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Pragmatismo, afinal – Editorial | O Estado de S. Paulo
Desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro adotou o total distanciamento como modo de se relacionar com o Congresso. Talvez convencido de que seus mais de 50 milhões de votos fossem suficientes para tornar automaticamente legítimos todos os projetos do governo encaminhados ao Legislativo, cabendo aos parlamentares apenas aprová-los sem maiores discussões e sem necessidade de negociação, Bolsonaro descuidou da formação de uma base governista com um mínimo de articulação. O resultado foram as seguidas derrotas sofridas pelo governo nos mais diversos temas, cabendo-lhe o papel de simples figurante em votações importantes, como a da reforma da Previdência.
Ante a perspectiva de novos reveses, o governo Bolsonaro parece afinal ter-se rendido às evidências de que sua estratégia estava equivocada e decidido abrir negociação com parlamentares inclinados a apoiar o governo, oferecendo-lhes participação na administração, na forma de cargos.
Ao contrário do que apregoa o jacobinismo antipolítico que tomou o País há alguns anos - e que, diga-se, ajudou a eleger Bolsonaro -, esse tipo de negociação não é, em si, sinônimo de corrupção. Num regime presidencialista com as características do brasileiro, em que o partido do presidente normalmente não tem maioria no Congresso para servir de base, é preciso atrair o apoio de outros partidos. Isso pode ser feito de duas maneiras: a cada votação ou por meio da construção de uma coalizão. No primeiro caso, a incerteza quanto ao apoio é permanente, pois depende de circunstâncias que mudam ao sabor da política; no segundo, articula-se a base conforme objetivos em comum, agrupando votos razoavelmente seguros para aprovar a maioria dos projetos de interesse do Executivo, o que tende a conferir estabilidade ao governo.
Reportagem recente do Estado mostra que, aparentemente, o governo Bolsonaro optou pela formação de uma base de partidos que demonstrem “lealdade” em relação ao Palácio do Planalto. Em troca dos votos desses partidos, o Executivo oferecerá cargos do governo federal nos Estados. É uma clara reversão da determinação do presidente Bolsonaro de não franquear espaço no governo para atrair aliados.
De 102 nomeações para superintendências estaduais feitas entre janeiro e 15 de setembro, 50 resultaram de indicações políticas. O estoque de cargos federais comissionados de confiança nos Estados chega a 15 mil, a maioria dos quais cobiçada por políticos interessados em reforçar seu prestígio nas suas bases eleitorais.
Até agora, segundo integrantes do governo, essa distribuição de cargos estava sendo feita sem critérios claros, premiando inclusive parlamentares que votam contra os interesses do Executivo. Agora, o Palácio do Planalto está elaborando um mapa desses funcionários comissionados, vinculando-os aos parlamentares que os indicaram, de modo a ligar o destino desses servidores à “lealdade” daqueles que os apadrinharam.
Responsável pela articulação do Palácio do Planalto, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse que essas nomeações serão feitas “republicanamente” e “com muito critério”. É o mínimo que se espera de um governo cujo presidente foi eleito com a promessa de enterrar o toma lá dá cá na relação entre o Executivo e o Congresso.
Por ora, o importante é que, aparentemente, o presidente Bolsonaro se convenceu de que precisa, nas palavras do ministro Ramos, de “uma relação sincera, duradoura, leal, de confiança” com deputados e senadores que se dispõem a apoiar o governo. E isso só se dará se o presidente aceitar dividir parte do poder com esses aliados.
A condição para que tal coalizão seja, de fato, “republicana”, como salientou o ministro Ramos, é que atenda não aos interesses pessoais do presidente da República ou dos parlamentares governistas, e sim aos interesses do País. O esforço político do governo não deve se prestar a aprovar pautas retrógradas ou simplesmente despiciendas, como a nomeação de um filho do presidente para a embaixada nos Estados Unidos. “A gente quer que o deputado esteja conosco nas reformas estruturantes, como foi a da Previdência, a tributária, a liberdade econômica, o saneamento básico, pacto federativo”, disse o ministro Ramos. Que assim seja.
Populismo é mau negócio – Editorial | O Estado de S. Paulo
Embora a onda populista que elegeu Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil e outros tantos demagogos ao redor do mundo ainda mostre vigor, avolumam-se os sinais de que esse movimento começa a enfrentar os problemas impostos pela realidade – que, desde sempre, é o principal obstáculo dos líderes messiânicos e dos falsos profetas. Mais do que isso: a democracia, cuja destruição chegou a ser anunciada por alguns comentaristas afobados, dá sinais de que, a despeito dos problemas, está essencialmente intacta, pois seus instrumentos destinados a refrear os ímpetos autoritários dos populistas continuam mostrando eficácia.
Tome-se o exemplo do presidente norte-americano, Donald Trump. Tantas foram suas agressões ao espírito democrático dos Estados Unidos que, afinal, o Congresso reagiu: a Câmara dos Representantes (deputados) iniciou uma investigação que pode resultar num processo de impeachment contra Trump. O caso diz respeito à suspeita de que Trump teria pressionado o governo da Ucrânia a investigar negócios da família de Joe Biden, ex-vice-presidente e pré-candidato democrata à presidência. Segundo a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, Trump incitou a intromissão de um governo estrangeiro nas eleições norte-americanas. “O presidente deve ser responsabilizado. Ninguém está acima da lei”, disse Pelosi. É improvável que um processo de impeachment prospere, mas o fato é que finalmente está se traçando um limite para os arroubos irresponsáveis de Trump.
Esse mesmo limite foi estabelecido na Grã-Bretanha, onde a Suprema Corte considerou ilegal a ação do primeiro-ministro Boris Johnson que suspendeu os trabalhos do Parlamento durante os debates sobre a retirada do país da União Europeia. Populista da estirpe de Trump, Boris Johnson esperava, com isso, remover o obstáculo representado pelo Parlamento para realizar o Brexit à sua maneira. Por unanimidade, a Suprema Corte entendeu que “o efeito (da manobra do premiê) sobre os fundamentos de nossa democracia foi extremo”, pois o Parlamento, “como casa de representação do povo, tem o direito de opinar sobre as mudanças que estão por vir”. Por isso, o tribunal considerou que a decisão de Johnson “impediu, sem justificativa razoável, que o Parlamento pudesse cumprir sua função constitucional”.
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem sofrido seguidas derrotas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) em iniciativas que agridem os fundamentos constitucionais. Um caso exemplar foi a decisão de Bolsonaro de reapresentar uma medida provisória (MP) que havia sido rejeitada pelo Congresso. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, devolveu a MP e qualificou a atitude de Bolsonaro de “grave ofensa ao texto constitucional”. Ao julgar o caso, o ministro do STF Celso de Mello escreveu que se tratava de “clara e inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição”.
Há limites legais para a ação dos populistas, mesmo os que estão convencidos de sua comunhão direta com o “povo” e se julguem dispensados do escrutínio das instituições da democracia representativa.
Além do obstáculo democrático, os demagogos vêm enfrentando o natural desgaste do exercício do poder. Ante a incapacidade de transformar promessas mirabolantes em realidade e de lidar com as vicissitudes da economia de um modo racional, os populistas vêm perdendo o apoio do povo que imaginam encarnar. No Brasil, depois do entusiasmo inicial com a chegada ao poder de quem anunciava uma revolução em todos os quadrantes da vida nacional, grande parte do eleitorado, exausto de tanta polarização, rapidamente percebeu que a vida está piorando em vez de melhorar e que, a continuar assim, as perspectivas não são nada boas.
Como já sabiam todos os que têm juízo, o populismo vai se mostrando afinal um mau negócio para os que esperavam exercer o poder à revelia dos fatos concretos e à margem da democracia, com enorme prejuízo para todos.
Tiros e flechas – Editorial | Folha de S. Paulo
Confissão de Janot abala a credibilidade de sua gestão e desgasta Lava Jato
Beira o inverossímil a confissão tornada pública por Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, de que em 2017 teria comparecido armado ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o intuito de assassinar o ministro Gilmar Mendes e se suicidar em seguida.
Dificilmente se compreende a motivação do relato tardio e aterrador, seja ele real, exagerado ou falso. Fato é que o episódio abala a credibilidade de toda a conduta passada do homem que comandou o Ministério Público Federal durante quatro dos mais cruciais anos de existência da instituição.
A partir do estabelecimento da Operação Lava Jato em 2014, no segundo ano de sua gestão, Janot passou a ser uma peça-chave da intrincada máquina de apuração daquilo que se considera o maior esquema de corrupção descoberto na história do país.
Se os sucessos da empreitada são evidentes pelo alcance de suas revelações, cada vez mais também o são os limites e os efeitos colaterais de seu modus operandi.
Retrospectivamente, o espírito irascível autoatribuído pelo ex-procurador-geral parece legitimar a visão daqueles que enxergavam nas edições da “lista do Janot” não só um índex de corruptos em potencial, mas também uma forma de intimidação da classe política.
À luz da confissão concomitante ao lançamento de um livro sobre sua gestão, as rusgas com Gilmar Mendes e outros personagens ganham conotação persecutória.
Ela já havia se insinuado em episódios como o da prisão do banqueiro André Esteves, em 2015, num investigação que envolvia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e terminou em absolvições.
O ápice do questionamento do então procurador-geral deu-se em 2017, quando começou a ser desmantelada a generosa delação dos irmãos Batista. A revelação de conduta imprópria do então presidente Michel Temer (MDB) acabou tisnada pela condescendência com que os delatores foram tratados.
Mesmo a terminologia empregada por Janot, como quando prometia flechadas “enquanto houver bambu” contra Temer, sugere algo mais do que jocosidade —a quebra de impessoalidade essencial para o exercício da função.
Perde assim o Ministério Público, já desgastado pela exposição dos diálogos entre procuradores e o então juiz Sergio Moro, em momento de escrutínio institucional da Lava Jato. O Supremo, afinal, acaba de formar maioria sobre o papel da delação em processos, que pode ter efeito sobre condenações no âmbito da operação.
O destempero de Janot suscitou enérgica reação do STF, já na berlinda devido à revisão de sentenças. Acirraram-se tensões em momento que demanda racionalidade.
Ineficiência de empresas agrava crise nos estados – Editorial | O Globo
Solução para estatais, boa parte delas deficitárias, é fechá-las ou vendê-las ao setor privado
O Brasil mal conhece o universo das empresas públicas que possui. Mas começa a desvendar. Sabe-se agora, por estudo recém-divulgado do Ministério da Economia, que hoje existem 258 delas sob controle dos 26 estados e do Distrito Federal. Ao lado dessa galáxia, orbita outra, com 134 federais. A constelação municipal permanece oculta, à margem das sondagens.
Pela primeira vez, o Tesouro Nacional consolidou informações sobre as estatais estaduais. O diagnóstico apresenta resultados interessantes sobre como é gasto o dinheiro dos contribuintes. Principalmente, porque é baixo o nível de eficiência, e a ampla maioria dos governos estaduais se encontra em virtual falência. A maior concentração é na região Nordeste, com 91 empresas (35,27% do total). Na sequência, está o Sudeste, com 56 (21,71%); o Centro-Oeste, com 41 (15,89%); o Norte, com 36 (13,95%), e, por fim, o Sul com 34 (13,18%). Dono de 20 empresas, São Paulo lidera o ranking. É seguido por Minas (19) e Goiás (16).
De cada dez dessas estatais, quatro dependem do Tesouro estadual para abrir as portas. Isso acontece com 106 das 258 empresas públicas mapeadas em todo o país.
O Estado do Rio se destaca pelo maior número (11) das que precisam de ajuda permanente para continuar subsistindo. Seguem-se Pará (8), Pernambuco e Sergipe (7). No ano passado, os estados e o Distrito Federal injetaram R$ 16,1 bilhões para manter suas empresas funcionando, o equivalente a R$ 44 milhões a cada 24 horas. Porém, o retorno desse investimento foi extremamente modesto. Os dividendos pagos aos estados-acionistas somaram R$ 2,2 bilhões, o correspondente a R$ 6 milhões diários. A Secretaria do Tesouro formulou um indicador para medir a eficiência do dinheiro aplicado nesse conjunto de pouco mais de duas centenas e meia de empresas.
Ao apurar a razão entre lucro ou prejuízo e patrimônio líquido, constatou que a melhor média (58%) alcançada no ano passado foi no segmento de gestão de ativos, seguindo-se as de fomento ao desenvolvimento (36%), distribuição de gás (23%), prestação de serviços (17%) e comunicações (15%). As mais lucrativas no ano passado foram as de saneamento (R$ 4,9 bilhões de ganho total), energia (R$ 1,9 bilhão), finanças (R$ 1,5 bilhão) e fomento (R$ 1,4 bilhão). Em contraste, o Tesouro verificou que, entre as sobreviventes na dependência dos cofres estaduais, 61% têm rentabilidade negativa. As estatais paulistas, que receberam repasses de R$ 10 bilhões, foram responsáveis por 72% do resultado líquido negativo total.
Nada menos que 76 empresas estaduais (29% do total) foram excluídas da base de cálculo de eficiência do capital. Isso porque sobre elas não há informação de lucro, prejuízo, ou ainda apresentam patrimônio líquido igual ou menor que zero. As empresas estudadas não foram identificadas individualmente. Porém, sabe-se que ao menos em três casos de estatais estaduais o valor do indicador de rentabilidade ficou abaixo de 200% negativos em relação ao patrimônio líquido. Esses níveis de ineficácia compõem um mosaico insólito, pois a ampla maioria dos estados enfrenta virtual falência. Indicam que a melhor saída é a privatização.
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