sexta-feira, 5 de julho de 2024

Flávia Barbosa* - Só Trump quer Joe Biden

O Globo

Mesmo pesados os riscos da troca do candidato democrata, ela parece ser a única via para tentar a vitória

Joe Biden faz, nesta noite, um dos últimos grandes atos antes de decidir se mantém ou retira sua candidatura a mais quatro anos na Casa Branca. Concederá entrevista à rede de TV americana ABC, num esforço de mostrar-se capaz de continuar comandando os Estados Unidos. Após a mais dramática semana do Partido Democrata desde a Convenção de 1968, seus correligionários estão virtualmente unidos na avaliação de que Biden deveria jogar a tolha. Mas existe um grande entusiasta de sua campanha à reeleição: Donald Trump.

Está claro que os americanos têm um veredito sobre Biden. Apenas 34% aprovam sua gestão. Para 72%, o democrata não deveria ter se recandidatado; 65% veem o país, sob seu comando, caminhando na direção errada. E a questão da idade está cristalizada: para 73% dos eleitores, ele é velho demais para continuar liderando os Estados Unidos.

A campanha presidencial de 2024, porém, é uma batalha de rejeições. Quem vê Trump abrindo 6 pontos sobre Biden no pós-debate presta pouca atenção ao fato de que, ainda assim, mais da metade dos eleitores tem visão negativa sobre ele, que deixou a Casa Branca bem avaliado por só um terço dos americanos. Entre os independentes, Trump é considerado uma ameaça à democracia pela maioria.

O republicano, pois, tem clara vantagem numérica, mas numa batalha entre quem é menos pior. E se o oponente mudar, o que isso significará para Trump?10:02

Uma substituição de Biden a quatro meses da eleição não zerará o jogo, mas, se bem conduzida — e este é um grande “se” — e evitar uma batalha fratricida entre os democratas, introduzirá o elemento da novidade. O replay de Biden x Trump desagrada desde que foi anunciado, e um novo nome causará obrigatoriamente frenesi. “Será que finalmente há uma alternativa?”, se perguntarão milhões de americanos indecisos ou desgostosos.

Na base democrata, o efeito seria energizador. A substituição traria alguém mais jovem, afiado, potencialmente capaz de reconectar o partido com grupos hoje desiludidos ou desanimados, como negros, mulheres, latinos, jovens. Isso teria impacto sobre a disposição de fazer campanha, a decisão de sair de casa para votar e a corrida para Câmara, Senado e cargos regionais.

O republicano perderia um trunfo importante, ademais: está, no momento, com o controle da mensagem, batendo no candidato velho, incapaz, com filho condenado, fraco na arena internacional. Teria de enfrentar novas ideias, novo estilo e capacidade de articulação e assertividade, fundamental para dois eventos cruciais de setembro, a sentença por suborno à atriz pornô Stormy Daniels e o segundo e último debate do ciclo eleitoral.

Nada disso significa xeque-mate em Trump, ex-presidente amplamente conhecido, que conta com base consolidada, ruidosa e messiânica, além da matemática conveniente do Colégio Eleitoral. Há ainda o desapontamento dos americanos com a vida cotidiana a seu favor. Quem disputar defendendo o legado de Biden terá um grande trabalho de convencimento a fazer, correndo contra o tempo.

Mesmo pesados os riscos da troca, ela parece ser a única via para tentar a vitória. É muito difícil que Biden consiga dissipar de forma inequívoca os temores sobre sua capacidade cognitiva. Cada passo e cada frase daqui até novembro serão dissecados; cada tropeço, um rombo adicional no casco do navio. E as escancaradas ameaças e mentiras de Trump ficarão em segundo plano.

Está nas mãos de Biden. Só ele pode reconhecer suas fragilidades e quanto elas se tornaram corrosivas ao projeto de impedir o retorno de Trump. Só ele tem a autoridade para apontar um(a) substituto(a) e unificar o partido em torno dele(a).

Um dos mais expressivos políticos americanos dos últimos 50 anos, Biden chega à reta final da carreira tendo duas opções. Ser fiel à crença de que nasceu talhado a superar dificuldades e obter vitórias improváveis, ou entrar para a História como o político que deu alguma chance à democracia americana.

*Flávia Barbosa é editora executiva do GLOBO

 

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