- Folha de S. Paulo
STF abre caixa de Pandora e atua contra a estabilidade jurídica pela qual deveria zelar
Não penso que seja o fim da Lava Jato, mas acho complicada a tese, para a qual já há maioria no STF, de que julgamentos em que réus delatados não tiveram a oportunidade de apresentar suas alegações finais depois das dos delatores podem ser anulados.
Não discordo do mérito da proposta. A legislação que trata das delações deveria incluir essa disposição. Seria um ótimo aperfeiçoamento. Creio até que o mecanismo possa ser introduzido por jurisprudência, mas valendo só daqui em diante.
Preocupa-me é o recado que o STF passa para a magistratura. Ao anular sentenças em que juízes aplicaram a letra da legislação processual afirmando que eles deveriam ter ignorado as determinações concretas dos códigos em favor de princípios mais abstratos da Constituição, como a ampla defesa e o contraditório, o STF abre uma caixa de Pandora e atua contra a estabilidade jurídica pela qual deveria zelar.
Que o Deus em que não acredito nos livre de um mundo em que juízes possam substituir livremente as normas aprovadas pelo Parlamento pela sua versão pessoal do que seja o princípio da moralidade pública, por exemplo.
Não é que isso nunca possa acontecer. Há casos em que o magistrado tem mesmo o dever de anular regras concretas por respeito a princípios abstratos, mas acredito que esse seja um remédio extremo que deve ser reservado para monstruosidades jurídicas, como uma lei que mandasse torturar suspeitos ou, na versão processual, uma norma que impedisse o réu de conhecer as provas que pesam contra si.
As alegações finais não entram nessa categoria. Não é que sejam irrelevantes, mas podem ser descritas como um resumo que as partes fazem de seu caso para ajudar o juiz na hora de sentenciar. E, até onde vai meu entendimento, a ordem dos resumos não altera o produto final.
Se o STF está em busca de pretextos para anulações, há motivos melhores circulando no noticiário.
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