Folha de S. Paulo
Os invasores da USP e o agressor da UFPR são
abre-alas do que pode vir se seu bloco voltar ao governo federal
Desde maio, a Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo foi invadida
oito vezes por ativistas de extrema-direita. Arrancaram cartazes,
provocaram tumulto, filmaram toda a confusão e -- como fizeram alguns dos
invasores do 8 de janeiro-- divulgaram seus feitos nas redes sociais. O
pretexto era denunciar os "comunistas da USP". Na
última investida, um membro de certa "União Conservadora" mordeu e
torceu o braço de um estudante. Os ataques contaram com o apoio entusiasmado de
um deputado estadual bolsonarista e, pelo menos uma vez, com a participação de
um estagiário da Assembleia Legislativa alocado no gabinete de outro
representante do PL.
Na semana passada, a diretora do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), filha de um ministro do STF foi agredida com uma cusparada e chamada de "lixo comunista".
Embora pareçam isolados, esses arreganhos são
uma das faces do conhecido antielitismo da extrema-direita populista; de seu
desprezo pela ciência, pela cultura e pelas universidades onde são cultivadas.
Quando no governo, populistas autoritários perseguem sistematicamente
cientistas e intelectuais e tratam de domar as instituições acadêmicas.
Exemplos há de sobra. Na Hungria, Viktor
Orbán expulsou a renomada Universidade Centro-Europeia, criada em 1991 pelo
filantropo George Soros para renovar as ciências sociais e as humanidades nos
países recém-saídos do comunismo. O autocrata Vladimir
Putin pôs na cadeia o historiador Yuri Dimitriev, criador do Memorial,
ONG dedicada a documentar os crimes de Stalin, e perseguiu o sociólogo Lev
Gudkov e seu Centro Levada, internacionalmente respeitado pelos estudos de
opinião pública.
Do lado de cá do mundo, em Caracas, o ditador
Hugo Chávez perseguiu o conhecido economista Teodoro Petkoff, diretor da
Revista "Tal Cual"; Maduro, o sucessor, reprimiu sem cessar as vozes
independentes da Universidade Central da Venezuela. Nos EUA, Donald Trump,
no primeiro mandato, ameaçou o infectologista Anthony Fauci por defender a
vacinação contra a Covid-19; agora trata de dobrar as universidades de elite
americanas e destruir as instituições que financiam a pesquisa em saúde e meio
ambiente.
Assim, por patéticos que pareçam, os
invasores da USP e o agressor da UFPR devem ser levados a sério. Eles são
abre-alas do que pode vir se seu bloco voltar ao governo federal. A eles só
cabe o rigor da lei.
Mas é bem maior o desafio que a USP e demais
universidades públicas enfrentam: garantir que a tolerância, o pluralismo e o
debate civilizado predominem sobre a truculência sectária, qualquer que seja
sua filiação política. Para que isso seja mais do que homenagem a nobres
princípios, cabe dar espaço à expressão da diversidade de ideias – da
esquerda à direita, do progressismo ao conservadorismo – que certamente existe
em qualquer ambiente acadêmico, nas mais variadas proporções.
Não há como isolar a extrema-direita
autoritária, que morde e cospe – e que, no futuro, a poderá golpear e balear –
sem reconhecer como legítimas ideias e preferências de direita presentes na
sociedade e compatíveis com a convivência democrática. Se esse diálogo não for
possível na universidade, onde?
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