domingo, 7 de julho de 2024

Vinicius Torres Freire - O Brasil que surta e delira

Folha de S. Paulo

País afunda em debate econômico louco e ruim, paga caro e fica no mesmo lugar

Durante dois meses, o debate-boca sobre economia andou mais desvairado do que de costume. Foi aquela algaravia sobre déficits, isenções de impostos, juros e Banco Central.

Ao final do surto, Lula 3 não terá conseguido jeitinho de aumentar a despesa de modo relevante, para efeitos práticos, sociais ou políticos. A promessa de contenção de despesas anunciada por Fazenda e Planejamento deixa quase inalterada a perspectiva de que a dívida pública continuará a crescer.

Quanto ao déficit, pois, não aconteceu nada, para os que odeiam ou que amam contas no vermelho. Juros e dólar ainda mais altos deixaram um saldo ruim. Ficamos no mesmo lugar, com um futuro imediato mais danado.

Bruno Boghossian - Lula em campanha

Folha de S. Paulo

Presidente quer impulsionar aliados em outubro, mas também faz campanha pela própria popularidade

Lula nem tentou disfarçar o motivo da visita a Contagem (MG), no fim de junho. Ao lado da prefeita Marília Campos (PT), que vai disputar mais um mandato, o presidente lembrou que a lei eleitoral proíbe a presença de candidatos em inaugurações após 5 de julho. "Então, eu vim aqui hoje para poder fazer neste ano a única coisa pública com você", explicou.

O petista fez uma maratona antes que a janela se fechasse. Em nove dias, foram 11 eventos oficiais com pré-candidatos a prefeituras estratégicas. Em quase todos os atos, Lula abriu espaço para os aliados no palanque, soltou elogios e fez acenos pouco discretos, com a promessa de investimentos do governo federal.

Muniz Sodré - Democracia demencial

Folha de S. Paulo

Transparece na perda das ilusões, rompimento das simulações sedimentadas que representavam a glória da América

confronto Biden/Trump ficará na história como um dos episódios mais deprimentes da política norte-americana, também como índice relevante da suspeita de que as democracias possam estar doentes, mais do que apenas enfraquecidas. Doença implica afetação negativa num organismo, suscetível de uma alteração essencial. Por analogia, ainda que mantidos os protocolos formais, os processos substanciais das democracias passariam por desencadeamentos morbosos que afetam povo e lideranças.

Hélio Schwartsman - Revoluções

Folha de S. Paulo

A prosperidade material experimentada hoje pelo terráqueo médio, por exemplo, é fruto das duas Revoluções Industriais

Numa época em que a ordem liberal vem sendo desafiada e sofre reveses, é natural que surjam obras que procurem apontar para as virtudes desse sistema que, aos trancos e barrancos, vem se consolidando no Ocidente. "Age of Revolutions", do jornalista Fareed Zakaria (CNN, Washington Post), é uma delas.

O autor se propõe a tentar entender como certos períodos da história concentram mudanças que deixam marcas profundas num país e por vezes no mundo. Nós os chamamos de revoluções. No livro, Zakaria investiga nove delas, cinco do passado (Holandesa, GloriosaFrancesa e a Industrial, em suas vertentes inglesa e americana) e quatro do presente (globalização, tecnologia, identidade e geopolítica).

Marcus Cremonese - Trump x Biden e a Realidade Inventada

Observatório da Imprensa

Tendo já vivido por mais de três décadas sob o sistema parlamentarista australiano, desenvolvi certo gosto em assistir debates pré-eleição. O recente “embate” presidencial nos Estados Unidos, em 27 de junho passado, difere drástica – e dramaticamente! – do que acontece aqui, a cada três anos, quando há eleições federais. 
A diferença é drástica porque no sistema parlamentarista, o líder de cada partido é quem vai para o debate levando – não em seu nome, mas em nome do partido – todas as ideias, projetos, planos, metas ou políticas a serem apresentadas. E sobretudo as promessas. O líder do partido vencedor nas urnas se torna o Primeiro-Ministro e dele as tais promessas são cobradas dia após dia. 

Já no sistema presidencialista, as metas ou projetos do partido acabam quase sempre sendo colocadas de lado. O que geralmente entra em cena é o indivíduo, a pessoa do candidato – no que fica mais fácil explorar qualidades e defeitos. Assim, o evento se torna um ato cênico e, especialmente no caso recente de Trump x Biden, um episódio altamente agressivo.

Poesia | Igual-Desigual, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Leila Pinheiro - Eu canto samba ( Paulinho da Viola)

 

sábado, 6 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Vitória de Starmer aponta caminho a políticos de centro

O Globo

Em vez de ideologia ou guerras culturais, sua campanha voltou o foco para questões de ordem prática

A vitória avassaladora do Partido Trabalhista nas eleições britânicas traz lições não apenas para o Reino Unido, mas para Europa, Brasil e um mundo atônito com o avanço da direita de feições nacionalistas e populistas. O novo primeiro-ministro, Keir Starmer, um social-democrata clássico, comandará uma maioria com um controle do Parlamento comparável à avalanche Tony Blair em 1997.

A primeira lição é que, mesmo numa época em que vicejam figuras histriônicas como Donald Trump ou o britânico Boris Johnson, um político de perfil mais pragmático que carismático ainda tem chance de vencer — e de vencer bem. Nada mais distante do discurso histérico das redes sociais que a serenidade acanhada de Starmer.

Entrevista | Heather Grabbe: 'Argumento nacionalista atrai europeu insatisfeito com economia’

Marcos de Moura e Souza / Valor Econômico

Acadêmica europeu Bruegel, analisa o voto de britânicos e franceses

Em uma semana de eleições no Reino Unido e na França, a pesquisadora do think-tank Bruegel, baseado em Bruxelas, Heather Grabbe faz uma avaliação sobre as demandas e insatisfações dos eleitores em um momento em que o populismo de direita ganha apoio pela Europa.

Professora visitante da Universidade College London e autora de artigos publicados no “Financial Times” e no site “Politico”, Grabbe diz nesta entrevista ao Valor que as diferenças de linha econômica entre partidos tradicionais estão cada vez mais apagadas e que a direita populista prospera reforçando mensagens sobre identidade e nacionalismo. No Reino Unido, embora o jogo se dê entre as forças convencionais - Trabalhistas e Conservadores -, Grabbe destaca o nível de aprovação da legenda direitista anti-União Europeia Reform. Enquanto na França, o segundo turno das eleições parlamentares no domingo deverá mostrar um avanço marcante da extrema direita de Marine Le Pen. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Pablo Ortellado - Direita populista mostra força

O Globo

Analistas se perguntam incrédulos por que os cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas

O establishment está chocado com a força da direita populista nos Estados Unidos e na França. O Reunião Nacional, partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, deverá emergir do segundo turno das eleições parlamentares da França, amanhã, como força política mais importante do país. Nos Estados Unidos, as fraquezas de Biden fazem de Donald Trump o favorito para vencer as eleições de novembro. Aos avanços políticos nos Estados Unidos e na França se somam a vitória, na Holanda, do Partido da Liberdade de Geert Wilders (que por pouco não se tornou primeiro-ministro), o consolidado governo de Giorgia Meloni na Itália e a ascensão de Javier Milei na Argentina. A onda global do populismo de direita parece um tsunami irrefreável.

Na França e nos Estados Unidos, analistas se perguntam incrédulos por que os cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas. Centristas e progressistas se questionam, perplexos, como os franceses podem votar em massa no partido herdeiro da Frente Nacional e como os americanos podem votar em Trump depois de um primeiro governo desastroso e de terem testemunhado a invasão do Capitólio.

Carlos Alberto Sardenberg - O mercado acreditou no governo. Perdeu dinheiro

O Globo

Se a economia vai bem no presente e tem boas perspectivas para a frente, as empresas ganharão

Vale o arcabouço fiscal, declarou o ministro Fernando Haddad nesta semana, depois de algumas reuniões com Lula. Não foi fácil. Precisou o dólar bater em R$ 5,70 para o ministro impor ao governo uma espécie de renascimento de sua agenda.

Há várias interpretações para o episódio. O arcabouço fiscal, como lembrou Haddad, está fixado em lei complementar desde agosto do ano passado. Que fosse preciso reiterar isso, quase um ano depois, demonstra que o mercado tinha razão quando desconfiou que o governo Lula, a começar pelo presidente, pretendia driblar as regras do arcabouço para gastar sem limites.

Essa descrença é recente. Há algumas semanas, o Boletim Focus, editado pelo Banco Central, mas resumindo as opiniões dos analistas de fora do governo, previa um cenário positivo para este e para o próximo ano: inflação em queda, juros idem e o dólar, imaginem, estável em R$ 5 até 2026.

Com base nesse cenário, os investidores fizeram suas apostas. Não são bem apostas, mas aplicações financeiras com base em dados e expectativas, com o objetivo de preservar o capital e obter lucros. Não são especulações no vazio. Têm ligação com a economia real. Se o país crescerá com inflação baixa e ganhos de renda, então o varejo venderá mais. Logo, comprem-se ações das companhias varejistas. De modo mais amplo, se a economia vai bem no presente e tem boas perspectivas para a frente, as empresas ganharão dinheiro. Logo, a Bolsa de Valores é um bom local para colocar seu dinheiro.

Eduardo Affonso -Vivemos a era do exagero

O Globo

Basta considerar esteticamente desagradável um corpo obeso para ser diagnosticado como gordofóbico

Nas novelas mexicanas de antigamente (ou nem tão antigamente assim), a vilã tinha cara de vilã, pinta de vilã, roupa de vilã — eventualmente, até tapa-olho de vilã. Bastava que entrasse em cena e sabia-se que boa bisca ela não era. Tudo — cabelo, tom de voz, adereços, maquiagem — conspirava para que não pairasse dúvida sobre sua abominável índole. Era um recurso dramatúrgico, impedindo que, ao coração do telespectador, ocorresse a ideia de balançar entre a mocinha (boa) e a vilã (péssima).

Pois mexicanizaram a política e a linguagem. Sim, apertem os cintos: a direita sumiu. A polarização agora entre é entre esquerda e extrema direita. De um lado do ringue — de calção vermelho, pés descalços e mãos nuas — temos a esquerda (progressista, democrática, de profundos valores humanistas, zelosa defensora dos pobres e oprimidos) e do outro — de armadura azul, portando o raio da morte — a extrema direita (fascista, desumana, de tapa-olho). Entre uma e outra, só o Centrão — pendendo para o lado vencedor, claro.

Hélio Schwartsman - Há luz no fim do túnel?

Folha de S. Paulo

Vitória trabalhista no Reino Unido contrasta com avanços eleitorais da ultradireita no Ocidente

Num mundo em que a ultradireita vem obtendo avanços eleitorais significativos, o Reino Unido, remando contra a corrente, acaba de proporcionar uma vitória maiúscula para o Partido Trabalhista, de centro-esquerda. O "maiúscula" não é licença poética. Com a apuração quase concluída, os trabalhistas obtiveram ao menos 412 das 650 cadeiras do Parlamento, um incremento de 214 assentos.

O interessante é que, em termos de proporção dos sufrágios, os trabalhistas não se saíram tão melhor. Cresceram só 1,7 ponto percentual em relação à votação anterior, de 2019. O que explica o resultado é o brutal declínio dos conservadores, que perderam 251 cadeiras e 20 pontos percentuais. Basicamente, os conservadores é que foram derrotados. Perder após 14 anos no poder é esperado; a magnitude da derrota é que chama a atenção.

Dora Kramer- Palanques à parte

Folha de S. Paulo

Governadores evitam atos federais para não colocar azeitona na empada de Lula

O chamamento à guerra foi feito pelo presidente Lula quando estabeleceu ligação direta entre as eleições de 2024 e 2026. As municipais serão um ensaio para as presidenciais, disse ele, contrariando a escrita dos inúmeros exemplos de que uma disputa não tem nada a ver com a outra.

A história mostra. Para citar apenas um, o PT foi um fiasco na disputa de 2020 e retomou a Presidência em 2022.

Desta vez, há de reconhecer, pode ser diferente. Não no cenário dos mais de 5.000 municípios, mas nas principais cidades e capitais.

Demétrio Magnoli - O real não subiu a rampa

Folha de S. Paulo

Gesto de Lula ajudaria a amainar a polarização nacional que ele jura lamentar

Há 30 anos, o Brasil tem moeda, graças ao Plano Real, que nos libertou da "cracolândia monetária" (apud Gustavo Franco). A Argentina tem um pedaço de papel pintado –e, por lá, despreza-se tanto a moeda que seu presidente ultraliberal almeja criar uma "concorrência entre moedas". Celebrou-se o 30º aniversário do real num evento na Fundação Fernando Henrique Cardoso. Por que Lula não convidou os pais, os patronos e os guardiões do real para subirem a rampa e celebrarem no Planalto?

Batizou-se "soberano" a primeira moeda de ouro cunhada na Inglaterra em 1489. "Só aquele que tem o poder de fazer lei pode regular a cunhagem", ensinou Jean Bodin, no século 16. Moeda é um dos pilares da soberania nacional. O real é um patrimônio do Brasil, como o Pão de Açúcar e o Pantanal (que arde em chamas...). Mas, por algum motivo, o governo ignorou seu aniversário.

Miguel Reale Júnior - Enfrentar a armadilha

O Estado de S. Paulo

Para nos livrar da direita bolsonarista, o governo deve convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal

Imensa pobreza de espírito domina o ambiente nacional. Questões irrelevantes apresentam-se como preocupações centrais da cena política. Não surge para discussão um projeto de país, com a indicação de pontos cardiais a serem enfrentados e das medidas necessárias.

A ausência de líderes condutores das agremiações políticas torna ainda mais angustiante o sistema de governo presidencialista, caracterizado pela entrega de benesses para obtenção de maioria congressual.

Desde Fernando Collor o País vive crises, que redundaram em impeachments ou na instauração de processos criminais, relativos às práticas de corrupção adotadas para assegurar governabilidade, como retratam os episódios do mensalão e do petrolão.

Carlos Andreazza - Múmia fiscal

O Estado de S. Paulo

O natimorto ‘será preservado a todo custo’. É caro embalsamar?

Fernando Haddad diz que Lula mandou preservar o arcabouço fiscal. Mandou preservar um corpo morto. Natimorto. A ver qual a melhor modalidade de manutenção para o presunto; também para anular o cheiro podre de matéria em decomposição faz tempo. Mumificação? Qualquer uma que ajude o projeto de empurrar a fatura para 2027.

O natimorto “será preservado a todo custo”. É caro embalsamar? Talvez entre na categoria lulofiscalista do gasto “necessário”. O presidente reafirmou o seu empenho pelo equilíbrio das contas públicas nestes termos: “A gente aplica o dinheiro que é necessário. Gasta com educação e saúde o que é necessário. Mas a gente não joga dinheiro fora. Responsabilidade fiscal não é palavra. É compromisso desse governo desde 2003 e a gente manterá à risca”.

Aldo FornazierI - A crise climática piora

CartaCapital

As metas do Acordo de Paris foram para o vinagre. As previsões quanto ao aquecimento global são catastróficas

Não é mais novidade o fato de o mundo estar mergulhado numa sucessão de catástrofes climáticas variadas e praticamente diárias. Tempestades e chuvas violentas, furacões devastadores, secas desertificantes, incêndios dantescos, elevação do nível dos mares, desaparecimento de espécies, poluição assustadora dos oceanos, desaparecimento de rios e nascentes e temperaturas insuportáveis são algumas das múltiplas tragédias que qualquer cidadão pode tomar conhecimento pelo noticiário. Para alguns cientistas, as mudanças climáticas já produzem milhões de mortes.

O que mais assusta e angustia é a omissão criminosa dos governos e a indiferença das sociedades. À exceção de cientistas e ONGs, a crise climática é tratada de forma secundária. O Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, passou quase em branco no Brasil. Nenhuma grande mobilização, ínfima ou nenhuma importância por parte da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back - O museu de grandes novidades

CartaCapital

No mercado do dólar, o futuro repete o passado

Todo santo dia, gestores, ­heads de tesourarias e economistas-chefes encontram-se na hora do almoço no restaurante Margem de Garantia, na confraria Milton Friedman, afinal não tem almoço grátis! Ao fundo toca O Tempo Não Para, de Cazuza. Numa dessas mesas, o garçom traz o menu, o prato do dia é onde vamos ganhar dinheiro hoje? Supervariado, cobre, soja, petróleo, ouro, minério de ferro, dólar, juros, ações…. e aí a sobremesa incluída, um terminal online para comprar e vender, na linguagem deles “treidar”!

Prato principal do dia: dólar futuro. Um estagiário levado à confraria indagou: desculpe, o que vem nesse prato?

O garçom, com sua certificação de consultor de investimento, respondeu:

— Cinco contratos de dólar futuro, o mínimo exigido pela B3, cada um tem valor de 50 mil dólares.

Marcus Pestana - Cinco obstáculos ao desenvolvimento

Muitos advertem para as limitações e problemas existentes nas comparações internacionais. É claro que cada país tem sua história, características e circunstâncias. Mas, gostemos ou não, é um termômetro válido. O Brasil, em 1980, tinha um Produto Interno Bruto per capita maior do que o da Coréia do Sul. Hoje (2022) o PIB por habitante deles equivale a US$ 32.422,57 e o brasileiro a US$ 8.917,67, 3,6 vezes maior. Desde a Segunda Guerra Mundial (1945), doze países superaram a armadilha da renda média e entraram no clube dos países desenvolvidos (Coréia do Sul, Hong Kong, Israel, Singapura, Taiwan, Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal, Noruega, Austrália e Nova Zelândia). O Brasil continua prisioneiro da armadilha. Onde foi que perdemos o fio da meada do crescimento sustentado? Quais são os obstáculos ao desenvolvimento nacional?

Poesia | Casamento, de Adélia Prado

 

Música | Liberdade - Xande de Pilares (Sambabook Dona Ivone Lara)

 

sexta-feira, 5 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Embora tímido, recuo de Lula é bem-vindo

O Globo

Ele poderia ter evitado as declarações desastradas que fizeram o dólar disparar

Mesmo que acanhada, é bem-vinda a reviravolta aparente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à crise fiscal. O anúncio — tardio — de que o governo congelará recursos ainda neste ano e enviará ao Congresso o Orçamento de 2025 com previsão de corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias traz, enfim, alguma realidade ao compromisso de equilibrar as contas públicas. Lula determinou o cumprimento “a todo custo” das metas previstas para 2024, 2025 e 2026 no arcabouço fiscal, plano de ajuste do governo que perdia credibilidade dia após dia. Se cumprir as promessas, contribuirá para diminuir o ritmo de aumento da dívida pública, derrubar os juros, atrair mais investimentos e, com isso, impulsionar o crescimento econômico e o bem-estar da população.

Fernando Gabeira - Para que serve hoje o Plano Real

O Estado de S. Paulo

Olhando os rumos do mundo e os do Brasil, podemos sentir como é instável a situação, como é necessário fazer tudo para estabilizá-la e como isso pede também o que existiu no Real

Trinta anos de Plano Real nos levam a pensar em muitas coisas. Uma delas, a mais animadora, é saber que o Brasil é capaz de resolver problemas complexos, como a hiperinflação, que até hoje atormenta nossos hermanos argentinos.

Muitos desdobramentos positivos na história recente do País dependeram da atmosfera criada pelo Plano Real. Um deles é a política social da primeira década do século que garantiu a Lula da Silva uma grande fidelidade dos setores mais vulneráveis da população.

Nem todos os problemas foram resolvidos ali. A reforma tributária que deve ser aprovada neste ano é considerada um passo adiante na trilha aberta pelo Plano Real.

Mas o que se discute com intensidade hoje é o ajuste fiscal.

Lula parece confrontado com duas saídas indigestas. Uma delas é voltar-se para os setores mais pobres, desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo, reduzir investimentos na saúde e na educação.

Existe a alternativa de olhar para cima e para o lado: cortar subsídios, acabar com supersalários, rever a aposentadoria dos militares, realizar uma reforma administrativa.

Luiz Carlos Azedo - Carne bovina e frango ficarão de fora da cesta básica

Correio Braziliense

Hoje, estão isentos de impostos federais (como IPI, PIS e Cofins), mas a maioria dos estados, no entanto, cobra o ICMS sobre esses produtos, ou seja, a proteína animal

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a picanha do fim de semana pode ficar mais longe da mesa da maioria dos brasileiros, após a regulamentação da reforma tributária. Hoje, a picanha custa em média R$ 59 o quilo nos supermercados. Nem a carne de segunda, o suíno, o frango e o peixe, na proposta dos relatores da reforma, farão parte da lista de produtos da cesta básica com alíquota zero de tributos. Será uma derrota dos consumidores de mais baixa renda. Músculo, rabo, bucho, mocotó, pé de porco, pescoço de galinha, a tilápia, tudo isso pagará imposto igual ao da picanha.

O relatório do projeto de lei complementar (PLP 68/2024), que regulamenta a reforma tributária, foi apresentado, nesta quinta-feira, pelo grupo de trabalho da Câmara que analisou a proposta original do governo. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pretende votar a regulamentação na próxima semana. O grupo de trabalho apresentou o relatório e manteve a proteína animal com uma isenção de 60%, como originalmente havia sido encaminhada pelo governo.

Eliane Cantanhêde - Simples e mais barato

O Estado de S. Paulo

Com psicologia haddadiana, Lula parou de falar de BC, assumiu proposta fiscal e dólar caiu

Fernando Haddad vem evoluindo: de professor a político (se isso é exatamente evoluir…), de prefeito a candidato a presidente, de ministro da Educação a ministro da Fazenda, de articulador político a psicólogo do presidente da República, o único capaz de botar o guizo no gato. Como não é fácil driblar adversários no governo, Haddad reuniu uma tropa para convencer o teimoso Lula de que é péssimo negócio guerrear contra a razão.

É real o impacto de fatores externos na disparada do dólar, mas é negacionismo puro desconsiderar o efeito das manifestações de Lula contra corte de gastos, equilíbrio fiscal, BC, política de juros e Roberto Campos Neto. Lula fala, o dólar sobe e depois ele atribui a subida a “ataque especulativo” e cobra intervenção do BC no câmbio.

André Roncaglia - O privatismo sem critério de Tarcísio de Freitas

Folha de S. Paulo

É imperativo evitar privatização da empresa de saneamento do estado mais rico do Brasil

Depois do escândalo da privatização da Eletrobras, a Sabesp é a bola da vez.

A venda de participação acionária da empresa teve a ampla concorrência... de uma empresa interessada. Indagado a este respeito, o governo Tarcísio reagiu com a novilíngua privatista: "Não é falta de concorrência, é uma aderência ao que a gente vem colocando desde o início".

Especializada em energia elétrica, a Equatorial conta com uma "vasta experiência" de dois anos no setor de saneamento, "conquistada" com a privatização do serviço no Amapá, feita pelo governo Bolsonaro em 2021, sob a batuta do atual governador carioca de São Paulo.

Bruno Boghossian - Cerco da polícia amplia antigo tormento de Jair Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Aprofundamento de investigações reduziu espaço de reação do ex-presidente

O cerco da polícia amplia um antigo tormento de Jair Bolsonaro. O ex-presidente costumava desconfiar que poderia ser alvo de uma ordem de prisão preventiva. Ele iria para trás das grades, mas denunciaria a precipitação de seus acusadores. O avanço das investigações, por outro lado, dificulta essa cartada.

Num único dia, a Polícia Federal apresentou novos elementos de dois inquéritos contra Bolsonaro. Pela manhã, agentes deflagraram a segunda fase da operação que revelou a falsificação do cartão de vacina do ex-presidente. No fim da tarde, o capitão e mais 11 pessoas foram indiciadas pela venda ilegal de joias recebidas durante seu governo.

Vinicius Torres Freire - 'Guerra civil' da eleição francesa afeta política aqui e pelo mundo

Folha de S. Paulo

Embora mais fraca, aliança contra ultradireita se recuperou nos últimos dias

O resultado da eleição legislativa da França depende das alianças que se formaram ou ainda vão se formar até o segundo turno, no domingo. Isto é, depende em boa parte da soma dos votos dos eleitores que não querem o partido Reunião Nacional (RN) no poder: do "voto útil".

A frente contra a ultradireita se recuperou nos últimos dias, apesar de bem mais fraca do que em eleições realizadas de 2002 a 2022. Em tese, voltam a diminuir as chances de que o RN, de Marine Le Pen, consiga maioria absoluta na Assembleia, ainda que seja o partido maior.

Pelas últimas projeções, a soma dos eleitos pela esquerda e pelo centro macronista poderia até ser majoritária. Há quem sugira, assim, uma aliança precária, mas bastante para aprovar um ou outro projeto e evitar crise maior, pelo menos até a convocação de outra eleição, possível apenas daqui a um ano.

Jamais houve coalizão de ideologia mista na Quinta República (desde 1958). O presidente Emmanuel Macron detesta o França Insubmissa (LFI), partido maior da aliança de esquerda. O LFI tem dito que apenas entrará em governo de coalizão que siga o seu programa. Hum.

Por que prestar atenção à política francesa? Apesar dos pesares crescentes da França, a aliança franco-alemã é o pilar da enorme União Europeia. Um tumulto político-econômico por lá teria repercussão mundial, até financeira, aqui inclusive.

Thomas L. Friedman - Biden é um bom homem e um bom presidente, mas precisa desistir da reeleição

Folha de S. Paulo

Para dar aos EUA a maior chance de deter a ameaça Trump, democrata deve declarar que não concorrerá à reeleição

Assisti ao debate Biden-Trump sozinho em um quarto de hotel em Lisboa, e ele me fez chorar. Não consigo lembrar de um momento mais angustiante na política da campanha presidencial americana em minha vida —precisamente devido ao que o debate revelou: Joe Biden, um homem bom e um bom presidente, não tem motivos para concorrer à reeleição. E Donald Trump, um homem malicioso e um presidente mesquinho, não aprendeu e não esqueceu nada. Ele é a mesma torneira de mentiras de sempre, obcecado com suas queixas —longe do que será necessário para liderar os Estados Unidos no século 21.

A família Biden e sua equipe política devem se reunir rapidamente e ter as conversas mais difíceis com o presidente, uma conversa de amor, clareza e determinação. Para dar aos EUA a maior chance possível de deter a ameaça Trump em novembro, o presidente deve se adiantar e declarar que não concorrerá à reeleição e que está liberando todos os seus delegados para a Convenção Nacional Democrata.

Maria Cristina Fernandes - Notas de um PT com voto conservador

Valor Econômico

Prefeita de Contagem (MG), maior cidade governada pelos petistas no país, Marília Campos não entra em briga alheia nem fecha alianças pelo retrovisor e defende que partido abra mão de privilégios

Município da Região Metropolitana de Belo Horizonte e segundo maior do estado, com 668 mil habitantes, Contagem foi sede de vitórias históricas do PT iniciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lá ganhou lá duas vezes, sendo a primeira, em 2002, com 82% dos votos.

Nesses bons anos do PT no município, Marília Campos elegeu-se vereadora, duas vezes prefeita e três vezes deputada estadual. Psicóloga formada na UFMG e bancária desde os 18 anos, idade com a qual ajudou a fundar o PT em Uberlândia em 1982, Marília deixou a prefeitura em 2014, rumo à Assembleia Legislativa na disputa em que seus eleitores também deram o segundo mandato à ex-presidente Dilma Rousseff e colocaram Fernando Pimentel no Palácio da Liberdade.

A cidade, antigo entreposto fiscal da coroa portuguesa para contagem de escravos e cabeças de gado, sempre foi cultivada por Lula. Em visita à cidade, em junho, o presidente disse ter ouvido pela primeira vez a menção a Contagem em 1968, quando seus metalúrgicos lideraram, junto com os de Osasco, a primeira grande greve da ditadura.

José de Souza Martins – 1924: A revolução inacabada

Valor Econômico

Os revoltosos não tinham um projeto político. Queriam derrubar o presidente da República e livrar o exército da sujeição às oligarquias

Ainda hoje nos arredores da estação e dos quartéis da Força Pública (atual Polícia Militar), no bairro da Luz, em São Paulo, há marcas dos tiros de obuses disparados na manhã de 5 de julho de 1924 e nos dias seguintes. Na ilha da rua João Teodoro, uma antiga chaminé de usina termoelétrica tem as marcas dos disparos feitos pela Força Pública contra os quartéis a partir da esplanada do Carmo. A torre da igreja e o Liceu Coração de Jesus também têm suas marcas de tiros.

Tratava-se de uma insurreição de tenentes revoltosos do exército e de oficiais da Força Pública contra o governo de Artur Bernardes cuja deposição pretendiam. Do outro lado, o exército legalista e a força pública governista. Logo nas primeiras horas, os revoltosos prenderam o comandante da Força Pública e o general comandante da 2ª Região Militar, que acabara de chegar em casa, em traje de gala, do banquete e do baile do consulado americano, no Hotel Esplanada, para comemorar o aniversário da independência dos EUA.

Bernardo Mello Franco – As joias do capitão

O Globo

Antes de ser indiciado pela PF, ex-presidente havia retomado viagens para pedir votos

A Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro por três crimes no rolo das joias. O capitão foi acusado de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Pelo volume de provas, é questão de tempo até que seja denunciado e enviado ao banco dos réus.

Os investigadores concluíram que o ex-presidente se apropriou indevidamente de bens da União. Depois de surrupiar o patrimônio público, ele resolveu transformar as pedras em dinheiro vivo. Para isso, mobilizou civis e militares num esquema de desvio, contrabando e ocultação de valores.

Flávia Oliveira - Adubar o debate

O Globo

País deixou passar quase despercebido um anúncio de imensa importância para economia

É de pobreza franciscana o debate macroeconômico brasileiro, restrito, quase sempre, às estimativas e análises de operadores do mercado financeiro. Nada contra bancos, corretoras, consultorias nem seus modelos econométricos e dedos nervosos. São agentes econômicos relevantes. Só não são os únicos. Desde a reunião de maio do Comitê de Política Monetária (Copom), quando a taxa básica de juros foi reduzida em 0,25 ponto percentual pelo placar apertado de 5 a 4, inaugurou-se um rali tão indesejado quanto perigoso para a vida real dos brasileiros.

Rogério F. Werneck - Causa e efeito

O Globo

O governo não consegue sair de uma quadro econômico intrincado

Memorável depoimento fez o embaixador Rubens Ricupero na comemoração dos 30 anos do Plano Real promovida pela Fundação FHC, em São Paulo, na tarde de 24 de junho. Era ministro da Fazenda quando o Real entrou em vigor, em 1º de julho de 1994. Vinha exercendo o cargo com admirável competência desde 30 de março daquele ano, quando FHC teve de se afastar para disputar a eleição presidencial.

Sua marcante intervenção no evento tocou num ponto crucial. Serviu de alerta para que, no calor das comemorações do Real, o país não se deixe levar pela ilusão de que as conquistas do esforço de estabilização empreendido a partir de 1994 tornaram-se irreversíveis. Vale a pena reproduzir o que Ricupero teve a dizer sobre isso.

Flávia Barbosa* - Só Trump quer Joe Biden

O Globo

Mesmo pesados os riscos da troca do candidato democrata, ela parece ser a única via para tentar a vitória

Joe Biden faz, nesta noite, um dos últimos grandes atos antes de decidir se mantém ou retira sua candidatura a mais quatro anos na Casa Branca. Concederá entrevista à rede de TV americana ABC, num esforço de mostrar-se capaz de continuar comandando os Estados Unidos. Após a mais dramática semana do Partido Democrata desde a Convenção de 1968, seus correligionários estão virtualmente unidos na avaliação de que Biden deveria jogar a tolha. Mas existe um grande entusiasta de sua campanha à reeleição: Donald Trump.

Joseph Stiglitz - Não há dúvida sobre o melhor para os EUA

Valor Econômico

Embora economistas tenham enfatizado a importância do Estado de Direito para o crescimento, Trump, um criminoso condenado, não é exatamente conhecido por sua adesão a ele

Algo ficou faltando na enxurrada de comentários após o debate entre o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e Donald Trump. Embora as avaliações dos eleitores sobre a personalidade e forças pessoais dos candidatos sejam importantes, todos deveriam lembrar-se do famoso ditado: “É a economia, estúpido”. No mar de mentiras descaradas despejadas por Trump durante o debate, as falsidades mais perigosas referiram-se aos respectivos históricos de política econômica dele e de Biden.

Avaliar a gestão da economia por parte de um presidente é sempre uma tarefa espinhosa, porque muitos dos desenvolvimentos são desencadeados pelos antecessores. Barack Obama precisou lidar com uma profunda recessão porque governos anteriores se empenharam na desregulamentação financeira e não conseguiram evitar a crise que eclodiu no outono americano de 2008. Depois, com os republicanos do Congresso amarrando as mãos do governo Obama e defendendo um aperto de cinto, o país foi privado dos tipos de políticas fiscais que poderiam ter tirado a economia da Grande Recessão com mais rapidez. Quando a economia, enfim, estava em recuperação, Obama estava saindo e Trump, entrando.

Trabalhistas voltam ao poder no Reino Unido após 14 anos

Por O Globo e agências internacionais 

Partido liderado por Keir Starmer volta ao poder após 14 anos, com promessas de recuperar economia e agir de forma eficiente sobre a imigração; extrema direita já surge no retrovisor

LONDRES - Depois de 14 anos na oposição, o Partido Trabalhista retornará ao poder no Reino Unido, de acordo com as projeções divulgadas minutos após o fechamento das urnas, confirmando uma das maiores vitórias em décadas.

Os números apontam que o partido, comandado por Keir Starmer, provável novo primeiro-ministro, conquistou 410 cadeiras na Câmara dos Comuns, equivalente à Câmara dos Deputados, mais do que as 326 necessárias para governar sem precisar formar alianças. As estimativas ainda sinalizam para uma derrota contundente dos conservadores, um "renascimento" dos Liberal-Democratas e um avanço da extrema direita.

"A todos os que fizeram campanha pels trabalhistas nestas eleições, a todos os que votaram em nós e depositaram a sua confiança no nosso novo Partido Trabalhista – obrigado", escreveu Starmer no X, o antigo Twitter, minutos depois do fechamento das urnas. Caso as projeções se confirmem, será um avanço de 209 cadeiras.

Em segundo lugar veio o Partido Conservador, do agora futuro ex-premier Rishi Sunak, com 131 cadeiras, o pior resultado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com 241 assentos a menos. A lista de integrantes do Gabinete de Sunak que podem ficar sem vaga no Legislativo é longa, e inclui Jeremy Hunt, ministro das Finanças, e Grant Shapps, ministro da Defesa. Os números oficiais, alertam comentaristas, podem ser ainda piores, uma vez que estão sujeitos a pequenas diferenças, como houve nas últimas três votações.

Poesia | Posso escrever os versos mais tristes esta noite, de Pablo Neruda

 

Música | Marisa Monte - Feitio de Oração (Noel Rosa)