quinta-feira, 5 de março de 2009

Os mesmos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Nada mais exemplar da pequena política que domina o ambiente brasileiro do que a disputa entre PT e PMDB pela presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, vencida pelo senador Fernando Collor de Mello, do PTB, com o apoio do PMDB de Renan Calheiros, derrotando a senadora Idelli Salvatti em um "acordo espúrio" denunciado pelo senador Aloizio Mercadante. Quis o destino que estivesse em jogo nessa disputa uma comissão fundamental para o governo, pois estará no centro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a peça-chave da campanha sucessória da ministra Dilma Rousseff.

Os personagens dessa trama são velhos conhecidos, entre si e do eleitorado brasileiro. Collor ganhou a comissão em troca de ter votado no senador José Sarney para a presidência do Senado. Faz parte da base aliada do governo Lula, que já o recebeu no Palácio do Planalto, assim como todos os demais envolvidos na disputa.

Mas nem sempre estiveram do mesmo lado. Em 1989, quando derrotou Lula na campanha presidencial, Collor chegou a usar no programa de propaganda política na televisão uma entrevista com a enfermeira Miriam Cordeiro, na qual ela dizia que Lula queria que ela tivesse abortado sua filha, Lurian.

Em 1992, falando sobre a cassação de Collor, Lula disse o seguinte: "(?) ao invés de construir um governo, construiu uma quadrilha como ele construiu, me dá pena porque deve haver qualquer sintoma de debilidade no cérebro de Collor (...) Lamentavelmente, a ganância, a vontade de praticar corrupção, fez com que o Collor jogasse o sonho de milhões de e milhões de brasileiros por terra. (...)".

Já em 2006, em plena campanha presidencial marcada pelo mensalão, confrontado por Mução, locutor de programa radiofônico muito popular no Nordeste, com a fala de Lula, Collor disse que foi vítima de um "golpe parlamentar", do qual teriam participado José Genoino e José Dirceu, "enterrados até o pescoço no maior assalto aos cofres públicos já praticado nessa nação". E garantiu: "Quadrilha quem montou foi ele", citando ainda Luiz Gushiken, Antonio Palocci, Paulo Okamotto, Duda Mendonça, Jorge Mattoso e Fábio Luiz Lula da Silva, o filho do presidente.

O presidente do Senado, José Sarney, que pagou o apoio de Collor com a Comissão de Infraestrutura, foi o mesmo que, presidindo o país na eleição de 1989, ouviu o então candidato Collor, do PRN, chamá-lo de "corrupto, incompetente e safado".

Na mesma eleição, aliás, Lula, do PT, também não deixava por menos: "A Nova República é pior do que a velha, porque antigamente era o militar que vinha na TV e falava, e hoje o militar não precisa mais falar porque o Sarney fala pelos militares e os militares falam pelo Sarney. Nós sabemos que antigamente - os mais jovens não conhecem -, mas antigamente se dizia que o Adhemar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem: Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrão (sic), mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que se faz".

O senador Renan Calheiros, que comandou a derrota da senadora Ideli Salvatti, do PT, tivera nela um dos maiores esteios quando esteve para ser cassado no episódio recente que lhe custou a presidência do Senado, quando foi acusado de pagar com dinheiro de uma empreiteira uma pensão que dava para a amante Monica Veloso, mãe de uma filha sua.

Ele fez parte do grupo político mais intimamente ligado ao presidente Fernando Collor, até que, em outubro de 1990, ao perder a eleição para governador de Alagoas para o também correligionário de Collor Geraldo Bulhões, acusou-o de fraudar a eleição e rompeu com o governo, convencido de que fora traído por Collor e por PC Farias, que fora tesoureiro de campanha de Geraldo Bulhões.

Em maio de 1992, Renan Calheiros acusou PC de comandar um "governo paralelo", e defendeu o impeachment do presidente Collor. Instalado o processo, ele denunciou a existência de um "alto comando" da corrupção do qual fariam parte o ministro-chefe do Gabinete Militar, Agenor Homem de Carvalho, o secretário de Assuntos Estratégicos, Pedro Paulo Leoni Ramos, e o secretário da presidência da República, Cláudio Vieira.

Ironicamente, Calheiros identificava naquela época a centralização das nomeações para cargos no governo como uma maneira corrupta de atuação desse grupo.

Eu não sei por que o pobre do prefeito do Rio, Eduardo Paes, teve que pedir desculpas ao presidente Lula por sua atuação na CPI dos Correios quando, na qualidade de secretário-geral do PSDB, atacou duramente o seu governo.

Paes teria até mesmo, pressionado pelo governador Sérgio Cabral, enviado uma carta pessoal à primeira-dama, Marisa Silva, se desculpando pelas críticas que fizera ao seu filho Lulinha com relação a um investimento milionário que a companhia de telefonia Telemar, hoje Oi, fez em sua empresa, transformando-o da noite para o dia em um próspero empresário.

O interessante é que as desculpas foram pedidas quando a mesma Oi foi beneficiada por uma mudança de legislação feita pelo governo, que permitiu a compra da Brasil-Telecom para formar a maior empresa de telefonia do país. Poucos na oposição ligaram os dois fatos.

No carnaval, depois de ter usufruído da hospitalidade do prefeito e do governador, dona Marisa teria afinal "perdoado" publicamente o prefeito, com um comentário em que admitia que em política às vezes é preciso fazer certas coisas das quais nos arrependemos depois.

Pelo emaranhado de alianças políticas desconexas e acordos espúrios que dominam o ambiente político, dona Marisa está entendendo tudo direitinho. Mas a política brasileira precisava ser assim?

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