Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem agido com rigor nos processo de cassação de mandatos de políticos acusados de crimes eleitorais, e com relativa agilidade. As sentenças proferidas no último mês, que cassaram os mandatos do governador eleito da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de seus vices, todos eleitos em 2006, indicam a consolidação do entendimento de que o resultado das eleições não é válido se tiver sido influenciado pela ação do poder econômico ou político, e que portanto o mandato do eleito é passível de cassação.
Há uma concentração de processos para cassação de mandatos de governadores eleitos nas regiões Norte e Nordeste: estão na fila do TSE ações por abuso de poder e compra de voto contra os governadores José de Anchieta (PSDB-RR), Ivo Cassol (sem partido-RO), Marcelo Déda (PT-SE), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e Waldez Góes (PDT-AP). Fora do eixo Norte/Nordeste, espera julgamento o governador Luiz Henrique (PMDB-SC). Se todos os governadores acusados são, de fato, culpados dos crimes que lhes são imputados, isso quer dizer que ainda são hegemônicas as relações de patronato nas regiões mais pobres do país, onde a população tem menos acesso à educação e à informação e menor renda. Não escapam dessas acusações, todavia, derrotados nas urnas por esses governadores e que serão beneficiados pelo afastamento deles de seus cargos - alguns deles respondem igualmente à acusação de compra de votos e abuso do poder econômico e político.
No caso do Maranhão, assumirá o lugar de Jackson Lago, se ele não conseguir reverter a decisão do TSE, a senadora Roseana Sarney (PMDB), que responde a um processo por abuso de poder econômico nas eleições de 2006, quando disputou com Lago o governo do Estado. A queixa contra Roseana partiu da coligação que deu apoio a Lago, assim como o processo contra ele foi aberto a pedido da coligação que apoiava a candidata do PMDB.
Não é a primeira vez que uma decisão da Justiça Eleitoral acaba favorecendo o grupo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Depois que deixou a Presidência da República, em 1990, o maranhense Sarney estendeu o seu feudo político até o Amapá. Lá, na briga por uma hegemonia política semelhante a que tem no Maranhão, conseguiu a exclusão do ex-governador João Capibaribe (PSB) da cena institucional por meio de uma ação na justiça eleitoral semelhante à que agora pode destinar o governo do Maranhão à sua filha, a segunda colocada da disputa maranhense. Capiberibe teve o seu mandato de senador cassado em 2005. Ele e sua mulher, a então deputada federal Janete Capiberibe, foram os primeiros dessa leva da chamada Lei do Bispo, que foi fruto de uma emenda popular coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 1998. Foram acusados de comprar dois votos por R$ 26 reais. Assumiu no lugar do socialista o senador "sarneysista" Gilvan Borges, do PMDB, que perdeu nas urnas a disputa para o Senado para o ex-governador do Amapá, em 2002.
No caso da Paraíba, o segundo colocado na disputa de 2006 para o governo, José Maranhão (PMDB), assumiu no lugar de Cunha Lima (PSDB), após a sua cassação. Maranhão, em algum momento, vai ter que responder à justiça eleitoral. É também acusado de uso da máquina pública na campanha para o Senado, em 2002, quando ocupava o governo do Estado.
A ação profilática do TSE, portanto, tem encontrado obstáculos. O tribunal tem funcionado como a última instância do processo eleitoral: é provocado, em regra - como é legítimo -, pelo derrotado na disputa. Nos dois casos em que já ocorreu a cassação do governador, a decisão do TSE beneficiou um segundo colocado na disputa que responde pelos mesmos crimes. Troca-se, portanto, um governador que o tribunal considerou eleito ilegitimamente por outro, que pediu a cassação do adversário político, e que o TSE pode considerar mais para frente também ilegitimamente eleito. Essas decisões acabam, de fato, funcionando como um terceiro turno eleitoral.
Como a prática patrimonialista se mostra estrutural, em especial nas regiões mais pobres no país, seria mais democrático realizar eleições para ocupar os cargos que estão sendo vagos com as sucessivas decisões do TSE. Até para a Justiça se livrar da armadilha de ter que arbitrar entre dois adversários políticos. No final das contas, a justiça acaba decidindo, de forma incômoda, em favor de candidatos derrotados. Uma nova eleição, presidida e altamente fiscalizada pela justiça eleitoral, poderia ter o poder de retirar do cenário eleitoral desses Estados as práticas de clientela e de cooptação financeira do voto, que hoje são tidas como a normalidade em alguns Estados, e de substitui-las pelo voto limpo, que não deixe nenhuma dúvida sobre a lisura do processo eleitoral. Assim, a justiça não teria que dar uma sentença baseada numa suposição, a de que ganharia um candidato se outro não tivesse comprado votos ou usado o poder político e econômico - sua tarefa seria a de convocar eleições, presidi-las e diplomar o eleito legitimamente pelo voto popular para ocupar a vaga aberta por decisão judicial.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem agido com rigor nos processo de cassação de mandatos de políticos acusados de crimes eleitorais, e com relativa agilidade. As sentenças proferidas no último mês, que cassaram os mandatos do governador eleito da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de seus vices, todos eleitos em 2006, indicam a consolidação do entendimento de que o resultado das eleições não é válido se tiver sido influenciado pela ação do poder econômico ou político, e que portanto o mandato do eleito é passível de cassação.
Há uma concentração de processos para cassação de mandatos de governadores eleitos nas regiões Norte e Nordeste: estão na fila do TSE ações por abuso de poder e compra de voto contra os governadores José de Anchieta (PSDB-RR), Ivo Cassol (sem partido-RO), Marcelo Déda (PT-SE), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e Waldez Góes (PDT-AP). Fora do eixo Norte/Nordeste, espera julgamento o governador Luiz Henrique (PMDB-SC). Se todos os governadores acusados são, de fato, culpados dos crimes que lhes são imputados, isso quer dizer que ainda são hegemônicas as relações de patronato nas regiões mais pobres do país, onde a população tem menos acesso à educação e à informação e menor renda. Não escapam dessas acusações, todavia, derrotados nas urnas por esses governadores e que serão beneficiados pelo afastamento deles de seus cargos - alguns deles respondem igualmente à acusação de compra de votos e abuso do poder econômico e político.
No caso do Maranhão, assumirá o lugar de Jackson Lago, se ele não conseguir reverter a decisão do TSE, a senadora Roseana Sarney (PMDB), que responde a um processo por abuso de poder econômico nas eleições de 2006, quando disputou com Lago o governo do Estado. A queixa contra Roseana partiu da coligação que deu apoio a Lago, assim como o processo contra ele foi aberto a pedido da coligação que apoiava a candidata do PMDB.
Não é a primeira vez que uma decisão da Justiça Eleitoral acaba favorecendo o grupo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Depois que deixou a Presidência da República, em 1990, o maranhense Sarney estendeu o seu feudo político até o Amapá. Lá, na briga por uma hegemonia política semelhante a que tem no Maranhão, conseguiu a exclusão do ex-governador João Capibaribe (PSB) da cena institucional por meio de uma ação na justiça eleitoral semelhante à que agora pode destinar o governo do Maranhão à sua filha, a segunda colocada da disputa maranhense. Capiberibe teve o seu mandato de senador cassado em 2005. Ele e sua mulher, a então deputada federal Janete Capiberibe, foram os primeiros dessa leva da chamada Lei do Bispo, que foi fruto de uma emenda popular coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 1998. Foram acusados de comprar dois votos por R$ 26 reais. Assumiu no lugar do socialista o senador "sarneysista" Gilvan Borges, do PMDB, que perdeu nas urnas a disputa para o Senado para o ex-governador do Amapá, em 2002.
No caso da Paraíba, o segundo colocado na disputa de 2006 para o governo, José Maranhão (PMDB), assumiu no lugar de Cunha Lima (PSDB), após a sua cassação. Maranhão, em algum momento, vai ter que responder à justiça eleitoral. É também acusado de uso da máquina pública na campanha para o Senado, em 2002, quando ocupava o governo do Estado.
A ação profilática do TSE, portanto, tem encontrado obstáculos. O tribunal tem funcionado como a última instância do processo eleitoral: é provocado, em regra - como é legítimo -, pelo derrotado na disputa. Nos dois casos em que já ocorreu a cassação do governador, a decisão do TSE beneficiou um segundo colocado na disputa que responde pelos mesmos crimes. Troca-se, portanto, um governador que o tribunal considerou eleito ilegitimamente por outro, que pediu a cassação do adversário político, e que o TSE pode considerar mais para frente também ilegitimamente eleito. Essas decisões acabam, de fato, funcionando como um terceiro turno eleitoral.
Como a prática patrimonialista se mostra estrutural, em especial nas regiões mais pobres no país, seria mais democrático realizar eleições para ocupar os cargos que estão sendo vagos com as sucessivas decisões do TSE. Até para a Justiça se livrar da armadilha de ter que arbitrar entre dois adversários políticos. No final das contas, a justiça acaba decidindo, de forma incômoda, em favor de candidatos derrotados. Uma nova eleição, presidida e altamente fiscalizada pela justiça eleitoral, poderia ter o poder de retirar do cenário eleitoral desses Estados as práticas de clientela e de cooptação financeira do voto, que hoje são tidas como a normalidade em alguns Estados, e de substitui-las pelo voto limpo, que não deixe nenhuma dúvida sobre a lisura do processo eleitoral. Assim, a justiça não teria que dar uma sentença baseada numa suposição, a de que ganharia um candidato se outro não tivesse comprado votos ou usado o poder político e econômico - sua tarefa seria a de convocar eleições, presidi-las e diplomar o eleito legitimamente pelo voto popular para ocupar a vaga aberta por decisão judicial.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
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