quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Retrocesso lamentável. Por Merval Pereira

O Globo

Resta ao Senado restaurar pelo menos em parte a credibilidade da classe política brasileira, derrubando a PEC da Blindagem

A impressão de fim de feira que o Congresso passa à opinião pública cobrará um preço alto em credibilidade de seus futuros integrantes, mesmo que eles não liguem muito para isso, mas apenas para a reeleição, que consideram garantida pelo volume de dinheiro com que podem contar, saído dos indecentes fundos eleitoral e partidário. Só a premissa de que poderão se reeleger dependendo do dinheiro que possam gastar na campanha, e não pela atuação no exercício do cargo, já demonstra o que a maioria dos parlamentares pensa sobre si e seus pares e, além deles, sobre os eleitores brasileiros.

Se a veleidade se confirmar, teremos um índice de renovação quase nulo na prática, pois a maioria dos “novos” parlamentares serão os velhos políticos de sempre, que deixam de ser prefeitos para ser deputados federais, que deixam de ser senadores para ir para a Câmara, ou vice-versa. Todas as negociações em andamento são indecentes, quando se sabe que houve votos a favor da blindagem de Suas Excelências em troca da promessa de contenção da anistia ampla, geral e irrestrita que os bolsonaristas queriam enfiar goela abaixo da opinião pública.

A anistia generalizada é uma ofensa a homens e mulheres de bem do país. Mas exigir a impunidade total em troca de uma anistia restrita — ou ameaçar com a volta da anistia total alegando descumprimento de acordo espúrio de bastidores — é exibir publicamente falta de pudor num nível bastante elevado, mesmo para um Congresso como este, que bate o recorde de ações amorais.

A impunidade dos parlamentares, incluindo presidentes de partidos que não têm mandato, mostra claramente que a maioria tem receio de explicar o que fez com o dinheiro arrecadado com as emendas parlamentares, y otras cositas más. É a ação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-senador e governador maranhense Flávio Dino que provoca o alvoroço todo. Ele simplesmente exige transparência, impessoalidade, responsabilidade na distribuição do dinheiro público e provoca a ira dos parlamentares que não querem, por ser impossível, revelar o que foi feito do dinheiro das emendas que enviaram a prefeituras amigas, a parentes e aderentes.

Incomoda a exigência de prestação de contas das emendas, como se o dinheiro fosse deles. Está aí uma questão que vai além da moral pública, reflete a distorção da função pública que de há muito assola o país. Não saber diferenciar o público do privado é um mal comum entre nós, que corrói a credibilidade do Congresso, mas não apenas dele. Todo o sistema político-partidário que viceja nesse conluio espúrio fica desacreditado diante da sociedade. A partir daí, as decisões nascidas dele perdem a força de representação da vontade majoritária do eleitorado.

Dizer que um Congresso capaz de medidas de autoproteção como essas representa a sociedade, por isso tem de ser respeitado, é uma ofensa ao povo brasileiro. É exatamente por essas e outras manobras burocráticas a viciar o resultado das urnas que o Congresso perde a representatividade do povo brasileiro para se transformar em representante de guildas, corporações, lobistas, até criminosos mais explícitos como os integrantes das facções bandidas que se infiltram nas instituições justamente pelas brechas legais e pelo sistema de proteções que faz deles membros pretensamente respeitáveis.

Resta ao Senado restaurar pelo menos em parte a credibilidade da classe política brasileira, derrubando a PEC da Blindagem e propondo uma alteração das penas sem que o caráter pedagógico delas, ditado pelo STF, seja desperdiçado. O julgamento da tentativa de golpe, ainda em curso no Supremo, foi um ponto alto da defesa da democracia. Esperemos que não seja desperdiçado por medidas casuísticas, como já perdemos a oportunidade algumas vezes nas últimas décadas.

 

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