- Folha de S. Paulo
Afora esquisitice de Brasil já ter juro menor que zero, não há crise financeira
O preço do dólar é um fenômeno “pop” e popular. O povo diz que daqui a pouco o dólar vai poder pegar ônibus em São Paulo, onde a passagem custa R$ 4,30. Apesar da algazarra e queixas de financistas que perderam dinheiro, aconteceu algo de extraordinário no mercado ou na economia?
Na conversa com gente do mercado, ninguém conta nada de excepcional, pelo menos a este jornalista.
O que de mais divertido que se vê por estes dias é que o Brasil agora também já tem taxas de juros negativas, “coisa de Primeiro Mundo”, vejam só. Desde o final da semana passada, o governo paga menos do que zero para quem se dispuser a emprestar dinheiro até 15 agosto de 2020 (comprando NTN-B, o título conhecido como “IPCA mais juros” no Tesouro Direto). Isto é, cobra de quem lhe emprestar algum.
Afora essa graça episódica, talvez uma anomalia técnica, nada muito mais de esquisito. De mais notável, apenas um repiquezinho da expectativa de inflação para 12 meses e um cadinho de alta de juros perceptível apenas para quem negocia zilhões no mercado.
O valor do real flutua de acordo com idas e vindas idiossincráticas do dinheiro grosso do mundo. Flutua mais ou menos a depender da diferença da taxa de juros doméstica em relação à americana e do nível de risco percebido de aplicar dinheiro por aqui. O preço relativo das exportações brasileiras (termos de troca) e a perspectiva de crescimento acaba por explicar o movimento mais geral do câmbio.
Desvalorizações grandes e súbitas do real podem provocar acidentes, decerto, em particular se o povo dos mercados fez brincadeirinhas financeiras gulosas, como em 2008-2009, com derivativos idiotas de gananciosos aqui no Brasil, o que provocou até quebra de empresas e bancos, vários deles salvos pelo governo de Lula da Silva, aliás.
Uma desvalorização grande pode também desanimar importações de máquinas e equipamentos, a princípio baqueando o investimento. Em certos contextos, se duradoura, pode fazer com que a inflação mude de nível.
Alguém pode dizer, sem mais, que tais fenômenos estejam ocorrendo?
A desvalorização grande pode ser sintoma agudo de doença crônica da economia ou de colapso feio na finança mundial. Mas nem a desvalorização nominal foi assim tão grande nem é sintoma de doença nova, mas de uma mutação possivelmente duradoura e paulatina (taxas de juros mais baixas associadas a gasto mais controlado do governo).
Junte-se juro baixo, perspectiva de crescimento baixo e incerteza, agravada pelo comportamento entre errático e lunático do governo e a gente pode dizer, como um colega aqui desta Folha, sarcástico: “Você acha muito? Olha pela janela, anda pela rua. O dólar ainda está barato”.
Sim, o noticiário econômico tende a ser contaminado pelas preocupações dos financistas, seus porta-vozes e operadores. Além de muita vez serem mais realistas do que seus reis, têm preocupações e interesses que não coincidem regularmente com o interesse geral.
Mais preocupante, por ora, é ver que o salário médio não cresce desde abril (em termos anuais), que a taxa de investimento cresce a míseros 3% ao ano (dado preliminar do Ipea) e o PIB ainda anda ao ritmo de 1% ao ano. Ainda mais preocupante é ver que o governo quase inteiro se dedica a jogar o país no tumulto, agora com ameaças cada vez mais frequentes de baixar decretos ditatoriais e ameaçar com tiros quem venha a se manifestar nas ruas contra essas misérias e violências todas.
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