CartaCapital
As metas do Acordo de Paris foram para o vinagre. As previsões quanto ao aquecimento global são catastróficas
Não é mais novidade o fato de o mundo estar
mergulhado numa sucessão de catástrofes
climáticas variadas e praticamente diárias. Tempestades e
chuvas violentas, furacões devastadores, secas desertificantes, incêndios
dantescos, elevação do nível dos mares, desaparecimento de espécies, poluição
assustadora dos oceanos, desaparecimento de rios e nascentes e temperaturas
insuportáveis são algumas das múltiplas tragédias que qualquer cidadão pode
tomar conhecimento pelo noticiário. Para alguns cientistas, as mudanças
climáticas já produzem milhões de mortes.
O que mais assusta e angustia é a omissão criminosa dos governos e a indiferença das sociedades. À exceção de cientistas e ONGs, a crise climática é tratada de forma secundária. O Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, passou quase em branco no Brasil. Nenhuma grande mobilização, ínfima ou nenhuma importância por parte da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais.
Há poucas semanas, duas pesquisas
assustadoras, praticamente ignoradas no País, uma da Universidade da Califórnia
e outra do Centro Nacional Oceanográfico dos Estados Unidos, indicam que o
Acordo de Paris foi para o vinagre. A principal meta previa que o aquecimento
global se limitasse a 1,5 grau Celsius em relação à média do período
pré-industrial até o fim do século XXI. Segundo os pesquisadores, esse limite
foi ultrapassado recentemente e a subida da temperatura nos próximos anos
caminha para o dobro: 3 graus. Para se atingir a meta do acordo seria
necessário reduzir em 42% a emissão de gases de efeito estufa até 2030. Se a
redução for de 28%, o aquecimento será de 2 graus. Segundo a ONU, em vez de
queda, registra-se um aumento das emissões desde 2020.
Os cientistas não conseguem projetar
exatamente o que acontecerá com um aquecimento
global de 3 graus. Mas há uma certeza: o mundo será
aterrorizante. De acordo com algumas projeções, vários ecossistemas dos quais
dependem a humanidade e outras espécies vão desaparecer. Somente a elevação dos
mares afetará 12% da humanidade. Ondas mortais de calor e chuvas diluvianas
ocorrerão em todas as partes. A vida média dos indivíduos cairá drasticamente e
novas epidemias surgirão. Com o desaparecimento massivo das florestas, a
captura de carbono se tornará mais difícil e a temperatura poderá evoluir rapidamente
para um aquecimento de 4 graus.
O governo Lula tem feito muito
em termos de política ambiental, quando comparado à desastrosa e negacionista
administração Bolsonaro. Marina Silva é
e continuará a ser um ícone mundial das lutas ambientais. Lula e o governo
gozam de credibilidade e liderança internacional em termos de comprometimento
com o meio ambiente. Mas, talvez, o presidente não escape de um veredicto
desabonador do tribunal dos tempos em relação ao efetivo comprometimento com a
preservação do meio ambiente e o combate ao aquecimento global. O Brasil tem um
compromisso fraco com a redução das emissões, pois as metas assumidas até 2030
são modestas. Os órgãos ambientais, entre eles o próprio ministério e o Ibama,
continuam sucateados e desprestigiados. As cidades brasileiras não apresentam
progresso satisfatório no cumprimento das 169 metas e dos 17 Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável.
O governo não tem planos e estratégias para
salvar os principais biomas, como o Pantanal, o Cerrado, o Pampa, a Amazônia e
a Mata Atlântica. Não tem política nacional de combate aos incêndios, não
existem planos logísticos, articulações com estados e setores produtivos do
campo. Em que pesem várias ações, a Amazônia continua entregue ao crime
organizado, ao garimpo ilegal e ao genocídio dos povos originários. No
Pantanal, só houve interferência algumas semanas depois de o fogo produzir
grandes devastações. A rigor, não há estratégia de prevenção e de regeneração
das ações depredadoras dos biomas e do meio ambiente.
Todos os estudos e relatórios sérios são
enfáticos em afirmar que a redução das emissões de gases de efeito estufa
depende do estancamento da produção de combustíveis fósseis. O governo Lula não
tem nenhuma meta de redução de produção de petróleo, carvão e gás. Pior, quer
produzir na Foz do Amazonas, em um total descompromisso com a redução do
aquecimento global.
Falta uma política e uma legislação para barrar a poluição dos oceanos. Parece nem sequer haver interesse em enfrentar esse gravíssimo problema. Inexiste um programa nacional de regeneração ambiental, como a recuperação de nascentes, de reflorestamento nativo etc. Até agora, o compromisso do governo Lula com o meio ambiente situa-se mais no campo das promessas. Por muito que tenha feito em relação a Bolsonaro, é pouco em relação às necessidades e urgências que a realidade da crise impõe.
Publicado na edição n° 1318 de CartaCapital,
em 10 de julho de 2024.
Um comentário:
Muito bom. O criminoso ambiental Ricardo Salles comandou o DESgoverno Bolsonaro na área ambiental. Devastou a legislação e os órgãos ambientais. Lula e Marina estão reconstruindo sobre as ruínas deixadas pelos golpistas genocidas. Em 1,5 ano, melhoraram a situação, mas fizeram pouco em relação ao muito que é necessário, como aponta o colunista.
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