- O Estado de S.Paulo
Se confissão de Janot foi marketing, foi um marketing macabro
Logo depois de saber que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pensara em matar o ministro Gilmar Mendes, do STF, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indagou à plateia de um evento realizado no Rio de Janeiro, ontem: “Quem vai querer investir num país desses?”. Foi a reação típica do que Maia é, um deputado com preocupações humanistas e um liberal convicto na economia. Ao mesmo tempo que se horroriza com a confissão sobre o desejo de matar feita por alguém que ocupou a chefia do Ministério Público, e que, por isso mesmo, jamais deveria admitir algo semelhante, imagina as consequências imediatas de tudo isso na economia.
Se Maia pensou logo que os investidores não vão querer vir para o Brasil ao saber que o procurador da República poderia ter matado um colega do STF, outros tiveram conclusões diferentes. Gilmar Mendes, a potencial vítima, pôs em dúvida a legalidade de todas as decisões, atos, investigações, pareceres, acusações de Janot durante os quatro anos em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República. Terminou por aconselhar o ex-procurador a buscar a ajuda de um psiquiatra. Houve também os que viram na atitude de Janot uma tentativa de impulsionar a curiosidade pelo livro de memórias que pretende lançar daqui uns dias. Tudo seria, portanto, uma jogada de marketing.
O certo é que as pessoas que pensam se viram, de repente, se perguntando: “Mas o que é que está acontecendo no País?”. Como é que o ex-procurador da República diz que se armou, foi para o STF, encontrou Gilmar Mendes, sozinho, na antessala do cafezinho, e só não se tornou um assassino por ter sido contido pela mão de Deus?
Assim como essas perguntas começaram a ser feitas a partir de uma revelação chocante, outras, muitas outras, também estão por aí, no ar, e dizem respeito ao País, ao seu passado recente, ao presente e ao futuro. No caso do ex-procurador, choca o fato de uma alta autoridade da República admitir que pensou em eliminar outra alta autoridade da mesma República pela chamada defesa da honra. Gilmar, segundo Janot, enredara a filha dele, ex-procurador, numa mentira, ao dizer que ela advogava para a empreiteira OAS no Cade.
E as filhas dos que não são autoridade, e que são também envolvidas em calúnias, injúrias e difamações? Já pensou se todo mundo se armasse e fosse resolver a questão da defesa da honra à bala? E as vítimas de balas perdidas, crianças das quais roubam não o futuro, mas a vida, como a menina Ágatha, recentemente, no Rio de Janeiro?
O País vive um misto de desesperança e desespero. Desesperança por ver suas autoridades confessando intenções como as de Rodrigo Janot, por ver que as promessas feitas pelos governantes quase nunca são cumpridas, por não ver algo em que possa se agarrar para buscar um fio de esperança na vida. Desespero pelo desemprego que ainda atinge mais de 12,6 milhões de pessoas, pelo subemprego dos que pedalam de 12 a 14 horas por dia para entregar comida e receber menos de um salário mínimo, pelo gigantesco número de empresas quebradas e de vagas de emprego que se fecharam e que não têm perspectiva de reabertura.
As autoridades do País, todas elas, têm responsabilidade com o futuro dos cidadãos, sua saúde, sua educação, seu bem-estar. Boa parte, no entanto, vira-lhes as costas e vai cuidar de seus próprios interesses, de seus amigos ou familiares.
Janot talvez tenha feito de sua intenção de matar o ministro Gilmar Mendes um marketing para vender o livro de memórias que será lançado em breve. Mas, se o fez de caso pensado, foi um marketing macabro diante da realidade tão dura do povo brasileiro.
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