- O Globo
O presidente das Filipinas empreendeu uma cruzada de extermínio contra traficantes e usuários de drogas. Foram elaboradas, em cada comunidade, listas de indivíduos acusados de consumir ou vender para adverti-los de que, se não cessassem, seriam mortos. Milhares o foram. Num seminário recente sobre as Filipinas foi relatado que um chefe policial notabilizado pelo alto número de pessoas que tinha matado organizou uma festa de Natal e convidou os filhos dos mortos para lhes entregar brinquedos. A imagem me veiou à mente com a notícia de que o governador Witzel, uma vez morto o sequestrador do ônibus da Ponte Rio-Niterói, entrou no ônibus e pediu aos sequestrados para orar pela família do falecido. O ensinamento da cena é que o autoritarismo, na sua fase final, exige inclusive que as vítimas aceitem seu destino.
Os colegas filipinos no seminário explicaram que estavam documentando o que acontecia no seu país não para parar o massacre, algo que consideravam inviável, mas para que um dia as vítimas pudessem ser lembradas, e ações de reparação empreendidas com o intuito de evitara repetição do pesadelo. Infelizmente, o Rio precisa se perguntar até que ponto está na mesma situação.
Desde os tempos do Major Vidigal no século XIX, os casos de excesso policial ou de vítimas inocentes serviram para restringir, mesmo que temporariamente, a violência policial, reiniciando o típico ciclo na política de segurança fluminense, que alterna truculência aberta e contenção relativa. Entretanto, areação do governo atual do Rio à morte da pequena Ágatha confirma que, para eles, a morte de inocentes —claro, os inocentes que moram nos lugares de sempre —é um preço justo a ser pago pela política de extermínio.
Na insanidade que tomou conta do Brasil nos últimos tempos, pessoas que se definem como cristãs apoiam governos que pregam a morte, como se o Quinto Mandamento fosse dispensável. Embora no momento o aumento da letalidade policial coincida coma diminuição das taxas de homicídio, esta dinâmica não continuará indefinidamente. A brutalidade policial acabará mais cedo ou mais tarde estimulando a violência do outro lado. Afinal, não é possível acabar coma violência como se acaba comum a doença transmitida por mosquitos, simplesmente eliminando os mosquitos.
*Ignacio Cano é professor da Uerj
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