Embora tímido, recuo de Lula é bem-vindo
O Globo
Ele poderia ter evitado as declarações
desastradas que fizeram o dólar disparar
Mesmo que acanhada, é bem-vinda a reviravolta aparente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à crise fiscal. O anúncio — tardio — de que o governo congelará recursos ainda neste ano e enviará ao Congresso o Orçamento de 2025 com previsão de corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias traz, enfim, alguma realidade ao compromisso de equilibrar as contas públicas. Lula determinou o cumprimento “a todo custo” das metas previstas para 2024, 2025 e 2026 no arcabouço fiscal, plano de ajuste do governo que perdia credibilidade dia após dia. Se cumprir as promessas, contribuirá para diminuir o ritmo de aumento da dívida pública, derrubar os juros, atrair mais investimentos e, com isso, impulsionar o crescimento econômico e o bem-estar da população.
O endividamento público vem ganhando
proporções insustentáveis desde 2014. Há dez anos, a dívida era inferior a 60%
do PIB. Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), fechará este
ano em 74,4%. À medida que cresce, maior fica a dúvida sobre a capacidade do
governo de pagá-la, criando todo tipo de incerteza. Num primeiro momento, o
Executivo, com apoio do Congresso, buscou mais receitas para manter o mesmo
patamar de gastos. Quando a estratégia chegou ao limite, Lula passou a atacar
sem trégua os cortes e a política monetária do Banco Central (BC). A cada nova
investida, o dólar subia. Foi assim em 18 de junho, quando Lula disse em
entrevista à rádio CBN que o BC era a “única coisa desajustada” no Brasil. De
lá para cá, pelo menos outras quatro manifestações dele contribuíram para a
disparada do câmbio.
Só houve sossego nesta semana, com a decisão
de anunciar atos concretos na direção do ajuste fiscal. Na quarta-feira, Lula
bateu o martelo sobre os cortes em reunião com os ministros Fernando Haddad
(Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Rui Costa (Casa
Civil). A motivação era encontrar uma solução para resgatar a credibilidade.
É verdade que a cotação do dólar tem subido
em diferentes partes do mundo, influenciada pela política de juros do Fed, o
banco central dos Estados Unidos. Mas o real é destaque negativo. As dúvidas
sobre a política fiscal e os repetidos ataques à autoridade monetária levaram a
moeda brasileira a figurar entre as que mais desvalorizaram desde o início do
ano. Lula poderia ter evitado isso, não fossem suas declarações desastradas. O
recuo na pauta fiscal era o passo mais esperado. O próximo é ele parar de erodir
a confiança no BC, mas isso é menos provável.
A escolha de Roberto
Campos Neto, presidente do BC, como nêmesis segue uma lógica
política. Pesquisas de opinião encomendadas pelo Palácio do Planalto mostram
que a maioria da população apoia as estocadas, embora todos saibam que
eleitores não conhecem os fundamentos de uma política monetária séria. As
críticas começaram 18 dias depois da posse. De janeiro a junho do ano passado,
houve 19 ataques, a maioria em dias consecutivos. No segundo semestre, houve
uma tentativa de aproximação. Em setembro, Campos Neto foi recebido no Palácio
do Planalto e, em dezembro, participou de uma confraternização na Granja do
Torto. O fim da trégua neste ano já cobra seu preço. Com seus ataques, Lula
dificulta a queda dos juros e o combate à inflação. Se continuar assim, ele
próprio voltará a perder popularidade.
Ataques de Milei a Lula desgastam relação
entre o Brasil e a Argentina
O Globo
Não há justificativa para presidente
argentino desprezar reunião do Mercosul e ir a encontro conservador
Desde antes de assumir, têm sido
injustificáveis as manifestações do presidente argentino, Javier Milei,
em relação a seu par brasileiro, Luiz Inácio Lula da
Silva. A última desfeita foi a decisão de Milei de não comparecer à reunião de
cúpula de chefes de Estado do Mercosul na
próxima segunda-feira em Assunção, no Paraguai, enquanto marcará presença no
fim de semana num encontro conservador em Balneário
Camboriú (SC).
Será a primeira viagem de Milei ao Brasil
depois de eleito. No evento, provavelmente encontrará Jair
Bolsonaro. Como político de ultradireita, ele tem o direito de
discordar das ideias de Lula sobre todo tipo de política pública. Mas os
xingamentos e a opção por prestigiar um evento da oposição em solo brasileiro
em detrimento do Mercosul soam como ofensa a todos os brasileiros.
Durante a campanha presidencial na Argentina,
a posição institucional do governo Lula era que o Brasil não tinha candidato.
Mas era uma isenção de fachada. Não faltaram sinais de que a torcida era pelo
peronista Sergio Massa, que contratou marqueteiros do PT. Depois do primeiro
turno, ministros em Brasília saudaram Massa publicamente por ter terminado em
primeiro lugar. A dias do segundo turno, Lula disse que a Argentina precisava
de um presidente que “goste de democracia”. Com razão, Milei se sentiu atacado.
Mas sua reação, de lá para cá, tem sido
pueril. Ainda candidato, fez acusações de interferência (sem provas) e proferiu
uma série de ofensas, chamando o brasileiro de “comunista” e “corrupto”. Em
entrevista no final de junho deste ano, Lula disse não ter ainda falado com o
presidente da Argentina “porque acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil
e a mim”. A uma emissora argentina, Milei respondeu não ser preciso pedir
desculpas e repetiu os xingamentos.
O descomedimento dele não é dirigido apenas a
Lula. Em maio, num encontro de políticos de direita na Espanha, Milei chamou de
corrupta Begoña Gómez, mulher do primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro
Sánchez, desencadeando uma crise diplomática. No domingo, a crise foi com a
Bolívia. Sem apresentar nenhuma prova, um comunicado da Presidência chamou de
falsa a denúncia de tentativa de golpe de Estado em La Paz na semana passada.
Milei atira no exterior, mas o alvo é o
público interno. A estratégia é alimentar a imagem de político destemido. Não
há inovação alguma em usar inimigos externos para reforçar o apoio do
eleitorado. A novidade trazida pelos populistas de hoje é a profusão de
grosserias e mentiras. Quando era presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
também distribuía caneladas. À frente da maior potência mundial, não sofreu
retaliações. Milei deveria ter mais cuidado. Para tirar a Argentina do
atoleiro, precisará atrair investimentos e boa vontade. Em primeiríssimo lugar,
do Brasil.
Emprego e renda indicam que PIB pode
surpreender
Valor Econômico
Performance da economia será mais equilibrada este ano e menos dependente de resultados extraordinários da agricultura, como ocorreu no ano passado
A economia deve crescer mais do que o
previsto, como tem ocorrido nos últimos anos e como indica o comportamento do
mercado de trabalho e da renda, que se aproxima dos melhores números do século.
O desemprego caiu no trimestre móvel encerrado em maio para 7,1%, a taxa mais
próxima do recorde de 6,8%, observado em 2014. O número de pessoas sem trabalho
caiu pela primeira vez em muito tempo para abaixo dos 8 milhões.
O Banco Central reviu suas projeções para o
crescimento do PIB, de 1,9% para 2,3%, em coro com uma série de consultorias
que esperam um resultado melhor em 2024. A previsão mais otimista continua
sendo a do Ministério da Fazenda, de 2,5%, mas todas as demais estão com viés
de alta. O BC avalia, admitindo um alto grau de incerteza, que a tragédia no
Rio Grande do Sul terá um impacto modesto sobre a atividade e que ele será
especialmente concentrado no segundo trimestre. As estatísticas do IBGE sobre o
desempenho da indústria, que teve queda de 0,9% em relação ao mês anterior,
foram mais positivas do que o que se previa sobre os efeitos econômicos
negativos da tragédia gaúcha.
Como era esperado, a performance da economia
será mais equilibrada este ano e menos dependente de resultados extraordinários
da agricultura, como ocorreu no ano passado - em 2024, segundo o BC, o setor
deve recuar 2%. Empurrarão simultaneamente o PIB para cima os gastos das
famílias e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), reduzindo um pouco, e
talvez apenas provisoriamente, a preocupante defasagem entre aumento do consumo
e os investimentos destinados a expandir a capacidade de oferta e elevar a produtividade.
O consumo das famílias, pela previsão do BC no Relatório de Inflação de junho,
teve aumento significativo - de 2,3% para 3,5% -, enquanto a FBCF deverá
crescer 4,5% ante a tímida expectativa de 1,5% anterior.
É a demanda doméstica que permitirá um PIB o
mais próximo possível do de 2023 (2,9%). Ela deverá se expandir 3,2%,
amortecendo o peso negativo da demanda externa, que retirará 0,9 ponto
percentual do PIB no ano. As importações estão crescendo a um ritmo mais forte
do que as exportações, graças ao vigor das atividades, o que reduzirá um pouco
o saldo comercial recorde do ano passado, de R$ 98,8 bilhões.
A geração de empregos com carteira assinada
aumentou e o saldo médio mensal de empregos dessazonalizado, de acordo com o
novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), subiu para 200 mil
no trimestre fevereiro-abril. O número é muito superior aos 139 mil observados
do fechamento do trimestre novembro-janeiro, que, por sua vez, já superava o
ritmo registrado em 2019, antes da pandemia.
A troca de emprego voluntária, motivada pela
quase certeza de melhor remuneração prospectiva, aumentou e chegou ao maior
nível desde abril de 2009. A relação entre desligamentos por vontade própria e
total de desligamentos aumentou na margem - uma em cada três pessoas que
deixaram sua ocupação o fez intencionalmente. E, ao contrário de épocas de
abundância de mão de obra, quando caíam, os salários de admissão estão subindo
mês a mês. Eles cresceram 0,3% no trimestre encerrado em abril, depois de
aumentarem 0,5% no trimestre findo em janeiro. Como um todo, os reajustes
médios dos salários nominais subiram 4,8% nos três meses encerrados em maio. O
reajuste real, por seu lado, avançou em ritmo menor ante o trimestre anterior -
0,7% ante 0,9%.
Para a queda do desemprego e melhora salarial
foi determinante, segundo o BC, o aumento da ocupação, algo que só começou a
ocorrer na segunda metade do ano passado. A expansão foi de 0,5% no último
trimestre encerrado em maio, depois de alta de 0,8% no trimestre anterior. O
resultado de todos esses números é que a massa habitual de salários continua
aumentando, atingindo perto de R$ 318 bilhões mensais, e, consideradas todas as
fontes de renda (renda nacional disponível bruta das famílias), inclusive precatórios,
avançou a R$ 521 bilhões.
O aumento de renda e o avanço do emprego, que
elevam o consumo das famílias e o crescimento, tornam mais lenta a queda da
inflação. A inflação dos serviços intensivos em trabalho em 12 meses registrou
6,15% em maio, e a dos serviços subjacentes, mais ligados ao ciclo econômico,
5%, evolução ainda incompatível com a meta de 3% do IPCA. A interrupção dos
cortes da Selic, em um nível de juro real muito alto, tenderá a desacelerar um
pouco a atividade econômica e reduzir o IPCA lentamente, na suposição de que os
estímulos concedidos pelo governo diminuam ou ao menos se estabilizem.
A escalada recente do dólar prejudica a convergência do nível de preços para a meta, mas pode ter sido só um interregno desnecessário e desfavorável à queda da inflação. O presidente Lula prometeu responsabilidade fiscal e o ministro Fernando Haddad, cortes no orçamento, para cumprir as metas fiscais. Se cumprirem suas promessas, os tumultos de junho ficarão no passado e a economia poderá crescer em um ritmo adequado, sem sobressaltos.
Governo muda atitude, mas 'corte' é ilusório
Folha de S. Paulo
Embora bem-vindas, interrupção da verborragia
de Lula e revisão de gastos não tornam política fiscal menos insustentável
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
enfim decidiu fazer algo para estancar a escalada de incertezas acerca da
política econômica, que se
materializava por meio da alta do dólar e dos juros.
A providência mais óbvia a tomar cabia tão
somente ao presidente da República —interromper a recente
enxurrada de bravatas e diatribes contra o Banco Central,
a política de juros, o mercado financeiro e as medidas sugeridas para conter
gastos públicos.
Na quarta-feira (3), um Lula calculadamente
comedido esquivou-se de uma pergunta sobre o BC e o dólar. "Eu agora vou
conversar sobre feijão e arroz", disse, antes de discursar no lançamento
do plano para a safra agrícola.
"Responsabilidade fiscal não é uma
palavra, é um compromisso deste governo desde 2003. E a gente manterá ele à
risca", foi a conclusão de seu pronunciamento.
Houve mais. No mesmo dia, o ministro Fernando
Haddad, da Fazenda, declarou ter ouvido de Lula a determinação de
que as regras orçamentárias para a contenção da dívida pública devem ser
preservadas "a todo custo".
Isso significa, segundo Haddad, que o governo
está disposto a bloquear despesas para cumprir a meta de reduzir o déficit do
Tesouro para perto de zero neste ano.
Ademais, anunciou-se que análise técnica
conduzida nos últimos 90 dias identificou despesas
indevidas de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais, que serão
"cortadas" do Orçamento do próximo ano.
A inflexão da administração petista produziu
algum alívio imediato, também refletido nas cotações do dólar. Mitigam-se, ao
menos por ora, os piores temores quanto às inclinações gastadoras e
intervencionistas reveladas pela verborragia de Lula. O conjunto de anúncios,
porém, é fragílimo.
Um contingenciamento emergencial de gastos
será bem-vindo, mas neste momento as projeções do governo para receitas e
despesas —e, portanto, para o cumprimento da meta fiscal— estão plenamente
desacreditadas. Não parece provável, assim, que a medida se dará na dimensão
necessária.
O "corte" prometido para 2025 não
passa de uma reestimativa de custos, a ser verificada. O pente-fino nos
benefícios é sempre salutar, porém equivalerá a enxugar gelo se não forem
revistas as regras que impõem a alta contínua de desembolsos obrigatórios.
Não merecem maior consideração, por fim, as
juras de responsabilidade do mandatário, desmentidas por outras declarações e,
sobretudo, por atos. Lula, que instituiu uma regra fiscal cada vez mais
percebida como insustentável, ainda governa como se desfrutasse da fartura
circunstancial de recursos de seus primeiros dois mandatos.
Formando professores
Folha de S. Paulo
Medidas do MEC para licenciaturas são
sensatas, mas corporativismo barra avanços
São positivas, ainda que insuficientes, as
medidas adotadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para incentivar a
melhora de cursos superiores que formam professores para o ensino básico.
Na mais recente delas, o Ministério da Educação criou
uma versão do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)
voltada para as licenciaturas. A
avaliação será anual, em vez de a cada três anos, e com maior foco
na prática pedagógica do que no conteúdo teórico de cada área.
No final de maio, a pasta já havia instituído
a exigência de que os cursos de licenciatura e de pedagogia na modalidade de
educação a distância (EAD) durem ao menos quatro anos e tenham no mínimo 3.200
horas de carga horária, sendo que 50%
delas precisam ser presenciais.
As medidas indicam caminhos para melhorar a
formação dos docentes, mas há deficiências que permanecem intocadas.
O Enade não produz efeito na vida acadêmica
dos formandos, o que desestimula desempenhos melhores nas provas. Merecem maior
atenção, ainda, taxas de evasão e trajetória dos egressos, para de fato atestar
a qualidade de um curso.
Dos cerca de 790 mil ingressantes em
licenciaturas em 2022, mais de 650 mil foram para instituições privadas;
destes, 93,7% optaram por EAD, de acordo com o mais recente Censo do Ensino
Superior.
São dados superlativos, e as preocupações
do MEC têm
razão de ser. O Ranking Universitário Folha (RUF) aponta que
cursos EAD de faculdades particulares no geral tendem a ser mal avaliados.
Seria importante também diversificar
o financiamento do ensino superior público e rever a exigência
de homogeneidade entre as mais de 200 universidades —pesquisa e extensão na
mesma proporção e número mínimo de cursos de graduação e pós-graduação, por
exemplo— para ampliar o acesso.
Conviria, ademais, avaliar a produtividade
dos professores na educação básica e rever a estabilidade do funcionalismo.
Infelizmente, as mudanças mais ousadas enfrentam oposição fervorosa da ideologia e do corporativismo, com guarida no atual governo.
Haddad, o bombeiro
O Estado de S. Paulo
Haddad conseguiu vencer uma batalha
importante no governo, mas o discurso fiscal de Lula ainda será testado, e o
governo terá de apresentar medidas efetivas de corte de despesas
Após semanas de fritura pública, o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, foi escalado para conter a crise de confiança
desencadeada pelas trágicas declarações do presidente Lula da Silva, que
questionou, em diversas ocasiões, a necessidade de o País adotar uma política
fiscal austera e de reduzir os gastos públicos.
Haddad passou o dia reunido com Lula da Silva
para então dizer, ao final dele, que o governo vai cortar R$ 25,9 bilhões em
despesas obrigatórias no Orçamento de 2025. O valor, segundo ele, não é
arbitrário. “É um número que foi levantado linha a linha do Orçamento daquilo
que não se coaduna com o espírito dos programas sociais que foram criados”,
afirmou.
O anúncio, ao lado dos ministros da Casa
Civil, Rui Costa, das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e do
Planejamento, Simone Tebet, foi uma tentativa de passar a impressão de que as
ferrenhas disputas internas entre os membros do governo estão superadas.
Lula da Silva, segundo Haddad, determinou que
o arcabouço fiscal seja preservado a qualquer custo. Antes, o presidente já
havia feito sua parte. Provocado pela imprensa, recusou-se a criticar o Banco
Central e, em discurso, enfatizou que a responsabilidade fiscal é um
compromisso do governo. A estratégia foi suficiente para que a cotação do dólar
recuasse a R$ 5,56, uma queda de 1,7%, mas ainda longe do patamar registrado no
início do ano.
Era óbvio que a mudança de tom adotada pelo
presidente produziria efeitos imediatos no mercado financeiro, o que claramente
mostra a insensatez de manter uma atitude tão autodestrutiva nos últimos dias.
Fato é que o estrago está feito, e o retorno do dólar a patamares mais próximos
aos de janeiro, em torno de R$ 4,90, dependerá da real disposição do governo em
colocar esse discurso em prática.
O primeiro teste será no fim deste mês,
quando algumas das ações a serem adotadas em 2025 serão antecipadas durante a
divulgação do relatório de avaliação do Orçamento deste ano. O ministro
adiantou que o Executivo terá de adotar medidas para assegurar o respeito ao
limite de gastos e o cumprimento da ambiciosa meta de déficit zero.
Segundo o Broadcast/Estadão, o bloqueio
de despesas pode chegar a R$ 10 bilhões neste ano, embora especialistas
calculem que o cumprimento do limite inferior da meta exija algo mais próximo
de R$ 40 bilhões.
Não houve detalhamento dessas medidas, mas,
ao que parece, o que se pretende é centrar esforços na revisão cadastral em
despesas previdenciárias e de assistência social. Fraudes, por óbvio, sempre
devem ser combatidas, mas pentes-finos não costumam gerar economia relevante ao
erário.
O crescimento dos gastos com o Benefício de
Prestação Continuada (BPC), por exemplo, não se deu por acidente. Se hoje eles
atingiram R$ 103 bilhões no acumulado de 12 meses, foi porque as regras de
acesso ao benefício foram flexibilizadas por uma lei aprovada em 2021.
No caso da Previdência Social, cujos gastos
atingiram R$ 930 bilhões no acumulado de 12 meses, de fato houve aumento de
concessões de benefícios temporários, como o auxílio-doença, mas as
aposentadorias e pensões também tiveram crescimento.
Tampouco é justo atribuir a culpa desse
avanço à política de redução de filas dos pedidos ao INSS. Ainda que as filas
continuassem, seria questão de tempo para que os benefícios fossem concedidos a
quem realmente tem direito a eles.
Ademais, bloqueios e contingenciamentos são
medidas importantes, mas pontuais, e o anúncio de um número baixo será mal
recebido pelo mercado. Como se sabe, não basta cumprir o arcabouço fiscal, uma
vez que algumas das principais despesas da União crescem à revelia do
dispositivo – que, é sempre bom lembrar, foi proposto pelo próprio governo de
Lula da Silva.
Apostar unicamente na recuperação de receitas
já não basta para cumprir a meta fiscal, e o Congresso já deixou claro que não
aceita propostas que aumentem impostos. Mais cedo ou mais tarde, o governo será
cobrado a apresentar medidas que representem cortes estruturais de despesas, e
o discurso supostamente responsável do governo será posto à prova.
Suprema Corte embala o sonho de Trump
O Estado de S. Paulo
Trump sempre quis exercer o poder como bem
entender, sem freio. Obviamente, digam o que disserem os republicanos da Corte,
não foi com isso que os fundadores dos EUA sonharam
A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu,
por 6 votos a 3, que ex-presidentes da República não podem ser investigados e
julgados criminalmente por seus atos no exercício do cargo. A decisão diz
respeito ao caso que envolve o ex-presidente Donald Trump, acusado de ter
tentado reverter o resultado da eleição de 2020, na qual foi derrotado por Joe
Biden.
Os seis votos vencedores foram dos ministros
indicados por presidentes republicanos (três deles por Trump), enquanto os três
votos derrotados foram dos ministros indicados por presidentes democratas, o
que explicita a dimensão política do debate: para os republicanos, a decisão da
Suprema Corte respeita a Constituição e a separação de Poderes; para os
democratas, a decisão viola a Constituição e cria um Poder – o Executivo –
acima dos demais.
Essa divisão evidente mostra que não houve
debate, e sim uma disputa politicamente motivada, cujo desfecho refletiu apenas
e tão somente a aritmética – aparentemente há seis juízes dispostos a defender
Trump a qualquer custo e há apenas três dispostos a condená-lo de modo
implacável. Eis a miséria do debate público atual, nos Estados Unidos e em
praticamente todo o mundo: não parece haver mais a possibilidade de um consenso
sobre aspectos basilares da vida em sociedade e sobre o funcionamento do Estado
– inclusive, ou principalmente, sobre a própria Constituição, espécie de
contrato fundamental da relação entre indivíduos, sociedade e Estado.
O fato incontornável, contudo, é que a
questão da imunidade presidencial é decisiva para as eleições presidenciais
deste ano nos Estados Unidos, razão pela qual seu componente político é
central. Um revés para Trump na Suprema Corte possivelmente o alijaria da
disputa eleitoral, e não é de hoje que aquele tribunal evita tomar decisões que
possam resultar na inelegibilidade de quem quer que seja.
Recentemente, por exemplo, a Suprema Corte
rejeitou uma decisão judicial que havia retirado Trump da cédula eleitoral das
primárias republicanas no Estado do Colorado por seu envolvimento na invasão do
Capitólio em janeiro de 2021, em que seus seguidores pretendiam impedir a
certificação da vitória de Biden. É interessante observar que essa decisão foi
unânime – ou seja, todos os ministros da Suprema Corte, sejam republicanos ou
democratas, entenderam que nenhum Estado, individualmente, pode impedir candidaturas
presidenciais.
Mas o caso da imunidade presidencial
reivindicada por Trump está em outro patamar. Sua intenção evidente é escapar
de punição por seus crimes, a começar pela tentativa de destruir a democracia
dos Estados Unidos, sobre a qual há inúmeras e inquestionáveis evidências.
Quando os formuladores da Constituição
americana imaginaram o instituto da imunidade presidencial, não o fizeram para
impedir que os presidentes, uma vez fora do cargo, fossem imunes a processos
por crimes, sobretudo crimes contra a democracia, e sim para dar ao presidente
da República conforto jurídico para tomar suas decisões de Estado, muitas das
quais impopulares, duras e eventualmente violentas, sem se preocupar com
eventuais processos no futuro.
Tentar reverter o resultado de uma eleição
por meio de fraude e uso da força, como fez Trump, não está, ou não deveria
estar, entre as atribuições oficiais de um presidente, mas, na prática, foi
isso o que a Suprema Corte decidiu. Doravante, portanto, presidentes americanos
são considerados formalmente inimputáveis, mesmo que atentem contra a
democracia.
Era exatamente o que os pais da República
americana queriam impedir. Pois não há nada mais contrário ao espírito da
República que ter um chefe de Estado acima da lei, algo próprio da monarquia –
em que o rei encarna a soberania e a lei, razão pela qual não pode ser
sancionado de nenhuma maneira.
É com isso que Trump sempre sonhou: cometer
crimes sem ser punido e, na condição de presidente, exercer o poder como bem
entender, sem qualquer tipo de freio. Obviamente, digam o que disserem os
republicanos da Suprema Corte e sejam quais forem as nuances jurídicas da
decisão, não foi com isso que os fundadores dos Estados Unidos sonharam.
A rinha dos galos populistas
O Estado de S. Paulo
Lula e Milei não perdem uma oportunidade de
se apequenar, prejudicando Brasil e Argentina
Países não têm amigos, têm interesses. Mas os
interesses de Brasil e Argentina foram sequestrados pelas animosidades de seus
chefes de Estado.
O último capítulo dessa novela de mau gosto é
a visita de Javier Milei ao Brasil neste fim de semana, não enquanto chefe de
Estado, mas como militante num convescote reacionário liderado pela família
Bolsonaro. Isso após anunciar que não participará da Cúpula do Mercosul, na
segunda-feira, por “excesso de compromissos”. Já o presidente Lula da Silva
disse há alguns dias que não conversaria com Milei enquanto ele não pedisse
desculpas “ao Brasil e a mim”, por ter falado “muita bobagem”.
“El Loco”, sem dúvida, diz muita bobagem. O
entrevero começou já nas eleições argentinas, em 2023. Lula apoiou
escancaradamente o companheiro peronista Sergio Massa. Milei o acusou de
interferir nas eleições e o chamou de “comunista” e “corrupto” – o que voltou a
repetir agora. Na cerimônia de posse, o convite ao antípoda de Lula, Jair
Bolsonaro, ensejou um pretexto para que o presidente brasileiro se recusasse a
participar.
Não se trata de ponderar, como se faz com
crianças, quem começou primeiro ou quem ofendeu por último. Nesse último
quesito, Milei, que replica a tática bolsonarista de trocar vitupérios por
votos, até leva a melhor. Mas isso só importa às relações privadas entre ambos.
As relações entre chefes de Estado estão – ou deveriam estar – em outro plano,
no qual inclinações pessoais e partidárias são irrelevantes.
Não é assim, contudo, que funciona a
diplomacia personalista e sectária de Milei e Lula. Com estilos diferentes e
ideias antagônicas, ambos instrumentalizam os palcos internacionais para
destilar seus rancores ideológicos, batalhando quixotescamente em “guerras
culturais” para agitar a militância e jogar areia nos olhos do cidadão comum.
Essa atitude explica por que Lula também diz muita bobagem sobre questões
geopolíticas, como a guerra na Ucrânia ou as “democracias” de Cuba, Venezuela e
China.
A boca suja de Milei é problema dos
argentinos. Mas ele ao menos, aparentemente, não padece da megalomania de Lula,
que identifica seu ego com o próprio Estado. Afinal, não há razão para que Lula
condicione sua relação com os governos da Argentina ou de Israel a pedidos de
desculpas por supostas ofensas que ele sofreu. Aliás, Milei enviou três cartas
sugerindo a aproximação entre os governos, que foram respondidas com silêncio.
Dinheiro não tem cheiro, e a rinha de galo
entre os populistas não afetará as relações comerciais entre os vizinhos – ao
menos não por ora. Mas há mais em jogo. Os dois países formam a base do
Mercosul e representam dois terços do território, da população e do PIB do Cone
Sul, cujo destino depende da cooperação entre ambos.
Desde a época das missões até as disputas sobre a Usina de Itaipu ou a corrida nuclear, Brasil e Argentina já viveram conflitos severos. Mas eles foram solucionados pelos adultos na sala, estadistas que extraíram das crises mais confiança mútua. Hoje é o inverso: não há nenhum conflito entre os dois Estados, muito menos entre os dois povos, só entre as duas crianças no poder.
Beleza a qualquer preço
Correio Braziliense
Não aprendemos a ser criteriosos nas nossas
escolhas de procedimentos estéticos. Também não aprendemos a criar estratégias
capazes de fiscalizar e punir, como se deve, os maus profissionais
Nesta semana, o Brasil registrou mais uma
morte decorrente do provável uso inadequado de uma substância conhecida pelos
malefícios: o PMMA. Uma modelo e influencer de 33 anos morreu depois de se
submeter a um procedimento para o aumento dos glúteos em que supostamente foi
utilizado o polimetilmetacrilato. No dia seguinte à cirurgia, ela teria sentido
os primeiros sintomas (febre) de que algo poderia ter dado errado. No quarto
dia, foi internada e acabou morrendo na última terça-feira. Não é a primeira vez
que a proprietária da clínica estética foi detida e será investigada, mas mais
uma vítima se foi.
O PMMA é um material sintético e somente pode
ser usado em casos muito específicos, em pequenas porções e nunca implantado
por pessoas não qualificadas. A substância é tão perigosa que, para ser
utilizada em preenchimentos subcutâneos, precisa de registro na Agência de
Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, é considerado um produto de uso em
saúde de máximo risco (classe IV) e só pode ser administrado após treinamento,
já que o profissional precisa saber determinar doses, número de injeções, áreas
do corpo e características do paciente.
No entanto, a história se repete, e, cada vez
mais, em menor espaço de tempo. Vide a morte, há menos de um mês, de um homem
por uso de polifenol, também utilizado por profissional não capacitado para
tal. Somente em 2023, no Brasil, foram feitos mais de 2 milhões de
procedimentos estéticos, calcula a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP). Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS),
ocupamos o segundo lugar do mundo no ranking internacional de cirurgias
plásticas, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Mas não aprendemos a ser criteriosos nas
nossas escolhas. Também não aprendemos a criar estratégias capazes de
fiscalizar e punir, como se deve, os maus profissionais. Não há fiscalização,
portanto, há impunidade. A verdade é que o imediatismo e as promessas
mirabolantes de beleza, aliados à busca pelo corpo perfeito ou a uma espécie de
tentativa de autoaceitação frente ao espelho, têm transformado a cirurgia
plástica com fins estéticos em algo imprescindível na vida de todas as
pessoas.
A boa notícia é que uma onda
"natural" está começando a se formar, ainda que os números de
procedimentos estéticos tendam a crescer exponencialmente nos próximos anos.
Muitas mulheres que implantaram silicone nos seios, por exemplo, estão retirando
o volume, e mesmo aqueles que se submetem a alguma cirurgia estão exigindo
resultados mais discretos, contornos mais suaves e proporcionais ao próprio
corpo.
Quem sabe, assim, possamos noticiar o sucesso deste ou daquele procedimento estético a que uma celebridade se submeteu tamanha a naturalidade, em vez de mortes, deformações e embates nos quais profissionais e pacientes são postos frente a frente em processos judiciais que duram anos, quase sempre sem final feliz.
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