- Valor Econômico
Construção de alternativas eleitorais é desafio
Partidos de esquerda, de centro e de direita intensificaram os movimentos para tentar romper o dipolo no qual se transformou a política brasileira - um sistema constituído por dois polos semelhantes, mas de sinais opostos, separados por pequena distância.
A atual dinâmica interessa apenas ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E por eles tem sido incentivada, de forma a reduzir as chances eleitorais de outros concorrentes.
Mas o tempo foi passando e as eleições municipais, aproximando-se. Com isso, partidos de diversas orientações ideológicas que haviam demorado a perceber o quão exíguo estava ficando o espaço de ação resolveram reagir. A soltura de Lula e o início do processo de criação do novo partido do presidente Bolsonaro fizeram com que apertassem o passo. Afinal, a letargia dos adversários só interessava aos dois, que com modos e estilos cada vez mais parecidos, trabalham para consolidar seus respectivos exclusivismos em cada uma das pontas do espectro ideológico.
Ao centro e à direita, a ação hoje se concentra mais no Congresso. Maioria, esses partidos decidiram aceitar de vez o que antes lhes parecia pejorativo: assumiram a figura de um grupo relativamente coeso, influente nos temas econômicos e determinante para o destino de qualquer projeto em tramitação. Com viés mais liberal na economia e conservador nos costumes, essas siglas representam um bloco que faz jus a um apelido grafado no aumentativo pelo seu tamanho e capilaridade nos Estados.
Elas perderam a vergonha, enfim, de se apresentar e atuar de facto como um “Centrão”. E vão criar as condições para manejar o Orçamento, com o objetivo de se fortalecerem em suas bases eleitorais.
“É hora de erguer os dois cotovelos até a altura dos ombros. Forçar para abrir espaço, até a gente conseguir erguer novamente a cabeça”, ilustra um líder desse bloco. “Vamos evitar que sejamos prensados pelos dois lados.”
O Centrão quer deixar para trás uma imagem amorfa para consolidar-se como o principal fiador da estabilidade política, econômica e social do país.
Um exemplo dessa faceta vem sendo a imposição de freios a determinados projetos do governo. Não à reforma da Previdência, a qual não teria sido aprovada sem seu apoio e até entusiasmo. Mas sim ao adiamento da reforma administrativa, prontamente criticada por ser vista como uma nova mordida na estrutura remuneratória do funcionalismo, uma fonte potencial para protestos e passeatas em frente ao Parlamento.
Alvos dos que criticam a política e também da Operação Lava-Jato, também decidiram reduzir o que consideram exagerado no pacote elaborado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Tampouco pretendem se sensibilizar com quem quer ver, de imediato, mudanças na legislação para permitir a prisão após condenação em segunda instância.
Muitas siglas já recorreram a mudanças tópicas. Excluíram a palavra “partido” de seus nomes oficiais, embora tenham mantido suas práticas internas intactas. Agora, preparam-se para a reorganização do sistema a ser produzida pela proibição das coligações em eleições proporcionais, na expectativa de que quem estiver mais bem organizado terá mais capacidade de aglutinar as legendas que morrerão pelo caminho.
À esquerda, Psol e PCdoB demonstram a disposição de se manterem alinhados ao PT. Muito provavelmente em razão da expectativa de ver Lula e demais petistas apoiando seus candidatos a prefeito no ano que vem, ilusão que outros partidos que já caminharam com o PT não nutrem mais.
PDT e PSB, por exemplo, estão fazendo questão de marcar posição distinta, na busca de uma trilha própria a seguir nas eleições de 2020 e 2022. E pretendem abrir diálogo com alas do Rede e do PV.
A já histórica exclamação “O Lula está preso, babaca!” foi uma pequena - mas eloquente - parte de uma intervenção feita pelo senador Cid Gomes (PDT-CE) num tumultuado evento em favor de Fernando Haddad, há cerca de um ano, no segundo turno das eleições presidenciais. No entanto, já se transformou em um bordão usado com frequência por antipetistas. É de difícil digestão entre militantes do PT, tanto que a libertação do ex-presidente foi logo acompanhada pela disseminação, nas redes sociais, de imagens com os dizeres “O Lula está livre, babaca!”.
Ambos os episódios evidenciam o abismo existente, hoje, entre alguns líderes do PDT e do PT. Com o PSB, por outro lado, as conversas avançam, inclusive, na direção de uma união que não se limite às eleições municipais do ano que vem.
E o PSB vai além. Nesta semana, a sigla destrava um processo de “autorreforma”. O partido vai reformular seu programa, de 1947. Reafirmará os seus valores históricos, ao mesmo tempo em que buscará diferenciar-se entre as inúmeras letrinhas que hoje formam o sistema partidário brasileiro, principalmente entre outras siglas de esquerda.
O PSB, por exemplo, fará questão de se reafirmar como um “partido” e manter essa designação em seu nome oficial. Não abre mão da bandeira do socialismo, de uma mensagem da defesa da igualdade com liberdade.
A legenda faz questão de destacar que rompeu com o Foro de São Paulo e quer distância do governo de Nicolás Maduro, da Venezuela. Busca identificar-se com as esquerdas que atuam em Portugal, no Uruguai, na Espanha e no Chile. E reconhece que a corrupção é um problema real no Brasil. Pretende colocar-se como instrumento de pautas que atendam os interesses dos cidadãos em vez de agendas empresariais. Esse processo não visa apenas mudanças cosméticas.
Nessa movimentação em curso, há quem busque os caminhos de sempre. Outros veem a atual conjuntura como uma guerra não-convencional. Estes argumentam que buscar as mesmas respostas para atacar os problemas de sempre só piorará a situação. Em ambos os casos, a solução tem passado pelo fortalecimento dos partidos como instituições e da Política com “pê” maiúsculo.
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