Mesmo pesados os riscos da troca do candidato democrata, ela parece ser a única via para tentar a vitória
Joe Biden faz, nesta noite, um dos últimos grandes atos antes de decidir se mantém ou retira sua candidatura a mais quatro anos na Casa Branca. Concederá entrevista à rede de TV americana ABC, num esforço de mostrar-se capaz de continuar comandando os Estados Unidos. Após a mais dramática semana do Partido Democrata desde a Convenção de 1968, seus correligionários estão virtualmente unidos na avaliação de que Biden deveria jogar a tolha. Mas existe um grande entusiasta de sua campanha à reeleição: Donald Trump.
Está claro que os americanos têm um veredito
sobre Biden. Apenas 34% aprovam sua gestão. Para 72%, o democrata não deveria
ter se recandidatado; 65% veem o país, sob seu comando, caminhando na direção
errada. E a questão da idade está cristalizada: para 73% dos eleitores, ele é
velho demais para continuar liderando os Estados Unidos.
A campanha presidencial de 2024, porém, é uma
batalha de rejeições. Quem vê Trump abrindo 6 pontos sobre Biden no pós-debate
presta pouca atenção ao fato de que, ainda assim, mais da metade dos eleitores
tem visão negativa sobre ele, que deixou a Casa Branca bem avaliado por só um
terço dos americanos. Entre os independentes, Trump é considerado uma ameaça à
democracia pela maioria.
O republicano, pois, tem clara vantagem
numérica, mas numa batalha entre quem é menos pior. E se o oponente mudar, o
que isso significará para Trump?10:02
Uma substituição de Biden a quatro meses da
eleição não zerará o jogo, mas, se bem conduzida — e este é um grande “se” — e
evitar uma batalha fratricida entre os democratas, introduzirá o elemento da
novidade. O replay de Biden x Trump desagrada desde que foi anunciado, e um
novo nome causará obrigatoriamente frenesi. “Será que finalmente há uma
alternativa?”, se perguntarão milhões de americanos indecisos ou desgostosos.
Na base democrata, o efeito seria
energizador. A substituição traria alguém mais jovem, afiado, potencialmente
capaz de reconectar o partido com grupos hoje desiludidos ou desanimados, como
negros, mulheres, latinos, jovens. Isso teria impacto sobre a disposição de
fazer campanha, a decisão de sair de casa para votar e a corrida para Câmara,
Senado e cargos regionais.
O republicano perderia um trunfo importante,
ademais: está, no momento, com o controle da mensagem, batendo no candidato
velho, incapaz, com filho condenado, fraco na arena internacional. Teria de
enfrentar novas ideias, novo estilo e capacidade de articulação e
assertividade, fundamental para dois eventos cruciais de setembro, a sentença
por suborno à atriz pornô Stormy Daniels e o segundo e último debate do ciclo
eleitoral.
Nada disso significa xeque-mate em Trump,
ex-presidente amplamente conhecido, que conta com base consolidada, ruidosa e
messiânica, além da matemática conveniente do Colégio Eleitoral. Há ainda o
desapontamento dos americanos com a vida cotidiana a seu favor. Quem disputar
defendendo o legado de Biden terá um grande trabalho de convencimento a fazer,
correndo contra o tempo.
Mesmo pesados os riscos da troca, ela parece
ser a única via para tentar a vitória. É muito difícil que Biden consiga
dissipar de forma inequívoca os temores sobre sua capacidade cognitiva. Cada
passo e cada frase daqui até novembro serão dissecados; cada tropeço, um rombo
adicional no casco do navio. E as escancaradas ameaças e mentiras de Trump
ficarão em segundo plano.
Está nas mãos de Biden. Só ele pode
reconhecer suas fragilidades e quanto elas se tornaram corrosivas ao projeto de
impedir o retorno de Trump. Só ele tem a autoridade para apontar um(a)
substituto(a) e unificar o partido em torno dele(a).
Um dos mais expressivos políticos americanos
dos últimos 50 anos, Biden chega à reta final da carreira tendo duas opções.
Ser fiel à crença de que nasceu talhado a superar dificuldades e obter vitórias
improváveis, ou entrar para a História como o político que deu alguma chance à
democracia americana.
*Flávia Barbosa é editora executiva do GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário