Devido a um impedimento cultural, estamos perdendo boas representantes no Executivo e no Legislativo
A revelação de uma megacandidatura laranja de 2018 (uma só candidata a deputada estadual pelo DEM no Acre recebeu R$ 240 mil de financiamento partidário e teve apenas seis votos) nos lembra de que o uso de laranjas não é exclusividade do PSL. Ele deve ter sido generalizado. E isso porque nossas regras eleitorais para promover a eleição de mulheres criam também verdadeiros incentivos à corrupção.
A primeira regra é a lei que determina que haja, no mínimo, 30% de candidaturas de cada gênero. Na prática, significa uma cota de 30% de candidatas mulheres. A segunda é a decisão do TSE de que a divisão de recursos do fundo eleitoral deve seguir a mesma razão.
A cota cria representatividade para inglês ver. Para ter mais candidaturas masculinas competitivas, os partidos se enchem de candidatas sem a menor chance. Das mais de 16 mil candidaturas que não tiveram voto nenhum nas eleições municipais de 2016, quase 90% eram mulheres.
E a exigência de 30% das verbas impõe a necessidade de gastos pouco eficientes. Tendo candidaturas mais competitivas que o partido gostaria de turbinar, ele se vê obrigado a colocar mais dinheiro em candidaturas com retorno esperado mais baixo.
E por que candidatamos (e elegemos) tão menos mulheres que homens? Mais do que algum machismo específico dos partidos, creio que o problema é cultural.
Fui funcionário de um partido político (o partido Novo) durante 2015 e 2016. Participei do esforço do partido para encontrar mulheres dispostas a se candidatar. No caso, o partido tinha o compromisso de só lançar candidaturas que tivessem passado por um processo seletivo meritocrático; nada de laranjas.
E era incrível: mulheres com ideias, currículo e experiência mais do que suficientes para pleitear uma candidatura se sentiam inseguras e desistiam da ideia, sendo que homens com metade da qualificação já se viam como candidatos por direito, com sangue nos olhos para competir e sentindo-se merecedores naturais de todas as honras que o cargo público lhes traria.
A cota para mulheres e a destinação obrigatória de recursos cria uma situação na qual os partidos se veem tendo que abrir mão de candidaturas masculinas promissoras ou tendo de desperdiçar dinheiro em candidaturas que não têm futuro. A tentação de burlar a regra, portanto, é forte. E daí nascem os laranjais.
Mais mulheres na política é altamente desejável. Não porque só mulheres possam representar mulheres, e sim porque a desigualdade de gênero na política indica que, devido a um impedimento cultural, estamos perdendo boas representantes no Executivo e no Legislativo, dando lugar a homens menos capacitados.
A representação feminina na Câmara deu um verdadeiro salto na eleição passada, indo de 51 para 77 deputadas. Provavelmente é efeito da regra de partilha do fundo eleitoral (a cota de 30% das candidaturas existe desde 1997 e, sozinha, não mudou muita coisa). Mais dinheiro para as candidatas mulheres elegeu, como era esperado, mais mulheres.
Mas repare na proporção: 30% dos recursos (estou supondo que o desvio de verbas para mulheres se dê mais nas candidaturas a deputada estadual, menos visíveis) se converteram em 15% de deputadas (77 de 513).
Entre os homens, 70% do recurso produziu 85% dos deputados. O gasto com homens gerou mais resultado. Enquanto não mudarmos a cultura que subjaz essa desigualdade de resultados, nossas regras de promoção de mulheres continuarão germinando novos laranjais.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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