sexta-feira, 6 de março de 2009

De Marx a Collor, uma trajetória

Chico de Gois e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Com citações ao Manifesto Comunista, o presidente Lula defendeu a estatização dos bancos e disse que a crise revela o crepúsculo da ideologia neoliberal. Pouco depois, em entrevista, afirmou que o cargo dado a Collor no Senado não deve surpreender ninguém, pois fez parte de um acordo para eleger Sarney

Lula justifica "boa salada"

Presidente diz que eleição de Collor foi fruto de acordo com Sarney e critica o PT

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva justificou ontem a eleição de Fernando Collor (PTB-AL) para a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado como parte do acordo partidário feito para a eleição de José Sarney (PMDB-AP) presidente da Casa. Lula disse que não se surpreendeu com o resultado, que derrotou a petista Ideli Salvatti (SC). Sugeriu ainda que o PT não tem condições de dizer que, pela regra da proporcionalidade, essa comissão deveria ficar com os petistas, uma vez que o partido não considerou esse critério ao lançar Tião Viana (AC) para disputar a presidência do Senado com o PMDB - que teria o direito, pelo mesmo critério da proporcionalidade, pois é a maior bancada nas duas Casas do Congresso.

- O PT tinha direito (à comissão) se a proporcionalidade tivesse sido respeitada desde o começo. Não foi. Vivendo e aprendendo. E fazer disso uma boa salada - disse Lula, após a abertura do Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento, realizada pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), sem considerar que ele próprio defendeu, no início, a candidatura de Viana, abandonando-a depois em favor de Sarney.

Perguntado se foi surpreendido com a volta do ex-adversário político a um posto de comando, Lula disse:

- Os votos que elegeram o Collor foram os votos que elegeram o Sarney. Não vejo isso com surpresa, não.

Collor foi eleito graças ao empenho do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), que retribuiu o apoio dele e de seu partido, o PTB, à candidatura Sarney. Lula preferiu não se manifestar sobre a disputa entre PMDB e PT. Renan trocou três senadores que votariam em Ideli por aliados fiéis, que escolheram Collor. O resultado foi 13 a 10 a favor do petebista. O líder petista, Aloizio Mercadante (SP), classificou de "espúria" a aliança entre o PMDB e o PTB de Collor, reclamando que, pela tradição da Casa, deveria ser obedecida a indicação do PT, que tem bancada maior do que a do PTB.

Poder no Senado preocupa a Planalto

As declarações só confirmaram as suspeitas petistas de que o Planalto avalizou a eleição de Collor. Setores do PT já estavam irritados desde a véspera, quando diziam que não houve esforços em favor de Ideli, que tantos serviços prestara ao governo como líder da bancada petista nos últimos anos. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, comemorou a eleição de Collor, a quem classificou de um homem "experiente".

Mesmo com a insatisfação de companheiros do PT, Lula tentou demonstrar ontem, na entrevista, que a disputa entre PT e PMDB não deve provocar fissuras para a base aliada e não atrapalhará a votação de projetos de interesse do governo na Casa. Mas, nos bastidores, há preocupação com o embate, que se estende há mais de um mês. As declarações de ontem foram uma tentativa de amenizar o clima, com recados para os dois lados: contestou o alegado direito do PT e evidenciou a aliança Collor-Sarney.

Ainda que resolva essa briga entre PMDB e PT, o Planalto não está tranquilo com a nova distribuição de poder no Senado. É considerado fator de risco deixar o comando da poderosa Comissão de Infraestrutura com Collor, aliado recente com baixo nível de confiabilidade. Também há receio com o comportamento bélico de Renan. Mas comprar briga contra a eleição de Collor poderia sair mais caro: estaria desautorizando Sarney, o grande aliado de Lula no Congresso.

Lula tem evitado conflitos diretos com o PMDB, mesmo que isso prejudique o PT. E deve manter esse comportamento - pelo menos até que assegure o apoio formal do PMDB a sua presidenciável, Dilma Rousseff.

Colaborou: Adriana Vasconcelos

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