domingo, 29 de setembro de 2019

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Palavras são palavras: têm mil e uma utilidades. Diante das tropas fanatizadas do bolsonarismo, servem para mobilizar. Sem elas a base se desmancha e a narrativa não se sustenta. O “mito” deve ser reposto dia após dia, para que sua demagogia populista e patrioteira sobreviva. É uma reposição que se faz com atos e decisões, mas também com palavras, que mobilizam e persuadem.

Palavras influenciam, organizam, são recursos de hegemonia. Podem educar, iludir, inflamar, envenenar. Precisam ser, por isso, decodificadas.

É preciso separar o caricato do substantivo, descobrir o que há por trás do palavrório de Bolsonaro. Sua narrativa funciona como um filtro que bloqueia a visão da paisagem. É tóxica, sobretudo, por isso. Desconstruí-la é recuperar uma perspectiva e um entendimento que se perderam pelo caminho.

*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da UNESP. ‘Atos e venenos’, O Estado de S. Paulo, 28/9/2018.

Eliane Cantanhêde - O Titanic Lava Jato

- O Estado de S.Paulo

Gilmar Mendes está na posição de ‘quem ri por último ri melhor’, mas...

Com a sucessão de eventos da semana passada, a Lava Jato começa a ir a pique como o Titanic. Hackers, The Intercept Brasil, Supremo, Congresso, Planalto e, agora, a absurda, inacreditável, chocante história do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que entrou armado na mais alta corte do País para assassinar o ministro Gilmar Mendes.

Depois das “flechadas” contra Michel Temer, Janot queria assassinar Gilmar a tiros. Não tirou o mandato de um nem a vida do outro, mas acaba de matar sua própria reputação. Procuradores são servidores públicos e ele não era apenas um procurador qualquer, era o procurador-geral e estava disposto a cometer não um crime qualquer, mas o mais grave de todos: assassinato. E de um ministro do Supremo!

Janot agia como justiceiro, Gilmar era o crítico mais feroz dos personagens, métodos e atos da Lava Jato. O procurador era endeusado e o ministro, trucidado, principalmente nas redes sociais. Mas a gangorra inverteu. Janot cai do pedestal, Gilmar está exultante e a maior operação anticorrupção da história afunda fragorosamente.

Com seu partidarismo, arrogância e falta de limites, Janot foi o pivô da gravação que Joesley Batista, da J&F, fez com o ex-presidente Michel Temer. O resultado foi uma conversa mole, induzida, picada, que não conseguiu derrubar Temer, mas derrubou a reforma da Previdência e a retomada do crescimento. O País pagou um alto preço.

A J&F virou gigante internacional com o ex-presidente Lula, mas Janot e sua turma atiraram em Temer. Como a gravação não ficou forte o suficiente, eles adulteraram a ordem das frases e correram ao STF sem aprofundar as investigações, seguir o dinheiro ou sequer fazer perícia no áudio. E que acordo camarada com os irmãos Batista! Foi, portanto, uma ação política, que fica ainda mais irritante com a confissão de Janot justamente na semana da inversão da gangorra também no STF.

Vera Magalhães - Dudu faz as malas

- O Estado de S.Paulo

Jogo combinado entre Bolsonaro e o Senado prepara terreno para o filho

A reforma da Previdência vira refém da conveniência de tempo e agenda dos senadores. Vetos são derrubados sem que o presidente que os proferiu nem sequer lamente. O líder do governo no Senado é investigado sob a acusação de ter recebido propina quando era, vejam só, ministro de ninguém menos que Dilma Rousseff.

A sequência de fatos, todos das últimas duas semanas, contraria dois pilares da campanha de Jair Bolsonaro, comprados pelo valor de face pelo eleitorado traumatizado pelo PT: a proposta liberal-reformista na economia e o combate implacável à corrupção e à velha política.

Pouco importa. Essas promessas e a fidelidade a uma parcela do eleitorado foram colocadas em segundo plano diante da prioridade do momento: preparar o terreno no Senado para o envio, mais de dois meses depois do primeiro anúncio, da indicação do terceiro filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, à Embaixada do Brasil em Washington.

Não que seja uma preparação de todo planejada, como nada é na parafernália de conceitos e métodos do bolsonarismo. Ao mesmo tempo em que é necessário fidelizar senadores para a aprovação de Eduardo, seu irmão Carlos fustiga o partido com a segunda maior bancada na Casa, o Podemos – pela primitiva razão de que a sigla cresce em cima do PSL e pode virar morada de algum adversário do pai em 2022, como o temido Sérgio Moro.

Luiz Carlos Azedo - As leis de Beccaria

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato”

O milanês Cesare Beccaria, marquês de Beccaria, é considerado o pai do moderno direito penal. Educado por jesuítas, estudou literatura e matemática em Paris, em meados do século XVIII, e sofreu a influência dos pensadores enciclopedistas, principalmente Voltaire, Rosseau e Montesquieu. De volta a Milão, fundou uma sociedade literária de caráter iluminista e passou a escrever para o jornal Il Café, que circulou nos anos de 1764 e 1765. Na época, vigorava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, o que levava a aplicação de punições com consequências piores do que os males produzidos: torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, na maioria das vezes, com base em acusações secretas.

Beccaria se insurgiu contra isso e escreveu uma obra seminal, que todo estudante de Direito conhece: Dei Delliti e dele Pene (Dos delitos e das penas), fruto de suas discussões com os amigos, entre os quais os irmãos Pietro e Alessandro Verri. Para evitar perseguições, o livro foi impresso em Livorno, em 1764, anonimamente, com o cuidado de usar expressões vagas e imprecisas sobre assuntos que contrariavam magistrados e clérigos.

O tratado Dos Delitos e das Penas invoca a razão e o sentimento. Até os dias de hoje, é um libelo contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios. Separou a justiça divina e a justiça humana, os pecados e os delitos, condenou o direito de vingança e tomou por base a utilidade social para estabelecer o direito de punir. Classificou como inútil a pena de morte, assim como defendeu a separação do poder judiciário e do poder legislativo.

Aclamado em Paris, sobretudo pelos filósofos franceses, Beccaria foi acusado de heresia e sofreu forte perseguição em Milão. Entretanto, sua influência se espalhou pela Europa. A imperatriz Maria Teresa da Áustria, aboliu a tortura em 1776. Voltaire classificou seu livro como um verdadeiro código de humanidade. Catarina II ordenou a inclusão dos conceitos do livro no Código Criminal Russo de 1776. Em 1786, Leopoldo de Toscana adotou as reformas defendidas por Beccaria. Na Prússia, Frederico, o Grande, abraçou muitos de seus princípios.

Janio de Freitas - Sentenças sem defesa

- Folha de S. Paulo

Reconhecimento das garantias constitucionais foi ameaçado pelo Supremo

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas e argumentos artificiosos no trato de questão essencial para o regime democrático.

É o que existe sob o louvado reconhecimento, já feito, de que às defesas cabe o último pronunciamento antes da sentença, para responder a denúncias novas ou a pendências remanescentes --direito desrespeitado em julgamentos na Lava Jato.

Na verdade, porém, o valor desse reconhecimento depende de uma definição que está ameaçada pelo próprio Supremo.

Ainda faltando os votos dos ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli, que apenas antecipou sua opinião, a meio da semana ficava reafirmada, por 6 votos 3, a tese que levou à anulação da pena imposta por Sergio Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras.

Resultado que agora se estendia ao ex-gerente da empresa Márcio Ferreira. Mas a forçosa decisão incomodou vários ministros, dada a possibilidade de anular numerosas condenações da Lava Jato. Não tardou a aparecer o que foi chamado de "modulação" no reconhecimento do direito dos réus. Melhor diriam, no entanto, mutilação.

Luís Roberto Barroso, terceiro a votar, propôs que, se confirmada para o réu a última palavra, assim seja apenas daqui por diante. Logo, caso o Supremo declarasse incorretos os métodos condenatórios, a seu ver o incorreto deveria permanecer intocado. Nem ao menos era caso de regra nova e não retroativa. Azar o de quem não teve a defesa final e está na cadeia.

É interessante a virada de Barroso, que se mostrava de fino rigor legalista até que se viu sob críticas, por comprometer-se com a tese da prisão antes de concluídos os recursos de defesa. Sua reconhecida vaidade se teria magoado, e passou a responder com uma virada para a linha Fux.

Bruno Boghossian – Conversa de botequim

- Folha de S. Paulo

Sem enfrentar excessos, combate à corrupção ficará refém de paixões políticas

A Lava Jato é tema de conversa de botequim há mais de cinco anos, mas uma parte do país ainda se apavora quando surgem discussões sobre os abusos da operação. A fobia é reflexo das artimanhas dos poderosos para frear a turma de Curitiba, mas é também sinal de imaturidade de alguns de seus defensores.

Depois de 66 fases só no Paraná, há exemplos de sobra de que procuradores e juízes ultrapassaram os limites da lei mais do que um punhado de vezes. Além de insensato, o esforço para manter a Lava Jato intocada é um problema cada vez maior.

A tentativa de blindar a operação e barrar até a correção de seus excessos mais evidentes contaminou o debate público sobre esses casos. Provocou cegueira seletiva nos tribunais, produziu reações defeituosas e deu munição inclusive a réus incriminados sem sombra de dúvida.

Se o Brasil não tiver coragem de passar a Lava Jato a limpo para consertar suas arbitrariedades e estabelecer balizas claras, os esforços de combate à corrupção ficarão para sempre reféns de paixões políticas de momento, como se vê agora.

A névoa mantida nessa região de fronteira abre caminho para um Congresso que aprova, às pressas, uma lei de abuso de autoridade necessária, mas cheia de buracos. Cria condições também para que um presidente cite ações arbitrárias como justificativa para para interferir em órgãos de controle e proteger aliados.

Ruy Castro* - País de maus bofes

- Folha de S. Paulo

Autoridades escoiceando à solta estimulam a que seus esbirros façam o mesmo

Não sei bem o que significa perder as estribeiras, mas, seja o que for, o Brasil parece estar perdendo as suas. Pelo que podemos ver no noticiário e em nós mesmos, tornamo-nos 200 e tal milhões de sujeitos que passam o dia chutando baldes, rosnando ameaças e usando toda espécie de canal para destratar os inimigos, os adversários e até os simples desafetos. Ninguém mais tolera ninguém, ninguém admite um pensamento contrário. A continuar assim, vamos passar a nos esbofetearmos ou cuspir uns nos outros à guisa de bom-dia.

O exemplo vem de cima. Num país em que o presidente é o primeiro a não perder uma oportunidade de ejacular desaforos e descompor pessoas, inclusive ao microfone da ONU, como esperar moderação de seus chefiados? E, se esse presidente exerce a política da terra arrasada, da desarmonia entre os poderes e do desmantelamento das instituições, por que seus seguidores, dentro e fora do governo, fariam diferente?

O ministro da Educação, por exemplo, mesmo incapaz de tomar um ditado, não abre mão da arrogância. E dá-lhe de corte de verbas, desamparo a órgãos centenários e desprezo por funções que ele nem é capaz de entender, como a de professor universitário. E é contagioso. Uma autoridade escoiceando à solta estimula a que um esbirro do quarto escalão agrida uma heroína da cultura brasileira e fique por isso mesmo.

Hélio Schwartsman - Realismo democrático

- Folha de S. Paulo

Pleito após pleito, grande parte do eleitorado vai às urnas e repete o ciclo, na vã esperança de que, na próxima vez, algo diferente ocorra

Na linha “a democracia não é bem o que se imagina”, recomendo vivamente “Why Bother with Elections?” (por que se preocupar com eleições), do cientista político Adam Przeworski (NYU).

O livro é brutalmente realista. Diz logo de cara que a democracia é o regime da decepção. Um pouco menos da metade dos eleitores odeia o resultado da última eleição, e os cinquenta e poucos porcento que votaram no candidato vitorioso logo ficarão desapontados com sua performance. Ainda assim, pleito após pleito, grande parte do eleitorado vai às urnas e repete o ciclo, na vã esperança de que, na próxima vez, algo diferente ocorra.

Przeworski também deixa claro que eleições são incapazes de trazer uma solução para nossas ansiedades econômicas, imprimir racionalidade às decisões coletivas e ainda padecem de vieses graves, como a enorme vantagem que dão aos candidatos que já ocupam o cargo. De 2.949 pleitos registrados entre os anos de 1788 e 2008, os titulares venceram 2.949, ou 79%.

Vinicius Torres Freire – Poder aos Napoleões de hospício

- Folha de S. Paulo

Descrédito de procuradores aumenta crise institucional e anima autoritarismos

Um procurador-geral fantasia ou planeja o assassinato de um ministro do Supremo e considera cabível contar esse desvario ao público. Procuradores com altas responsabilidades fazem troça da morte de uma criança, neta do investigado-mor da República, Lula da Silva, entre outras vulgaridades teratológicas ou cruéis.

Os conluios e a politização da Lava Jato decerto causaram mais dano institucional. Mas arrivismos dinheiristas, piadas funéreas e delírios homicidas de procuradores dão o que pensar. De que gente é feito o Ministério Público?

A revelação do descalabro, seja moral, jurídico ou político, de qualquer modo contribui para a operação de revanche contra a Lava Jato. O movimento combina a reação de interesses corporativistas de políticos com a resposta de democratas à manipulação legal ou política de processos judiciais.

Nos tribunais ou no Congresso, o partido da Lava Jato sofre derrotas. A reação às extravagâncias desse movimento político-judicial, porém, não são sinal de restauração das funções do sistema político ou dos Poderes.

Por bem e por mal, a política da República de 1988 passou por um desmonte que se deveu, enfim e na prática, à Lava Jato. O acuamento do partido dos procuradores e do sistema de investigação em controle em geral não significa que o sistema está em obra de reconstrução. A Procuradoria é que entra no programa geral de demolição.

É um cenário favorável às piores tentações do bolsonarismo. O presidente e seu movimento têm as tintas de um cesarismo alucinado, para ser mais preciso de um bonapartismo, que não raro floresce nas paisagens com ruínas do descrédito de sistemas políticos.

Elio Gaspari* - A farra dos desembargadores

- Folha de S. Paulo | O Globo

Tribunal de SP quer construir novo prédio com custo estimado de R$ 1,2 bilhão

A menos de um quilômetro de distância do pedaço do Vale do Anhangabaú onde as filas de desempregados se formam ao amanhecer, o Tribunal de Justiça de São Paulo quer construir duas torres de 24 andares com seis subsolos para 1.300 vagas de estacionamento. Coisa estimada em R$ 1,2 bilhão.

Esse assunto rola desde 1975 e por ora o tribunal trata do projeto executivo da obra, que poderá custar até R$ 26 milhões. Deve-se à desembargadora Maria Lúcia Pizzotti o bloqueio da farra. Se ninguém mais puser a boca no mundo, esse negócio vai adiante. Vai aos poucos, mas vai.

Quem ouve falar em duas torres para o Tribunal de Justiça pode até achar que um país rico, em regime de pleno emprego, precisa de uma boa sede para o tribunal de São Paulo. Não é nada disso. Os edifícios destinam-se a abrigar apenas os gabinetes dos 360 desembargadores. Todo mundo pagará pela farra, mas as torres terão 28 elevadores e 12 serão privativos para desembargadores e juízes. Os doutores terão também um andar exclusivo para seu restaurante. Isso e mais um posto bancário só para desembargadores.

Merval Pereira – Reação prevista

- O Globo

Para Maria Cristina Pinotti, Mãos Limpas foi mutilada antes de seu final, e não cumpriu integralmente seu papel

Considerar que os delatores são auxiliares de acusação provocou uma repulsa grande ao Supremo, decisão que está sendo percebida pela população como ação contra a Lava-Jato. Utilizar-se do velho formalismo jurídico para anular a condenação de um corrupto por suposta falha técnica, que não está prevista em nenhuma legislação existente, é uma maneira de postergar a punição.

A modulação que será proposta pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF, deve definir que o julgamento volta às alegações finais, não havendo, portanto, o perigo de começar da estaca zero, o que vai certamente ser reivindicado pelos advogados de defesa.

Cumpridas as novas formalidades, o resultado do julgamento vai ser igual, não é possível acrescentar provas ou acusações. A questão mais grave é a da prescrição da pena, se houver possibilidade recursal de postergar o final do julgamento por qualquer outra mágica jurídica.

É possível que na decisão final fique definido que o prazo legal da prescrição permanece suspenso enquanto o processo retorna às alegações finais. As semelhanças com o caso das Mãos Limpas na Itália são muitas, mas, por enquanto, a popularidade da Operação Lava-Jato continua grande.

Na Itália, o combate à corrupção teve um apoio popular grande, que decaiu ao longo dos anos devido, principalmente, a diversas denúncias que ajudaram a gerar desconfianças na população, mesmo não tendo sido comprovadas.

A economista Maria Cristina Pinotti, estudiosa da Operação Mãos Limpas, coordenadora do livro “Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas”, relata que a reação do sistema político teve seu auge com a eleição de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro, em 1994.

Bernardo Mello Franco - O peixe podre do impeachment

- O Globo

Beneficiário direto do impeachment, o ex-senador Aloysio Nunes agora diz que a Lava-Jato cometeu “ilegitimidades” para forçar a queda de Dilma Rousseff

Três anos depois, a história do impeachment de Dilma Rousseff continua a ser reescrita. Na sexta-feira, o tucano Aloysio Nunes afirmou que a Lava-Jato cometeu “ilegitimidades” e vendeu “peixe podre” para forçar a derrubada da ex-presidente. Ele se referia ao grampo do “Bessias”, vazado por Sergio Moro às vésperas da votação decisiva na Câmara.

O então juiz divulgou o diálogo na tarde em que Dilma nomeou Lula para assumir a Casa Civil. Com base no grampo, o ministro Gilmar Mendes anulou a posse. Alegou que o ex-presidente estava atrás do foro privilegiado para fugir da cadeia.

Graças ao Intercept Brasil, hoje se sabe que Moro e a Lava-Jato omitiram outras conversas gravadas no mesmo período. Elas sugerem que o principal objetivo da nomeação era blindar Dilma, e não Lula. A presidente apelava ao antecessor para recompor sua base no Congresso e salvar o próprio mandato.

“Quando você fala na divulgação do diálogo do Lula com a Dilma, evidentemente você tem uma manipulação política do impeachment”, disse o ex-senador Aloysio em entrevista à “Folha de S.Paulo”. “Não é uma coisa por inadvertência, foi de caso pensado”, acrescentou.

Ascânio Seleme – Viva o velho Brasil!

- O Globo

Até os eleitores mais fiéis de Bolsonaro devem estar com uma pulga atrás da orelha depois de todos os desdobramentos políticos e jurídicos que atingem com artilharia pesada a Lava-Jato, a mais importante e famosa operação anticorrupção do mundo, depois da Mani Pulite, a Mãos Limpas italiana. Os outros brasileiros, os infiéis ao presidente e todos os que nunca votaram e jamais votariam nele também devem estar abismados com a reviravolta que vai se consumando no Brasil. A grande lavagem da corrupção dentro da política brasileira está desaparecendo porque aos poucos vão sendo dela subtraídos sabão e água.

A mudança do clima em torno da Lava-Jato, outrora intocável, é mais do que visível. Os torpedos que vão sendo disparados do Congresso, do Supremo e até do Palácio do Planalto causam danos importantes à força tarefa, alguns insuperáveis. A situação chegou a esse ponto porque, primeiro, Sergio Moro aceitou o convite e virou ministro de Bolsonaro. Depois, as trocas de mensagens entre Moro e a turma do Ministério Público publicadas pelo Intercept conferiram a coragem que faltava a muitos dos homens que hoje manejam a artilharia e os torpedeiros.

O Congresso dispara contra a Lava-Jato de modo a se proteger. É de uma desfaçatez monumental. O STF a ataca muitas vezes incomodado com o seu sucesso e com a sombra que ela projeta sobre a casa suprema. Claro que os argumentos sempre são outros e fazem todo sentido jurídico. Limita-se a Lava-Jato atendendo a premissa constitucional de se oferecer ampla defesa a qualquer acusado. No caso dessa semana, o STF entendeu que a defesa é cerceada se o delator for julgado depois do delatado. É controverso, mas faz sentido em razão do atendimento ao processo legal. O que parece incabível mas pode acontecer é que a decisão coloque em liberdade diversos condenados. A decisão vai alcançar 150 condenados, segundo O GLOBO, entre eles o ex-presidente Lula.

Míriam Leitão - Supremo tem semana decisiva para o país

- O Globo

Supremo Tribunal Federal (STF) estará diante de quatro caminhos que farão completa diferença na vida do país e da Operação Lava-Jato

Na semana em que o ex-presidente Lula deve ser solto, para cumprir o resto da pena em casa, o Supremo Tribunal Federal (STF) estará diante de quatro caminhos que farão completa diferença na vida do país. O dilema da ordem em que devem ser feitas as alegações finais nos casos em que há delação premiada deixou o país em suspenso. É o fim da Lava-Jato? Ela está sendo abatida por uma filigrana jurídica ou o que está se discutindo é a garantia fundamental do direito de defesa? No Supremo há quem considere que se encontrará uma solução intermediária.

O STF poderá decidir que tudo o que foi feito até agora está anulado, dado que não foi observada a ordem de que o delatado é o último a falar. Essa posição extrema tem seus defensores, mas é difícil de se sustentar, até pelo fato de que o que está sendo levantado não está na lei. É apenas uma interpretação. “Uma interpretação importante”, pondera um ministro da Corte.

O caminho proposto pelo ministro Luiz Roberto Barroso é de que só se aplique aos casos que forem julgados futuramente. É difícil que seja seguido. A terceira saída sugerida pela ministra Cármen Lúcia é de rever caso a caso. A tese é de que isso dá mais trabalho, mas que em direito penal não se pode “passar a régua”, nem se pode descuidar, um milímetro que seja, do respeito ao direito de defesa. E há a proposta do ministro Alexandre de Moraes que é a de serem considerados apenas os casos em que, durante o processo, o réu pediu para ser ouvido por último e se disse prejudicado. Portanto, não há um tudo ou nada, segundo a explicação que ouvi dos juristas do Supremo, mas sim algumas alternativas em cima das mesas do Tribunal, que podem atenuar o cenário mais radical.

Dorrit Harazim - Caldeirão do Trump

- O Globo

Mesmo que a abertura do inquérito na Câmara não leve à aprovação do impedimento pelo Senado, de maioria republicana, é boa a hora de se relembrar o papel de whistleblowers

O que estará pensando Volodymyr Zelensky? Apesar da extraordinária versatilidade desse ucraniano camaleão de 41 anos — já foi ator e comediante de real sucesso, roteirista de TV e cinema, empresário cultural e produtor de filmes no eixo Rússia-Ucrânia —, nada o preparou para se ver catapultado a testemunha e coprotagonista de um enredo capaz de sacudir a história americana, e alterar a geopolítica mundial. Nem mesmo sua meteórica ascensão a sexto chefe de Estado da Ucrânia independente. Montado numa campanha eleitoral tipo blitzkrieg de apenas quatro meses, Zelensky conseguira saltar do papel de presidente ficcional em popularíssimo seriado de TV, “Servidor do povo”, para o de vencedor na vida real. Em abril, derrotara o presidente em exercício por 73% dos votos, e desde então vinha se equilibrando na complexa teia de relações com a sempre rombuda Rússia, e o guarda-chuva aliado dos países da Otan.

Esta semana, com a forçada divulgação do teor de um controverso telefonema confidencial entre Donald Trump e Zelensky, elemento central para o início do processo de impeachment do presidente americano pelo Congresso dos Estados Unidos, o ucraniano se vê num enredo para o qual não ensaiou. Para sorte dele, também é formado em Direito. Caberá à opinião pública de seu país avaliar se o novato no cargo defendeu ou entortou os interesses nacionais para os quais foi eleito.

A situação de Donald Trump é bem mais cabeluda. Em essência, ele agora passa a investigado por usar de seu poder na Casa Branca para pressionar Zelensky a fornecer informações sobre negócios envolvendo o filho do seu principal adversário à reeleição em 2020, Joe Biden. A moeda de troca seria o congelamento ou liberação de US$ 400 milhões em ajuda à Ucrânia.

Além do teor da carta Trump-Zelensky, o inquérito de impeachment tem embasamento num recheado relatório-denúncia de um informante (ainda) anônimo da CIA, que lista evidências de abuso de poder pelo ocupante da Casa Branca para ganho político pessoal. O relatório detalha desvios em série — do acobertamento de provas à alarmante participação do advogado pessoal do presidente, o casca-grossa Rudy Giuliani, na missão de pressão sobre a Ucrânia.

Bolívar Lamounier* - Pequim não crê em lágrimas

- O Estado de S.Paulo

Para se fazer presente no imenso mercado chinês, Hollywood terá de se reinventar

Meu artigo de hoje não é propriamente um artigo, é um relato sobre um artigo de Martha Bayles, professora do Boston College, publicado na edição digital da revista The Atlantic do dia 15 último. The Atlantic, para quem não sabe, é uma das revistas mais antigas e prestigiosas do mundo. Pratica o alto jornalismo há 160 anos, sem interrupção.

O grande salto para trás de Hollywood é o título sob o qual a professora Bayles aborda um assunto ainda pouco debatido mundo afora: o crescente risco que a liberdade de expressão está correndo em razão do apetite pecuniário da indústria cinematográfica americana pelo mercado chinês. Escusado dizer que meu texto acompanha de perto o da professora Martha Bayles.

Sob a orientação do primeiro-ministro Xi Jinping, o governo chinês concentrou e reforçou brutalmente uma habilidade que nunca lhe faltou: a de censurar tudo o que não lhe agrade.

Para situar o tamanho do problema, Bayle lembra o que se passou com a indústria editorial de Hong Kong. Quando a Grã-Bretanha se retirou e a China assumiu o controle de Hong Kong, os cidadãos daquela Nova York asiática receberam certas garantias, entre as quais avultavam as liberdades de expressão e de imprensa. Até aí, nada surpreendente. Bailey atesta que a poderosa indústria editorial lá sediada produzia uma enorme quantidade de livros, revistas e jornais, um vibrante espectro que tratava de cada aspecto da história, da política e da sociedade chinesas. Sem essa produção, não só os cidadãos de Hong Kong, mas também os da China continental saberiam muito menos do que passaram a saber sobre seu próprio país. Mas, claro, a nova orientação emanada de Pequim liquidou tudo isso e as referidas editoras praticamente deixaram de existir.

Presidente contra imprensa

Vitor Marques | Aliás / O Estado de S. Paulo

O ódio ao jornalismo não é algo novo. Tampouco é uma exclusividade da extrema-direita. Referirse à imprensa como “inimiga do povo”, por exemplo, é uma expressão atribuída a Josef Stalin. O que hoje gera extenso debate é o fato de que chefes de Estado e presidentes eleitos pelo voto, como o americano Donald Trump, atacam a imprensa como modus operandi do ato de governar. Para diversos autores, este é um comportamento que enfraquece a democracia liberal.

Recém-lançado no Brasil, o livro O Iimigo do Povo – Uma Época Perigosa para Dizer a Verdade, do jornalista da CNN Jim Acosta, vai além de relatar os bastidores e as disputas internas do governo Trump. Ao narrar sua experiência pessoal como correspondente chefe da emissora na Casa Branca, Acosta discute temas vitais para a democracia: a liberdade de expressão e de imprensa. Além disso, toca em outro ponto importante para o jornalismo: como os veículos de comunicação devem se comportar diante de um governo que, além de ser acusado de incitar o ódio, se tornou conhecido por disseminar notícias falsas?

A primeira mentira da era Trump, recorda Acosta, foi insistir que o número de pessoas que compareceram à posse do novo presidente era igual ou maior à quantidade de apoiadores que recepcionaram Barack Obama anos atrás. “Foi a maior plateia a testemunhar uma posse até hoje, tanto pessoalmente, quanto no planeta inteiro”, disse o então secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, um dia depois da posse de Trump. Como relataram os canais de notícias, era mentira.

O livro abrange o período em que Acosta passa a cobrir, pela CNN, a campanha de Trump à Presidência, em 2016, até os desdobramentos do diálogo no qual o já presidente americano acusa o jornalista e a CNN de serem “inimigos do povo”. O episódio ocorreu durante uma entrevista coletiva na Casa Branca, em novembro de 2018, dias após o partido Republicano de Trump perder o controle da Câmara dos Representantes (Deputados).

O futuro da floresta

Zander Navarro, Alfredo Homma, Antônio José Elias A. De Menezes e Carlos Augusto Mattos Santana | O Estado de S.Paulo

A ‘floresta em pé’ como solução para Amazônia apresenta dificuldades em sua materialização

Há disseminada desinformação sobre as transformações em curso na Região Amazônica e, em particular, sobre o seu aspecto mais chocante: os incêndios que invariavelmente pulverizam partes da floresta e sua extraordinária biodiversidade. Nos últimos 40 anos a maioria dos brasileiros apagou de sua memória os fatos que convulsionaram o bioma, estendendo-se de Rondônia, passando pelo norte de Mato Grosso e o sul do Pará e seguindo pelo Maranhão, ao leste. Esse gigantesco arco territorial foi visceralmente alterado, primeiramente, pela devastação florestal, depois pela pecuária extensiva e, mais tarde, pelo avanço da produção de grãos, embora esta movida por uma novidade: a sua alta densidade tecnológica.

O mesmo desconhecimento prevalece sobre o rural brasileiro como um todo, comprovado por inúmeras ilustrações. Exemplos: um dos nossos alimentos básicos, o arroz, tem a sua eficiente produção cada vez mais concentrada nos dois Estados meridionais, depois distribuída para o restante do País. Aos poucos desaparecem antigas produções regionais, incapazes de competir com a oferta sulista. Já a multiplicação de motos nas regiões rurais, por sua vez, encurta distâncias e, particularmente, descortina o mundo urbano para os jovens que, assim, ampliam o desejo de abandonar suas precaríssimas comunidades do vasto interior, esvaziando o campo.

Desde 1993 o Pará lidera o cultivo nacional de mandioca, mas sua primazia secular como responsável pela maior área plantada foi perdida para a soja a partir de 2015. A virada tem agudas consequências para o campo paraense, pois sepulta a agricultura de subsistência de antanho e integra o Pará ao sistema agroalimentar global. O Pará é também o maior produtor nacional de cacau, abacaxi, dendê, pimenta-do-reino, açaí e bubalinos. E destaque em bovinos, coco, laranja e maracujá, entre outros. O açaí, um produto tipicamente extrativista, vem ampliando seus mercados pelo mundo por meio do manejo, inclusive lavouras plantadas, boa parte sob sistemas de irrigação.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Pragmatismo, afinal – Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro adotou o total distanciamento como modo de se relacionar com o Congresso. Talvez convencido de que seus mais de 50 milhões de votos fossem suficientes para tornar automaticamente legítimos todos os projetos do governo encaminhados ao Legislativo, cabendo aos parlamentares apenas aprová-los sem maiores discussões e sem necessidade de negociação, Bolsonaro descuidou da formação de uma base governista com um mínimo de articulação. O resultado foram as seguidas derrotas sofridas pelo governo nos mais diversos temas, cabendo-lhe o papel de simples figurante em votações importantes, como a da reforma da Previdência.

Ante a perspectiva de novos reveses, o governo Bolsonaro parece afinal ter-se rendido às evidências de que sua estratégia estava equivocada e decidido abrir negociação com parlamentares inclinados a apoiar o governo, oferecendo-lhes participação na administração, na forma de cargos.

Ao contrário do que apregoa o jacobinismo antipolítico que tomou o País há alguns anos - e que, diga-se, ajudou a eleger Bolsonaro -, esse tipo de negociação não é, em si, sinônimo de corrupção. Num regime presidencialista com as características do brasileiro, em que o partido do presidente normalmente não tem maioria no Congresso para servir de base, é preciso atrair o apoio de outros partidos. Isso pode ser feito de duas maneiras: a cada votação ou por meio da construção de uma coalizão. No primeiro caso, a incerteza quanto ao apoio é permanente, pois depende de circunstâncias que mudam ao sabor da política; no segundo, articula-se a base conforme objetivos em comum, agrupando votos razoavelmente seguros para aprovar a maioria dos projetos de interesse do Executivo, o que tende a conferir estabilidade ao governo.

Livro - Doce Armênio Guedes

Ancelmo Gois | O Globo

O ex-ministro Eros Grau está lançando, pela Editora Globo, o livro “Nosso Armênio”, sobre Armênio Guedes (19182015), jornalista e que durante sessenta anos foi importante dirigente do antigo Partido Comunista. Figura querida, o livro relembra histórias desse baiano de Mucugê, por meio de amigos como Elio Gaspari, Juca Kfouri e Zelita Viana.

Poesia | Pablo Neruda - Integrações

Depois de tudo te amarei
como se fosse sempre antes
como se de tanto esperar
sem que te visse nem chegasses
estivesses eternamente
respirando perto de mim.

Perto de mim com teus hábitos,
teu colorido e tua guitarra
como estão juntos os países
nas lições escolares
e duas comarcas se confundem
e há um rio perto de um rio
e crescem juntos dois vulcões.

Música | Paulinho da Viola - Dança da solidão

sábado, 28 de setembro de 2019

Opinião do dia – Ulysses Guimarães*

"A Assembleia Nacional Constituinte rompeu contra o establishment, investiu contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no genial canto de Camões.

Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas com o ouro de seus privilégios e especulações. (Muito bem! Palmas.)

Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna.

O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final.

A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões.

Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar.

Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio. (Palmas.)

A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria. (Palmas.)"

*Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, em discurso de promulgação da Constituição de 1988, Brasília, 5/10/1988

Marco Aurélio Nogueira* - Atos e venenos

- O Estado de S.Paulo

A polarização se mantém graças à insistência do governo em hostilizar o PT...

Durante os nove meses do governo Bolsonaro a opinião pública, a mídia e a sociedade civil entraram em contato com um estilo particular de governação, repleto de grosserias, idas e vindas no plano decisório, muito desencontro administrativo, pouca qualidade técnica nas proposições governamentais e um espírito beligerante nas relações internacionais. O discurso presidencial na ONU, terça-feira, foi um exemplo eloquente disso.

As patacoadas e barbaridades ditas por ele, dentro e fora do País, precisam ser postas no devido lugar. Não são o dado mais importante, nem servem para ocultar o que escorre por baixo do pano. A verborragia provocativa, a narrativa tóxica e o estilo deixa que eu chuto do presidente são parte do drama, integram a coreografia, mas não definem o drama.

Por trás há uma disputa direcionada para refazer o pacto social brasileiro, as regras vigentes no mundo do trabalho e do emprego, o modo como historicamente se concebeu o desenvolvimento econômico entre nós, com seus devidos acordos interclasses. Ainda não está suficientemente claro o fôlego que terão as forças políticas que hoje governam o País. Não se sabe também se do projeto governamental sairá alguma nova situação econômica, se haverá ou não retomada do crescimento e melhoria das condições de vida dos brasileiros. Sabe-se, porém, que Bolsonaro é o instrumento de uma aposta, de uma maneira de conceber o império do mercado, que se combina, paradoxalmente, com isolacionismo internacional e alinhamento meio atabalhoado com as correntes “soberanistas” que tentam se fixar no mundo. Direitismo combinado com ultraliberalismo econômico.

João Domingos - A agonia da esperança

- O Estado de S.Paulo

Se confissão de Janot foi marketing, foi um marketing macabro

Logo depois de saber que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pensara em matar o ministro Gilmar Mendes, do STF, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indagou à plateia de um evento realizado no Rio de Janeiro, ontem: “Quem vai querer investir num país desses?”. Foi a reação típica do que Maia é, um deputado com preocupações humanistas e um liberal convicto na economia. Ao mesmo tempo que se horroriza com a confissão sobre o desejo de matar feita por alguém que ocupou a chefia do Ministério Público, e que, por isso mesmo, jamais deveria admitir algo semelhante, imagina as consequências imediatas de tudo isso na economia.

Se Maia pensou logo que os investidores não vão querer vir para o Brasil ao saber que o procurador da República poderia ter matado um colega do STF, outros tiveram conclusões diferentes. Gilmar Mendes, a potencial vítima, pôs em dúvida a legalidade de todas as decisões, atos, investigações, pareceres, acusações de Janot durante os quatro anos em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República. Terminou por aconselhar o ex-procurador a buscar a ajuda de um psiquiatra. Houve também os que viram na atitude de Janot uma tentativa de impulsionar a curiosidade pelo livro de memórias que pretende lançar daqui uns dias. Tudo seria, portanto, uma jogada de marketing.

O certo é que as pessoas que pensam se viram, de repente, se perguntando: “Mas o que é que está acontecendo no País?”. Como é que o ex-procurador da República diz que se armou, foi para o STF, encontrou Gilmar Mendes, sozinho, na antessala do cafezinho, e só não se tornou um assassino por ter sido contido pela mão de Deus?

Adriana Fernandes - O cheque Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

A estratégia é desidratar a parte do bolo do pré-sal que vai para o presidente

Os presidentes Davi Alcolumbre (Senado) e Rodrigo Maia (Câmara) fecharam um acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir a realização ainda este ano do megaleilão de petróleo na área de exploração do pré-sal da cessão onerosa.

O leilão está marcado para novembro, mas a solução para agilizar o processo pode sair cara para o governo federal.

Lideranças partidárias já antecipam que querem tirar uma fatia maior dos recursos que serão arrecadados no leilão. Querem irrigar com mais dinheiro, sobretudo, para os cofres dos governos regionais, principalmente para as prefeituras, às vésperas das eleições do ano que vem.

À boca pequena, o que se ouve no Congresso é que parlamentares não querem mesmo é deixar o presidente Jair Bolsonaro com o cofre muito cheio para alimentar obras e os programas do seu governo nos próximos meses.

A estratégia é, sim, desidratar a parte do bolo que vai para o presidente.

Merval Pereira - Disputa de poder

- O Globo

Desmontar a Lava-Jato ajuda até o Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), criando uma interpretação jurídica que equipara os réus que fizeram delação premiada a “auxiliares de acusação”, é mais uma etapa da disputa de espaço político entre ministros de tribunais superiores e o Ministério Público, que teve na escolha do novo procurador-geral da República, Augusto Aras, uma indicação importante.

O rabo não pode abanar o cachorro, gosta de dizer o ministro Gilmar Mendes em relação à Lava-Jato. Para muitos, a operação baseada em Curitiba virou, ou tenta virar, uma instituição que se pretende intocável.

Como tudo nessa vida é politica, especialmente no Brasil de hoje, desmontar a Lava-Jato ajuda até mesmo o Palácio do Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações e processos sobre corrupção.

Em troca, o presidente Bolsonaro protege seu filho Flávio das investigações sobre supostas ilegalidades quando era deputado no Rio, e tenta garantir a aprovação de outro filho, Eduardo, para embaixador em Washington.

Há percalços, no entanto. Para quem se elegeu muito em cima da pauta anticorrupção, fica cada vez mais difícil convencer boa parte de seu eleitorado de que seus compromissos nessa área estão mantidos.

A relação de morde e assopra com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é parte desse paradoxo. Figura mais popular do governo justamente por sua atuação na Lava-Jato, Moro voltou a ser um sustentáculo para Bolsonaro, que vem caindo de popularidade.

Citou-o no discurso da ONU como um ícone do combate à corrupção no Brasil, o que demonstra que o prestígio de Moro está intocado no exterior, mesmo depois das revelações de suas conversas com os procuradores de Curitiba.

Míriam Leitão - As várias faces da mesma crise

- O Globo

Desestruturação do mercado de trabalho atinge 58 milhões de brasileiros. São os desempregados, informais ou desalentados

Os dois indicadores de emprego divulgados esta semana reafirmam que a recuperação do mercado de trabalho é muito lenta. Os sinais são mistos, há criação de vagas, mas a desestruturação do mercado de trabalho atinge, em maior ou menor grau, cerca de 58 milhões de brasileiros. A recuperação é demorada porque o crescimento da economia nos últimos trimestres foi baixo e as projeções para o PIB do ano que vem estão encolhendo. O Banco Central já espera apenas 1,8% de alta em 2020. No acumulado do ano, o país criou menos emprego formal do que no auge da crise em 2009. A boa notícia é a oferta de vagas na construção civil, especialmente no mês de agosto.

O governo, a cada notícia boa, comemora, achando que assim consegue estimular o otimismo. Essa técnica é velha e nunca resolveu coisa alguma. Os fatos são os fatos. A crise foi herdada, mas ainda não foi enfrentada adequadamente. Quando o tema é emprego, não diz muita coisa afirmar que os números são os maiores dos últimos anos porque a base de comparação é muito baixa.

Os desempregados são 12,5 milhões, e os desalentados, 4,7 milhões. Entre quem trabalha, há quase 12 milhões sem carteira no setor privado, e outros 4,4 milhões de domésticos também sem formalização. Mais de dois milhões têm emprego familiar, muitas vezes sem remuneração, e os empregados por conta própria sem CNPJ são quase 20 milhões. No setor público, ainda há 2 milhões sem carteira e quase 1 milhão é empregador não formalizado. Somando tudo, apesar das diferenças de situação, são 58 milhões de brasileiros, mais de metade da população economicamente ativa.

Frei Betto - Colonialidade

- O Globo

Acaso a modernidade teve início em 1492, quando Colombo aportou em nosso continente? Por que qualificar de modernidade a expansão mercantilista das frotas marítimas de Espanha, Portugal, Inglaterra, França e Holanda?

Melhor qualificá-la de colonialidade. As investidas europeias no Oriente, na África e no Novo Mundo se caracterizaram por pilhagem de bens naturais, como ouro, prata e especiarias, e exploração do trabalho escravo de indígenas e negros.

Como assinala Dussel (1979), o mito da modernidade como progresso e luzes contribuiu para a “justificação de uma práxis irracional de violência”. Os povos dominados foram subjugados. A empresa colonial se revestia do manto da religião para legitimar a invasão para “o bem da salvação das almas”.

A cultura passa, então, a ter como eixo o eurocentrismo. Invasão é denominada “descobrimento”; subjugação dos “bárbaros”, processo civilizatório; saque e genocídio, sacrifícios inevitáveis para o avanço do progresso.

O eurocentrismo ainda hoje é estampado em mapas-múndi, cujo centro é ocupado pela Europa. Todos os territórios em volta são considerados periferia, na qual os reinos europeus sentiram-se no direito de impor uma economia mercantilista-capitalista; uma sociedade racista; uma cultura excludente e patriarcal.

Ignacio Cano* - A política do extermínio

- O Globo

O presidente das Filipinas empreendeu uma cruzada de extermínio contra traficantes e usuários de drogas. Foram elaboradas, em cada comunidade, listas de indivíduos acusados de consumir ou vender para adverti-los de que, se não cessassem, seriam mortos. Milhares o foram. Num seminário recente sobre as Filipinas foi relatado que um chefe policial notabilizado pelo alto número de pessoas que tinha matado organizou uma festa de Natal e convidou os filhos dos mortos para lhes entregar brinquedos. A imagem me veiou à mente com a notícia de que o governador Witzel, uma vez morto o sequestrador do ônibus da Ponte Rio-Niterói, entrou no ônibus e pediu aos sequestrados para orar pela família do falecido. O ensinamento da cena é que o autoritarismo, na sua fase final, exige inclusive que as vítimas aceitem seu destino.

Os colegas filipinos no seminário explicaram que estavam documentando o que acontecia no seu país não para parar o massacre, algo que consideravam inviável, mas para que um dia as vítimas pudessem ser lembradas, e ações de reparação empreendidas com o intuito de evitara repetição do pesadelo. Infelizmente, o Rio precisa se perguntar até que ponto está na mesma situação.

Marcus Pestana - São vidas, não são estatísticas

- O Tempo (MG)

Certa vez li uma crônica de Marina Colasanti que me marcou profundamente onde ela concluía com uma interpelação: “A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”. Banalizar coisas essenciais na vida que estão erradas é o caminho mais curto para a insensibilidade e a inércia.

Uma das grandes tragédias do Brasil contemporâneo se encontra no campo da segurança pública. A sociedade brasileira exige respostas firmes e consistentes à escalada da violência. Em algum momento, perdemos o controle da expansão do crime organizado. E o primeiro passo, creio, é não esconder dramas familiares nascidos de eventos violentos atrás de estatísticas e análises frias. A indignação com a perda de vidas não deve ser aplacada e sim motivar a construção de políticas públicas inteligentes que deem conta de mudar este triste panorama.

Muito menos estabelecer uma competição mórbida, cruel e sem sentido, entre perda de vidas de cidadãos derivada de “balas perdidas” e policiais no exercício de suas funções. Do lado de cá devem estar unidos governos, forças policiais e população contra o verdadeiro inimigo, o crime organizado.

O Rio de Janeiro é uma vitrine e uma caixa de ressonância do país.

Demétrio Magnoli* - Com quantas Gretas?

- Folha de S, Paulo

Ambientalistas escolhem caminho do simplismo e se fecham num gueto sueco

Greta Thunberg, 16, sueca, filha de um ator e uma cantora de ópera, nunca passou fome, sempre tomou banho quente e conectou-se à internet antes de aprender a ler.

No seu discurso na ONU, ela acusou os governos do mundo inteiro de "roubar meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias" sobre as mudanças climáticas. Greta, porém, não representa a maior parte dos adolescentes do planeta, nem os adolescentes de tantas gerações anteriores que experimentaram carências vitais.

A história pessoal e familiar ajuda a decifrar o tom chantagista de seu discurso. Há quatro anos, movida por uma obsessão precoce pelo aquecimento global, Greta convenceu seus pais a se tornarem veganos e a renunciarem a viajar de avião, o que cortou a carreira internacional de sua mãe. Para a persuasão familiar, contribuiu o diagnóstico de que a pré-adolescente sofria de um transtorno do espectro do autismo. Da família para o mundo —no palco iluminado da ONU, Greta realiza um salto acrobático destinado a fracassar.

"Por mais de 30 anos, a ciência tem sido cristalinamente clara." Três décadas —a eternidade para quem tem 16 anos— são nada na escala do tempo geológico e um intervalo ínfimo na história humana. A tendência de aquecimento global inscreve-se tanto no ciclo natural do interglacial em curso, iniciado 15 mil anos atrás, quanto na emergência da economia industrial, em meados do século 19. O consenso científico diz que a contribuição humana é decisiva. As mesmas tecnologias e modos de produzir que alçaram a maior parte da humanidade acima do patamar da fome crônica provocaram a elevação das emissões de gases de estufa.

Roberto Simon - A esquerda americana contra corrupção

- Folha de S. Paulo

Nos Estados Unidos, tema virou base da campanha democrata

Pode parecer estranho no Brasil, onde é a direita que tem vestido a camisa da luta contra a corrupção, com brasão da CBF e slogans contra o “socialismo”. Mas, ao lançar um processo de impeachment contra Donald Trump, o Partido Democrata colocou de vez o tema no cerne de sua pré-campanha presidencial e criou um denominador comum entre seus candidatos e facções.

O discurso contra a corrupção —em seu sentido fundamental, de captura do Estado por interesses privados, em detrimento da maioria— já dominava as alas mais à esquerda dos democratas, sobretudo entre os que se auto-intitulam “socialistas”.

Agora, com a decisão da presidente da Câmara, a moderada Nancy Pelosi, de desatar o nó do impeachment, chegou definitivamente ao establishment do partido.

Americanos estão divididos sobre o impedimento de Trump: uma pesquisa divulgada nesta sexta (27) indicou que 49% são a favor, e 48%, contra. A proposta tem boas chances de prosperar na Câmara, controlada pelos democratas. Mas republicanos são maioria no Senado, e o presidente detém as rédeas do partido. A queda de Trump, portanto, é altamente improvável.

Ainda assim, daqui para frente, o processo de impeachment no Congresso pautará a corrida eleitoral —e ele será, ao final, um debate sobre corrupção e conflito de interesses.

Ao pressionar ucranianos a investigar o filho de Joe Biden, Trump teria usado a máquina do governo para perseguir um rival político. Interesse privado e assuntos de Estado se misturaram completamente.

Oscar Vilhena Vieira* - Sísifo e a lei

- Folha de S. Paulo

Ao Supremo cumprirá colocar limite às paixões da Lava Jato, sem debilitá-la

Após enganar a morte pela segunda vez, Sísifo —considerado o mais astuto dos mortais— foi condenado pelos deuses a eternamente rolar uma rocha até o alto de uma montanha, para depois vê-la retornar ao ponto de partida.

Para Albert Camus, Sísifo é o herói do absurdo, tanto por se deixar tomar pelas paixões que o levaram a enfrentar os deuses, como pelo suplício cruel e destituído de sentido que esses deuses lhe impuseram.

Muitos dos que cerraram fileiras em torno da Lava Jato estão se sentido como Sísifo, condenados a testemunhar a inutilidade do trabalho penosamente realizado.

Nas últimas semanas o Congresso Nacional aprovou uma nova lei de abuso de autoridade que coloca inúmeros limites a condutas que foram importantes para o sucesso da operação.

O presidente Bolsonaro, por sua vez, nomeou um procurador-geral da República disposto a conter os excessos da Lava Jato.

Hélio Schwartsman - Anula a jato

- Folha de S. Paulo

STF abre caixa de Pandora e atua contra a estabilidade jurídica pela qual deveria zelar

Não penso que seja o fim da Lava Jato, mas acho complicada a tese, para a qual já há maioria no STF, de que julgamentos em que réus delatados não tiveram a oportunidade de apresentar suas alegações finais depois das dos delatores podem ser anulados.

Não discordo do mérito da proposta. A legislação que trata das delações deveria incluir essa disposição. Seria um ótimo aperfeiçoamento. Creio até que o mecanismo possa ser introduzido por jurisprudência, mas valendo só daqui em diante.

Preocupa-me é o recado que o STF passa para a magistratura. Ao anular sentenças em que juízes aplicaram a letra da legislação processual afirmando que eles deveriam ter ignorado as determinações concretas dos códigos em favor de princípios mais abstratos da Constituição, como a ampla defesa e o contraditório, o STF abre uma caixa de Pandora e atua contra a estabilidade jurídica pela qual deveria zelar.

Julianna Sofia - O dono da bola

- Folha de S. Paulo

Disputa de protagonismo entre Câmara e Senado é egolatria estéril, que trava reformas

O Brasil atingiu informalidade recorde no emprego e 40 milhões de trabalhadores vivem de bico. O Banco Central revisou para baixo a expectativa de crescimento econômico para o próximo ano e agora, mais pessimista que analistas do mercado, avalia que o país crescerá menos de 2% em 2020.

Enquanto o PIB patina e há dúvidas sobre o grau de letargia da economia, os presidentes da Câmara e do Senado brigam para ser o dono da bola. O senador Davi Alcolumbre nunca escondeu seu aborrecimento com o papel de destaque da casa ao lado no encaminhamento da agenda econômica, a começar pela reforma da Previdência --já aprovada pelos deputados.

Nas últimas semanas, ele passou a reivindicar que as alterações das regras fiscais previstas numa proposta de emenda constitucional em discussão na Câmara migrassem para o Senado. A ideia seria acoplar o pacote à esperada PEC do pacto federativo, que propõe flexibilizar o Orçamento. A disputa atrasaria o processo em debate já avançado entre deputados. Preocupada, a equipe econômica costurou uma saída salomônica e dividiu tarefas.

Ricardo Noblat - O poder em estado bruto

- Blog do Noblat | Veja

Janot conta suas verdades
Pressões, ameaças, chantagens, tentativas de suborno, vale tudo pelo poder como se sabe e como agora conta com uma fraqueza surpreendente o ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot em livro de memórias que chegará em breve às livrarias.

A VEJA antecipou parte do que Janot ditou ao jornalista Jailton de Carvalho, coautor do livro. As memórias de Janot deixam todo mundo mal, principalmente ele, embora essa não fosse a intenção. Ninguém se autoincrimina de propósito, a não ser um suicida.

Janot revelou-se um assassino em potencial e um suicida arrependido quando entrou armado com um revólver no prédio do Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e depois matar-se. Engatilhou o revólver, mas na hora de disparar…

Uma força divina, segundo ele, impediu-o de apertar o gatilho. Como tanta gente faz, Janot meteu Deus numa história com a qual ele nada teve a ver. O mais correto seria admitir que lhe faltou coragem para consumar o gesto ou que pensou melhor e desistiu.

Graças a Deus (êpa!) que desistiu. Primeiro porque poupou a vida de um semelhante e a sua própria vida. Depois porque poupou o país do horror de ver duas togas ensanguentadas no espaço destinado a produzir justiça de acordo com a lei.

Impossível que o livro não venha a ser lembrado pelo tresloucado gesto abortado. Mas também o será por outros episódios ali narrados. Que tal um ex-presidente (Collor) que passa uma audiência inteira sussurrando que o procurador é filho da puta?

Que tal um vice-presidente (Temer) que convoca o procurador para uma audiência e lhe pede para não denunciar por crimes o presidente da Câmara (Eduardo Cunha)? A audiência foi assistida pelo então ministro da Justiça (José Eduardo Cardoso).
Que tal um senador (Aécio), candidato a presidente da República, que para escapar de ser investigado por corrupção se apressa a oferece ao procurador o que ele quiser – do posto de embaixador em Portugal à vaga de vice em sua chapa?

Cabe a pergunta: por que o procurador, do alto de um dos cargos mais poderosos da Corte, não denunciou todos os que o ameaçaram ou tentaram corromper? Não tinha provas para sustentar as denúncias? Tem agora para sustentar o que conta?
De Janot sempre se soube que apreciava beber – até aí nada demais. Lula gostava muito de beber e não foi por isso que está preso. Espera-se que o gosto de Janot pela bebida não o tenha desnorteado no momento em que resolveu depor para a História.

Lula (mais ou menos) livre

A ideia agrada a Bolsonaro
O plano original era: condena-se Lula em primeira e segunda instância no caso do sítio de Atibaia de modo que ele não fosse para o regime semiaberto por ter cumprido um sexto da pena a que fora condenado no caso do tríplex. Aí não deu tempo.