- O Estado de S. Paulo
Presidente, que já enviou ao Congresso projeto para excludente de ilicitude em operações, fala em usá-las para reintegrações de posse; virou moda?
Testando limites. O presidente já é bem conhecido por testar a acolhida de suas ideias algo heterodoxas de uso da força para depois submetê-las ao escrutínio do Congresso. O fato é que o governo está paranoico com a ideia de que protestos como os que ocorrem no Chile, na Bolívia e na Colômbia aconteçam no Brasil, sob patrocínio de Lula e do PT. O MST entra na jogada nessa mesma fantasia: Bolsonaro parte da ideia de que os "exércitos" de sem-terra poderiam ser usados no plano lulista para colocar fogo no País.
Aspirina. Que o presidente costuma ser acometido desse tipo de temor e dar corda a essas narrativas já se sabe. O que não é razoável é colocar as Forças Armadas nesta equação. Nem tornar um instrumento que a Constituição prevê para circunstâncias excepcionais de riscos à ordem pública, como as operações de GLO, algo banalizado a ser usado em qualquer circunstância - e ainda com o bônus do excludente de ilicitude para militares que agirem nessas novas circunstâncias.
Desvirtuamento. As Forças Armadas não têm o papel constitucional de atuar como força suplementar de segurança pública. Mais: militares não gostam que se recorra às GLOs como quem troca de roupa. Uma coisa é evocar a garantia da lei e da ordem em circunstâncias como chacinas em presídios, comandadas a partir de fora por facções criminosas, ou grandes eventos como Olimpíadas, outra é usar o expediente para cumprir reintegrações de posse em propriedades privadas, algo que é atribuição das polícias estaduais. Não vai passar no Congresso e não será aceito pelas Forças Armadas, mas o presidente gasta tempo e energia para disseminar esse tipo de ideia. E depois a culpa por se discutirem só pautas negativas é da imprensa.
Documentos. Outra notícia que resvala nos pendores pouco democráticos do bolsonarismo veio do jornal O Globo, que mostrou que o Gabinete de Segurança Institucional tem travado o fornecimento de dados da Abin cujo sigilo prescreveu pela Lei de Acesso à Informação Pública, em vigor desde 2012. Mais de 90 pedidos de informações feitos pelo jornal foram negados sob o argumento de que eram dados sensíveis, concernentes a questões de Estado. Mas se a lei define o prazo e o grau de sigilo dos documentos, há que se debater: não é direito da sociedade conhecer as informações quando elas se tornam de domínio público? Qualquer mudança nas regras não teria de passar por emendas à lei que está em vigor?
Segunda instância. Enquanto comemora a melhora dos indicadores de mortes violentas e atribui os números a iniciativas de sua pasta, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, enfrenta um jogo de aparências com o Senado: foi cancelada uma audiência pública para debater o projeto que altera o Código de Processo Penal para prever a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em segunda instância. No lugar dela, Moro foi chamado para uma reunião nesta terça, 26, na residência oficial da presidência do Senado, em que líderes tentarão convencê-lo de que estão empenhados em buscar formas de antecipar o cumprimento das penas, quando, na verdade, querem jogar o assunto para um futuro remoto.
Câmara. Enquanto isso, na Câmara, o presidente Rodrigo Maia diz que existe uma possibilidade de acordo com o Senado: os senadores que aprovem a PEC já chancelada pela CCJ da Casa quando ela chegar lá. Acontece que os deputados também não têm pressa de levar este tema ao plenário: a emenda vai passar por uma Comissão Especial, cujo prazo de discussão é bastante elástico. A ideia comum a senadores e deputados é esperar que a virada do ano faça arrefecer a pressão popular (e de Moro) pela mudança no rito de cumprimento de penas.
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