme de Pedro Almodóvar, não tem nada a ver com economia, mas esse título assenta bem à entidade entre nós denominada "mercado". É que, emocionado, Lula disse ser o combate à fome mais importante do que estabilidade fiscal. Não disse que são incompatíveis, foi um desabafo. "Em modo de campanha", ponderou uma voz experiente. Mas num tremelique, o mercado jogou para baixo o Ibovespa e, para cima, o dólar. Um ataque de nervos de quem certamente esperava outra coisa.

A economia de mercado, mecanismo autorregulável que ordena a produção e a distribuição dos bens, vive de expectativas. A primeira é de que os seres humanos se comportem de modo a atingir o máximo de ganhos monetários. Dinheiro é uma voragem atrativa. Depois, o domínio da sociedade pelo mercado, esquecido da evidência histórica de que a economia do homem está submersa em suas relações sociais. Disso bem sabe Lula: o mercado pode querer uma coisa, e a sociedade, outra.

Janio de Freitas - O reencontro com o Brasil

Folha de S. Paulo

O mundo mudou e a visão dos militares ficou fora, completamente fora da realidade

A recepção do mundo ao retorno de Lula tem a anormalidade dos fenômenos. As publicações importantes, muitos chefes de governo, e manifestações dos conscientes das urgências naturais, sociais e políticas do planeta celebram a volta do Brasil pelas mãos de Lula. Nas palavras do escritor Jon Lee Anderson: "As pessoas ao redor mundo estão esperando de você, Lula, não que salve a Amazônia, mas que salve o mundo".

Há pouco a se comparar com essa expressão universalizada de inquietude e vontade, feita com espontaneidade que subjuga a era do invasivo marketing. O nome Lula ecoa no mundo como o de Mandela soou em nossos dias, por admiração ao homem e à obra de sua vida comovente. Lula —ideia, histórico, palavra, pessoa— é a causa e a confiança.

Vinicius Torres Freire - O começo de Lula 1, uma crônica

Folha de S. Paulo

Era preciso conter 'ansiedade social'; crescimento e superávit foram os maiores da democracia

"Teremos de manter sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades sociais para que elas possam ser atendidas no ritmo adequado e no momento justo", disse Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso de posse. Da primeira posse: 2 de janeiro de 2003.

Como neste 2022, nos discursos da vitória de 2002 e no da posse de 2003, Lula disse: "Se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida".

Cerca de 150 mil pessoas foram à Esplanada dos Ministérios para ver o primeiro presidente de esquerda. Lula assinou o termo de posse com uma caneta Montblanc dourada, presente de Ramez Tebet (1936-2006), senador pelo MDB do Mato Grosso, então presidente do Congresso, pai da senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Eliane Cantanhêde - ‘Momento eufórico’

O Estado de S. Paulo.

Em bom português, Lula modula discurso, corrige erro e recupera a paz. Por enquanto

Numa montanha-russa, o presidente eleito Lula brilhou ao levar o Brasil de volta à liderança ambiental e à cena internacional, derrapou ao desdenhar da responsabilidade fiscal, da Bolsa e do câmbio e se reequilibrou em Portugal, ao calibrar a fala sobre contas públicas, referir-se adequadamente às Forças Armadas e, enfim, enfrentar de frente a carona em jatinho de empresário.

Na COP 27, a plateia entoou o novo hino lulista, “o Brasil voltoooou, o Brasil voltoooou”, diante de um discurso contundente e abrangente em que Lula falou para os brasileiros e o mundo e se declarou “cobrador” dos países ricos.

Albert Fishlow* - Planos para o futuro de forma produtiva

O Estado de S. Paulo.

O mundo de hoje é bem diferente daquele que existia no primeiro mandato de Lula

Estes ainda são dias de alegria. Lula foi eleito presidente do Brasil mais uma vez, ainda que por pouco. Nos EUA, os democratas mantiveram o controle do Senado, mas não conseguiram a maioria na Câmara.

Desta vez, Bolsonaro e Trump fracassaram em reestruturar as sociedades de seus países enfatizando os valores pessoais deles – e aqueles de suas famílias –, em detrimento dos mais pobres, das mulheres, da diversidade racial e sexual, dos indígenas e de outros críticos declarados. Tanto Bolsonaro quanto Trump queriam olhar para trás, e não para frente.

Mas a vantagem apertada de cada vitória limita a liberdade de, simplesmente, seguir em frente. Um futuro melhor exige uma capacidade contínua de tentar estabelecer relações amigáveis e se comprometer, em vez de se impor. Isso vale até mesmo no Oriente Médio e no conflito entre a Ucrânia e a Rússia de Putin.

Celso Lafer* - 2023: rumos e desafios da política externa de Lula

O Estado de S. Paulo

Na interação entre o ‘interno’ e o ‘externo’, é relevante que o novo governo tenha sensibilidade para ampliar sua validação.

O legado da política externa do governo Bolsonaro é muito negativo. Isolou o Brasil no mundo; dilapidou o capital diplomático do País; diminuiu o potencial de articulação com nossos grandes parceiros; comprometeu nossa ação nas instâncias multilaterais que sempre foram histórico ativo do País. 

O governo Bolsonaro não soube traduzir objetiva e apropriadamente necessidades internas em possibilidades externas – a tarefa da política externa como política pública.

É consensual esta avaliação entre analistas da diplomacia brasileira. Foi significativo que personalidades que exerceram responsabilidades nas relações internacionais em diferentes governos e com distintas trajetórias e opiniões políticas tenham se manifestado sobre a matéria. Publicamos juntos neste jornal, em 8 de maio de 2020, artigo sobre a necessidade da reconstrução da política externa, assinado por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Francisco Rezek, José Serra, Rubens Ricupero, Hussein Kalout e por mim (A reconstrução da política externa brasileira, pág. A7).

Cristovam Buarque* - Desempobrecer e enriquecer

Blog do Noblat / Metrópoles

Perdeu-se a perspectiva de que sair da pobreza é menos aumentar um pouco a renda do que dispor de acesso aos bens e serviços essenciais

Desde que o pensamento econômico passou a dominar a lógica do processo social, desempobrecer e enriquecer significam o mesmo: aumentar a renda. Mudam os valores, mas o mesmo conceito serve para quem sai da pobreza, um pouco mais de renda, e quem sobe na riqueza, muito mais renda.

Perdeu-se a perspectiva de que sair da pobreza é menos aumentar um pouco a renda do que dispor de acesso aos bens e serviços essenciais: segurança alimentar, escola com qualidade, moradia com água potável, esgoto e coleta de lixo, atendimento médico, transporte coletivo de qualidade e um nível básico de renda. Há quase 100 anos, os economistas prometem que tudo isto chegará com o crescimento econômico, emprego e renda, e nunca chega, porque o acesso no mercado aos itens essenciais só é possível por pessoas de renda alta, para a maior parte das pessoas com renda baixa, este acesso só é possível se disponíveis publicamente.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Copa do Catar vai além das quatro linhas do gramado

O Globo

Nunca um país gastou tanto para realizar o evento — e nunca ele foi marcado por tantas denúncias

Nunca se gastou tanto para sediar uma Copa do Mundo. O orçamento recorde da Copa do Catar — US$ 220 bilhões — é quase 15 vezes o que foi investido no Brasil em 2014. Mas a dinheirama despejada na primeira Copa do Oriente Médio não foi suficiente para redimir a imagem do país. Denúncias de violações de direitos dos trabalhadores migrantes, das mulheres e da população LGBTQIA+ já fazem dela campeã de questionamentos. Dois dias antes da abertura, os catarenses ainda proibiram a venda de cerveja nos estádios.

A escolha do Catar como sede em 2010, em detrimento dos Estados Unidos, foi cercada de suspeitas de corrupção. O próprio presidente da Fifa na ocasião, Joseph Blatter, admitiu depois que a escolha fora “um erro”. Não só pelo transtorno logístico — em razão das altas temperaturas, pela primeira vez o torneio teve de ser transferido para novembro, prejudicando o calendário das poderosas ligas europeias. Mas também por desprezar a questão dos direitos humanos, a exemplo do que acontecera na Argentina em 1978 ou na Rússia em 2018.

Poesia | O Haver - Vinicius de Moraes (participação de Edu Lobo)

 

Música | Beth Carvalho - Por um dia de Graça

 

sábado, 19 de novembro de 2022

Luiz Werneck Vianna* - Sem o direito de errar

Sob condução perita a democracia conquistou uma nova oportunidade para tentar se impor na vida política dos brasileiros. Não foi uma vitória fácil e não encontra pela frente um céu de brigadeiro, mas um cenário tempestuoso carregado de ameaças. O capitalismo autoritário de estilo vitoriano teve quatro longos anos para instalar minas e casamatas em sua defesa, e operou a partir de um plano de estado-maior favorecendo sem meias medidas interesses já constituídos como os do agronegócio e os das finanças, ao lado dos novos que estimulava com recursos políticos, especialmente na fronteira amazônica com a mineração e as madeireiras, fazendo vistas grossas à invasão de terras e à depredação do meio ambiente. Nessa faina seu lema implícito foi o de que não existe essa coisa chamada sociedade, os apetites de acumulação não deveriam conhecer freios regulamentadores do direito.

Oscar Vilhena Vieira* - Por um triz

Folha de S. Paulo

Alguns esforços imediatos terão que ser feitos para reduzir os riscos de uma recaída autoritária

democracia constitucional brasileira resistiu a um presidente de extrema direita e seu intenso vandalismo institucional. Sem disparar um só tiro, a maioria dos eleitores apeou do poder um governante hostil ao estado democrático de direito e cercado de apoiadores fortemente armados. Esse é um feito que devemos celebrar, especialmente em uma conjuntura na qual diversas outras democracias ao redor do mundo têm sucumbido a processos de autocratização.

O fato, porém, é que foi por um triz. Não há como negar que o projeto autoritário e regressivo de Bolsonaro atraiu amplos setores do eleitorado, como demonstra a adesão de um número significativo de pessoas às manifestações antidemocráticas que se sucederam ao término do pleito eleitoral.

Isso é sinal de que o pacto democrático estabelecido em 1988 se esgotou? Penso que não. Mas alguns esforços imediatos terão que ser feitos para reduzir os riscos de uma recaída autoritária. O primeiro desafio, no plano das relações políticas e sociais, é buscar arrefecer a polarização visceral, que contaminou o tecido democrático brasileiro, a partir de 2014.

Cristina Serra - Lula e o ectoplasma do Alvorada

Folha de S. Paulo

Nem tudo está fechado, mas o que está delineado vai muito além do Ministério do Meio Ambiente

Lula entendeu a gravidade da urgência climática e tem indicado que dará ao Brasil uma inédita estrutura de proteção ambiental, em seu terceiro mandato. Nem tudo está fechado, mas o que está delineado vai muito além do Ministério do Meio Ambiente.

Uma das novidades é o Ministério dos Povos Originários, que, ao dar voz e poder de decisão aos indígenas, equivale ao começo de um processo de reparação histórica por 520 anos de massacre. São eles os principais guardiões dos nossos biomas.

deputada eleita Marina Silva (Rede-SP) propôs uma instância autônoma para coordenar a ação climática do governo e fiscalizar o cumprimento das metas do Brasil para redução da emissão de gases do efeito estufa. Seria a Autoridade Climática Nacional e agiria com total independência de ingerências políticas.

Demétrio Magnoli - O mercado não tem Comitê Central

Folha de S. Paulo

É uma teia complexa de intercâmbios pela qual flui o sangue das economias

O Povo (famélico) contra o Mercado (rico, ganancioso, especulativo) –o tema circulou desde o esboço da PEC da Transição, nos discursos de Lula, dos dirigentes petistas e da torcida uniformizada na imprensa e nas redes sociais. Neles, o Mercado emerge como um sujeito político: o inimigo do "governo dos pobres". É investimento especulativo (ops!) na ignorância do público.

A política populista, ao contrário do que se pensa, não nasceu na América Latina, mas nos EUA. Seu protagonista icônico foi Andrew Jackson, o sétimo presidente (1829-1837), eleito sob o lema "a vontade do Povo". De lá para cá, o discurso populista fixou-se no mítico confronto entre Main Street (a rua popular do comércio) e Wall Street (a rua dos bancos). A cristalização da imagem geográfica desdobrou-se nas procissões de charges que opõem o "homem comum" ao banqueiro concupiscente. O mercado (financeiro) tornou-se o retrato do Mal.

Ascânio Seleme - O bem-vindo protagonismo de Alckmin

O Globo

Perfil conciliador, negociador e trabalhador que foi útil na campanha, está sendo muito bem-vindo na transição, e poderá ser ainda mais importante no governo

Enquanto Luiz Inácio brilhava no Egito, com todos os méritos, nos braços dos ambientalistas globais, no Brasil quem operava a máquina da transição com eficiência e diligência era Geraldo Alckmin. Lula escolheu um candidato a vice para ganhar a eleição e encontrou um aliado para governar efetivamente a nação. Alckmin é um homem honesto, de hábitos simples e gestos limitados. Não é exuberante e muito menos extravagante. Seu perfil conciliador, negociador e trabalhador que foi útil na campanha, está sendo muito bem-vindo na transição, e poderá ser ainda mais importante no governo.

Alckmin passou por todos os testes dentro do PT. Foi visto com muita má vontade quando Lula começou a falar internamente em seu nome como candidato a vice. Num dado momento, líderes do PT tentaram barrar o ex-tucano, mas Lula o bancou. Depois de sacramentada a chapa, foi sendo digerido com paciência. Muitos acharam que ele seria apenas mais uma das sacadas políticas do líder, que serviria para ganhar a eleição e nada mais. Os diversos gestos de deferência feitos por Lula em direção a Alckmin mostraram o contrário, e os reticentes começaram a entender que o papel do vice seria importante. Sua nomeação para coordenar a transição não deixou mais dúvidas, o presidente eleito apostava em seu vice.

Eduardo Affonso - Perdeu, mané

O Globo

O Brasil desandou a falar de seu maior complexo: a irrefreável vocação para matar o pai, Portugal, começando pela língua

Preocupado com a saúde mental do país, O GLOBO levou o Brasil a quatro renomados psicanalistas. Os diagnósticos estão lá, na página 29 da edição de domingo passado (13 de novembro): psicose, luto, autossabotagem, idealização, desilusão.

O Brasil ouviu, elaborou, racionalizou, introjetou, fechou uma gestalt, teve um insight e resolveu ouvir uma quinta opinião. Procurou Pai Dudu da Gamboa, que incorpora Freud, Jung, Reich e Lacan em seu terreiro — e volta e meia faz previsões imprevisíveis aqui, nesta coluna.

Acomodado no divã depois de um rápido banho de descarrego (não por falta do que descarregar, mas premido pelo tempo lógico), o Brasil desandou a falar de seu maior complexo: a irrefreável vocação para matar o pai, Portugal (começando pela língua) e se amasiar com a mãe África (uma relação ambígua de orgulho e preconceito). E, claro, do trauma recente:

Pablo Ortellado - Bolsonaro participou do movimento golpista?

O Globo

É muito pouco provável que mais de 2 mil bloqueios de estradas tenham surgido de maneira espontânea

Já se passaram três semanas das eleições, e o movimento golpista segue vivo. Apesar de politicamente isolado e sem expectativa razoável de êxito, continua mobilizado num patamar elevado, ainda que decrescente.

Polícia Federal, polícias estaduais, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal (STF) investigam a organização e o financiamento dos protestos antidemocráticos. O desafio é entender em que medida são espontâneos, em que medida organizados. E, se organizados, qual é a cadeia de comando. A questão de fundo é descobrir se foi formada uma organização criminosa para contestar a ordem democrática e o processo eleitoral e se (e até que ponto) o presidente ou lideranças bolsonaristas estão envolvidos.

Um dos pontos fundamentais é entender o silêncio de Bolsonaro e dos influenciadores e lideranças bolsonaristas. Foi resultado de perplexidade e desolamento pela derrota ou estratégico? O presidente e seu entorno ficaram paralisados por uma derrota não esperada ou seu silêncio foi manobra para articular o movimento golpista de forma sorrateira, fora da esfera pública, de maneira a não se fazerem notar e a fugirem das implicações políticas e jurídicas?

Carlos Alberto Sardenberg - Não é empréstimo, é carona. Sério?

O Globo

Presidente eleito ganhou favor de um empresário cujos negócios dependem do governo, para o bem ou para o mal

Qual a diferença entre tomar um jatinho de empréstimo ou pegar uma carona nesse avião? Nenhuma, claro. Lula, presidente eleito, viajou de graça no jato de um empresário, José Seripieri Junior, que ganha dinheiro no ramo de corretagem de planos de saúde, setor fortemente regulamentado. Erro mais evidente, impossível: o presidente ganhou o favor de um empresário cujos negócios dependem do governo, para o bem ou para o mal.

Acrescente-se que o empresário fez fortuna durante governos petistas; financiou campanhas de Lula; emprestou ou “apenas” hospedou o presidente, como diria Geraldo Alckmin, em casa de veraneio em Angra; foi apanhado numa das operações da Lava-Jato; fez delação premiada e pagou multa de R$ 200 milhões.

Não há ressalva possível. Trata-se de equívoco ético e político. Levanta suspeitas.

O caso da PEC da Transição — que libera gastos de até R$ 200 bilhões fora do teto — guarda algumas semelhanças na narrativa.

Carlos Góes - Herança maldita

O Globo

O desafio do terceiro mandato de Lula é repensar a estrutura fiscal do país, já que o teto de gastos não sobreviveu ao governo Bolsonaro

Eu morava em Brasília ao início do primeiro governo Lula. No dia da posse, o vermelho se misturava com camisas da seleção, ainda reverberando o pentacampeonato mundial de futebol, celebrado alguns meses antes naquela mesma Esplanada dos Ministérios.

No Brasil, a transição civilizada entre presidentes eleitos democraticamente foi ali inventada. O presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) assinara uma medida provisória que instituía a equipe de transição e permitia ao governo entrante nomear funcionários e ter acesso aos processos governamentais. Posteriormente convertida em lei, este é, até hoje, o marco legal que governa as transições.

Lula herdou mais do que uma transição pacífica.

Herdou um longo processo de estabilização macroeconômica, começada com o Plano Real e consolidada em 1999 com o que entrou para história como “tripé macroeconômico”: a política de metas de inflação, superávits primários e câmbio flutuante.

Herdou também uma política de transferência de renda focalizada nos mais pobres, com Bolsa Escola, Vale Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e o projeto de consolidar tudo isso em um só plástico, por meio do Cadastro Único de programas sociais.

Na retórica, Lula chamava o legado do governo FHC de “herança maldita”. Na prática, a história era outra.

Lula declara compromisso com responsabilidade fiscal

'Se o conselho for bom, eu sigo', diz Lula sobre carta de alerta fiscal de economistas

Presidente eleito afirmou que ninguém deve gastar o que não tem, mas, se precisar fazer alguma dívida para investir, que isso seja feito de forma responsável

Gian Amato / O Globo

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou hoje, após encontro com o primeiro-ministro de Portugal, Antonio Costa, que ainda não leu a carta enviada pelos economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, e Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES, que apoiaram sua candidatura no segundo turno e fizeram um alerta para o papel da responsabilidade fiscal.

Lula disse ter sido informado por companheiros que havia uma carta alertando sobre problemas econômicos e o aconselhando.

- Eu ainda não li, mas fiquei feliz quando companheiros me ligaram dizendo que tinha tido uma carta de pessoas importantes, ex-ministros, me alertando dos problemas econômicos e aconselhando. Sou um cara muito humilde e gosto de conselho. E se o conselho for bom, eu sigo.

Lula citou a melhora de indicadores econômicos como emprego e inflação ao fim do seu governo e destacou que o país tinha acumulado reserva cambial bilionária e tinha pago a dívida com o FMI.

O presidente eleito disse que fica chateado quando vê sinais de “qual a política fiscal?”

- Eu tenho dito que ninguém tem autoridade para falar em política fiscal comigo porque durante todo o meu período de governo eu fui o único país do G20 que fiz superávit primário em todos os oito anos.

Bolívar Lamounier* - Vamos perder mais uma década?

O Estado de S. Paulo

Esqueçamos de vez o ‘Brasil Grande Potência’ – aquela que nos levou a perder a década de 1980 – e cuidemos da vida

Mais uma década perdida nos levará a outras mais, isso é óbvio. Podíamos ter perdido a de 1980? Noves fora, penso que sim, pois, embora o general-presidente não pudesse ter previsto a guerra de 1976 no Oriente Médio e o abrupto impacto financeiro que ela teve sobre nós, não teríamos caído no despenhadeiro dos anos 80 se ele, em vez de tentar industrializar o Brasil “em marcha forçada”, tivesse dado ouvido a pessoas mais sensatas. Mário Henrique Simonsen, por exemplo, sabia que natura non facit saltus. A insistência na estratégia faraônica custou-nos um longo período de inanição econômica e desemprego furando o teto. Por sorte, dispúnhamos da inteligência de que precisávamos para brecar uma inflação de 33 anos, coisa de que já não podemos estar certos.

Adriana Fernandes - ‘Puxadinhos’ nas contas públicas

O Estado de S. Paulo

Procrastinar a definição de uma nova regra para os gastos só aumenta a insegurança fiscal

O governo eleito e o Congresso não podem perder a janela de oportunidade de fazer uma ampla e boa reforma do regime fiscal brasileiro.

Com a falência do teto de gastos, os parlamentares não podem cair na tentação de aprovar a PEC da Transição, com a expansão de R$ 200 bilhões em despesas, para empurrar com a barriga o problema.

Essa possibilidade está no radar de quem acha que Lula queimaria capital político em 2023 propondo uma nova PEC para aprovar o novo regime fiscal. Seria uma saída fácil.

O próprio relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), falou nessa direção ao dizer que, com o anteprojeto da PEC, “ninguém mais iria falar de teto de gastos”. Foi um péssimo sinal capturado pelo mercado.

João Gabriel de Lima* - A inspiração que vem da África do Sul

O Estado de S. Paulo

Mpumalanga mostra que o mundo está disposto a investir em quem olha para frente

A Província de Mpumalanga, na África do Sul, é famosa pelo Parque Nacional Kruger, onde se podem observar elefantes, leões, leopardos, rinocerontes e búfalos – os “big 5” dos turistas que fotografam animais. Nos próximos anos, é possível que a região fique conhecida por um motivo mais nobre. Ao que tudo indica, será um exemplo internacional do que os ambientalistas chamam de “transição justa”.

Um dos casos mais inspiradores apresentados na COP-27, no Egito, foi o plano de descarbonização da África do Sul. O país precisa de bilhões de dólares para mudar sua matriz energética, cuja base é o carvão produzido em Mpumalanga. Na COP-26, na Escócia, apresentou um plano a possíveis investidores. A repercussão foi enorme. Entre a Escócia e o Egito, a África do Sul captou US$ 8,5 bilhões – e colocou o projeto em marcha.

Marcus Pestana - Sistema eleitoral: avanços e limites

Não vou me desviar do caminho proposto nos dois últimos artigos, ou seja, o aprendizado sobre os nossos sistemas político, eleitoral e partidário, embora existam temas conjunturais da maior importância como a COP27 e a velha polêmica que contrapõe responsabilidade fiscal à social.

Dizem que, aqui nos trópicos, temos memória curta. Daqui a pouco, o processo eleitoral de 2022 será coisa do passado e esqueceremos o aprendizado.

Vamos falar um pouco sobre nosso sistema eleitoral.

Comecemos pelas vitórias consolidadas.

O primeiro grande acerto foi a introdução do processo de votação em dois turnos. O segundo turno permite um ajuste na escolha da população, dando ao governo eleito maior legitimidade a partir da obtenção do apoio da maioria absoluta dos eleitores. É o melhor antidoto contra os questionamentos vividos por Getúlio Vargas e JK.

George Gurgel de Oliveira* - O 20 de novembro, a população afrodescendente e os desafios da sociedade brasileira

Devemos aproveitar o mês de novembro para uma reflexão sobre o presente e o  passado da sociedade brasileira em relação à sua história, desde a chegada da população negra como escrava, das suas lutas pela libertação e a realidade da população negra hoje no Brasil.

Saber como tudo isso se desenvolveu e os fundamentos da escravidão no Brasil, assim como o processo de libertação da escravatura até à atualidade, são desafios para avançarmos e superarmos a difícil realidade enfrentada pela população negra ainda hoje na sociedade brasileira.

As lutas de libertação da população negra

A escravidão africana, até meados do século XIX, era um dos fundamentos da vida econômica na América e na Europa. Fazia parte da estrutura das relações políticas, econômicas e sociais, assim como tornou-se base de acumulação de riqueza dos países europeus, inclusive da Inglaterra, berço da revolução industrial.

A cultura do racismo nasceu como uma maneira de exclusão dos povos africanos da vida e das conquistas da sociedade humana durante o século XV, foi se desenvolvendo e deixando marcas profundas até à atualidade. Desde então, o escravismo passou a ser diretamente relacionado aos povos africanos, como uma maldição, a partir de uma visão cultural e religiosa eurocêntrica nas colônias da América, na Europa e no próprio continente africano. O Brasil foi o país de maior concentração de escravos africanos do mundo. Chegou a uma população de 5 milhões de escravos ao longo de mais de 300 anos em que perdurou o escravagismo negro em nosso país.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo ministro da Defesa precisa ser civil

O Globo

Principal desafio será desvincular as Forças Armadas do papel político adquirido sob Bolsonaro

O próximo ministro da Defesa será um civil, segundo anúncio do governo de transição. É uma decisão correta, um primeiro passo para a necessária revisão do papel das Forças Armadas na política depois do caótico governo Jair Bolsonaro. Um nome reconhecido por todos, pelo estamento militar inclusive, terá oportunidade de recompor a relação entre a caserna e a sociedade.

A Defesa precisará de um bom comunicador para lembrar à opinião pública que Forças Armadas não são sinônimo de bolsonarismo. É fato que boa parte dos militares torce o nariz para Luiz Inácio Lula da Silva, mas a ampla maioria são profissionais cientes de suas missões constitucionais e comprometidos com projetos estratégicos para o país. O que mais querem é sair do turbilhão político a que foram lançados por Bolsonaro e seguir com suas vidas.

Como o aparelhamento do Estado por militares foi gigantesco, muitos certamente mudarão de endereço profissional a partir de janeiro. É preciso toda a cautela para que o desaparelhamento não seja interpretado como revanchismo. É importante que os próprios militares compreendam que a intromissão em todo tipo de atividade só contribuiu para deteriorar a imagem das Forças Armadas. Basta lembrar a absurda fiscalização das urnas eletrônicas, um episódio vergonhoso.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Os ombros suportam o mundo

 

Música | Paulinho da Viola - Coração Leviano