O partido de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Aliança pelo Brasil não é propriamente um partido político, mas um empreendimento familiar, ao estilo do caudilhismo bananeiro latino-americano
O presidente Jair Bolsonaro deu início ao processo de criação de seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, na quinta-feira passada. Será sua nona legenda em cerca de três décadas de vida na política. Diferentemente das outras siglas, o Aliança pelo Brasil não servirá somente para que Bolsonaro cumpra o requisito constitucional de filiação partidária; seu objetivo será dar expressão institucional ao bolsonarismo.
O que poderia ser visto num primeiro momento como gesto de fé na democracia representativa e na atividade político-partidária é, na verdade, manifestação inequívoca do perfil autoritário do movimento que chegou ao poder com a eleição de Bolsonaro à Presidência. Pois o Aliança pelo Brasil não representará nada além de Jair Bolsonaro.
Conforme o manifesto do novo partido, lido em meio a urras de centenas de simpatizantes num hotel de Brasília, o Aliança pelo Brasil, “muito mais que um partido, é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Bolsonaro, de unirmos o país com aliados em ideais e intenções patrióticas”. Ou seja, a condição para integrar a agremiação é a lealdade a Bolsonaro. Nem o PT de Lula da Silva, que se converteu numa seita, cobra tão explicitamente de seus filiados que se mantenham fiéis a seu líder.
Para que não pairem dúvidas sobre o caráter personalíssimo do novo partido, a legenda terá o próprio Jair Bolsonaro como presidente e um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, como vice. Até o caçula de Jair Bolsonaro, Jair Renan, terá lugar no comando – será vogal. Os outros dois filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), só não estão na cúpula da legenda porque ainda não podem se desfiliar de seus respectivos partidos. Mas ambos indicaram representantes de confiança.
Ou seja, o Aliança pelo Brasil não é propriamente um partido político, mas um empreendimento familiar, ao estilo do caudilhismo bananeiro latino-americano. Com isso, Bolsonaro e sua prole querem um partido em que possam ditar os rumos e o discurso sem dar satisfação a ninguém – o exato oposto do que fazem os partidos políticos tradicionais, cujas diretrizes são decididas depois de debates, assembleias e congressos.
Tampouco se trata de um partido com intenção de jogar o jogo da política. Desde sempre se sabe que Bolsonaro não tem a menor inclinação para entabular negociações com vista a forjar uma base política sólida para governar. Agora, com o Aliança pelo Brasil, essa característica ficou ainda mais explícita. Basta ler os primeiros documentos produzidos pelo partido para saber que os bolsonaristas se consideram a si mesmos os redentores exclusivos do Brasil.
Segundo o manifesto, nas eleições do ano passado “o povo deu o norte da nova representação política que buscou ao sair às ruas”, e agora “um novo passo precisa ser dado”, isto é, a “criação de um partido político que dê voz ao povo brasileiro, que garanta a ele efetiva representatividade e que esteja em consonância com os anseios populares”.
Ou seja, o Aliança pelo Brasil nasce com a pretensão declarada de representar não esta ou aquela classe, não este ou aquele setor da sociedade, não esta ou aquela ideia, mas o “povo inteiro”, como está escrito no manifesto. Tudo isso, claro, em nome de Deus e de Cristo, pelo que se lê no primeiríssimo item de seu programa.
Parece claro que todo aquele que não concordar em ser liderado por Jair Bolsonaro e sua família automaticamente não estará entre as “pessoas de bem” que o partido diz representar e, além disso, será considerado recalcitrante adversário da “providência divina”, outra expressão messiânica que aparece no manifesto do Aliança pelo Brasil.
Tudo isso faz do Aliança pelo Brasil um partido essencialmente antirrepublicano. Na doutrina tosca do bolsonarismo, não pode haver igualdade perante a lei, cerne da República, pois esta pressupõe a legitimidade de quem se opõe ao poder. Assim, quando sai em defesa das liberdades em seu manifesto, o Aliança pelo Brasil está a defender somente as liberdades daqueles que aceitarem o evangelho bolsonarista como se fosse verdade revelada. O tamanho da adesão ao novo partido e a tais ideias pode dar ao País uma noção do quanto a República brasileira ainda pode degradar-se.
Modesta retomada – Editorial | Folha de Paulo
Com alta do consumo, projeções para expansão do PIB em 2020 podem superar 2%
Após um longo período de letargia, em que a atividade econômica ficou acomodada num ritmo de crescimento próximo a 1% ao ano, os indicadores mais recentes sugerem aceleração —ainda que modesta.
Os sinais mais positivos têm vindo do varejo e do setor de serviços em geral. No terceiro trimestre, as vendas no comercio, incluindo automóveis e construção, cresceram 1,4% ante o trimestre anterior, ou 5,6% em termos anualizados.
O ritmo deve continuar sólido nestes últimos meses do ano com a liberação dos saques do FGTS.
Considerando a melhora também em outros setores, o indicador de atividade do Banco Central mostrou alta de 0,9% no período julho-setembro, o equivalente a 3,6% se a cifra for anualizada.
Também a criação de empregos parece engatar tendência mais favorável. O Caged, que mede a abertura líquida de empregos com carteira assinada, mostrou 70,8 mil novas vagas em outubro.
Embora em ritmo ainda longe de satisfatório, o emprego cresceu de forma generalizada, em serviços, comércio, indústria e construção civil. Em 12 meses, o saldo positivo chega a 562,1 mil postos.
É verdade que a pesquisa do IBGE nos domicílios —que captura todas as formas de emprego, não apenas as formais, e também indicadores de desalento e precariedade— sugere um quadro menos favorável.
No terceiro trimestre, o desemprego permaneceu elevado, abarcando 12,5 milhões de pessoas, ou 11,8% da população ativa, quase o mesmo patamar do ano passado. Mostra-se que o 1,45 milhão de novas vagas em 12 meses são em sua grande maioria (73%) informais.
Para reduzir subemprego e informalidade, um ou dois trimestres mais positivos decerto não bastam. As repetidas decepções devem servir de alerta para análises mais otimistas. Feita a ressalva, desta vez há mais consistência.
Vão ficando para trás os efeitos de choques que prejudicaram a retomada, como a greve dos caminhoneiros de 2018, a incerteza a respeito das reformas e até o impacto da recessão argentina, que subtraiu 50% das exportações industriais brasileiras para o país vizinho.
Por fim, há a politica monetária. Com juros hoje em 5% ao ano e perspectiva de novas reduções, estima-se que haverá considerável impulso para a economia em 2020 —mesmo que a queda da Selic ainda não se reflita plenamente no custo do crédito para pessoas físicas e pequenas empresas.
Tudo considerado, se não houver uma crise internacional grave ou novos ruídos políticos vindos do governo de Jair Bolsonaro, as projeções para a expansão do Produto Interno Bruto em 2020, hoje próximas a 2%, podem subir aos poucos nas próximas semanas.
Mercado externo teme recuo de Bolsonaro – Editorial | O Globo
Editorial do jornal britânico ‘Financial Times’ alerta governo sobre falta de firmeza nas reformas
Os sinais de recuperação da economia ainda não são fortes, mas o conjunto deles aponta para a retomada do crescimento, cinco anos depois de o país iniciar o mergulho na mais profunda recessão de que se tem notícia, no biênio 2015/16, quando o recuo do PIB ultrapassou os 7%.
O desemprego aberto se mantém elevado, castigando aproximadamente 12 milhões de pessoas, um drama econômico e social que indica a necessidade de um crescimento consistente e sustentável, sem voluntarismos.
A herança deixada pelo lulopetismo para o presidente Bolsonaro é pesada. E se o governo erra, o quadro piora. A margem para equívocos nesta situação é estreita ou inexistente. Assim, quando o Planalto resolve adiar o envio da reforma administrativa para o Congresso — um projeto estratégico para modernizar o Estado, além das mudanças previdenciárias —, as incertezas e a insegurança com relação ao país voltam a crescer.
Sintomático que o jornal britânico “Financial Times”, especializado em economia, tenha publicado ontem um editorial sobre o erro de o governo Bolsonaro não aproveitar a aprovação das mudanças na Previdência e continuar com a agenda das reformas.
O adiamento do projeto da modernização administrativa, uma das mais importantes para a equipe econômica — e é de fato — levou o “FT” a fazer o editorial, que reflete a percepção de um dos centros de decisão da economia global.
Por ser presidente de um país dono de um dos oito maiores PIBs do mundo, Jair Bolsonaro precisa ter consciência de que atos e palavras suas e de seu grupo são acompanhados por gestores de trilhões de dólares. Vale para os absurdos cometidos na questão do desmatamento e outros temas.
Quando anuncia que esta reforma será colocada em “banho maria”, ele permite que a decisão seja entendida como um recuo nas propostas de mudanças. O “FT”, e não apenas ele, teme que Bolsonaro possa ficar tentado a mudar de curso, “para preservar o apelo populista eleitoral”.
Seria desastroso. Recuar no projeto de reforma nas regras esclerosadas que regem o funcionalismo público significa impedir que a população — principalmente a mais pobre, a que mais depende do Estado — passe a ter um atendimento condigno, e que a enorme máquina burocrática ganhe eficiência.
Significa também que estará sendo abandonado, afirma o “FT”, um dos “mais ambiciosos programas de reforma executados no grupo de países emergentes”.
Bolsonaro teme que a onda de manifestações violentas cheguem ao Brasil. Mas, não seguir com as reformas surtirá efeito oposto ao desejado: degradará o quadro social, por falta de investimentos, portanto, de empregos e de renda. Não há alternativa para o presidente, a não ser ir em frente.
Há muito o que fazer para reduzir a desigualdade – Editorial | Valor Econômico
São conquistas tão frágeis, porém, que, em vez de inspirar a confiança de que o cenário está mudando, indicam que mais esforços devem ser feitos
Nas últimas semanas, alguns indícios de redução da desigualdade afloraram nas estatísticas. São conquistas tão frágeis, porém, que, em vez de inspirar a confiança de que o cenário está mudando, indicam que mais esforços devem ser feitos. Reforçam essa avaliação recentes manifestações de economistas, muito longe de serem identificados com a esquerda, em defesa de ações decisivas do governo para a redução das disparidades.
Um desses sinais foi apurado em levantamento da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), obtido pelo Valor, que mostra que a desigualdade da renda dos trabalhadores parou de piorar, após cerca de quatro anos de ampliação da disparidade salarial entre ricos e pobres. O índice de Gini do rendimento domiciliar per capita do trabalho foi de 0,628 no terceiro trimestre, resultado igual ao registrado no mesmo período do ano passado. O índice de Gini varia de zero a um e, quanto mais perto de 1, maior a diferença da renda.
A piora da desigualdade de renda do trabalho vinha ocorrendo desde o quarto trimestre de 2015 e atingiu o pico de 0,631 no primeiro trimestre deste ano. O autor dos cálculos, elaborados a partir dos microdados da Pnad Contínua, do IBGE, o pesquisador Daniel Duque, acha ainda cedo para dizer se o ciclo de aumento da disparidade da renda chegou ao fim. Depende muito da continuidade da melhora do mercado de trabalho, que está ocorrendo lentamente.
Levando em conta não só o salário obtido do trabalho, mas também a renda das aposentadorias, pensões, aluguéis, programas de transferência e outros rendimentos, a desigualdade atingiu, em 2018, o maior patamar da série histórica, iniciada em 2012, apontou o IBGE recentemente. O índice de Gini total ficou em 0,545 em 2018, o maior nesses seis anos. A desigualdade havia diminuído de 2012 a 2015, quando voltou a aumentar, junto com o recuo da economia.
Outro indicador que mostrou alguma melhora foi o do acesso racial. Pela primeira vez, os negros e pardos representaram mais da metade dos estudantes do ensino superior público, o que pode ser atribuído à universalização do curso fundamental, à redução do abandono escolar e a políticas afirmativas, como as cotas. Segundo o IBGE, 1,1 milhão de estudantes autodeclarados pretos e pardos cursavam instituições de ensino superior federais, estaduais e municipais em 2018, enquanto os brancos ocupavam 1,06 milhão de vagas, com 50,3% e 48,2% respectivamente.
Apesar do avanço na educação, outras estatísticas do IBGE mostram que a desigualdade racial ainda impera. Pessoas pretas ou pardas recebem piores salários do que os brancos, ocupam cargos mais baixos, são vítimas mais frequentes da violência e estão sub-representadas politicamente.
Cresce o consenso de que a desigualdade é um dos motivos para a economia não sair do lugar, apesar da queda dos juros e da aprovação da reforma da Previdência. O ex-presidente do Banco Central (BC), Arminio Fraga, disse que, sem reduzir a desigualdade, é improvável que ocorra o destravamento do nível de atividade. O economista Maurício Molan (Valor, 21/11) mostrou o impacto da desigualdade na obstrução do efeito positivo da redução dos juros; e, no mesmo dia, os professores da FGV, Pedro Ferreira e Renato Fragelli, analisaram a relação entre tributação e equidade.
Fraga defendeu reformar as carreiras do funcionalismo e os impostos para promover maior igualdade, salientando que o Brasil é um dos países cujas regras tributárias mais transferem renda para os mais ricos. Entre as “aberrações tributárias” que sugeriu mudar estão os regimes especiais como o Simples e do Microempreendedor Individual (MEI), deduções no Imposto de Renda (IR) com gastos em educação e saúde, isenção dos dividendos e a tributação sobre heranças e doações.
Ferreira e Fragelli também apontam o caminho fiscal para reduzir a desigualdade, ressaltando que “a qualidade de vida dos desfavorecidos pode ser muito melhorada” mediante melhor foco dos gastos públicos. Mencionam, além da tributação sobre o lucro presumido, a baixa taxação da propriedade imobiliária, os salários elevados do funcionalismo e o ensino universitário gratuito para quem pode pagar.
Combater a desigualdade tornou-se não só imperativo moral, mas necessidade econômica. Ela divide a sociedade e cria ambiente para populistas autoritários, suas falsas soluções e seu desejo de eliminar a democracia.
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