sexta-feira, 6 de março de 2009

Aliança espúria

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A vitória do senador Fernando Collor (PTB-AL) sobre a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), na conquista da presidência de uma das mais importantes Comissões do Senado - a da Infraestrutura, que examina questões ligadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), maior trunfo político e eleitoral do governo Lula -, causou indignação e revolta nos que viram nisso manobra desleal do PMDB, rompendo a proporcionalidade regimental da representação dos partidos. O senador Aloizio Mercadante, por exemplo, depois de um azedo bate-boca com o líder peemedebista Renan Calheiros (AL), desabafou: "Foi uma aliança espúria que interferiu no direito legítimo e democrático do PT." Não que isso tenha deixado de ocorrer, mas o fato é que "aliança espúria" é a própria estrutura de sustentação político-parlamentar do governo federal, montada à custa do mais fisiológico toma-lá-dá-cá. Quando se imaginaria, há poucos anos, que Sarney, Collor e Lula acabariam politicamente amalgamados em torno da força agregadora de Renan?

O fato de o Partido dos Trabalhadores (PT) ter sido fragorosamente derrotado pelo próprio Planalto, de sua combativa ex-líder ter sido desalojada por manobra conduzida por quem ela defendera, com ênfase solidária (e solitária) em 2007 - quando Renan renunciou à presidência do Senado para não ser cassado -, de o ex-presidente Collor ter recebido os mais rasgados elogios do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, homem da maior confiança do presidente Lula, tudo isso fica em segundo plano como subproduto do nível ético que prevalece em certos círculos políticos, tão bem descritos nos recentes pronunciamentos do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Nesse quadro, o Senado tem sofrido um desgaste de imagem não comparável a qualquer outro período de sua existência. E que melhor símbolo haveria, para demonstrar isso, do que o ressurgimento triunfante do ex-presidente Fernando Collor de Mello, nas circunstâncias em que se deu?

Tudo isso são componentes do imbróglio que tem impedido a Casa de iniciar seu funcionamento neste ano - já entrado março, nada foi discutido ou votado -, resultante dos "acertos" - feitos e não cumpridos - para garantir a eleição de Sarney para presidir o Senado.

Quando o ex-presidente (da República e do próprio Senado) José Sarney resolveu entrar na disputa pela direção da Casa, causou a ruptura do acordo anteriormente celebrado entre seu partido, o PMDB, e o PT, em torno do apoio ao candidato petista Tião Viana (AC). Ao mesmo tempo, deixou a ver navios (afundados no Planalto) seu correligionário Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), que nem tivera tempo de usar os cinco ternos novos comprados para exercer a presidência da Casa - cargo em que até surpreendentemente estava se saindo bem, demonstrando alguma independência em relação ao governo -, ninguém, em sã consciência, julgava que o senador maranhense do Amapá impunha sua candidatura apenas pelo prestígio obtido junto a seus pares, em sua longa carreira política. Em obediência à franciscana tradição do "é dando que se recebe", sabia-se muito bem que estavam sendo transacionadas as barganhas que levariam à vitória de Sarney.

Mas é claro que, especialmente numa Casa Legislativa onde não há novatos na política - antes pelo contrário - as cobranças dos acertos haveriam de vir, e fortes. Como houve mais promessas de cargos na Mesa e nas 11 Comissões temáticas do Senado do que a quantidade real desses cargos, alguns senadores e bancadas partidárias, que apoiaram Sarney em troca das promessas, sobraram. E veio o pandemônio, pois no Senado não vigora o costume de se deixar barato o prometido e não cumprido.

Logo de saída, "rifou-se" o senador Garibaldi Alves Filho, a quem havia sido prometida a presidência da Comissão de Assuntos Econômicos - para dá-la ao PT -, sendo-lhe oferecida, como prêmio de consolação, a Comissão Mista de Orçamento. Mas ele rejeitou o arranjo: "Estou me sentindo como marido traído, sou o último a saber." Não estava sozinho nessa incômoda posição, como viria a constatar a ex-líder do PT Ideli Salvatti, atropelada pelo rolo compressor dirigido por Renan Calheiros, o novo condestável do Senado.

Tocando violino

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


É conhecida a máxima política que diz que governar é como tocar violino: a gente pega com a esquerda e toca com a direita. Radomiro Tomic, líder da ala mais progressista e um dos fundadores da Democracia Cristã chilena nos anos 60 e 70, dizia que "quando a esquerda se alia com a direita, é esta quem governa". É o que está acontecendo na prática no governo Lula, cuja coligação partidária tem hoje a clara liderança do PMDB, em detrimento da influência política do PT. O PMDB, que esteve envolvido apenas perifericamente no escândalo do mensalão porque não tinha tanto poder como hoje no primeiro governo Lula, criou seu próprio modelo de exercício do poder e cada vez mais se impõe, como mostram os acordos políticos que fechou para a eleição do senador José Sarney à presidência do Senado e que culminaram com partidos como o PTB e o PR recebendo comissões importantes no Senado sem que o PT pudesse evitar.

De certa maneira, o PMDB está liderando uma revolta interna dentro da base aliada do governo que só não resultará em uma candidatura própria porque o partido não tem um nome popular para apresentar.

O ex-deputado Roberto Jefferson dizia, na época do mensalão, que o chamado núcleo duro do governo identificava nos partidos aliados uma "burguesia corrupta, legendas prostitutas, que se alugam", e tinha razão.

Foi esse estado de espírito petista que impediu que fosse feito acordo com o PMDB no primeiro Ministério, partido repudiado pelo próprio Lula, e que mais tarde resultaria no mensalão, supostamente uma maneira de se obter maioria congressual sem ter que dividir o poder de fato com as "legendas-prostitutas".

O PMDB saiu da eleição de 2006 com força política renovada, e consolidou-se nas eleições municipais do ano passado, tornando-se o centro da coalizão governamental, dominando as duas Casas do Congresso.

Lula, desde que se descolou do petismo para viver a experiência única do lulismo, de ser um líder político acima dos partidos, com recorde de popularidade nunca antes registrado, descobriu também que apenas precisa manter o PMDB dentro de seu governo, aceitando todas as suas exigências, para ter condições de eleger seu sucessor.

E só por um resquício de pudor escolheu dentro dos quadros petistas a candidata na ministra Dilma Rousseff, mesmo sendo ela uma inexperiente na arte de colher votos e uma novata no petismo, vinda do PDT de Brizola.

Como o petismo não tem candidato relevante, embora a popularidade de Lula pudesse alavancar qualquer candidatura, por mais pesada que fosse, ele escolheu símbolos: uma mulher e o PAC, o programa de obras públicas que não existe, mas é um achado de marketing, ainda mais em tempos de crise econômica.

O investimento do governo federal não cresceu nada com a criação do PAC, continua na base de 1% do PIB, mas havia a previsão de que a iniciativa privada retomaria seus investimentos diante do crescimento da economia brasileira. Com o advento da crise, essa premissa já não existe mais, mas o PAC permanece como eficiente propaganda do governo, que inaugura mais pedras fundamentais do que obras verdadeiras, vende expectativas de empregos e desenvolvimento.

O presidente Lula está, a esta altura de seu mandato, pouco se lixando se o PT vem sendo passado para trás dentro da coligação governamental, desde que a coligação se mantenha unida.

Se Dilma não deslanchar como candidata à Presidência, poderá ser substituída por outro petista, ou poderá mesmo vingar a tese do deputado Ciro Gomes, que voltou à cena política reivindicando um papel na sucessão, mesmo sendo subsidiário. Confiante em que tem um recall político que vale de 15 a 20 pontos para começar nas pesquisas, Ciro só não quer que Lula escolha Dilma como sua única candidata oficial.

Se houver mais de um candidato governista na disputa, são maiores as chances de um deles ganhar, raciocina Ciro, para quem Lula não teria vencido no segundo turno em 2002 se ele e Garotinho não estivessem no páreo.

O problema é que Lula sabe que, se abrir a porteira, Dilma será "cristianizada" na primeira curva da corrida presidencial, pois não tem nem apoio político dentro dos partidos aliados, nem experiência eleitoral para ser colocada na raia sem a chancela de ser a única candidata do presidente.

O apoio a esse projeto ficará cada vez mais caro, e já começam a surgir setores importantes do próprio PT, como o ex-ministro José Dirceu, que admitem que a ministra Dilma possa não ser mesmo a única candidata governista.

Mas há momentos em que Lula fica tentado a tocar violino com a mão esquerda. Mesmo tendo uma base partidária com forte representação de centro-direita, a crise econômica internacional está levando a oratória do governo Lula cada vez mais para a esquerda, na ilusão de que a maior atuação dos governos nos Estados Unidos e na Europa pode significar uma tendência socializante no mundo.

Ontem, ele deu um passo a mais nessa direção defendendo a estatização dos bancos em dificuldades e o papel fundamental dos governos para a recuperação da economia mundial. Cada vez que se fala em estatização dos bancos, as bolsas mundiais despencam.

O próprio presidente Barack Obama, considerado pelos republicanos como um socialista, descarta essa possibilidade. E os governos europeus que estatizam os bancos se apressam em avisar que eles serão privatizados assim que saneados.

Há uma distância enorme entre a base conservadora e de direita que apoia pragmaticamente o governo Lula, e um programa de governo socializante. A nível internacional, a cada passo que coloque Lula mais perto de Hugo Chávez ou Evo Morales, mais seu prestígio perderá força.

Um dia a casa cai

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A avaliação é do Palácio do Planalto: para bom andamento dos projetos do PAC no Senado é ótimo ter Fernando Collor na presidência da Comissão de Infraestrutura; trabalhará mais afinado com a ministra Dilma Rousseff, que a líder do PT na Casa, Ideli Salvatti, derrotada na disputa.

Para o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, a escolha de Collor "veio em boa hora". Resta esclarecer "boa" para quê.

Tirando a clara descortesia para com a fidelíssima Ideli - cuja eleição, depreende-se, teria vindo em mau momento - tudo o mais é obscuro naquela declaração.

Sob a ótica da harmonia na base governista, a comemoração do ministro Múcio alimenta o dissenso; do ponto de vista do respeito às formalidades, revela apreço pelo atropelo do regimento e avaliza o critério de distribuição de sesmarias; sob o aspecto das relações com o Executivo, os vários exemplos do uso pragmático que o PMDB faz de cargos estratégicos não justificam celebrações no Planalto, presa fácil da chantagem.

Fernando Collor é do PTB, partido do ministro Múcio (eis!), mas foi feito presidente da comissão por Renan Calheiros, líder do PMDB, que assim não apenas pagou o voto em José Sarney para a presidência do Senado como assegurou a presença de um preposto na comissão das obras que são também o slogan da sucessão presidencial.

Tal cenário pode por ser considerado como algo próximo de uma "boa hora" para o governo?

Depende de quem analisa; se aliado, adversário ou usuário.

A situação, na percepção de um correligionário, o senador Aloizio Mercadante, é resumida em duas palavras: "aliança espúria". Um espanto.

Não que o PT se assuste com essas coisas. Já viu, e participou, de piores.

A própria Ideli Salvatti transitou com bastante desenvoltura na área quando integrou a tropa em defesa do direito de Renan Calheiros ter despesas pessoais pagas por um lobista, afrontar o decoro para se manter na presidência do Senado e apresentar documentos fraudulentos aos seus pares.

Em matéria de alianças espúrias, atropelo de regras, malversação da boa-fé pública e espertezas ignominiosas não há querubins no Parlamento.

Mas, nunca antes desde a opção preferencial do presidente Luiz Inácio da Silva pelo PMDB ao molde do cheque em branco para uso ilimitado, se ouvira uma desqualificação tão explícita do PT ao fiador da governabilidade petista.

Contrariando posições do presidente da República, que, pelo jeito desabrido de seu ministro das Relações Institucionais, vê tudo com muita naturalidade, inclusive o retorno da República de Alagoas ao topo.

Renan Calheiros sempre mereceu dele a presunção da inocência contra todas as evidências e Fernando Collor, recebido em palácio, ganhou de Lula a certeza de que faria um "mandato extraordinário".

O presidente segue no papel de equilibrista, mas seus dois sustentáculos partidários se afastam já sem pejo de disfarçar. Na Bahia, quase vão aos tapas; em São Paulo é certo que brincarão o carnaval de 2010 separados; no Rio Grande do Sul são como água e óleo; no Rio de Janeiro o governador Sérgio Cabral ri e o PT local não acha a menor graça.

Engalfinharam-se pela presidência do Senado e agora brigam por causa de Fernando Collor de Mello, cuja presença em cena fala por si. Tanto quanto a imagem do ex-diretor-geral Agaciel Maia sendo carregado em triunfo na despedida, depois de revelada a posse de patrimônio incompatível com sua renda.

Abstraindo-se as manobras para elegê-lo, nada há de especial no fato de Collor presidir uma comissão. É senador, foi recebido com homenagens por seus pares, em tese pode até presidir a Casa. Ele não é causa, é consequência da degradação geral dos costumes.

Quando Lula justifica a escolha de Collor por ser fruto do acordo que elegeu Sarney, usa a própria régua. Se é normal escancarar o aparelho de Estado em troca de votos no Congresso, natural que se distribuam o comando de comissões de trabalho no Parlamento pelo mesmo critério.

Quem pode o mais, pode o menos.

Fogo inimigo

O governador de Minas, Aécio Neves, obviamente não é fiador da ladina ofensiva deflagrada por gente que se diz sua aliada, contra posições críticas ou meramente não engajadas à sua candidatura a presidente.

Certamente Aécio não avaliza a voz corrente da difamação contra quem se dispõe a analisar criticamente seus movimentos políticos.

Movido por provincianismo, sabujice, amizade pessoal ou afinidade de resultados, esse pessoal causa mais dano ao governador que qualquer disputa partidária ou noticiário severo.

Aécio notabiliza-se pela habilidade e fidalguia no trato. É por isso reconhecido. Mas se não desautorizá-los o quanto antes, seus áulicos terminarão por construir dele uma imagem negativa, obrigando-o a pagar publicamente a conta de urdidas executadas, por ora, sob a proteção do anonimato.

Capitanias hereditárias

Chico Santos
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A gana com que o PMDB, ou um dos seus tentáculos, decidiu investir sobre o fundo de pensão dos empregados de Furnas (Real Grandeza) remete a uma velha e perniciosa prática da cultura política brasileira, a de confundir deliberadamente os limites entre o público e o privado. Talvez tudo tenha nascido lá por 1534, quando da decisão colonial portuguesa de dividir o país em capitanias hereditárias.

Na capitania, o donatário era ao mesmo tempo o público e o privado. O governo-geral (1548) se sobrepôs a ela, mas o mal já estava instalado. Ficou no brasileiro que chega ao poder um vírus, ainda não devidamente controlado pelas vacinas da ética e da cidadania. Ele tende a desenvolver um mal que faz o "doente" confundir as obrigações resultantes desse poder com o direito de avançar sobre o patrimônio que lhe é dado a gerir. Casos históricos não faltam e o dos bancos estaduais é emblemático.

Eles foram por muito tempo uma dor de cabeça nacional. Nasceram para dar suporte ao desenvolvimento local, mas, no geral, o que se viu foram gestões políticas, renovadas ao sabor das (saudáveis) trocas de poder, que privilegiaram tudo, menos as boas práticas de prudência bancária. Não raro, trajetórias salpicadas de escândalos.

Quando o Plano Real acabou com os ganhos inflacionários originários da aplicação dos depósitos dos correntistas, a situação desses bancos ficou insustentável. Sopravam os ventos privatistas e o clima favoreceu a que o governo federal estimulasse uma solução drástica para o problema, não sem custos consideráveis.

O Programa de Incentivo à Redução da Presença do Setor Público Estadual na Atividade Financeira e Bancária (Proes), criado em 1996, consumiu mais de R$ 50 bilhões de recursos públicos no esforço para sanear e vender os bancos estaduais. Como o programa era voluntário, nem todo mundo embarcou, embora os maiores, como o Banespa, o Banerj e o Bemge tenham passado à história.

O aperfeiçoamento dos controles pelo Banco Central (BC) melhorou a gestão nos bancos estaduais que restaram, embora exemplos, como o do Banestes (ES) em 2002, revelem que as coisas ainda dependem do efeito das vacinas sobre o gestor de plantão.

O caso dos fundos de pensão tem um aspecto que o diferencia das histórias de avanço político sobre recursos públicos: é o chamado "efeito Denorex". O dinheiro deles parece, mas não é público. Pertence aos participantes, ativos, inativos ou pensionistas, de cada fundo. Daí, não caber a solução de privatizar, como coube aos bancos estaduais e a muitas empresas estatais, e que ainda pode caber a outras, sem entrar aqui no mérito de todas as privatizações passadas. O caminho para os fundos de pensão é aumentar neles o poder dos seus donos, a regulação e a fiscalização sobre os gestores.

E é neste rumo que vem caminhando a história recente dos fundos de pensão fechados (criados para um público específico, geralmente os empregados de uma ou mais empresas), uma poderosa indústria que, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), dispõe de R$ 415 bilhões para investir (cerca de 17% do PIB brasileiro), distribuídos por mais de 350 fundações.

Após sucessivos escândalos e três espumosas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em 13 anos, a última (do mensalão) há pouco mais de três anos, o setor passou por aperfeiçoamentos que melhoraram em muito a governança dos fundos. Especialmente, o caso que aqui nos interessa, os fundos das estatais.

A Lei nº 6.435, primeira a regular o setor, preocupava-se mais com os direitos dos beneficiários e quase nada com a governança. Casos até anedóticos que aconteceram, como a compra de túmulos pela fundação dos empregados da Light (Braslight), resultaram em aperfeiçoamentos, como a imposição de limites de aplicações pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Mas foi somente em 2001, com as leis complementares 108 e 109, que foi atacado de verdade o direito dos participantes a terem maior controle sobre seus recursos em relação às patrocinadoras e, no caso das estatais, em relação aos governos e aos partidos no poder. Foram criados conselhos deliberativos, paritários, compostos por seis membros, três escolhidos pelos participantes e três indicados pelas patrocinadoras.

Os conselheiros definem as políticas das entidades, nomeiam a diretoria executiva e, entre outras coisas, não são demissíveis, exceto por condenação judicial transitada em julgado ou por processo administrativo-disciplinar. Têm quatro anos de mandato.

O presidente do conselho tem o voto de minerva e deve, obrigatoriamente, ser indicados pelas patrocinadoras. Aqui há um aperfeiçoamento a fazer para reduzir ainda mais o risco de manipulação política. O voto de minerva como está, ainda garante o controle da patrocinadora sobre o dinheiro que é dos seus empregados.

A diretoria da Real Grandeza só não foi demitida à revelia dos participantes por uma nuance do seu regimento interno. Uma saída global seria a legislação estabelecer, como já ocorre nas sociedades anônimas mais bem governadas, que questões essenciais exigiriam o voto da maioria.

A regulação e fiscalização do setor, feita hoje pela Secretaria de Previdência Complementar (SPC) do Ministério da Previdência, também vai passar por aperfeiçoamentos. O deputado federal Chico D"Angelo (PT-RJ) promete entregar até a próxima semana à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara seu relatório sobre o projeto do governo de criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), criada por medida provisória em 2004 e morta no Senado três meses depois.

Será uma autarquia com recursos próprios (uma taxa sobre o setor), funcionário concursados, mais auditores e uma diretoria técnica e ilibada (aqui que mora o perigo) a ser indicada pelo governo. O projeto não prevê, mas o deputado está inclinado a sugerir que os diretores tenham mandatos fixos. Ele acha que o mandato dá "uma certa estabilidade". Mas não acha que, neste momento, seja o caso de criar a Previc como uma agência independente do Ministério da Previdência, o que seria um passo adiante.

Chico Santos é repórter da Sucursal do Rio.

Crise e Nordeste

Cristovam Buarque
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O Brasil e o mundo começam a enfrentar a crise atual com base nos velhos esquemas elaborados por Keynes, no final dos anos 1920, a começar pelo diagnóstico: os bancos deixam de financiar as compras, as fábricas deixam de fabricar, demitem trabalhadores porque as pessoas estão sem dinheiro, as demissões reduzem ainda mais o dinheiro nas mãos das pessoas e as demissões aumentam. Forma-se um círculo vicioso. Para quebrá-lo, os governos começam a injetar dinheiro no mercado, substituindo bancos e fábricas na geração de emprego. O resultado esperado é que, aumentando as compras, voltarão os empregos e a crise será superada, mesmo que a custo de aumento no déficit público, redução de investimentos sociais e risco de inflação.

O Brasil optou por diminuir impostos sobre a venda de automóveis e injetar dinheiro nos bancos para continuarem o financiamento de automóveis. Mesmo que isso dê certo, haverá perda de recursos públicos. Além disso, os governos terão de investir mais na infraestrutura urbana para que os automóveis possam circular, sacrificando assim investimentos sociais.

Os resultados positivos também ficarão limitados às áreas ricas do País, tanto geograficamente – onde os carros são fabricados –, quanto socialmente – onde vivem os compradores dos carros. O Nordeste ficará apenas com efeitos secundários. Entretanto, é possível buscar uma alternativa, na qual investimentos públicos sejam usados para empregar a população pobre, para que ela produza os bens e serviços de que necessita para sair da pobreza. Ao mesmo tempo, seus salários são usados para dinamizar a demanda, e com isso promover o aumento da produção e do emprego. Em vez de usar recursos públicos para financiar a compra de carros privados para as classes médias e ricas, usá-lo para comprar ambulâncias, ônibus, transporte escolar. Neste caso, o Nordeste poderia ser beneficiado, não pela produção dos veículos, mas pelo uso deles.

Mais ainda, a crise poderia ser a oportunidade para financiar uma revolução educacional na região. A construção e a reforma de escolas e a aquisição de equipamento teriam um impacto imediato na geração de empregos, e ao mesmo tempo trariam uma melhoria na qualidade da educação. Um aumento significativo do salário dos professores e demais servidores das escolas aumentaria a demanda por produtos industriais. Além do impacto conjuntural na economia, haveria um impacto na educação e, em consequência, em toda a sociedade, permanentemente.
Um programa para a erradicação do analfabetismo, além de trazer a decência social, empregaria um número elevado de pessoas, criando renda e aumentando a demanda sobre o setor produtivo.

O Nordeste tem hoje seis milhões de adultos analfabetos, uma proporção de 27,5%. Para erradicar essa tragédia em quatro anos, seria necessário contratar 75 mil alfabetizadores, além de outras 3,5 mil pessoas para apoio logístico, incluindo os que preparariam os jovens e adultos com o conhecimento suficiente para se tornarem alfabetizadores. Um salário médio de R$ 350 por 10 horas de trabalho por semana, para esses professores, significaria um fluxo de R$ 320 milhões anuais, ou R$ 1,2 bilhão ao longo de quatro anos.

Essa é uma saída que o Nordeste deveria defender para todo o País, e que erradicaria o analfabetismo de 16 milhões de brasileiros jovens e adultos. Mas, principalmente na região que, além de ser a maior afetada pela tragédia, é também a que menos se beneficiará das propostas tradicionais agora empregadas para enfrentar a crise.

» Cristovam Buarque é senador da República (PDT/DF)

Banal festival

Luiz Garcia
DEU EM O GLOBO


Corrupção, sempre existiu na vida pública. O tema principal das denúncias do senador Jarbas Vasconcelos não é este ou aquele escândalo. Sua indignação, como deixou claro na tarde de terça-feira, é dedicada à banalização da desonestidade.

Como disse, na imagem feliz, o senador Cristovam Buarque: a corrupção virou paisagem: "O povo passa, vê, e sente nojo. Mas nós fingimos que ela não existe."

Se vale o retrospecto, fingir que ela não existe tem funcionado muito bem até hoje para os diretamente interessados. Fernando Collor saiu, corrido e correndo, do governo, e foi o que lhe bastou para escapar do processo penal. Fez-se de morto por alguns anos e está de volta ao cardume dos peixes graúdos com uma cadeira de senador, presente de desmemoriados eleitores alagoanos.

É verdade que os réus do maior escândalo, até agora, do governo petista respondem a processo no Supremo Tribunal Federal. Uma ação judicial notável tanto pela quantidade de acusados como pelo exemplo raro que representa.

Talvez pensando devido a essa raridade, Jarbas apresentou propostas antiladroagem, como um plano nacional anticorrupção e um movimento de combate à corrupção eleitoral.

São belas ideias. O problema é que só podem sair do papel com adesão sólida e entusiasmada da classe política e do governo. Na opinião de muita gente boa, seria algo como pedir à raposa que ajude a reforçar a porta do galinheiro. É significativo, a propósito, que as sugestões do senador foram, como ele disse, pinçadas do programa de governo do PT - que as esqueceu logo depois das eleições de 2002.

Entre os políticos atingidos, as acusações de Jarbas causaram uma variedade interessante de reações - de apelos e lamentações a grunhidos e rugidos.

Para alguns, a melhor tática foi simplesmente tapar os ouvidos. Ou imitar José Sarney, presidente do Senado e um dos alvos das acusações de Jarbas. Ele simplesmente abandonou o plenário antes do discurso de terça-feira. Não por falta de coragem para enfrentar entreveros políticos - Sarney, com certeza, não tem esse tipo de fraqueza. Mas, e talvez pior, por confiar que não valia a pena, por desnecessário, brigar com tempestades, principalmente as verbais. Há precedentes que lhe dão razão.

Quanto à opinião pública, desde o escândalo dos mensaleiros ela tem sido suficientemente informada sobre usos e abusos do poder na administração petista. E a popularidade de Lula não parece ser afetada em qualquer grau pela repercussão dos escândalos.

Em parte, isso talvez tenha a ver com o fenômeno da banalização da corrupção.

Pode estar aí uma das razões para se aplaudir a santa indignação de Jarbas Vasconcelos. O regime democrático nunca é absolutamente imune à ladroagem - mas, para evitar que os próprios cidadãos honestos comecem a vê-la como natural e inevitável, é sempre boa ideia algum graúdo gritar "pega ladrão!" de vez em quando.

Quanto mais não seja, só para ver quem sai correndo.

Alianças espúrias

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O petista Tião Viana levou uma rasteira e perdeu a presidência do Senado para o peemedebista José Sarney, e a petista Ideli Salvatti agora leva outra e perde a presidência da Comissão de Infraestrutura para o petebista Fernando Collor. Sim, esse mesmo. Tião e Ideli, bem-vindos ao clube dos petistas que "caíram", uns mais, outros menos, por motivos variados: Dirceu, Palocci, Genoino, Mercadante, Jorge Viana, Marina Silva, Marta, João Paulo Cunha, além de operadores como Delúbio Soares.

A diferença é que Tião e Ideli foram detonados pela "base aliada", hoje sinônimo de Sarney-Renan no Senado e de "grupo dos 8" na Câmara: Temer, Geddel (emprestado a um ministério), Jader Barbalho, Henrique Eduardo Alves, Fernando Diniz, Eliseu Padilha, Eunício Oliveira e Eduardo Cunha, a estrela em ascensão.

A verdade, nua e crua, é que o PT não manda mais nada, e o PMDB manda cada vez mais. E essa gangorra coincide com os interesses e expectativas de Lula. Para o presidente, que terá o apoio do PT, chova ou faça sol, apresente Dilma, José ou João para 2010, um petista magoado ou humilhado a mais ou a menos não faz diferença. Mas qualquer peemedebista descontente ou desatendido faz muita diferença.

E começa a contaminação em outros aliados, como ficou evidente na reestreia de Ciro Gomes na cena nacional. Ele marretar o ex-correligionário José Serra não é nenhuma novidade. Mas, quando marreta o governo e o apoio a Dilma, aí, sim, há uma novidade. Ciro fala por boa parte do PSB e repete o discurso e o rumo do PC do B e do PDT.

Todos somados, ainda não são tão abrasivos quanto um só Aécio para a candidatura Serra, mas mostram que a guerra de 2010 será sangrenta e pulverizada dos dois lados. Quando Mercadante chia da "aliança espúria" entre Renan e Collor, comete um grave erro. Esquece que o PT é tão parte quanto vítima dela. Como, aliás, é ele próprio.

A farinha cresceu, o saco é o mesmo

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Cheguei, por uns dois segundos, a ficar com imensa peninha do senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) ao ler a defesa que o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, fez da eleição de Collor para presidir a Comissão de Infraestrutura do Senado: "Depois de todos os episódios que ele viveu e sofreu, passando muitos anos sem ter uma posição de destaque, acho que a eleição chega em boa hora".

Coitadinho, não? Algum desavisado pode até pensar que ficou "sem uma posição de destaque" por algum expurgo, perseguição da ditadura (que, aliás, ele apoiou até o fim) ou algo parecido.

Mas a peninha durou o tempo suficiente para lembrar que José Múcio é do mesmo time de Collor (o PTB), além de ter o mesmo DNA político, o velho coronelismo. É até usineiro, a categoria que foi a principal financiadora das aventuras de Collor.

Logo em seguida, me lembrei de que usineiro, agora, é "herói", segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pode até haver heróis entre eles, não sei. Mas boa parte não passa de uma das mais reacionárias forças políticas e empresariais, ávida permanentemente pelas benesses do poder. Mas, se são "heróis" para o chefão, como seu ministro deixaria passar a ocasião de festejar a eleição de tão nobre correligionário? Aí vem o senador Aloizio Mercadante com a "aliança espúria" [com Renan Calheiros] que teria sido responsável pela eleição de Collor. Ué, não são ambos, como Mercadante, da base aliada?

Espúria foi a formação dessa base, nos termos que constam dos autos de processo em andamento no STF. Mas Mercadante calou-se a esse respeito. São, portanto, farinha do mesmo saco, como o PT adorava chamar os demais partidos antes de mergulhar -e lambuzar-se- nesse mesmo saco.

De Marx a Collor, uma trajetória

Chico de Gois e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Com citações ao Manifesto Comunista, o presidente Lula defendeu a estatização dos bancos e disse que a crise revela o crepúsculo da ideologia neoliberal. Pouco depois, em entrevista, afirmou que o cargo dado a Collor no Senado não deve surpreender ninguém, pois fez parte de um acordo para eleger Sarney

Lula justifica "boa salada"

Presidente diz que eleição de Collor foi fruto de acordo com Sarney e critica o PT

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva justificou ontem a eleição de Fernando Collor (PTB-AL) para a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado como parte do acordo partidário feito para a eleição de José Sarney (PMDB-AP) presidente da Casa. Lula disse que não se surpreendeu com o resultado, que derrotou a petista Ideli Salvatti (SC). Sugeriu ainda que o PT não tem condições de dizer que, pela regra da proporcionalidade, essa comissão deveria ficar com os petistas, uma vez que o partido não considerou esse critério ao lançar Tião Viana (AC) para disputar a presidência do Senado com o PMDB - que teria o direito, pelo mesmo critério da proporcionalidade, pois é a maior bancada nas duas Casas do Congresso.

- O PT tinha direito (à comissão) se a proporcionalidade tivesse sido respeitada desde o começo. Não foi. Vivendo e aprendendo. E fazer disso uma boa salada - disse Lula, após a abertura do Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento, realizada pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), sem considerar que ele próprio defendeu, no início, a candidatura de Viana, abandonando-a depois em favor de Sarney.

Perguntado se foi surpreendido com a volta do ex-adversário político a um posto de comando, Lula disse:

- Os votos que elegeram o Collor foram os votos que elegeram o Sarney. Não vejo isso com surpresa, não.

Collor foi eleito graças ao empenho do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), que retribuiu o apoio dele e de seu partido, o PTB, à candidatura Sarney. Lula preferiu não se manifestar sobre a disputa entre PMDB e PT. Renan trocou três senadores que votariam em Ideli por aliados fiéis, que escolheram Collor. O resultado foi 13 a 10 a favor do petebista. O líder petista, Aloizio Mercadante (SP), classificou de "espúria" a aliança entre o PMDB e o PTB de Collor, reclamando que, pela tradição da Casa, deveria ser obedecida a indicação do PT, que tem bancada maior do que a do PTB.

Poder no Senado preocupa a Planalto

As declarações só confirmaram as suspeitas petistas de que o Planalto avalizou a eleição de Collor. Setores do PT já estavam irritados desde a véspera, quando diziam que não houve esforços em favor de Ideli, que tantos serviços prestara ao governo como líder da bancada petista nos últimos anos. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, comemorou a eleição de Collor, a quem classificou de um homem "experiente".

Mesmo com a insatisfação de companheiros do PT, Lula tentou demonstrar ontem, na entrevista, que a disputa entre PT e PMDB não deve provocar fissuras para a base aliada e não atrapalhará a votação de projetos de interesse do governo na Casa. Mas, nos bastidores, há preocupação com o embate, que se estende há mais de um mês. As declarações de ontem foram uma tentativa de amenizar o clima, com recados para os dois lados: contestou o alegado direito do PT e evidenciou a aliança Collor-Sarney.

Ainda que resolva essa briga entre PMDB e PT, o Planalto não está tranquilo com a nova distribuição de poder no Senado. É considerado fator de risco deixar o comando da poderosa Comissão de Infraestrutura com Collor, aliado recente com baixo nível de confiabilidade. Também há receio com o comportamento bélico de Renan. Mas comprar briga contra a eleição de Collor poderia sair mais caro: estaria desautorizando Sarney, o grande aliado de Lula no Congresso.

Lula tem evitado conflitos diretos com o PMDB, mesmo que isso prejudique o PT. E deve manter esse comportamento - pelo menos até que assegure o apoio formal do PMDB a sua presidenciável, Dilma Rousseff.

Colaborou: Adriana Vasconcelos

A ótima avaliação de Lula

Alberto Carlos Almeida
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Causaram espécie em pessoas que acompanham o quadro político nacional os resultados da última pesquisa CNT/Sensus. Feita no final de janeiro, a pesquisa detectou aumento da popularidade do presidente. A estranheza inicial deveu-se, tão-somente, ao fato de o resultado não corresponder às expectativas. Diante de um noticiário francamente negativo, no qual o tema principal é a crise econômica, esperava-se que Lula perdesse pontos na soma de sua avaliação "ótimo" e "bom". Ao contrário, Lula foi mais bem avaliado do que na pesquisa anterior. O que estava errado, as expectativas ou a pesquisa?

Certamente, as expectativas estavam erradas. A primeira fonte desse erro é que nós, brasileiros, ao contrário dos americanos, não temos estatísticas para tudo. Assim, muito dificilmente teremos condições de afirmar que para uma queda de X por cento no crescimento econômico tem-se uma redução de Y na avaliação positiva do governo. O nosso conhecimento vai até o conceitual, mas não avança no estatístico. Sabemos que uma crise aguda afeta negativamente a avaliação do governo. Não sabemos quanto nem quando.

O "quando" é tão fundamental quanto o "quanto". Ainda que tivéssemos condições de estimar o porcentual da redução da popularidade de Lula, que tende a ocorrer, não saberíamos dizer nada sobre o ritmo da queda. Muitos são os fenômenos políticos e econômicos que sofrem da chamada defasagem ("lag", em inglês). Para os estatísticos e econometristas, particularmente os especialistas em séries temporais ("time series"), é algo corrente incorporar em suas análises uma defasagem de um, dois ou três meses.

Assim, pergunta-se, qual é a defasagem da redução da popularidade presidencial em razão de uma parada repentina ("sudden stop") no crescimento econômico?

Além do mais, ainda que tivéssemos essas duas respostas, a da magnitude e a do ritmo da queda, provavelmente não poderíamos dizer nada sobre este caso específico, o caso de uma das mais agudas crises financeiras mundiais, algo mais que excepcional. Os modelos estatísticos funcionam entre determinados limites. Quando tais limites são ultrapassados, é preciso mudar os modelos. A crise atual, considerando-se apenas seus aspectos financeiros e econômicos, está fora de qualquer padrão de crise ocorrida no passado. Ademais, não se faz modelo com apenas um caso.

Para dificultar mais ainda nossa capacidade de previsão, a popularidade de Lula já está há algum tempo em níveis muito elevados. Há analistas que afirmam que o nível é tão alto que uma queda na atividade econômica, mesmo acentuada, muito dificilmente afetaria a avaliação do presidente. Essa afirmação é contrária à pseudoteoria da fadiga de material. Segundo ela, os governos sofrem de fadiga no segundo mandato. Por quê? Simplesmente porque estão no segundo mandato. É um argumento baseado em algo "natural" - é natural que quanto mais longo o mandato, maiores são as chances de fadiga. Isso não estaria acontecendo com Lula.

Haveria uma maneira de não cair na vala comum da chamada fadiga de material: por meio de um fenômeno e, para tais analistas, Lula é um fenômeno. Tenho insistido nesta coluna que o pré-capitalismo brasileiro, um fenômeno sistêmico que prejudica todos, leva-nos a acreditar em explicações e soluções mágicas.

A violência urbana teria uma solução mágica e ela pode ser encontrada na Colômbia. Daí as inúmeras comitivas que visitam os dois países tentando instituir no Brasil a mágica adotada por lá. A crise do transporte público brasileiro tem uma saída mágica, o que falta é vontade política para executá-la. Lula é um personagem mágico, por isso a sua força entre a população mais pobre. Ele é um fenômeno.

Nada disso, não há mágica. Não há fenômeno. O crime é reduzido, como vem mostrando sistematicamente o economista Aluisio Araújo, por meio de uma política pública consistente que investiga, julga e condena as pessoas envolvidas no crime. Aumente-se a população carcerária e o crime será reduzido no curto prazo. Não é necessário ir à Colômbia para que isso seja constatado. Basta que sejam analisados os dados existentes no Brasil. No longo prazo o crime é combatido por meio de políticas de renda e sociais que ampliem a classe média vis-à-vis ricos e pobres. Quanto maior o peso relativo da classe média, menor o crime.

O que não dizer, então, das soluções para os engarrafamentos? São lentas e custosas. Muitas também podem ser impopulares. Em qualquer uma, não há mágica.

A popularidade de Lula tem a ver com o desempenho de seu governo. Recordar é viver. Com Fernando Henrique aconteceu o mesmo. A popularidade do presidente tucano passou por picos e depressões durante os oito anos de sua gestão. Além disso, as principais razões para votar e apoiar FHC estavam todas relacionadas com o desempenho de seu governo.

Mais recentemente, quem não se lembra do mensalão? Pois bem, durante 2005 a popularidade do governo caiu de forma sistemática, em especial a partir de maio, quando veio à tona um suposto esquema de compra de votos no parlamento brasileiro. Passada a intensa cobertura da mídia, Lula voltou a ser bem aprovado. O momento da virada, se não me falha a memória, foi em janeiro de 2006. Naquele mês não havia mais CPI e José Dirceu já tinha sido cassado. A comunicação do governo reagiu com uma intensa propaganda a favor do Bolsa Família e do aumento do crédito pessoal, com ênfase na vedete chamada crédito consignado.

Uma coisa não passa despercebida nem no governo Lula nem em qualquer outro instalado em Brasília. A nossa cultura personaliza tudo. O Plano Real foi do Fernando Henrique. Collor foi quem mudou a agenda do Brasil. Lula cuidou dos pobres. E por aí vai. Na personalização não cabem raciocínios complexos. Em sua versão mais aguda, ela é típica de uma sociedade pouco desenvolvida e pouco escolarizada.

Não adianta explicar que o sucesso econômico do governo Lula se deveu a uma onda mundial de liquidez sem precedentes. Não adianta mostrar que ele deu continuidade a uma política econômica adotada no governo anterior. Não adianta mostrar que no período Fernando Henrique foram feitas muitas reformas que prepararam o terreno do crescimento. Não disso importa. Vale apenas o fato de que o crescimento ocorreu no mesmo período em que Lula ocupava o Palácio do Planalto. Então, conclui-se, foi Lula quem fez.

Esse traço cultural mais acentuado no subdesenvolvimento foi muito bem aproveitado pelo governo. A propaganda governamental sempre enfatizou o desempenho do presidente em suas funções. De fato, para o marketing do governo, foi Lula quem fez. A grande questão, agora, é saber se o feitiço vai virar contra o feiticeiro. Lula vai escapar do desgaste da crise? Ele, que tão bem buscou personalizar o sucesso do crescimento econômico, poderá, neste momento, atribuir o fracasso aos Estados Unidos?

Foram mais de quatro anos com o governo educando seus súditos a pensarem da seguinte forma: o governo é o responsável pelo aumento do bem-estar. Poderá, agora, convencer os eleitores de que uma redução em seu poder de compra não é responsabilidade do governo?

Excetuando-se os detentores do saber mágico, não há quem tenha essa resposta baseada em dados e fatos, em elementos empíricos. Há, porém, estudos que mostram que em alguns países o impacto das crises é maior do que em outros.

Por exemplo, o eleitorado italiano e o holandês são muito pouco sensíveis às crises econômicas. O inverso ocorre em países tão diferentes quanto Estados Unidos, Grã-Bretanha, Espanha e Irlanda (a Irlanda católica). Muitas vezes o eleitorado tem dificuldade de culpar o governo pela crise. Em geral isso acontece quando a aliança governamental é nebulosa. Quando é clara, quando fica claro para o eleitor quem comanda a economia, é também claro para ele quem é o responsável por eventuais crises.

Perder o emprego é uma experiência profundamente traumática. Em tempos de crise, mais ainda. Simplesmente porque as perspectivas de realocação no mercado de trabalho são sombrias. Será difícil para o presidente persuadir os desempregados de que os Estados Unidos foram os responsáveis por sua demissão. Mais ainda, será igualmente difícil mostrar para os desempregados que a volta ao trabalho depende das medidas de Barack Obama. Por isso, não será surpresa se a popularidade de Lula começar a cair em breve.

Desde criança ouço que Deus é brasileiro. Mais recentemente me disseram que, além de brasileiro, Ele é parente de Lula. Vamos ver se o Todo-Poderoso continuará zelando pelo seu parente, mas sem jamais esquecer que milagres não existem, nem mesmo para Deus.

Nota: tecnicamente um milagre ocorre quando há violação de uma lei da física. Como com o passar do tempo a ciência avança e novas coisas são descobertas, não sabemos hoje quais são todas as leis da física. Portanto, o que hoje é considerado um milagre, o é erradamente na medida em que no futuro serão descobertas novas leis da física que enquadram o suposto milagre em um acontecimento facilmente explicável.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).

Campo em queda

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Este ano vai ser de queda na receita agrícola brasileira. A safra 2008/2009 de quase todos os grãos deve ser menor no país. A boa notícia pode vir do açúcar, que deve ficar com o preço quase estável lá fora. A soja, o carro-chefe, deve colher menos. A exportação de carne só cresce num cenário de recuperação. As boas notícias: a alta do dólar e a queda dos insumos.

A falta de crédito, a queda do preço das commodities e o aumento nos custos fizeram com que a plantação fosse menor para esta safra. Além disso, a seca que atingiu estados como Paraná e Mato Grosso do Sul prejudicou a safra de soja precoce e fez com que agricultores colhessem de 8 a 11 sacas por hectare, quando a média é colher 46 sacas. A Agroconsult estima uma safra total de grãos de 132,4 milhões toneladas em 2009, queda de 7,7% em relação à safra passada. A RC Consultores prevê 135,7 milhões de toneladas. Para a soja, a Agroconsult espera uma safra de 55,5 milhões de toneladas, 7,4% menos que a última safra. A RC diz que o volume de soja será de 57,8 milhões de toneladas, abaixo das 59,9 milhões de toneladas de 2008, e a queda no milho será ainda maior, de 58,7 milhões de toneladas em 2008 para 50,8 milhões de toneladas em 2009.

Se há queda no volume, há queda no valor das commodities. Para Fábio Meneghin, analista da Agroconsult, o bushel (a medida específica do produto) da soja deve ficar entre US$8 e US$8,50 lá fora. Já segundo Fábio Silveira, economista da RC, o preço da soja neste ano deve oscilar em US$9, queda de 23% para 2008. Já o milho deve cair 28%, ficando a US$3,80 o bushel, e o açúcar deve perder pouco, 2%, ficando a US$0,12 a libra.

- A receita agrícola vai ter uma variação negativa em relação a 2008. A situação só não vai ficar dramática porque os preços dos insumos estão caindo. Isso diminui o peso, mas não traz fartura para o setor - diz Silveira.

Ele diz que suas projeções levam em conta uma queda do PIB americano de 1,5%. Se a economia americana cair mais e se a China crescer menos do que o previsto, os preços caem ainda mais.

- Há espaço para os preços agrícolas caírem. Isso porque eles estão acima da média histórica, que para a soja é US$5,50, para o milho é de US$2,20 e para o açúcar é US$0,09.

Para a safra 2008/2009, a rentabilidade vai ser menor que na safra passada. Em Mato Grosso, a previsão da Agroconsult é de uma rentabilidade de R$150 por hectare, um valor baixo, já que no último ano ela ficou em R$480/ha. Em Goiás, que tem logística melhor, a rentabilidade esperada é de R$300/ha, mas ela ficou em R$513 na última safra. No Paraná estará a maior queda, segundo a consultoria, de R$770/ha no ano passado para R$150/ha nesta safra.

- Isso é resultado da quebra da safra da soja precoce, por causa da seca, o que deve reduzir a produção do Paraná em 22%. Além disso, o estado sofre com a alta dos custos da produção. Já em estados sem quebra de safra, a redução é por causa da alta nos custos - explica Meneghin.

Para a safra 2009/2010, são grandes as chances de a produção agrícola brasileira ficar estável ou ter um crescimento baixo. Isso porque, sem crédito, muitos produtores não terão condições de aumentar a área de plantio.

- Muito produtor de soja vendeu a preços mais altos. Quem conseguiu fechar contratos a US$10 o bushel, em fevereiro, deu-se melhor. Eles estão usando esse dinheiro para comprar insumos à vista, porque estão mais baratos - conta Meneghin.

Para Silveira, a situação atual deveria fazer com que o modelo agrícola brasileiro fosse redesenhado, para que em momentos de bonança os agricultores fizessem um colchão.

- O produtor tem o vício de depender do governo. E o governo fica refém do produtor e arca com o prejuízo se a produção não for vendida.

Na verdade, esse é um velho problema brasileiro. Não interessa quantos anos bons aconteçam na agricultura. Um ano ruim é o suficiente para que os produtores corram a Brasília pedindo ajuda. Aliás, eles renegociam a dívida até em ano bom.

No setor bovino, há incerteza sobre a demanda. Segundo Gabriela Tonini, da Scot Consultoria, a produção brasileira deve ser de aproximadamente 9,5 milhões de toneladas, bem próximo do ano passado, e cerca de 20% devem ser exportados.

- Muita coisa ainda está incerta no mercado de carne bovina, dependendo da situação econômica dos EUA e da Europa. A exportação para a União Europeia está crescendo, mas o volume ainda é pequeno.

Em janeiro, a exportação de carne bovina foi de 133 mil toneladas, queda de 34% para setembro de 2008, começo da crise. O preço também caiu. Em janeiro, ficou, em média, US$1.840 por tonelada, contra US$2.700 de setembro. Gabriela diz que, no mercado local, já houve queda de consumo e que o setor teme o desemprego.

- O setor está muito apreensivo. O mercado de boi gordo, na bolsa, tem hoje metade dos contratos que tinha no mesmo período do ano passado.

Os produtores já começaram a buscar a renegociação das dívidas. Mas a desvalorização do real torna o preço em dólar das commodities mais atrativo. De qualquer maneira, será ano de vacas magras, depois de anos de vacas gordas: preços e vendas recordes.

Sodoma e Gomorra

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A economia que sairá desta crise será diferente da de hoje, mas como e quando isso acontecerá é impossível prever

PASSEI A semana do Carnaval nos Estados Unidos com meu filho Rick. Esse período de descanso permitiu-me assumir o papel de observador da crise financeira que ocorre na maior economia do mundo. Minhas leituras deixaram de estar focadas em relatórios técnicos ou veículos especializados em economia, abrindo espaço para os jornais e as revistas semanais. Esse novo posto de observação me fez conhecer as reações dos não-especialistas na descrição e nas análises dos fatos ligados à marcha da insensatez que ocorreu na chamada Wall Street.

Em uma sociedade em que a grande maioria acredita na supremacia dos agentes econômicos privados sobre o governo, os fatos que estão sendo agora fartamente descritos causam um impacto terrível. O americano comum aceitava que uma pequena minoria -para ele uma elite- auferisse ganhos extraordinários como uma prova da eficiência do sistema capitalista. Mesmo a falta de caráter de algumas estrelas famosas do mercado financeiro era aceita como parte do jogo. Basta recordar o personagem principal do filme "Wall Street - Poder e Cobiça", que tanto sucesso fez há alguns anos.

Mas os fatos revelados pelos jornais e pelos canais de televisão nos Estados Unidos chocam e revoltam. E a razão principal da revolta do americano médio é a de ter o governo que resgatar, com trilhões de dólares do Tesouro, empresas privadas. Mais ainda, em uma sociedade em que qualquer tentativa do governo em interferir na vida dos cidadãos é considerada socialismo, o que se vê hoje é absolutamente inaceitável. Para um observador atento, esse clima de decepção e revolta está presente no dia-a-dia da imprensa americana. Os detalhes escabrosos dos ganhos com bônus e outros instrumentos de participação nos lucros dos bancos americanos são inaceitáveis. De forma ainda discreta, os americanos começam a entender que a origem dessa farra do boi está no centro de sua ideologia. O desmonte do aparato regulatório e fiscalizador do sistema financeiro foi feito no pressuposto dessa luta entre o lado bom -o setor privado- contra o mau, representado pelo Estado.

Mas a decepção americana vai mais longe. Grandes estrelas do sistema produtivo como a General Motors, a Ford e a GE também estão mostrando uma fragilidade não conhecida. Ainda agora, a empresa que audita e fiscaliza os números da GM vem a público dizer que esse gigante não tem condições de sobreviver. Mesmo a empresa de seguros do ícone do capitalismo americano Warren Buffett -a Berkshire Hathaway- tem hoje um risco de crédito superior ao do Vietnã.

Mas o ídolo caído pela irresponsabilidade de seus dirigentes que mais me impressiona é a AIG, gigante do setor de seguros. Companhia de mais de cem anos de existência, líder mundial inconteste no grupo das chamadas empresas seguradoras, a AIG é hoje um zumbi que não pode quebrar. Várias instituições financeiras dependem de sua existência para não falirem de vez. O setor de seguros sempre foi considerado o mais conservador e mais regulado do mercado financeiro. Pois essa empresa representa hoje o caso mais típico do que aconteceu nos Estados Unidos nestes últimos tempos.

A economia que sairá desta crise -e isso vai ocorrer com certeza, dada a índole do povo americano- será completamente diferente da que conhecemos hoje. Mas como e quando isso acontecerá ainda é impossível prever.

Luiz Carlos Mendonça De Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Bachianas nº 5

Heitor Villa Lobos
Soprano: Marilia Varga

Veja o vídeo

http://www.youtube.com/watch?v=ekWmb_Pytjs

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1259&portal=

quinta-feira, 5 de março de 2009

A nova face do socialismo reformista

Armênio Guedes
FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Giuseppe Vacca. Por um novo reformismo. Brasília:
Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2009. 258p.

Este livro de Giuseppe Vacca não é mais um lançamento convencional no “mercado das ideias”. Como o leitor logo vai perceber, existe aqui uma grande audácia teórica e política: a partir do conceito de “reformismo”, Vacca nos convida a reconstruir democraticamente as convicções da esquerda, apontando novos modos de conceber a mudança social e por ela lutar.

O marxismo de Vacca aparece inteiramente reconciliado com as formas da democracia política, que não é nem nunca foi “burguesa”. Historicamente, o que ampliou as fronteiras do liberalismo foi a luta mais do que secular dos “grupos subalternos”, para usar a linguagem de Gramsci. Vacca argumenta que o papel destes grupos não é se apoderar do Estado e dar a este uma forma ditatorial qualquer, supostamente progressista. Nada de ditadura do proletariado ou de qualquer forma de ditadura. Classes subalternas e Estado Democrático de Direito devem estar numa relação privada de qualquer relação ambígua ou instrumental.

Diria explicitamente, e mais uma vez apoiado em Gramsci e em Vacca, que não se pode mais pensar em “assaltar” o Estado e usar a máquina estatal para transformar a sociedade de modo autoritário e cesarista. Neste sentido, a Revolução de Outubro, que por tanto tempo nos serviu de modelo, deve ser considerada a última revolução do século XIX. E a “revolução democrática” dos nossos dias, quer dizer, os modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro, está rigorosamente por ser inventada.

Há neste livro mais ousadias teóricas, que só de passagem posso mencionar. Para Vacca, socialismo e capitalismo, por assimétricos, não são termos antagônicos: o primeiro é um modo de regulação, o segundo um modo de produção. Não vejo nisso nenhum espírito de “conciliação”, mas um convite desafiador a imaginar o conteúdo desta possível regulação de tipo socialista, indissociável, como é evidente, de lutas e conflitos sociais bastante complexos. A democracia é sempre difícil! Tema que é aprofundado, quando Vacca analisa a trajetória da esquerda italiana de 1989 ao nascimento do Partido Democrático — análise indispensável para compreender a complexidade das questões que este partido deve equacionar e resolver para retomar a posição hegemônica que, com avanços e tropeços, marcou a presença do PCI na vida política da Itália depois da Segunda Guerra Mundial.

Não fico surpreso com a amplitude destas reflexões. Mais uma vez, é o marxismo político italiano que nos estimula a renovar nossos caminhos, como tantas vezes já aconteceu. Vacca, mesmo quando aborda questões da atualidade, é um pensador que “vem de longe”: insere-se criadoramente na tradição de Gramsci, Togliatti e Berlinguer, teóricos e políticos que, em diferentes circunstâncias, constituíram fundamentais pontos de referência no combate das ideias entre nós, e até muito além das fronteiras da esquerda.

No momento da primeira grande crise da globalização — que requer sobretudo criatividade e capacidade de autorrenovação —, a contribuição de Vacca reabilita a corrente reformista do socialismo, que, no fundo, pretende interpretar com mais lucidez o movimento real das coisas, e sobre ele agir, rumo a níveis sempre mais altos de civilização. Essa também a sua importância para os democratas brasileiros.

Armênio Guedes foi membro do Comitê Central (1943-1954 e, novamente, 1967-1983) e da Comissão Executiva do Comitê Central (1973-1983) do Partido Comunista Brasileiro. Atualmente, é presidente de honra da Fundação Astrojildo Pereira. Este texto é a “orelha” do livro.

Os mesmos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Nada mais exemplar da pequena política que domina o ambiente brasileiro do que a disputa entre PT e PMDB pela presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, vencida pelo senador Fernando Collor de Mello, do PTB, com o apoio do PMDB de Renan Calheiros, derrotando a senadora Idelli Salvatti em um "acordo espúrio" denunciado pelo senador Aloizio Mercadante. Quis o destino que estivesse em jogo nessa disputa uma comissão fundamental para o governo, pois estará no centro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a peça-chave da campanha sucessória da ministra Dilma Rousseff.

Os personagens dessa trama são velhos conhecidos, entre si e do eleitorado brasileiro. Collor ganhou a comissão em troca de ter votado no senador José Sarney para a presidência do Senado. Faz parte da base aliada do governo Lula, que já o recebeu no Palácio do Planalto, assim como todos os demais envolvidos na disputa.

Mas nem sempre estiveram do mesmo lado. Em 1989, quando derrotou Lula na campanha presidencial, Collor chegou a usar no programa de propaganda política na televisão uma entrevista com a enfermeira Miriam Cordeiro, na qual ela dizia que Lula queria que ela tivesse abortado sua filha, Lurian.

Em 1992, falando sobre a cassação de Collor, Lula disse o seguinte: "(?) ao invés de construir um governo, construiu uma quadrilha como ele construiu, me dá pena porque deve haver qualquer sintoma de debilidade no cérebro de Collor (...) Lamentavelmente, a ganância, a vontade de praticar corrupção, fez com que o Collor jogasse o sonho de milhões de e milhões de brasileiros por terra. (...)".

Já em 2006, em plena campanha presidencial marcada pelo mensalão, confrontado por Mução, locutor de programa radiofônico muito popular no Nordeste, com a fala de Lula, Collor disse que foi vítima de um "golpe parlamentar", do qual teriam participado José Genoino e José Dirceu, "enterrados até o pescoço no maior assalto aos cofres públicos já praticado nessa nação". E garantiu: "Quadrilha quem montou foi ele", citando ainda Luiz Gushiken, Antonio Palocci, Paulo Okamotto, Duda Mendonça, Jorge Mattoso e Fábio Luiz Lula da Silva, o filho do presidente.

O presidente do Senado, José Sarney, que pagou o apoio de Collor com a Comissão de Infraestrutura, foi o mesmo que, presidindo o país na eleição de 1989, ouviu o então candidato Collor, do PRN, chamá-lo de "corrupto, incompetente e safado".

Na mesma eleição, aliás, Lula, do PT, também não deixava por menos: "A Nova República é pior do que a velha, porque antigamente era o militar que vinha na TV e falava, e hoje o militar não precisa mais falar porque o Sarney fala pelos militares e os militares falam pelo Sarney. Nós sabemos que antigamente - os mais jovens não conhecem -, mas antigamente se dizia que o Adhemar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem: Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrão (sic), mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que se faz".

O senador Renan Calheiros, que comandou a derrota da senadora Ideli Salvatti, do PT, tivera nela um dos maiores esteios quando esteve para ser cassado no episódio recente que lhe custou a presidência do Senado, quando foi acusado de pagar com dinheiro de uma empreiteira uma pensão que dava para a amante Monica Veloso, mãe de uma filha sua.

Ele fez parte do grupo político mais intimamente ligado ao presidente Fernando Collor, até que, em outubro de 1990, ao perder a eleição para governador de Alagoas para o também correligionário de Collor Geraldo Bulhões, acusou-o de fraudar a eleição e rompeu com o governo, convencido de que fora traído por Collor e por PC Farias, que fora tesoureiro de campanha de Geraldo Bulhões.

Em maio de 1992, Renan Calheiros acusou PC de comandar um "governo paralelo", e defendeu o impeachment do presidente Collor. Instalado o processo, ele denunciou a existência de um "alto comando" da corrupção do qual fariam parte o ministro-chefe do Gabinete Militar, Agenor Homem de Carvalho, o secretário de Assuntos Estratégicos, Pedro Paulo Leoni Ramos, e o secretário da presidência da República, Cláudio Vieira.

Ironicamente, Calheiros identificava naquela época a centralização das nomeações para cargos no governo como uma maneira corrupta de atuação desse grupo.

Eu não sei por que o pobre do prefeito do Rio, Eduardo Paes, teve que pedir desculpas ao presidente Lula por sua atuação na CPI dos Correios quando, na qualidade de secretário-geral do PSDB, atacou duramente o seu governo.

Paes teria até mesmo, pressionado pelo governador Sérgio Cabral, enviado uma carta pessoal à primeira-dama, Marisa Silva, se desculpando pelas críticas que fizera ao seu filho Lulinha com relação a um investimento milionário que a companhia de telefonia Telemar, hoje Oi, fez em sua empresa, transformando-o da noite para o dia em um próspero empresário.

O interessante é que as desculpas foram pedidas quando a mesma Oi foi beneficiada por uma mudança de legislação feita pelo governo, que permitiu a compra da Brasil-Telecom para formar a maior empresa de telefonia do país. Poucos na oposição ligaram os dois fatos.

No carnaval, depois de ter usufruído da hospitalidade do prefeito e do governador, dona Marisa teria afinal "perdoado" publicamente o prefeito, com um comentário em que admitia que em política às vezes é preciso fazer certas coisas das quais nos arrependemos depois.

Pelo emaranhado de alianças políticas desconexas e acordos espúrios que dominam o ambiente político, dona Marisa está entendendo tudo direitinho. Mas a política brasileira precisava ser assim?

A natureza do escorpião

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O mandato-tampão do senador Garibaldi Alves pode não ter sido inesquecível nem redentor das mazelas do Senado. Mas, durante sua passagem pela presidência, a Casa viveu um período de razoável decência e harmonia interna.

Insuficiente para debelar as imposturas, mas nada parecido com a conflagração do mandato anterior de José Sarney - cujo empenho em restringir a ação da minoria para agradar ao gestor palaciano da maioria fez a oposição buscar abrigo no Judiciário - ou com a degradação moral da segunda administração Renan Calheiros.

Poderia ser o início da recuperação. No momento da troca de comando, havia duas possibilidades: experimentar a renovação proposta pelo senador Tião Viana ou renovar contrato com o retrocesso e reconduzir José Sarney sob o patrocínio de Calheiros.

Entre o certo e o duvidoso, a maioria dos senadores escolheu oferecer as veias à inoculação de veneno conhecido. Mais potente na retomada, curtido no caldeirão da vingança.

Não transcorreram dois meses da eleição e já se vislumbra o tamanho do estrago: Senado parado, disputas das presidências de comissões permanentes mediante violação de critérios regimentais para atender aos favores de campanha, explosão de atritos até então latentes na base governista, retomada da política de feudos.

Na presidência, um homem evidentemente acuado, hesitante em assumir a liderança inerente ao cargo e enfrentar o risco de arbitrar e desagradar.

Quadro muito diferente daquele pintado pela expectativa de que Sarney seria o homem certo na hora certa, para conduzir o Congresso na crise e resgatar o Parlamento das profundezas do poço com autoridade e capacidade de pacificar.

Não por acaso nem por ausência de discernimento na organização dos assuntos por ordem de importância, a comissão de acompanhamento da crise econômica - considerada por Sarney o evento mais significativo dos últimos tempos - não ganhou destaque no noticiário.

Na terça-feira Sarney teceu loas à comissão minutos antes de deixar o plenário a tempo de evitar o discurso do senador Jarbas Vasconcelos conclamando o Poder Legislativo à salvação da própria pele num combate às práticas espúrias na política.

Aquele sim era um acontecimento relevante. Na atual conjuntura de escândalos que se avolumam, muito mais que o trabalho de uma comissão de notáveis para discutir soluções que estão a milhares de léguas de distância de seu alcance.

Isso sem ignorar o mérito desse tipo de debate no Parlamento. Ao contrário. Muito melhor seria ver o Congresso às voltas com essas e outras questões de interesse coletivo, soberano, ciente de sua tarefa de dar voz e materialidade às demandas da população.

Desconfortável para quem elege representantes é vê-los no elenco de espetáculos degradantes.

O que não se pode é tentar fazer disso um artifício para abafar as evidências, justificar o injustificável, adiar o inadiável. Discuta-se a crise econômica, mas não se vire as costas ao malefício que a perda acelerada de valores causa ao País, aos cidadãos e às instituições.

Em família

Renan Calheiros foi líder do governo Fernando Collor, de quem se afastou por divergências com Paulo César Farias, o tesoureiro da campanha cujo principal alvo era o "batedor de carteira da História", então presidente da República, José Sarney, hoje presidente do Senado que devolveu a Calheiros poder para fazer de Collor presidente da Comissão de Infraestrutura da Casa.

Posto obtido mediante a substituição de eleitores da senadora petista Ideli Salvatti por senadores de cabresto, o que dá ao PT a medida da lealdade pemedebista ao parceiro de aliança e presumido companheiro de chapa em 2010.

Fidelidade esta explicitada na intervenção do senador Almeida Lima sobre o aparte solidário de Aloizio Mercadante ao discurso anticorrupção de Jarbas Vasconcelos na noite de terça-feira. "Antes tarde do que nunca", ironizou.

Na trave

O apoio do PSDB e do PDT aos governadores Cássio Cunha Lima e Jackson Lago, cassados pela Justiça Eleitoral por abuso do poder econômico, não foge ao hábito dos partidos de defenderem correligionários flagrados em delito.

É um direito que os assiste. Agora, se de vez em quando se solidarizassem com as vozes que se levantam contra os delitos certamente dariam uma contribuição mais efetiva que pragmática adesão à causa do senador Jarbas Vasconcelos na terça-feira à noite, depois de o deixarem falando sozinho por duas semanas.

Foi preciso os funcionários de Furnas protestarem publicamente contra o assédio do PMDB sobre o fundo de pensão da empresa, o senador ser afastado da CCJ em retaliação e repetir da tribuna que a corrupção contamina a política e adoece a democracia, para seus pares celebrarem suas declarações à Veja.

Presidente do STF reage a procurador com ironia

Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO


Um dia após Antonio Fernando dizer que apurações sobre repasse a sem-terra já são feitas, ministro cobra rapidez

BRASÍLIA. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, voltou a cobrar ontem do Ministério Público a investigação de repasses de verba pública a movimentos de sem-terra. Foi mais um capítulo do bate-boca público entre Gilmar e o procurador-geral da República, Antonio Fernando. Semana passada, o presidente do STF fizera a mesma cobrança. Anteontem, Antonio Fernando disse que o MP já apura o assunto há tempos. Afirmou ainda que os repasses não podem ser automaticamente considerados irregulares, como defende Gilmar - seria preciso analisar caso a caso. Ontem, o ministro pôs mais lenha na fogueira:

- É bom que haja uma atuação do Ministério Público, fazendo esse "distinguish" (distinção), dizendo quando o repasse é legítimo. Mas é preciso haver decisão. Estamos a dois anos do final do governo Lula. Essas investigações vão ser feitas para o próximo governo? Tem que haver medidas efetivas.

"Os recursos públicos não são recursos do governo"

Gilmar voltou a frisar que a transferência de dinheiro público a entidades ligadas a sem-terra é inadmissível.

- Os recursos públicos não são recursos do governo. A gente tem o equívoco de falar isso. Esse recurso é meu, é seu. Será que nós, na sociedade, queremos pagar isso?

O ministro frisou a necessidade de medidas a curto prazo. Lembrou o conflito do último dia 21, quando quatro seguranças de fazendeiros foram mortos por sem-terra em Pernambuco:

- Claro que não podemos esperar. Do contrário, daqui a pouco vamos ficar celebrando missa de sétimo dia, de um ano. Estamos falando de mortes.

Antes da entrevista, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Gilmar, aprovou recomendação para que os tribunais do país "priorizem e monitorem" as ações judiciais sobre conflitos fundiários. O ministro disse que será criado um grupo de trabalho no CNJ para acompanhar o andamento dessas ações e que será feito um levantamento para descobrir quantos processos desse tipo tramitam nos tribunais.

- É preciso priorizar o julgamento dessas causas para não haver um quadro de impunidade - afirmou Gilmar.

Segunda-feira, o procurador-geral disse que há um "desconhecimento" de Gilmar em relação a processos judiciais e investigações sobre o tema. Antonio Fernando afirmou que o Ministério Público age há muito tempo na apuração do repasse de verbas públicas a entidades ligadas a sem-terras e de conflitos agrários. Ontem, ele não quis responder às novas declarações de Gilmar.

Trocando seis por meia dúzia

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem agido com rigor nos processo de cassação de mandatos de políticos acusados de crimes eleitorais, e com relativa agilidade. As sentenças proferidas no último mês, que cassaram os mandatos do governador eleito da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de seus vices, todos eleitos em 2006, indicam a consolidação do entendimento de que o resultado das eleições não é válido se tiver sido influenciado pela ação do poder econômico ou político, e que portanto o mandato do eleito é passível de cassação.

Há uma concentração de processos para cassação de mandatos de governadores eleitos nas regiões Norte e Nordeste: estão na fila do TSE ações por abuso de poder e compra de voto contra os governadores José de Anchieta (PSDB-RR), Ivo Cassol (sem partido-RO), Marcelo Déda (PT-SE), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e Waldez Góes (PDT-AP). Fora do eixo Norte/Nordeste, espera julgamento o governador Luiz Henrique (PMDB-SC). Se todos os governadores acusados são, de fato, culpados dos crimes que lhes são imputados, isso quer dizer que ainda são hegemônicas as relações de patronato nas regiões mais pobres do país, onde a população tem menos acesso à educação e à informação e menor renda. Não escapam dessas acusações, todavia, derrotados nas urnas por esses governadores e que serão beneficiados pelo afastamento deles de seus cargos - alguns deles respondem igualmente à acusação de compra de votos e abuso do poder econômico e político.

No caso do Maranhão, assumirá o lugar de Jackson Lago, se ele não conseguir reverter a decisão do TSE, a senadora Roseana Sarney (PMDB), que responde a um processo por abuso de poder econômico nas eleições de 2006, quando disputou com Lago o governo do Estado. A queixa contra Roseana partiu da coligação que deu apoio a Lago, assim como o processo contra ele foi aberto a pedido da coligação que apoiava a candidata do PMDB.

Não é a primeira vez que uma decisão da Justiça Eleitoral acaba favorecendo o grupo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Depois que deixou a Presidência da República, em 1990, o maranhense Sarney estendeu o seu feudo político até o Amapá. Lá, na briga por uma hegemonia política semelhante a que tem no Maranhão, conseguiu a exclusão do ex-governador João Capibaribe (PSB) da cena institucional por meio de uma ação na justiça eleitoral semelhante à que agora pode destinar o governo do Maranhão à sua filha, a segunda colocada da disputa maranhense. Capiberibe teve o seu mandato de senador cassado em 2005. Ele e sua mulher, a então deputada federal Janete Capiberibe, foram os primeiros dessa leva da chamada Lei do Bispo, que foi fruto de uma emenda popular coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 1998. Foram acusados de comprar dois votos por R$ 26 reais. Assumiu no lugar do socialista o senador "sarneysista" Gilvan Borges, do PMDB, que perdeu nas urnas a disputa para o Senado para o ex-governador do Amapá, em 2002.

No caso da Paraíba, o segundo colocado na disputa de 2006 para o governo, José Maranhão (PMDB), assumiu no lugar de Cunha Lima (PSDB), após a sua cassação. Maranhão, em algum momento, vai ter que responder à justiça eleitoral. É também acusado de uso da máquina pública na campanha para o Senado, em 2002, quando ocupava o governo do Estado.

A ação profilática do TSE, portanto, tem encontrado obstáculos. O tribunal tem funcionado como a última instância do processo eleitoral: é provocado, em regra - como é legítimo -, pelo derrotado na disputa. Nos dois casos em que já ocorreu a cassação do governador, a decisão do TSE beneficiou um segundo colocado na disputa que responde pelos mesmos crimes. Troca-se, portanto, um governador que o tribunal considerou eleito ilegitimamente por outro, que pediu a cassação do adversário político, e que o TSE pode considerar mais para frente também ilegitimamente eleito. Essas decisões acabam, de fato, funcionando como um terceiro turno eleitoral.

Como a prática patrimonialista se mostra estrutural, em especial nas regiões mais pobres no país, seria mais democrático realizar eleições para ocupar os cargos que estão sendo vagos com as sucessivas decisões do TSE. Até para a Justiça se livrar da armadilha de ter que arbitrar entre dois adversários políticos. No final das contas, a justiça acaba decidindo, de forma incômoda, em favor de candidatos derrotados. Uma nova eleição, presidida e altamente fiscalizada pela justiça eleitoral, poderia ter o poder de retirar do cenário eleitoral desses Estados as práticas de clientela e de cooptação financeira do voto, que hoje são tidas como a normalidade em alguns Estados, e de substitui-las pelo voto limpo, que não deixe nenhuma dúvida sobre a lisura do processo eleitoral. Assim, a justiça não teria que dar uma sentença baseada numa suposição, a de que ganharia um candidato se outro não tivesse comprado votos ou usado o poder político e econômico - sua tarefa seria a de convocar eleições, presidi-las e diplomar o eleito legitimamente pelo voto popular para ocupar a vaga aberta por decisão judicial.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Passional como um tango

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Empresários brasileiros estão com a pulga atrás da orelha com a decisão do governo de ceder às pressões protecionistas argentinas e acatar a ideia de cotas comerciais. É o que pretendem dizer hoje ao ministro Celso Amorim, na Fiesp, com uma condicionante, senão exigência: a "cláusula de desvio", para que a margem entre a cota e o consumo seja preenchida pela indústria argentina, não por China, Coreia, México ou Chile, por exemplo.

Acatar as cotas é ideia mais do Desenvolvimento e menos do Itamaraty, mas é Amorim quem vai enfrentar as feras hoje, com um detalhe: o embaixador Rubens Barbosa, um dos mais ostensivos críticos da política externa, hoje vinculado à Fiesp, estará lá. Por precaução, Amorim vai levar um pequeno exército de diplomatas, meia dúzia talvez.

Os empresários reclamam que o governo é condescendente demais com os vizinhos, à custa dos interesses do Brasil e, claro, deles próprios. E reclamam ainda mais quando se trata da Argentina, que nem sequer tem o pretexto de ser "pobrezinha", como a Bolívia, o Equador e o Paraguai. (Apesar de, cá entre nós, a economia argentina e a popularidade da presidente Cristina Kirchner estarem indo ladeira abaixo.) Planalto e Itamaraty justificam que as relações Brasil-Argentina não podem ser vistas só pragmaticamente, mesmo quando eles atacam de protecionismo. Envolvem acordos de péssima lembrança nas ditaduras e longos períodos de déficit comercial, ora para um lado, ora para outro. Além de... ciúme.

Ok. Enquanto o Brasil deslanchou com FHC e Lula, a Argentina afundou com Menem e uns tantos oportunistas. Só que não fomos nós que os elegemos, certo?
*
Lula previu que Collor faria um mandato "extraordinário". Taí. O PT do Senado que se dane. Aliás, o que restou do PT no Senado?

Decoro ou falta dele

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Frase do líder do PT na Câmara Federal, Cândido Vaccarezza (SP), publicada na terça-feira pelo "Painel" desta Folha, é a perfeita ilustração da política: "Não pretendo assinar a CPI dos fundos de pensão, proposta pelo PMDB, porque CPI é um instrumento da oposição".

Como sabe qualquer cidadão de bem e qualquer político com um tico de espírito republicano (se é que sobrou algum), CPI não é de governo, nem de oposição, nem de direita, nem de esquerda. É um instrumento para apurar irregularidades e, idealmente, para corrigi-las, em especial quando envolvem dinheiro público. Assim sendo, qualquer governo sério tem tanto interesse quanto qualquer oposição -ou até mais- em investigações que o ajudem a sanar problemas.

Pena que seja necessário, no Brasil, escrever coisas que, em países com instituições minimamente civilizadas, seriam consideradas de uma ululante obviedade. E é necessário porque, no Brasil, políticos, com uma ou duas exceções, se tanto, não pensam no interesse público, do que dá prova, entre zilhões de outras, a frase de Vaccarezza. Para ele, fica claro que política é fazer investigações, quando na oposição, e fugir delas, quando no poder. Só.

É óbvio que, escravos dessa mentalidade, os políticos sejam, digamos, distraídos na defesa do interesse público. Tão distraídos que deram ontem a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado a Fernando Collor de Mello, o único presidente de uma república bananeira, como o Brasil o foi durante tanto tempo, que conseguiu a façanha de ser cassado por "falta de decoro".

Collor se elegeu ontem graças a manobras do aliado, depois inimigo, agora aliado de novo, Renan Calheiros, aquele que teve de deixar a presidência do Senado para não ser cassado também por falta de decoro. Acho que está tudo explicado, não?

FHC dá todo o apoio a Jarbas

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Ex-presidente afirma que “quem tem amor ao País dará razão” ao senador em sua denúncia de que o governo e o Congresso convivem com corrupção

SÃO PAULO – O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) apoiou ontem o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e sua denúncia de que o governo federal e o Congresso Nacional convivem com rotinas de corrupção. “Jarbas expressou um sentimento que estava parado no ar. As pessoas estão cansadas de corrupção e impunidade. Quem tem amor ao País dará razão a Jarbas. As coisas estão demais”, disse Fernando Henrique, após participar de evento da ONG Alfabetização Solidária, realizada na unidade da General Motors em São Caetano do Sul (SP), em homenagem ao projeto de educação fundado por sua mulher, Ruth Cardoso, falecida no ano passado.

Apesar de endossar nos aspectos gerais a denúncia de Jarbas, FHC esquivou-se de comentar as críticas do senador ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB), e ao líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (AL). “Não quero opinar sobre assuntos internos do Senado”, disse o ex-presidente. Ele também negou-se a comentar a situação do PSDB, palco de uma disputa interna pela indicação do candidato à Presidência em 2010. Os governadores de Minas Gerais, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra, querem sair candidatos a presidente pelo partido.

Diplomático, FHC evitou criticar até o governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva frente aos impactos da crise econômica mundial no Brasil. “O governo fez o que pode. Não posso dizer que esteja agindo mal. A crise veio de roldão.” O ex-presidente reiterou a redução dos juros e de gastos do governo como peças-chave para a superação da crise. Mostrou-se otimista, apesar de considerar que a crise “ainda não chegou ao seu pior estágio”. “Vamos sentir algum impacto, mas tomara que tenhamos capacidade de sair da crise melhor do que entramos.”

PRÓ-SERRA

Atingido pelo fogo amigo de Jarbas Vasconcelos, que acusou o próprio partido de abrigar corruptos, o PMDB vê acirrar a disputa interna para fechar posição em torno de um candidato à Presidência da República para as eleições de 2010. O presidente do PMDB paulista, Orestes Quércia, admitiu que Jarbas já atua em prol da candidatura do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ao Palácio do Planalto. Pernambuco está entre os cinco Estados considerados pró-Serra por Quércia. “Jarbas é uma pessoa com quem estamos contando no apoio ao Serra”, reiterou Quércia.

Collor derrota PT no Senado e ministro de Lula comemora

Cida Fontes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) foi eleito para chefiar a Comissão de Infraestrutura do Senado. Ele derrotou a petista Ideli Salvatti (SC) e expôs o racha na base política do governo. Apesar disso, o ministro José Múcio (Relações Institucionais), do partido de Collor, comemorou - disse que o ex-presidente tem "experiência".

Pelas mãos de Renan, Collor bate PT e assume comissão no Senado

Abandonada pelo Planalto, Ideli sofreu derrota por 13 a 10, que consolida racha na base aliada e fortalece PMDB

Pelas mãos do PMDB e do DEM, o senador Fernando Collor (PTB-AL) conseguiu ontem voltar à cena política elegendo-se presidente da estratégica Comissão de Infraestrutura do Senado. E impôs dura derrota ao PT.

Sua vitória por 13 a 10 consolidou o racha na base política do governo, fortaleceu ainda mais o PMDB e enfraqueceu politicamente o PT, que viu seu poder minguar na Casa. Ao mesmo tempo, pela segunda vez no ano, o PSDB se uniu aos petistas e apoiou a candidatura da senadora Ideli Salvatti (SC).

Abandonada pelo Planalto, Ideli assistiu à ofensiva do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, em favor de Collor. E não contou com a ajuda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para impedir a candidatura de Collor e as pretensões do PTB. A senadora ainda teve de amargar as manobras de última hora comandadas pelo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), que pôs sua tropa de choque para votar contra ela.

Em 2007, quando Renan renunciou à presidência do Senado para não ser cassado, Ideli assumiu publicamente sua defesa. Ontem o peemedebista bateu boca com o líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP), durante a tumultuada reunião da comissão, com troca de ofensas entre aliados do governo.

Irritado com a rasteira do PMDB, que cedeu para o PTB um cargo que, regimentalmente, pelo tamanho da bancada, pertencia ao PT, Mercadante não se conteve. "Foi uma aliança espúria que interferiu no direito legítimo e democrático do PT."

ROXO

Em entrevista, Collor se controlou para não deixar escapar um palavrão: "Espúria? Ele que vá procurar... para saber onde vai achar", gaguejou. Ao tentar elogiar Ideli, Collor disse que a respeitava, mas provocou: "Ela é uma pessoa que congrega, que reúne e cisca para dentro."

Para acabar com o mal-estar, o ex-presidente, que sofreu impeachment em 1992, procurou consertar a gafe afirmando que "ciscar para dentro" é uma expressão popular no Nordeste para identificar alguém que agrega.

Mas o que o deixou nervoso foi a intervenção do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). "Espero que não peça licença do Senado nos próximos dois anos", alfinetou o tucano, para acrescentar que, desde 2006, ele esteve ausente e se licenciou duas vezes do mandato.

Collor respondeu com a voz embargada: "Sou um homem bastante experimentado e sofrido para chegar num momento como este e ouvir ironias. Aprendi a ser um homem cordial não somente pela educação que recebi, mas pelas experiências e pelos sofrimentos que colhi ao longo da vida pública. Mas não está apagada dentro de mim a vontade do debate, do enfrentamento e a coragem."

Na avaliação de aliados do PT, como Renato Casagrande (PSB-ES), Collor tem agora um instrumento para se recolocar na política, além do mandato.

Para voltar a crescer

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO


Entre os principais indutores do crescimento global dos primeiros anos deste século esteve o sistema financeiro desregulado. É isso mesmo, o sistema.

São bem conhecidos hoje os descaminhos do modelo financeiro que desabou. Excesso de risco mal avaliado, operações imprudentes, alavancagens exageradas - tudo permitindo, por exemplo, que um título de crédito (muitas vezes de crédito duvidoso) fosse vendido várias vezes, em diferentes fundos de investimento.

Mas é preciso ver as coisas por todos os lados. Além ou apesar dessas "loucuras", o sistema captou e espalhou capital abundante e barato pelo mundo todo. Considerem apenas um número. Em 2007, as companhias privadas brasileiras recolheram nada menos que R$167 bilhões com o lançamento de ações (principalmente) e mais debêntures, notas promissórias etc. Sabem quanto havia sido levantado, nas mesmas modalidades, em 2003, início do mais recente ciclo de expansão mundial? Apenas R$13 bilhões.

Boa parte dessa montanha de capital veio do exterior, trazida pelas operações dos grandes bancos de investimentos, esses que acabaram. Esse dinheiro gerou aqui negócios e empregos, muitos empregos.

Primeira conclusão: é preciso restabelecer não aquele mesmo sistema financeiro, mas um com a capacidade e a liberdade necessárias para restaurar a circulação de capitais e empréstimos. Falando francamente: se sair disso um sistema financeiro super-regulado e supercontrolado, pode-se ter um modelo sem crises, mas também sem financiamentos.

Outro fator de crescimento global foi a China, a que mais conhecemos, a exportadora de produtos de consumo baratos, e a outra, a grande, a insaciável importadora de commodities, matérias-primas e alimentos. Esta última função, digamos, favoreceu especialmente o Brasil.

Mas esse papel crucial da China dependeu dos fregueses americanos. Basta um número para mostrar o peso do consumo americano na economia global. Entre 2003 e 2008, os EUA acumularam um déficit comercial de US$4,5 trilhões. Ou seja, todos os outros países venderam seus excedentes de produção para o consumidor americano.

Informações mais recentes dizem que o governo chinês vai ampliar o programa de aumento de gastos e do consumo internos, o que é boa notícia para todo mundo que vende para lá. Dá um bom estímulo à atividade econômica global. Mas está claro que isso e mais os programas de estímulo dos outros países não substituem os 4,5 trilhões dos americanos.

Outra conclusão: o mundo não sai dessa sem a recuperação da capacidade do consumo dos EUA, o que significa que tudo depende da restauração do crédito na economia americana. Como não apenas os consumidores, mas também as empresas e o governo estão excessivamente endividados, está claro que o país não poderá voltar tão cedo ao ritmo fortíssimo de absorção dos excedentes do resto do mundo.

Vai daí que já estaremos no lucro quando a economia mundial voltar a crescer só um pouco. E outra conclusão: é preciso que países que poupam demais e produzem para a exportação, como a China e os demais asiáticos, passem a gastar mais internamente - a consumir mais e guardar menos dinheiro, enquanto os americanos fazem o contrário.

Finalmente, outro fator de crescimento foi a expansão do comércio mundial. Todos os países tiveram a oportunidade de vender seus melhores produtos no mercado global. Muitos o fizeram e ganharam bom dinheiro, como o Brasil, que, graças ao crescimento das exportações, pôde elevar suas reservas internacionais de US$20 bilhões em 2001/02 para os US$200 bilhões de hoje.

Resumo da ópera: parece hoje que o mundo recente foi apenas uma imensa bolha especulativa para enriquecer banqueiros. Certamente teve isso, mas também investimentos em fábricas, usinas, fazendas, campos de petróleo, minas, tecnologia da informação, com a criação de milhões de empregos, que tiraram milhões de pessoas da pobreza. Como eliminar os efeitos da bolha e, ao mesmo tempo, restabelecer as condições do crescimento global - eis a difícil tarefa que, aliás, também é global.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.