quinta-feira, 5 de março de 2009

A nova face do socialismo reformista

Armênio Guedes
FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Giuseppe Vacca. Por um novo reformismo. Brasília:
Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2009. 258p.

Este livro de Giuseppe Vacca não é mais um lançamento convencional no “mercado das ideias”. Como o leitor logo vai perceber, existe aqui uma grande audácia teórica e política: a partir do conceito de “reformismo”, Vacca nos convida a reconstruir democraticamente as convicções da esquerda, apontando novos modos de conceber a mudança social e por ela lutar.

O marxismo de Vacca aparece inteiramente reconciliado com as formas da democracia política, que não é nem nunca foi “burguesa”. Historicamente, o que ampliou as fronteiras do liberalismo foi a luta mais do que secular dos “grupos subalternos”, para usar a linguagem de Gramsci. Vacca argumenta que o papel destes grupos não é se apoderar do Estado e dar a este uma forma ditatorial qualquer, supostamente progressista. Nada de ditadura do proletariado ou de qualquer forma de ditadura. Classes subalternas e Estado Democrático de Direito devem estar numa relação privada de qualquer relação ambígua ou instrumental.

Diria explicitamente, e mais uma vez apoiado em Gramsci e em Vacca, que não se pode mais pensar em “assaltar” o Estado e usar a máquina estatal para transformar a sociedade de modo autoritário e cesarista. Neste sentido, a Revolução de Outubro, que por tanto tempo nos serviu de modelo, deve ser considerada a última revolução do século XIX. E a “revolução democrática” dos nossos dias, quer dizer, os modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro, está rigorosamente por ser inventada.

Há neste livro mais ousadias teóricas, que só de passagem posso mencionar. Para Vacca, socialismo e capitalismo, por assimétricos, não são termos antagônicos: o primeiro é um modo de regulação, o segundo um modo de produção. Não vejo nisso nenhum espírito de “conciliação”, mas um convite desafiador a imaginar o conteúdo desta possível regulação de tipo socialista, indissociável, como é evidente, de lutas e conflitos sociais bastante complexos. A democracia é sempre difícil! Tema que é aprofundado, quando Vacca analisa a trajetória da esquerda italiana de 1989 ao nascimento do Partido Democrático — análise indispensável para compreender a complexidade das questões que este partido deve equacionar e resolver para retomar a posição hegemônica que, com avanços e tropeços, marcou a presença do PCI na vida política da Itália depois da Segunda Guerra Mundial.

Não fico surpreso com a amplitude destas reflexões. Mais uma vez, é o marxismo político italiano que nos estimula a renovar nossos caminhos, como tantas vezes já aconteceu. Vacca, mesmo quando aborda questões da atualidade, é um pensador que “vem de longe”: insere-se criadoramente na tradição de Gramsci, Togliatti e Berlinguer, teóricos e políticos que, em diferentes circunstâncias, constituíram fundamentais pontos de referência no combate das ideias entre nós, e até muito além das fronteiras da esquerda.

No momento da primeira grande crise da globalização — que requer sobretudo criatividade e capacidade de autorrenovação —, a contribuição de Vacca reabilita a corrente reformista do socialismo, que, no fundo, pretende interpretar com mais lucidez o movimento real das coisas, e sobre ele agir, rumo a níveis sempre mais altos de civilização. Essa também a sua importância para os democratas brasileiros.

Armênio Guedes foi membro do Comitê Central (1943-1954 e, novamente, 1967-1983) e da Comissão Executiva do Comitê Central (1973-1983) do Partido Comunista Brasileiro. Atualmente, é presidente de honra da Fundação Astrojildo Pereira. Este texto é a “orelha” do livro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amigo e companheiro Gilvan,

Tenho feito dos artigos que me envia e de seu blog um uso propositivo e oportuno uso, ante a qualidade e conteúdo que carregam.

Mais ainda, como detenho direitos do blogdochico.com, numa tentativa de contribuir para a educação política ou para a cidadania, diariamente, logo cedo, me encontro com artigos já selecionados de grande valia, pelo que sou muitíssimo grato.

À sugestão da obra de Giuseppe Vacca. "POr um novo reformismo", estou de pronto acatando, aguardando apenas findar o livro que estou lendo, para começar.

Vamos seguir na perspectiva de animar a juventude, principalmente, por readquirir o hábito de ler e de se fazer presente no dia-a-dia das decisões de sua comunidade, cidade ou do país.
Ainda acho ser possível sim, uma outra revolução: e luto por ela, desde que não eivada em princípios falsos, desapegada dos costumes e culturas e crenças de cada povo e, sobretudo, que leve em conta a busca da verdade, para se superar o ainda enorme fosso de desigualdades sociais, de preconceitos e de alienações.
Creio ser esta a "revolução democrática", que nos conduzirá a um mundo menos desigual, menos egoista e mais harmônico e de mais justiça social. Talvez, sim, o novo socialismo!!!

Chico andrade )blogdochico.com)