quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Opinião do dia – Joaquim Nabuco*

Isto, por um lado, quem entre na vida pública tem que procurar nos Estados Unidos as boas graças de indivíduos muito diferentes dos que na Inglaterra abrem aos principiantes as portas de política; além disso, tem que aprender por um catecismo muito mais relaxado. A intervenção do grande pensador, do grande escritor, do homem competente, faz-se sentir na Inglaterra mais que nos Estados Unidos, onde as massas obedecem a influência que não têm nada de intelectual e não têm apreço por nenhuma espécie de elaboração mental. Tudo o que é superior tem, como efeito, o cunho da individualidade envolve, portanto, desdém pela sabedoria das massas. O gênio político, qualquer que seja, está para elas eivada de rebeldia. Singularmente, o cidadão vale menos nos Estados Unidos .do que na Inglaterra. Para ser uma unidade na política americana, é preciso que o indivíduo se matricule em um partido e, desde esse dia, renuncia à personalidade. Na Inglaterra não há semelhante escravidão do partido. O país é governado, como nos Estados Unidos, por dois partidos que se alternam e se equilibram, mas os partidos ingleses são partidos de opinião, não são machines, como os americanos, das quais certo número de bosses governam e dirigem os movimentos.

*Joaquim Nabuco (1849-1910) “Minha Formação” p. 140 – Ediouro, 1966.

Luiz Carlos Azedo - As tentações autoritárias

- Nas entrelinhas – Correio Braziliense

“São governos falidos, eleitores ressentidos, pagadores de impostos que querem mais benefícios e poderosos sindicatos que querem manter privilégio. Impossível atender a todos

Não foi a primeira vez — provavelmente, não será a última — que alguém próximo ao presidente Bolsonaro ameaça a oposição com o espectro do AI-5. Mas, desta vez, a coisa foi mais grave, porque se tratou do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foi um raciocínio político com começo, meio e fim: “É irresponsável chamar alguém pra rua agora pra fazer quebradeira. Pra dizer que tem que tomar o poder. Se você acredita numa democracia, quem acredita numa democracia espera vencer e ser eleito. Não chama ninguém pra quebrar nada na rua. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com 10 meses você já chama todo mundo pra quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, disse o ministro. “É inconcebível, a democracia brasileira jamais admitiria, mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI-5, isso é inconcebível. Não aceitaria jamais isso”, remendou Guedes, depois.

A declaração do ministro da Economia sobre o AI-5 provocou reações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, durante Encontro Nacional do Poder Judiciário, em Maceió: “O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também criticou o ministro Guedes: “Não dá mais para usar a palavra AI-5 como se fosse bom-dia, boa tarde, oi, cara, não dá”. Deu uma mão no cravo e outra na ferradura, ao se dizer assustado com o comportamento dos políticos, que parecem estar “mais se preparando para uma briga campal do que pra uma disputa eleitoral no futuro”, uma alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ricardo Noblat - Democracia com adjetivo é tudo, menos democracia

- Blog do Noblat | Veja

À brasileira, só peru

Um dia depois de ter invocado o Ato Institucional nº 5 como possível meio para barrar por aqui manifestações de rua como as que ameaçam os governos do Chile (de direita) e da Colômbia (de centro), o ministro Paulo Guedes, da Economia, tentou pela segunda vez reparar os estragos que produziu com o que disse.

Para que não parecesse que engatou por completo uma marcha ré, insistiu em classificar as manifestações de rua como “uma bagunça, uma convulsão social” capaz de afastar os investidores estrangeiros de olho no mercado nacional. E pregou a instalação no Brasil de uma democracia que chamou de “responsável”.

– Eu acho que devemos praticar uma democracia responsável. Sabe como jogar o jogo da democracia? Espere a próxima eleição. Não precisa quebrar a cidade. Acho que isso assusta os investidores, acho que não ajuda nem a oposição, é estúpido – declarou em Washington, onde se reuniu com empresários americanos.

Adjetivar a democracia é meio caminho andado para propor sua extinção. É também um truque antigo e conhecido usado por governantes autoritários para chamar de democracia o que muitas vezes não passa de uma ditadura com vergonha de se identificar como tal. Guedes viu isso de perto no Chile nos últimos anos 70.

Rosângela Bittar - Questão existencial

- O Estado de S.Paulo

Luciano Huck ainda não disse sim, mas a candidatura ao Planalto já entrou na sua vida

Luciano Huck ainda não disse sim, mas já não é o mesmo que disse não. Em novembro do ano passado, em reunião para avaliar os resultados eleitorais dos movimentos de renovação da política, um amigo perguntou-lhe sobre a experiência da candidatura a presidente e quais haviam sido suas sensações. Segurando uma taça de suco, declarou com firmeza: “Não sou mais a mesma pessoa, volto para casa diferente”. Foi a senha para a conclusão de que a política se entranhara e a candidatura para a próxima disputa era uma certeza.

Relatou outras descobertas de sua rápida passagem pelo mundo novo. Disse, por exemplo, ter notado que os partidos políticos, ao contrário da impressão que passam, são muito fortes, e que a estrutura de poder no Brasil é sólida. Um aprendizado importante para os passos seguintes.

Em meados de novembro deste ano, em São Paulo, convocou-se encontro semelhante para avaliar os resultados do trabalho de um ano de atuação dos novos políticos. Reacenderam-se as expectativas e a certeza da candidatura, embora Huck ainda mantenha envolto em mistério seu intrincado, delicado e certamente emocionante processo de decisão. É a vida que está, de novo, em jogo.

Só que, agora, o tempo para construção trabalhará a favor. As conveniências de seu projeto pessoal já se confundem com os objetivos dos políticos e partidos que gravitam ao seu redor. Huck traz uma marca forte: é o único, constatam, que poderá derrotar Jair Bolsonaro. “Não importa a cor do gato”, diz o lema que a todos conduz: “O objetivo é preservar a democracia”.

Vera Magalhães - Nem em tese

- O Estado de S.Paulo

A democracia é um valor absoluto e intransitivo, que não permite relativização

Peço licença ao leitor do BRPolítico para desenvolver, nesta coluna, uma análise que publiquei no site nesta terça-feira. É que o assunto é inescapável. Trata-se, por óbvio, da entrevista do ministro Paulo Guedes nos Estados Unidos, em que teceu uma tese segundo a qual, se a esquerda radicalizar, não se poderá reclamar caso o “lado de cá”, do governo, replique falando em um novo AI-5.

Algumas coisas não devem ser ditas por homens públicos, em on ou em off, no caso concreto ou em tese. Menos ainda pelo responsável pela Economia do País e aquele a quem a sociedade, o mercado, o setor produtivo e o mundo veem como a âncora de confiabilidade de um governo em que esse ativo já foi completamente dilapidado em 11 meses.

Eu sei que Guedes não defendeu medidas extremas em sua fala. Não tenho por que desconfiar da convicção democrática do ministro. Já ouvi dele próprio o raciocínio que levou à sua declaração, em uma conversa informal recente.

A base é um lamento: ele sabe que sua agenda de reformas pós-Previdência foi abatida enquanto decolava com a soltura de Lula, a radicalização de seu discurso e a reação imediata de Jair Bolsonaro – a meu ver, misto de paranoia, autoritarismo e nenhuma fé no credo liberal.

Fernando Exman - Fórmulas partidárias para romper o dipolo

- Valor Econômico

Construção de alternativas eleitorais é desafio

Partidos de esquerda, de centro e de direita intensificaram os movimentos para tentar romper o dipolo no qual se transformou a política brasileira - um sistema constituído por dois polos semelhantes, mas de sinais opostos, separados por pequena distância.
A atual dinâmica interessa apenas ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E por eles tem sido incentivada, de forma a reduzir as chances eleitorais de outros concorrentes.

Mas o tempo foi passando e as eleições municipais, aproximando-se. Com isso, partidos de diversas orientações ideológicas que haviam demorado a perceber o quão exíguo estava ficando o espaço de ação resolveram reagir. A soltura de Lula e o início do processo de criação do novo partido do presidente Bolsonaro fizeram com que apertassem o passo. Afinal, a letargia dos adversários só interessava aos dois, que com modos e estilos cada vez mais parecidos, trabalham para consolidar seus respectivos exclusivismos em cada uma das pontas do espectro ideológico.

Ao centro e à direita, a ação hoje se concentra mais no Congresso. Maioria, esses partidos decidiram aceitar de vez o que antes lhes parecia pejorativo: assumiram a figura de um grupo relativamente coeso, influente nos temas econômicos e determinante para o destino de qualquer projeto em tramitação. Com viés mais liberal na economia e conservador nos costumes, essas siglas representam um bloco que faz jus a um apelido grafado no aumentativo pelo seu tamanho e capilaridade nos Estados.

Elas perderam a vergonha, enfim, de se apresentar e atuar de facto como um “Centrão”. E vão criar as condições para manejar o Orçamento, com o objetivo de se fortalecerem em suas bases eleitorais.

“É hora de erguer os dois cotovelos até a altura dos ombros. Forçar para abrir espaço, até a gente conseguir erguer novamente a cabeça”, ilustra um líder desse bloco. “Vamos evitar que sejamos prensados pelos dois lados.”

José Eli da Veiga* - Batata pelo futuro

- Valor Econômico

A inocência juvenil sobre as relações entre poder e ciência tende a ser superada pelas interações do FFF com algumas entidades irmãs

Depois de amanhã, São Paulo terá mais uma sexta-feira global pelo futuro, programada por movimento tão inédito que aturdiu a grande imprensa brasileira. Houve até analista que xingasse de chantagista a garota sueca, de 16 anos, Greta Thumberg, o fenômeno que mais impulsionou tais mobilizações. Injúria em total contraste com a carta que 224 acadêmicos do Reino Unido haviam publicado no The Guardian, com enfáticos aplausos à determinação de seus alunos em participar das manifestações por ela convocadas.

Tal desacordo fica ainda mais expressivo se consideradas as serenas ponderações publicadas em periódicos científicos de primeira linha. No 14 de março, véspera da primeira grande iniciativa do “Fridays for Future” - ou simplesmente “FFF” - coube à revista Nature informar que “milhares de cientistas apoiarão os jovens que amanhã irão para as ruas”.

Na edição da semana seguinte, comemorou o surgimento do primeiro “movimento de base” contra o aquecimento global, com manifestações em “cerca de duas mil cidades em mais de 120 países, do Nepal a Vanuatu”. Informando, também, que um abaixo-assinado de mais de 12 mil cientistas - da Alemanha, Áustria e Suíça - inspirara outro, firmado, apenas na Nova Zelândia, por 1.500 pesquisadores. O destaque, dado no “olho” da matéria, foi para comentário de uma professora da Universidade de Lancaster: “Além de inovadora e provocativa, aí está a forma correta de desobediência civil não violenta”. Posição idêntica à de carta coletiva que a revista Science trouxe na edição de 12 de abril.

Bruno Boghossian – Rasgando a fantasia

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro busca pretexto para repressão e fica confortável em ameaças à democracia

O desembaraço com que Paulo Guedes menciona o risco de um novo AI-5 é a tradução fiel de um projeto que se abastece diariamente de sonhos autoritários. Em busca de pretextos para aplicar uma agenda de repressão, o governo vai ficando cada vez mais confortável para ameaçar os princípios da democracia.

O ministro da Economia seguiu a moda lançada por Jair Bolsonaro e passou a trabalhar com protestos hipotéticos e vândalos presumidos. Em viagem aos EUA, ele disse que não seria surpresa se houvesse cobrança por medidas de arbitrário em caso de manifestações contra o governo.

“Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez?”, declarou.

Vinicius Torres Freire –Dólar está mais barato que o governo

- Folha de S. Paulo

Afora esquisitice de Brasil já ter juro menor que zero, não há crise financeira

O preço do dólar é um fenômeno “pop” e popular. O povo diz que daqui a pouco o dólar vai poder pegar ônibus em São Paulo, onde a passagem custa R$ 4,30. Apesar da algazarra e queixas de financistas que perderam dinheiro, aconteceu algo de extraordinário no mercado ou na economia?

Na conversa com gente do mercado, ninguém conta nada de excepcional, pelo menos a este jornalista.

O que de mais divertido que se vê por estes dias é que o Brasil agora também já tem taxas de juros negativas, “coisa de Primeiro Mundo”, vejam só. Desde o final da semana passada, o governo paga menos do que zero para quem se dispuser a emprestar dinheiro até 15 agosto de 2020 (comprando NTN-B, o título conhecido como “IPCA mais juros” no Tesouro Direto). Isto é, cobra de quem lhe emprestar algum.

Afora essa graça episódica, talvez uma anomalia técnica, nada muito mais de esquisito. De mais notável, apenas um repiquezinho da expectativa de inflação para 12 meses e um cadinho de alta de juros perceptível apenas para quem negocia zilhões no mercado.

Merval Pereira - O mal menor

- O Globo

Não é um bom sinal quando um país passa a discutir a possibilidade de voltar à ditadura militar a que foi submetido por 21 anos. Ainda mais em um governo presidido por quem defende há anos que não houve ditadura, que esse período foi o melhor de nossa história, e que as medidas repressivas deveriam ter sido mais fortes, negando ou minimizando as torturas ocorridas nas delegacias e nos quartéis.

Por isso, cada vez que o AI-5 é lembrado, seja por que razão for, tem-se a sensação de que algo há por trás dessa repetição. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não pediu a volta do AI-5, mas, como fez o deputado federal Eduardo Bolsonaro, classificou o ato de exceção como uma possível resposta do governo contra eventual radicalização dos movimentos de esquerda.

Ambos atribuíram a Lula e ao PT o estímulo às manifestações de rua, à radicalização, o que é verdade, na boca do próprio ex-presidente: “A gente tem que atacar, não apenas se defender.” Se referia aos protestos no Chile, que, em diversas oportunidades, citou como exemplo do que deveria ser feito pelos militantes, “principalmente os jovens”. Mas não é sair às ruas uma vez, e depois parar. É preciso uma movimentação constante, diária, ensinou Lula.

Foi essa atitude que Guedes chamou de comportamento “irresponsável” e “burro”. Não por acaso, os dois lados se dizem defensores da democracia. O presidente Jair Bolsonaro disse que, se alguém apresentar o AI-5, ele apresenta o AI 38, referindo-se ao número do partido que pretende construir, como a dizer que trava sua luta através de instrumentos democráticos como um partido político.

Elio Gaspari - A Presidente Vargas de 1984 a 2019

- O Globo | Folha de S. Paulo

O povo não deve ter medo da polícia, nem a polícia deve ter medo do povo

A avenida foi a mesma. Em abril de 1984 ali aconteceu o grande comício das Diretas. Noticiou-se que a multidão passava do milhão de pessoas. Nem chegava a isso, mas deixa pra lá. A festa durou cerca de sete horas, sem um só incidente. No último domingo (24), mais de 1 milhão de cariocas festejaram o Flamengo. A festa terminou com uma pancadaria e 23 feridos nas proximidades do monumento ao Zumbi dos Palmares.

Não se sabe como começou a confusão, mas é elementar que a Polícia Militar não precisava ameaçar o povo com fuzis ou apontando-lhe revólveres. A primeira bomba de gás contra uma multidão parada pode ter sido um exagero. As demais, truculência, sobretudo sabendo-se que na festa havia crianças.

O veículo da Guarda Municipal também não precisava dar marcha a ré em alta velocidade numa pista livre. Acabou atropelando um guarda. Assim como Gabigol fez a alegria dos brasileiros com dois gols em três minutos num final de jogo, a PM do Rio manchou a celebração no fim da festa.

O medo faz mal à alma. O povo não deve ter medo da polícia, nem a polícia deve ter medo do povo. Em 2013, quando o papa Francisco chegou ao Rio, estava protegido por um dispositivo teatral, com soldados e até cães farejadores.

Bernardo Mello Franco - O deboche de Guedes

- O Globo

Ao banalizar ameaça de um “novo AI-5”, Paulo Guedes voltou a mostrar desapreço pela democracia. Antes de virar ministro de Bolsonaro, ele trabalhou para a ditadura de Pinochet

O ministro Paulo Guedes pode ser acusado de muitas coisas, menos de esconder o que pensa. Na segunda-feira, ele voltou a mostrar desapreço pela democracia. Banalizou a ameaça de um novo AI-5, feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro.
Em Washington, Guedes falou em medidas de exceção em caso de protestos violentos contra o governo. “Não se assustem se alguém então pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, disse.

Questionado por uma repórter sobre a gravidade da declaração, ele adotou tom de deboche: “Mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI -5. Isso é inconcebível, não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?”.

Guedes se referiu à ameaça do Zero Três como uma resposta a discursos do ex-presidente Lula. Foi um argumento falso, porque o deputado lançou acartado AI-5 dez dias antes de o petista voltar ao palanque.

Míriam Leitão - As ideias políticas de Paulo Guedes

- O Globo

Se houver outro AI-5, investidores fugirão do Brasil. A economia não é uma ilha que possa manter seu equilíbrio sobre escombros da civilização

O que assusta é o quanto o ministro da Economia desconhece sobre a relação entre economia e política, entre democracia e fatores de risco atualmente avaliados pelos fundos de investimento. Se houver um outro AI-5, ou que nome tenha uma violenta repressão policial militar às liberdades democráticas, os investidores fugirão do Brasil. A economia não é uma ilha que possa manter seu equilíbrio sobre escombros da civilização.

O governo Bolsonaro neste momento saiu das palavras autoritárias para as propostas autoritárias. O perigo mudou de patamar. A ideia de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para ação na área rural mais a proposta de que dentro das GLOs haja o “excludente de ilicitude” formam uma mistura perigosa. E intencional, na opinião do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ):

— Isso é um AI-5. Quando a GLO se generaliza e dentro dela está embutida o excludente de ilicitude temos um verdadeiro AI-5.

Em outro momento de sua desastrada e longa fala, Paulo Guedes disse que o presidente não está com medo do ex-presidente Lula. “Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora.”

É impossível ir embora, tocar adiante com essa leveza que o ministro sugere, porque a expressão “excludente de ilicitude” parece um termo técnico e anódino, mas significa licença para matar. No país em que as forças de segurança matam muito e cada vez mais, em que os militares das Forças Armadas respondem apenas à Justiça Militar e em um governo que jamais escondeu sua profunda admiração pelas ditaduras, esse instrumento não é um detalhe burocrático. Pode ser a porta do horror.

O que a mídia pensa – Editoriais

Guerra imaginária – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os brasileiros que querem a manutenção da democracia plena e do Estado de Direito deveriam expressar seu repúdio inequívoco a qualquer tentativa de banalizar medidas como o AI-5

Foi espantosa a facilidade com que o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou, na segunda-feira passada, a hipótese de adoção de uma medida de exceção nos moldes do Ato Institucional n.º 5 (AI-5) para conter eventuais manifestações violentas de oposição. Como se fosse algo trivial, o principal ministro do presidente Jair Bolsonaro considerou plausível e até natural que, a título de enfrentar uma “quebradeira” nas ruas, haja o clamor para que o governo emule o regime militar, fechando o Congresso e cassando liberdades individuais, pois foi isso o que aconteceu em dezembro de 1968 com a edição do AI-5, ora evocada.

Ao comentar recente discurso do ex-presidente Lula da Silva, que incitou a militância petista a “seguir o exemplo do povo do Chile, do povo da Bolívia” e “atacar, não apenas se defender”, o ministro Paulo Guedes declarou que “é irresponsável chamar alguém para rua para fazer quebradeira, para dizer que tem que tomar o poder”. Acrescentou que “quem acredita numa democracia espera vencer (as eleições) e ser eleito”, isto é, “não chama ninguém pra quebrar nada na rua”. E continuou: “Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”.

Poesia | Bertolt Brecht - Aos que vierem depois de nós

(Tradução de Manuel Bandeira)

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fonte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranquilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo.

Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, - espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

Música | Mônica Salmaso - A volta do malandro

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Opinião do dia – Joaquim Nabuco*

Há duas espécies de movimento em política: um, de que fazemos parte supondo estar parados, como o movimento da terra que não sentimos; outro, o movimento que parte de nós mesmos. Na política são poucos os que tem consciência do primeiro, no entanto este é, talvez, o único que não é pura agitação.


*Nabuco, Joaquim. Minha formação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. Diário de 1877 de Joaquim Nabuco. 28 de junho.

Luiz Carlos Azedo - Manual de sobrevivência

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Três variáveis que podem levar Bolsonaro a alterar a composição de seu governo: primeiro, o desempenho da administração; segundo, a criação de seu partido; terceiro, a instabilidade da base do governo”

Toda vez que se fala em reforma ministerial, os ministros mais inseguros começam a dar declarações atacando os setores descontentes com o governo, como uma forma de agradar o presidente Jair Bolsonaro. É uma receita de bolo: houve um erro clamoroso no ministério ou uma denúncia contra o gestor, o ministro em apuros sapeca um post no Twitter ou dá uma coletiva com uma declaração bem polêmica, atacando a imprensa, os professores, os artistas e outros setores considerados desafetos do presidente da República. O campeão nessa estratégia é o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Com isso, cria-se uma situação na qual a saída do cargo seria vista como uma derrota de Bolsonaro para os seus desafetos. Aparentemente, está funcionando.

A última do ministro foi acusar universidades federais de estarem envolvidas na plantação de maconha e produção de drogas em laboratório, o que provocou reações dos reitores, do Ministério Público e até da Justiça. Weintraub utilizou casos isolados de ocorrências policiais para acusar diretamente a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No primeiro caso, usou como exemplo alguns pés de maconha plantados numa área de cerrado próxima ao Câmpus Darcy Ribeiro, erroneamente avaliado pelos policiais como pertencente à UnB. No segundo caso, foi a apreensão de 14 buchas de maconha e 1kg de haxixe no câmpus da UFMG, mas seus portadores não eram alunos nem funcionários da instituição. Foi o suficiente para o ministro generalizar.

Ricardo Noblat - Paulo Guedes com cara de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

E o mesmo discurso autoritário...
O presidente Jair Bolsonaro, que se apressou a desautorizar seu filho Eduardo quando ele acenou, no final do mês passado, com a edição de um novo Ato Institucional nº5, deveria sentir-se obrigado a proceder da mesma maneira depois do que disse ontem, em Washington, o ministro Paulo Guedes, da Economia.

O AI-5 foi o mais brutal ato de força da ditadura militar de 64. Adotado em dezembro de 1968, ele fechou o Congresso, cassou mandatos de parlamentares e de ministros do Supremo Tribunal Federal, permitiu prisões sem autorização judicial e estimulou a tortura e o assassinato de adversários do regime.

Em entrevista coletiva, à saída de reunião do Fórum de Altos Executivos Brasil-Estados Unidos, Guedes admitiu que o governo desacelerou o envio de propostas de reformas ao Congresso com receio de que se repita por aqui as manifestações de ruas que ocorrem no Chile e na Colômbia. E que ocorreram na Argentina.

Perguntado se a preocupação era gerada por algum medo de Lula, o ministro ocupou-se em criticar o ex-presidente e o que ele tem dito desde que foi solto. Em mais de uma ocasião, Lula convocou os jovens a ocuparem as ruas para “lutar contra a destruição do país”. E afirmou que “um pouco de radicalismo faz bem à alma”.

Guedes retrucou:

– Chamar povo para rua é de uma irresponsabilidade… Chamar o povo pra rua pra dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala ‘o que que é?’ (…) É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça.

Vera Magalhâes - Bolsonaro agora quer GLO para tudo

- O Estado de S. Paulo

Presidente, que já enviou ao Congresso projeto para excludente de ilicitude em operações, fala em usá-las para reintegrações de posse; virou moda?

Testando limites. O presidente já é bem conhecido por testar a acolhida de suas ideias algo heterodoxas de uso da força para depois submetê-las ao escrutínio do Congresso. O fato é que o governo está paranoico com a ideia de que protestos como os que ocorrem no Chile, na Bolívia e na Colômbia aconteçam no Brasil, sob patrocínio de Lula e do PT. O MST entra na jogada nessa mesma fantasia: Bolsonaro parte da ideia de que os "exércitos" de sem-terra poderiam ser usados no plano lulista para colocar fogo no País.

Aspirina. Que o presidente costuma ser acometido desse tipo de temor e dar corda a essas narrativas já se sabe. O que não é razoável é colocar as Forças Armadas nesta equação. Nem tornar um instrumento que a Constituição prevê para circunstâncias excepcionais de riscos à ordem pública, como as operações de GLO, algo banalizado a ser usado em qualquer circunstância - e ainda com o bônus do excludente de ilicitude para militares que agirem nessas novas circunstâncias.

Desvirtuamento. As Forças Armadas não têm o papel constitucional de atuar como força suplementar de segurança pública. Mais: militares não gostam que se recorra às GLOs como quem troca de roupa. Uma coisa é evocar a garantia da lei e da ordem em circunstâncias como chacinas em presídios, comandadas a partir de fora por facções criminosas, ou grandes eventos como Olimpíadas, outra é usar o expediente para cumprir reintegrações de posse em propriedades privadas, algo que é atribuição das polícias estaduais. Não vai passar no Congresso e não será aceito pelas Forças Armadas, mas o presidente gasta tempo e energia para disseminar esse tipo de ideia. E depois a culpa por se discutirem só pautas negativas é da imprensa.

Eliane Cantanhêde - É guerra?

- O Estado de S.Paulo

Para Gleisi, conflitos chegam ao Brasil; Bolsonaro lança ‘GLO do campo’. Onde nós estamos?

Quando o torniquete apertou em torno do PT e do mandato da então presidente Dilma Rousseff, seu patrono Lula ameaçou “chamar o Stédile”. Nem completou ainda um ano de mandato, agora o presidente Bolsonaro tem a audácia de anunciar que quer chamar o Exército para reintegrações de posse no campo. Lembra do “chama o (general) Pires” da ditadura, mas fora de foco, de tempo e de lugar.

“Quero paz e democracia, mas também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”, falou Lula há cinco anos, quando petistas e aliados entraram em confronto com manifestantes contra Dilma no Rio. Poderia ser só mais uma dessas bravatas típicas de Lula, mas continha uma clara ameaça.

Ameaça nunca cumprida, aliás, nem mesmo quando Gleisi Hoffmann, presidente agora reeleita do PT, disse que ia “ter de matar gente” se Lula fosse preso. João Pedro Stédile, principal líder do MST, não apenas nunca acionou suas tropas como saiu de fininho dos holofotes para se distanciar das denúncias de corrupção que passaram a bater firme no PT e a respingar em toda a esquerda. E ninguém matou ninguém na prisão de Lula.

Ranier Bragon - Rap do privilégio negro

- Folha de S. Paulo

A semana marcada pela exposição vandalizada terminou ao som antirracista

Nos meus tempos de mocidade, nenhum fracasso era maior do que o sábado à noite à frente da TV. O tom azulado na face simbolizava toda a insignificância de não ter nenhuma vida para viver fora de casa.

Neste sábado (23), porém, o rapaz e a mocinha que talvez possam ter se sentido como eu tiveram um alento.

Durante muito tempo produziu-se humor esculhambando o "diferente" --o negro incluído, é claro. O Zorra Total (TV Globo) de sábado deu um exemplo de como o combate ao racismo, coisa muito séria, pode ser feito com humor de qualidade.

Isso na semana da Consciência Negra marcada pela encenação do deputado Coronel Qualquer-Coisa rasgando a charge sobre o morticínio de pretos e pobres pela polícia.

Hélio Schwartsman - O técnico faz a diferença?

- Folha de S. Paulo

Estudo mostra que os comandados importam bem menos que os jogadores

O brilhante desempenho do Flamengo neste ano reforça o prestígio do técnico Jorge Jesus, apontado como um dos principais responsáveis pela façanha de vencer dois dos mais cobiçados títulos disponíveis para o futebol brasileiro num intervalo de apenas 24 horas. A pergunta que proponho é: o técnico faz diferença?

Para nossas intuições, a questão nem se coloca. Ora, se é o técnico que define com quais atletas e como o time jogará, e é a performance do time que determina a classificação, parece obrigatório concluir que a escolha do treinador é a decisão mais importante que um dirigente de clube pode tomar. O problema com nossas intuições é que elas sempre parecem sólidas, mas com alguma frequência estão erradas.

Pablo Ortellado* - A volta das políticas redistributivas

- Folha de S. Paulo

Novo manifesto do Partido Trabalhista do Reino Unido quer ampliação drástica das políticas sociais amparada em impostos sobre os ricos

O Partido Trabalhista do Reino Unido apresentou na semana passada seu novo manifesto, no qual anuncia que vai perseguir uma ambiciosa ampliação das políticas sociais tendo como contrapartida aumentos expressivos nos impostos sobre as empresas, a renda e a propriedade.

A defesa de uma ampliação dos compromissos sociais do Estado amparada por um sistema tributário mais progressivo encontra ressonância em movimentos análogos no Partido Democrata americano, nas pré-candidaturas de Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Se os movimentos dos dois lados do Atlântico forem bem-sucedidos, eles devem mudar o panorama político para a esquerda nos próximos anos.

Joel Pinheiro da Fonseca* - De onde nascem os laranjais?

- Folha de S. Paulo

Devido a um impedimento cultural, estamos perdendo boas representantes no Executivo e no Legislativo

A revelação de uma megacandidatura laranja de 2018 (uma só candidata a deputada estadual pelo DEM no Acre recebeu R$ 240 mil de financiamento partidário e teve apenas seis votos) nos lembra de que o uso de laranjas não é exclusividade do PSL. Ele deve ter sido generalizado. E isso porque nossas regras eleitorais para promover a eleição de mulheres criam também verdadeiros incentivos à corrupção.

A primeira regra é a lei que determina que haja, no mínimo, 30% de candidaturas de cada gênero. Na prática, significa uma cota de 30% de candidatas mulheres. A segunda é a decisão do TSE de que a divisão de recursos do fundo eleitoral deve seguir a mesma razão.

A cota cria representatividade para inglês ver. Para ter mais candidaturas masculinas competitivas, os partidos se enchem de candidatas sem a menor chance. Das mais de 16 mil candidaturas que não tiveram voto nenhum nas eleições municipais de 2016, quase 90% eram mulheres.

Andrea Jubé - Graciliano, Bolsonaro e o comunismo

- Valor Econômico

O comunismo na ficção e na eleição em 85 anos

O lançamento do Aliança pelo Brasil (APB) reflete a atualidade de um dos romances seminais da literatura brasileira, “S. Bernardo”. A trajetória do homem simples que se tornou um rico produtor rural, egocêntrico e autoritário, completou 85 anos.

A afinidade entre o partido do presidente Jair Bolsonaro e a trama de Graciliano Ramos (1892-1953) converge na imaginária ameaça comunista, no cenário de grave crise econômica, instituições fragilizadas e exaltação da fé religiosa.

O Aliança pratica a defesa do “livre mercado, da propriedade privada e do trabalho, e repudia o socialismo e o comunismo”, anunciou a advogada Karina Kufa no ato de fundação da sigla há cinco dias. Instantaneamente, ressoaram as palavras de ordem do bolsonarismo: “A nossa bandeira jamais será vermelha”.

Impressiona que os preceitos de um partido do século XXI - quando a China comunista se tornou referência capitalista no mundo - remontem ao Brasil do início do século XX. Na revolução de 1930, uma aliança com os militares, e não com os comunistas, alçou Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder.

As premissas do Aliança convidam a uma angustiante viagem ao passado. É lamentável que a economia recessiva, na esteira da crise de 1929, dialogue com o cenário econômico atual. No início dos anos 30, o país amargava os efeitos da falência da cafeicultura, no ocaso da política do café-com-leite, enquanto o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, renegociava a dívida externa e o câmbio despencava.

Passados 90 anos, a economia também resfolega, sofrendo as consequências de uma instabilidade política que remonta às eleições de 2014, agravada pelo impeachment de 2016 e o aprofundamento de uma polarização que não dá sinais de esgotamento.

Merval Pereira - Obstáculos para Lula

- O Globo

Ex-presidente está prestes a provar o gosto amargo de uma derrota que poderá representar sua volta à cadeia

Tudo indica que há uma maioria consistente no Congresso para alterar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a prisão de um réu apenas após o trânsito em julgado do processo. Mas a aprovação da prisão em segunda instância, que a pressão da opinião pública pede, não se dará sem troca de concessões.

Deputados estão convencidos de que não é possível resistir ao clamor das ruas, mas querem proteção contra delações premiadas no pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro.

As mudanças, já aprovadas por um grupo de trabalho, pretendem deixar claro que as delações são instrumentos para obtenção de prova, não podendo ser utilizadas como a única prova para incriminar alguém. Não é novidade, mas não está em lei alguma. A definição já foi feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e consta de cartilhas do Ministério Público Federal.

Querem também proibir os juízes de decretarem de oficio medidas cautelares sem que haja solicitação de autoridade policial ou do Ministério Público. Mesmo assim, para impor essas medidas, desde prisão até proibição de saída noturna ou uso de tornozeleira, o juiz terá que demonstrar que não é cabível uma medida mais branda, devendo a decisão ser baseada em provas do crime, indícios de autoria e comprovação de perigo em função de manter o acusado em liberdade.

Bernardo Mello Franco - Risco de mais violência no campo

- O Globo

Não basta entregar o Incra aos ruralistas e paralisar a reforma agrária. Agora Bolsonaro quer usar as Forças Armadas para despejar famílias sem terra

Não basta entregar o Incra aos ruralistas e paralisar a reforma agrária. Agora Jair Bolsonaro quer usar os militares para despejar famílias sem terra. Ontem o presidente anunciou a criação da “GLO rural”. A ideia, segundo ele próprio, é usar as Forças Armadas para reprimir e dispersar ocupações no campo.

As operações de “garantia da lei e da ordem” podem ser convocadas em situações de emergência, como greves das PMs. Por lei, só devem ser usadas “de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado”. A regra foi sancionada em 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

O texto frisa que as tropas só devem ser empregadas “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública”. O motivo é simples: as Forças Armadas são treinadas para a guerra, não para as atividades de segurança pública.

José Casado - Pirataria no petróleo

- O Globo

Negócios no submundo do óleo renderam a Taylor um fortuna

Aos 63 anos, o escocês Ian Roper Taylor tenta vencer um câncer na garganta e se manter na mesa de jogos com petróleo, onde aprendeu a viver perigosamente, como um pirata moderno em aventuras com figuras sombrias, como o iraquiano Saddam, o líbio Kadafi e o sérvio Arkan, responsáveis por alguns dos maiores massacres humanos do século XX.

Negócios no lado oculto do mundo do óleo renderam a Taylor uma das maiores fortunas do Reino Unido, avaliada em US$ 180 bilhões — superior ao PIB de Minas. Sua biografia remete à de Marc Rich, fundador da Glencore (Rich acabou condenado nos EUA a três séculos de prisão, maior que a pena do ex-governador Sérgio Cabral. Morreu em 2013, na Suíça).

A empresa de Taylor, Vitol, aumentou lucros em cem vezes nos últimos 25 anos, sobretudo na alta das commodities que mudou economias de Brasil, China e Índia e inflou o caixa da Venezuela, do Congo e da Nigéria.

Míriam Leitão - O que a alta do câmbio avisa

- O Globo

Valorização de 13% do dólar sobre o real em quatro meses é um alerta de que dúvidas internas se somaram a incertezas com a economia mundial

Alguma coisa está fora da ordem no mercado cambial. A bolsa sobe, o país aprovou a reforma da Previdência, e há sinais de melhora de atividade. Porém o dólar passou de R$ 4,20 e bateu novo recorde em termos nominais. Ontem, o Banco Central divulgou que o déficit das contas externas foi de US$ 7,9 bilhões em outubro. A metodologia foi aperfeiçoada e isso elevou um pouco o déficit em transações correntes, mas o ritmo já era de alta. Está em 3% do PIB nos 12 meses terminados em outubro e foi de 2,67% nos 12 meses até setembro, número já revisto. Há fatores internacionais e outros internos para essa pressão no câmbio. A saída de capitais no país chegou a US$ 21 bilhões este ano e é a maior em mais de duas décadas.

O Brasil segue a tendência de várias economias emergentes, que estão tendo desvalorização de suas moedas. Mas o real está entre as que mais se desvalorizam. Cai menos que o peso da Argentina que tem baixo nível de reservas e passa por uma transição política, e o peso do Chile que vive uma turbulência social.

A cotação do dólar este ano se divide em dois momentos. Até meados de julho, a moeda americana vinha perdendo força em relação ao real. O câmbio caiu de R$ 3,88 no dia 31 de dezembro para R$ 3,72 em 18 de julho. Nesses últimos quatro meses, disparou para R$ 4,22 e obrigou o Banco Central brasileiro a vender reservas no mercado à vista, algo que não acontecia há mais de 10 anos. A valorização da moeda americana desde 18 de julho é de 13,4%. A do peso chileno, de 16,2%, e a do peso argentino, 40%.

O que a mídia pensa – Editoriais

O partido de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Aliança pelo Brasil não é propriamente um partido político, mas um empreendimento familiar, ao estilo do caudilhismo bananeiro latino-americano

O presidente Jair Bolsonaro deu início ao processo de criação de seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, na quinta-feira passada. Será sua nona legenda em cerca de três décadas de vida na política. Diferentemente das outras siglas, o Aliança pelo Brasil não servirá somente para que Bolsonaro cumpra o requisito constitucional de filiação partidária; seu objetivo será dar expressão institucional ao bolsonarismo.

O que poderia ser visto num primeiro momento como gesto de fé na democracia representativa e na atividade político-partidária é, na verdade, manifestação inequívoca do perfil autoritário do movimento que chegou ao poder com a eleição de Bolsonaro à Presidência. Pois o Aliança pelo Brasil não representará nada além de Jair Bolsonaro.

Conforme o manifesto do novo partido, lido em meio a urras de centenas de simpatizantes num hotel de Brasília, o Aliança pelo Brasil, “muito mais que um partido, é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Bolsonaro, de unirmos o país com aliados em ideais e intenções patrióticas”. Ou seja, a condição para integrar a agremiação é a lealdade a Bolsonaro. Nem o PT de Lula da Silva, que se converteu numa seita, cobra tão explicitamente de seus filiados que se mantenham fiéis a seu líder.

Livro | As Esquerdas e a democracia

Prefácio

A Coletânea As Esquerdas e a democracia, organizada por José Antônio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos, é uma importante contribuição para um debate do pensamento de esquerda que tem sido imprescindível para a reconstituição do pensamento de esquerda no Brasil e no mundo: como avançar agendas de reformas sociais e econômicas, e, ao mesmo expandir as instituições democráticas?

A ligação entre democracia e socialismo sempre foi um tema incômodo para as esquerdas. Neste centenário da Revolução Russa, podemos relembrar várias experiências de construção do socialismo que terminaram gerando burocracias políticas e ideias políticas que desprezaram a importância da democracia e suas instituições.

Por outro lado, onde a esquerda abraçou a democracia, como é o caso da social-democracia europeia, o ímpeto revolucionário acabou refecido por visão hegemônica que, se construiu em Estado de Bem-estar Social e favoreceu a moderação na política, por outro lado, há décadas vem apresentando visíveis sinais de estagnação e esgotamento.

Como então navegar entre a te4ntação de instrumentalizar os processos democráticos e, ao mesmo tempo, resistir ao apelo à acomodação vindo do ethos das democracias contemporâneas ? E mais: como incorporar elementos tradicionais do discurso liberal – como os direitos civis e políticos – e manter a identidade de esquerda, sem render-se à lógica triunfante dos mercados globalizados?

São tais desafios que os textos que compõem As Esquerdas e a Democracia ajudam a enfrentar, ao iluminarem especificamente o caso brasileiro. A escolha por “As esquerdas” no título, ao invés de “A esquerda”, não é mero detalhe. A diversidade de esquerda antes entendida como um problema, agora se torna um incentivo para um debate que não se volta mais para definir quem é a “verdadeira esquerda”, mas para reconstituir o pensamento da esquerda em sua pluralidade.

Poesia | Manuel Bandeira - Enquanto a Chuva Cai

A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados...
Dos sós... - ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

Música | Antônio Nóbrega - Lunário Perpétuo

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Opinião do dia – Giambattista Vico*

O arbítrio humano, incertíssimo por sua própria natureza, consolida-se e se determina pelo senso comum dos homens no que tange às necessidades e utilidades humana, que são as duas fontes do direito natural das gentes.

O senso comum é um juízo despido de qualquer reflexão, comumente experimentado por toda uma ordem, por todo um povo, por toda uma nação ou por todo o gênero humano.


*Giambattista Vico (1668-1744), foi um filósofo político, retórico, historiador e jurista italiano, reconhecido como um dos grandes pensadores do período iluminista, apesar de ter sido, em certa medida, um crítico do projeto iluminista. "Principio de uma Ciência Nova, p.140. Nova Cultura 1988 - Os Pensadores,

Marcus André Melo* - O efeito halo

- Folha de S. Paulo

Saber da filiação política de um neurocirurgião afeta a percepção sobre sua competência

A polarização política tem efeitos sobre as decisões das pessoas em esferas da vida que não tem nenhuma relação com a política? Cass Sunstein e co-autores discutem a questão em "Would you go to a republican doctor"? (Você iria a um médico afiliado ao Partido Republicano?), em que reportam os achados de um experimento publicado na conceituada revista da área de neurociência Cognition.

O objetivo do estudo é testar a hipótese que as pessoas são mais influenciáveis por pessoas com quem compartilham preferências políticas, mesmo quando se deparam com evidências que pessoas com opinião política diversa têm mais competência em tarefas sem relação com a política, como, por exemplo, resolução de problemas de geometria.

A conclusão é que sim. Tomar conhecimento da filiação política, digamos, de um neurocirurgião ou matemático, afeta a percepção sobre sua competência. E mais: "Nossos achados sugerem que as fake news irão se espalhar entre indivíduos que pensam de forma semelhante na política mesmo quando elas não têm nada a ver com a política". Assim, a polarização ultrapassa a esfera política e se manifesta em outras esferas da vida. É o chamado efeito halo, ou de "derramamento afetivo ou epistêmico" (na expressão de Sunstein et al).

Celso Rocha de Barros - Luciano Huck também quer eleitores da centro-esquerda

- Folha de S. Paulo

PT precisa entender que, se não falar à centro-esquerda, vai ter quem fale

Tanto Luciano Huck quanto Joaquim Barbosa teriam vencido a eleição presidencial de 2018 se tivesse concorrido sem o outro na disputa.

Se tem algo que foi provado pela eleição de Bolsonaro é que o eleitorado queria um outsider, e, se valeu Bolsonaro, teria valido qualquer um. Barbosa e Huck eram incomparavelmente superiores a Bolsonaro.

Todo mundo é.

Aqui é bom contar uma parte da história de 2018 que é pelo menos tão importante quanto o antipetismo.

A rejeição ao PT foi importante no segundo turno, mas lembrem-se: Bolsonaro quase venceu no primeiro, quando havia uma ampla gama de candidatos disponíveis. Os analistas próximos ao PSDB precisam explicar por que Bolsonaro, e não Alckmin, Meirelles, Amoêdo ou Dias, se beneficiou do antipetismo.

O governo Temer foi uma tentativa de recomposição do sistema político diante dos ataques da Lava Jato. Toda a direita moderada apoiou isso. Para barrar os outsiders, os grandes partidos mudaram a regra de financiamento eleitoral, dificultando as pequenas candidaturas.

A centro-direita apostou tudo na hipótese de que 2018 seria uma eleição normal, em que estrutura partidária, dinheiro de campanha e tempo de TV seriam decisivos. Quando essa aposta se consolidou, a candidatura de Huck perdeu espaço.

Leandro Colon – Sem Ilusão

- Folha de S. Paulo

Há dificuldades para garantir as medidas provisórias, que exigem apenas maioria simples para sua aprovação

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro brinca de inventar seu próprio partido político —o da bala e da Bíblia— o Congresso caminha a partir desta segunda (25) para o último mês de trabalho em 2019.

Ao fazer um balanço legislativo do primeiro ano de gestão, o governo Bolsonaro pode incluir na conta a bem-sucedida reforma da Previdência, que deixa positivo o saldo de qualquer análise que atrele a performance parlamentar aos interesses do Palácio do Planalto.

As mudanças na aposentadoria podem ser avaliadas como uma vitória palaciana, afinal esse governo conseguiu o que outros tentaram e fracassaram, atendendo a um ponto crucial da agenda de Paulo Guedes.

Até aí, haveria razões para otimismo e euforia política em 2020, se não fossem os sinais de fragilidade governista no Congresso. A Previdência, por exemplo, só passou porque os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), compraram a ideia. A ausência de uma base aliada não comprometeu a votação.

Gaudêncio Torquato* - A torre de Babel

- Folha de S. Paulo

Experimentalismo de 2018 abriu longa temporada

Fato um: a era petista desfraldou no país a bandeira do apartheid social, cuja cor vermelha, com o lema “nós e eles”, composto por Lula ainda nos tempos do estádio da Vila Euclides, no ABC paulista, pode ser lido como “os bons e os maus”, “oprimidos e opressores”, “elite e massas trabalhadoras”.

Fato dois: o bolsonarismo, mesmo em seu início, luta para aprofundar a divisão social, batendo na mesma tecla, agora com o sinal invertido. Em um lado do muro estão “comunistas, esquerdistas, simpatizantes de Cuba e Venezuela” —e, no outro, radicais de extrema direita, militaristas, saudosistas dos tempos de chumbo.

Fato três: a polarização a que o país assiste, ao contrário da tendência de arrefecimento, previsível após a virulência eleitoral, se acirra a ponto de se ouvir do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, a pregação de “um novo AI-5” se a esquerda “radicalizar”. Esse ato institucional, recorde-se, abriu o período mais sombrio da ditadura, com perseguição e repressão, fechamento do Congresso Nacional, cassação de mandatos, confisco de bens privados, censura aos meios de comunicação, tortura, mortes.

Pode a temperatura social tornar-se amena nos próximos tempos? Não se aposta na hipótese. A índole do capitão governante e os sinais emitidos pelo seu entorno sinalizam endurecimento de posições. De um lado, se um posicionamento mais radical dá munição aos dois “exércitos”, expandindo os tiroteios recíprocos, de outro afastará segmentos até então simpatizantes das alas conflitantes. Assim, é possível divisar o adensamento dos espaços centrais. Núcleos que ainda atuam como puxadores do “cabo de guerra” tendem a arrefecer sua participação.

Dimas Ramalho* - O limite do Estado no uso de dados pessoais

- Folha de S. Paulo

É imediato capacitar servidores e promover estudos

Preocupado com a intimidade e a privacidade dos brasileiros, o Congresso Nacional aprovou em 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cujas regras submeterão pessoas físicas e jurídicas de direito privado e público a partir de agosto de 2020.

Para o mercado, a norma impõe balizas no uso de técnicas de processamento de dados, que não podem atropelar garantias individuais. Já os entes estatais, tradicionais repositórios de informação pessoal do cidadão, terão de justificar seu eventual uso e adequar ferramentas de governo eletrônico, como sites e aplicativos, sob pena de responsabilização civil e/ou administrativa.

Um dos pilares da lei é o princípio da finalidade, pelo qual se autoriza o tratamento de dados pessoais somente para propósitos legítimos, explícitos e informados ao titular, que deverá dar consentimento para tanto. Em suma, se uma loja cadastrar um telefone para realizar futuras ações promocionais, hipoteticamente, precisa informar o cliente sobre sua intenção —e só poderá utilizar o número nos limites do que foi por ele consentido por escrito ou outro meio que demonstre manifestação de vontade.