sexta-feira, 6 de março de 2009

Crise e Nordeste

Cristovam Buarque
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O Brasil e o mundo começam a enfrentar a crise atual com base nos velhos esquemas elaborados por Keynes, no final dos anos 1920, a começar pelo diagnóstico: os bancos deixam de financiar as compras, as fábricas deixam de fabricar, demitem trabalhadores porque as pessoas estão sem dinheiro, as demissões reduzem ainda mais o dinheiro nas mãos das pessoas e as demissões aumentam. Forma-se um círculo vicioso. Para quebrá-lo, os governos começam a injetar dinheiro no mercado, substituindo bancos e fábricas na geração de emprego. O resultado esperado é que, aumentando as compras, voltarão os empregos e a crise será superada, mesmo que a custo de aumento no déficit público, redução de investimentos sociais e risco de inflação.

O Brasil optou por diminuir impostos sobre a venda de automóveis e injetar dinheiro nos bancos para continuarem o financiamento de automóveis. Mesmo que isso dê certo, haverá perda de recursos públicos. Além disso, os governos terão de investir mais na infraestrutura urbana para que os automóveis possam circular, sacrificando assim investimentos sociais.

Os resultados positivos também ficarão limitados às áreas ricas do País, tanto geograficamente – onde os carros são fabricados –, quanto socialmente – onde vivem os compradores dos carros. O Nordeste ficará apenas com efeitos secundários. Entretanto, é possível buscar uma alternativa, na qual investimentos públicos sejam usados para empregar a população pobre, para que ela produza os bens e serviços de que necessita para sair da pobreza. Ao mesmo tempo, seus salários são usados para dinamizar a demanda, e com isso promover o aumento da produção e do emprego. Em vez de usar recursos públicos para financiar a compra de carros privados para as classes médias e ricas, usá-lo para comprar ambulâncias, ônibus, transporte escolar. Neste caso, o Nordeste poderia ser beneficiado, não pela produção dos veículos, mas pelo uso deles.

Mais ainda, a crise poderia ser a oportunidade para financiar uma revolução educacional na região. A construção e a reforma de escolas e a aquisição de equipamento teriam um impacto imediato na geração de empregos, e ao mesmo tempo trariam uma melhoria na qualidade da educação. Um aumento significativo do salário dos professores e demais servidores das escolas aumentaria a demanda por produtos industriais. Além do impacto conjuntural na economia, haveria um impacto na educação e, em consequência, em toda a sociedade, permanentemente.
Um programa para a erradicação do analfabetismo, além de trazer a decência social, empregaria um número elevado de pessoas, criando renda e aumentando a demanda sobre o setor produtivo.

O Nordeste tem hoje seis milhões de adultos analfabetos, uma proporção de 27,5%. Para erradicar essa tragédia em quatro anos, seria necessário contratar 75 mil alfabetizadores, além de outras 3,5 mil pessoas para apoio logístico, incluindo os que preparariam os jovens e adultos com o conhecimento suficiente para se tornarem alfabetizadores. Um salário médio de R$ 350 por 10 horas de trabalho por semana, para esses professores, significaria um fluxo de R$ 320 milhões anuais, ou R$ 1,2 bilhão ao longo de quatro anos.

Essa é uma saída que o Nordeste deveria defender para todo o País, e que erradicaria o analfabetismo de 16 milhões de brasileiros jovens e adultos. Mas, principalmente na região que, além de ser a maior afetada pela tragédia, é também a que menos se beneficiará das propostas tradicionais agora empregadas para enfrentar a crise.

» Cristovam Buarque é senador da República (PDT/DF)

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